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A teoria da luz de Newton nos textos de Young

Newton's theory of light in Young's texts

Resumos

A concepção de Newton sobre a luz tem sido alvo de controvérsia. Alguns autores consideram sua teoria puramente corpuscular; outros, infiuenciados pelos textos de Young, defendem que ela seria uma combinação de elementos corpusculares e ondulatórios. A análise do texto desses autores realizada no presente trabalho permite concluir que a versão segundo a qual Newton defenderia uma teoria da luz parcialmente ondulatória seria uma construção a posteriori, devida em grande parte a Young, e não o contrário, ou seja, a interpretação segundo a qual Newton sustentaria uma teoria puramente corpuscular estaria em maior conformidade com seus textos originais.

teoria ondulatória da luz; óptica; Newton; Young; ensino de ciências


Newton's conception of light has been a controversy matter. Some authors consider his theory as a purely corpuscular one; others, infiuenced by Young's texts, argue that it would be a combination of corpuscular and undulation elements. The analysis of these authors texts realized in this work allow us to conclude that the version according to which Newton argues a partially undulation theory of light would be a posteriori construction, due in large manner to Young, and not the opposite, i.e., the interpretation that Newton sustains a purely corpuscular theory would be in better conformity with their original texts.

wave theory of light; optics; Newton; Young; science education


HISTÓRIA DA FÍSICA E CIÊNCIAS AFINS

A teoria da luz de Newton nos textos de Young

Newton's theory of light in Young's texts

Fabio W.O. da Silva1 1 E-mail: fabiow@des.cefetmg.br.

Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

RESUMO

A concepção de Newton sobre a luz tem sido alvo de controvérsia. Alguns autores consideram sua teoria puramente corpuscular; outros, infiuenciados pelos textos de Young, defendem que ela seria uma combinação de elementos corpusculares e ondulatórios. A análise do texto desses autores realizada no presente trabalho permite concluir que a versão segundo a qual Newton defenderia uma teoria da luz parcialmente ondulatória seria uma construção a posteriori, devida em grande parte a Young, e não o contrário, ou seja, a interpretação segundo a qual Newton sustentaria uma teoria puramente corpuscular estaria em maior conformidade com seus textos originais.

Palavras-chave: teoria ondulatória da luz, óptica, Newton, Young, ensino de ciências.

ABSTRACT

Newton's conception of light has been a controversy matter. Some authors consider his theory as a purely corpuscular one; others, infiuenced by Young's texts, argue that it would be a combination of corpuscular and undulation elements. The analysis of these authors texts realized in this work allow us to conclude that the version according to which Newton argues a partially undulation theory of light would be a posteriori construction, due in large manner to Young, and not the opposite, i.e., the interpretation that Newton sustains a purely corpuscular theory would be in better conformity with their original texts.

Keywords: wave theory of light, optics, Newton, Young, science education.

1. Introdução

O objetivo deste trabalho é analisar a discussão feita por Thomas Young (1773-1829) em seus textos de óptica sobre uma possível presença, na teoria da luz de Newton (1642-1727), de alguns aspectos ondulatórios.

Há muito, a concepção de Newton sobre a luz é alvo de controvérsia. Tradicionalmente, ele é apontado como defensor de uma teoria puramente corpuscular; outros, porém, invocando principalmente o testemunho de Young, atribuem-lhe uma teoria complexa, envolvendo também características ondulatórias. A comparação dos textos desses dois pesquisadores sugere uma interpretação alternativa. Cada qual em sua época, sabe-se que ambos passaram por uma situação de contestação da comunidade científica. Assim, precisaram contemporizar com a posição antagônica de adversários de reputação bem estabelecida, acarretando algumas dificuldades para a compreensão futura de suas obras.

Em 1672, Isaac Newton, então com 29 anos, publicou o primeiro artigo de sua carreira, que tratava de uma teoria sobre a luz e as cores [1]. O artigo foi recebido com críticas por John Flamsteed (1646-1719), Christiaan Huygens (1629-1695) e Robert Hooke (1635-703). Entre os críticos, Hooke foi o mais severo. Ele sustentava que a luz seria constituída por pulsos de pequena amplitude propagando-se em um meio material e que haveria somente duas cores básicas, o vermelho e o azul, ou seja, os extremos do espectro visível. As cores intermediárias seriam devidas a distorções causadas nesses pulsos durante as refrações. Hooke então acusou Newton de defender uma teoria corpuscular, portanto em oposição aquela que ele partilhava, supostamente embasada em dados empíricos incontestáveis. Newton, em sua resposta, reconhece então que o movimento ondulatório seria igualmente importante em ambas, mas não da mesma forma.

Em 1800, Young era um jovem médico de 27 anos que se dedicava a estudos de óptica e ousava discordar de Newton. Talvez por esse motivo, em seu texto de 1801, ele argumenta que sua teoria não era incompatível com a do grande físico, citando ora passagens em que Newton se defende das críticas de Hooke, ora trechos escolhidos de sua Óptica. Curiosamente, a situação aqui ficou invertida: enquanto o jovem Newton, apesar de defender a corporeidade da luz, buscava evitar o embate direto com Hooke; Young, apesar de defender uma teoria "vibracional", na medida do possível evitava se contrapor a Newton.

A utilização por Young do trabalho de Newton torna difícil distinguir o que é devido a um e a outro. Uma interpretação é que Newton não fosse tão infiexível em sua visão corpuscular [2], chegando-se às vezes a lhe atribuir determinações precisas de comprimentos de onda na decomposição espectral da luz branca, ou a observação de efeitos ondulatórios, como os anéis de Newton, em uma combinação das teorias corpuscular e ondulatória que lembraria um pouco a atual teoria quântica [3].

Propomos demonstrar que, apesar de na época de Newton a descrição ondulatória da luz não dispensar a presença de corpúsculos para a sua propagação, e a descrição mecânica não eliminar a geração de ondas pelos corpúsculos, essas teorias conservaram suas especificidades, e algumas passagens de Newton foram usadas de forma retórica por Young, induzindo o leitor a conclusões opostas às intenções do texto original. Para isso, vamos iniciar com os argumentos contidos nos textos de Young, principalmente a Bakerian Lecture de 1801 [4], Notas de Aula Sobre Filosofia Natural e Experimental, de 1802 [5], e o artigo da Philosophical Transactions de 1804 [6], para, em seguida, compará-los com as mesmas óbras que ele cita, ou seja, a Optica [7], de 1704, e a resposta de Newton a Hooke, publicada nos Philosophical Transactions de 1672 [8].

2. Os argumentos de Young ao invocar Newton

Young tem um estilo elegante e envolvente. Ele começa o texto de 1801 [4] estabelecendo a distinção entre hipóteses e princípios: enquanto aquelas teriam pouco uso na promoção do conhecimento natural, esses, ao permitir a redução de um grande número de fenômenos aparentemente heterogêneos a leis coerentes e universais, seriam de considerável importância para o aprimoramento do intelecto humano. Assim como Newton, ele também não faz hipóteses.

No segundo parágrafo, afirma que seu objetivo não é propor nenhuma opinião absolutamente nova, nem será necessário produzir nenhum novo experimento. Com isso, reduz drasticamente a possibilidade de críticas que lhe poderiam ser imputadas, pois, se não é responsável por nenhuma criação nova, nada de novo poderá ser criticado.

O terceiro parágrafo não permite qualquer dúvida acerca de suas intenções: "As observações ópticas de Newton são ainda sem rival e, exceto em algumas imprecisões casuais, elas apenas crescem em nossa estimativa, quando as comparamos com as tentativas posteriores para melhorá-las" [4, p.12]. Assim, ao mesmo tempo que presta homenagem ao grande gênio, faz referência à qualidade de suas observações. Particularmente, serão mencionadas as observações relativas ao aparecimento de cores em placas finas e suas respectivas medidas, correspondentes aos fenômenos hoje conhecidos como "anéis de Newton".

No quarto parágrafo, Young afirma que o exame cuidadoso dos diversos escritos de Newton mostrou-lhe que teria sido o próprio grande cientista o primeiro a sugerir o tipo de teoria que ora tenta defender, que suas opiniões estariam menos distantes das de Newton do que é hoje universalmente suposto, e que uma variedade de argumentos propostos, que poderiam refutá-lo, são encontrados em uma forma muito semelhante nos trabalhos do grande cientista.

Nas seções seguintes, Young procura demonstrar os principais pontos de coincidência entre a teoria que está propondo e algumas passagens selecionadas da obra de Newton. Young apresenta então 4 hipóteses, 9 proposições e alguns corolários.

A hipótese I refere-se à possibilidade de existência de um éter luminífero, altamente raro e elástico, que preencheria o universo. Esse éter seria susceptível de propagar vibrações produzidas pelos corpúsculos de luz, comunicando calor aos corpos, etc. Uma teoria ondulatória, na forma como se concebia naquela época, não poderia prescindir de um meio de propagação. Portanto, é necessário aduzir argumentos que sustentem pelo menos a possibilidade de sua existência. Para isso, ele cita: (a) um trecho da resposta a Hooke, de 1672, em que Newton afirma serem as vibrações do éter igualmente úteis nas teorias de ambos; (b) outro de 1675, em que reafirma o éter; (c) a questão 18 da Óptica, que discute a transmissão de vibrações através desse meio, inclusive excitadas pela luz, mas não a própria luz.

A hipótese II afirma que ondulações seriam produzidas no éter, quando um corpo se torna luminoso. Seguese então a diferença entre ondulações e vibrações: a vibração seria entendida como um movimento continuamente alternado para frente e para trás; a ondulação seria transmitida através de diferentes partes do meio, sem qualquer tendência de cada partícula para continuar seu movimento. Percebe-se aqui certa afinidade com a teoria de Huygens de propagação de pulso, sem oscilar, de um corpúsculo a outro [9]. Quanto as passagens de Newton, Young repete a possibilidade de excitação de criação de ondas a partir do choque de partículas de luz, propostas por Newton na publicação de 1675, e novamente as questões 17 e 18 da Óptica. Em particular, ao transcrever parte da questão 18, que trata da transmissão de calor no éter por meio de vibrações excitadas pela luz, Young omite qualquer referência ao calor, deixando ao leitor a possibilidade de supor que se tratasse da própria luz.

A hipótese III trata da sensação de diferentes cores como uma consequência de diferentes frequências de vibração excitadas na retina pela luz. Esse é um ponto importante, pois uma leitura apressada da obra de Newton poderia confundir o mecanismo de percepção da luz na retina, e de transmissão das vibrações geradas "através das fibras do nervo ótico até o cérebro", o mecanismo de transmissão da luz propriamente dita. Aí aparecem citações do texto de 1672 e das questões 13, 14 e16 da Óptica. Essas questões repetem parte das explicações fornecidas na análise do Axioma VII, Livro I, Parte 1, da Óptica, que contém, inclusive, um esquema do olho humano e da trajetória dos raios luminosos, incidindo na pupila e sendo convergidos pelo cristalino sobre a retina. Entretanto, ao comparar a natureza da luz e a natureza das excitações produzidas no organismo humano pela luz, mais uma vez Young não cita a diferença entre elas. Acompanhando a Óptica de Newton, ele admite que o movimento produzido na retina pela luz, ou pela pressão dos dedos, tem uma natureza distinta da própria luz. Apesar disso, enquanto Newton discute as vibrações produzidas na retina pelos corpúsculos de luz, Young conclui a seção apresentando um escólio no qual compara as vibrações da retina com as ondulações da luz propriamente ditas.

Young denomina essas três primeiras hipóteses de essenciais e afirma que elas são literalmente parte do sistema newtoniano, ou seja, existe um éter, ele é capaz de propagar ondulações e as diferentes cores resultariam de diferentes frequências de vibração excitadas pela luz.

Para sua quarta e última hipótese, contudo, Young admite uma oposição diametral a teoria de Newton, suavizada pela afirmação de que ambas seriam igualmente prováveis, e a oposição meramente acidental, restando somente investigar qual a mais adequada para explicar os fenômenos. Justifica ainda tratar-se de uma hipótese não fundamental, apenas a mais simples que lhe ocorreu [4, p.21]: "Todos os corpos materiais têm uma atração pelo meio etéreo, através da qual a sua substância [do éter] é acumulada dentro deles e a uma pequena distância em torno deles [dos corpos materiais], em um estado de maior densidade, mas não de maior elasticidade". De fato, essa é uma diferença mais grave do que ele quer admitir. Na Questão 28, Newton afirma categoricamente, diversas vezes, que o firmamento é destituído de qualquer matéria perceptível e, ao rejeitar um meio fiuido de propagação, rejeita igualmente a possibilidade de pressão ou movimento transmitido através desse meio. Além disso, Young estaria substituindo o espaço homogêneo e isotrópico de Newton por um éter de densidade variável, necessário para explicar algumas propriedades do comportamento ondulatório da luz, na forma como ele a concebeu.

Após a apresentação das hipóteses, vêm as proposições. Como se trata de uma teoria ondulatória mecânica, mais uma vez recorre aos escritos de Newton, que têm muito a contribuir para atestar a validade das afirmações de Young, seja por meio de observações e cálculos, seja por aplicações dos princípios newtonianos. Por exemplo, cita-se a proposição I: "em um meio homogêneo elástico, todos os impulsos são propagados com a mesma velocidade" [4, p. 22]. Em seguida, as observações de Newton acerca da propagação do som no ar vêm corroborar essa afirmação.

Contudo, é inevitável que apareçam divergências. Esses pontos correspondem exatamente diferentes às consequências extraídas de uma teoria corpuscular e de uma teoria ondulatória da luz. Por exemplo, Young reproduz uma passagem em que Newton recusa a possibilidade da propagação retilínea de ondas ou de vibrações em qualquer fiuido [4, p. 27]:

Para mim, a própria suposição fundamental parece impossível, ou seja, que as ondas ou vibrações de qualquer fiuido possam, como os raios de luz, ser propagadas em linha reta, sem um contínuo e extravagante espalhamento e curvatura em todas as direções no meio inativo, onde elas são limitadas por ele.

Essa objeção de Newton à teoria ondulatória, além de extremamente clara, é complementada na página seguinte pela citação da questão 28 da Óptica, "Pois nunca se soube de a luz seguir passagens curvas, nem de se curvar para a sombra." Essa diferença entre ambos é fiagrante, acentuada ao apresentar a Proposição VIII e seus corolários, enunciando o Princípio da Interferência e as condições de interferência construtiva e destrutiva, sobretudo na proposição IX, segundo a qual a "luz radiante consiste de ondulações do éter luminífero", ao reconhecer:" É claramente assegurado por Newton que haja ondulações, embora ele negue que elas constituam luz."

No que se refere à explicação dada por Huygens a refração na calcita, Young reconhece à pág. 45 que, "contrariamente ao que se poderia esperar da precisão e franqueza usuais de Newton, ele pôs abaixo uma nova lei para a refração, sem dar uma razão para rejeitar a de Huygens, a qual Mr. Hauy [1743-1822] julgou mais precisa que a de Newton."

Finalmente, Young comenta que uma análise minuciosa de várias experiências dos Livros II e III da Óptica de Newton exibiriam dificuldades insuperáveis de sua doutrina, o que, além de desnecessário, seria tedioso e desgastante a enumerar.

No artigo de 1804, Young trata mais especificamente de observações e medidas relativas a luz. Mais uma vez ele se refere aos trabalhos de Newton, agora não em apoio das hipóteses e proposições que está apresentando, mas apenas para valer-se das medidas e observações realizadas pelo grande cientista. Na seção IV, Young chega a afirmar [6, p.11]:

O experimento de Grimaldi [1618-1663] sobre as franjas curvadas para a sombra, juntamente com diversas outras observações dele igualmente importantes, não foi mencionado por Newton. Aqueles que estão ligados à teoria de Newton da luz,ou às hipóteses de ópticos modernos fundadas em pontos de vista ainda mais estreitos, fariam bem em tentar imaginar qualquer coisa parecida com uma explicação para esses experimentos, derivados de suas próprias doutrinas. Se falharem na tentativa, deveriam conter pelo menos as declarações ociosas contra um sistema fundado na precisão de suas aplicações a todos esses fatos e a milhares de outros de mesma natureza.

Percebe-se aqui, no mínimo, uma grande mudança de tom. Não é mais aquele tímido autor do artigo precedente, que procurava apoio intelectual em Newton, mas um acusador incisivo, capaz de dar bons conselhos aos adversários de seu sistema. Portanto, se Newton contribuiu para o trabalho de Young, foi com suas medidas e sua mecânica.

Entre os dois artigos de Young já analisados, é necessário mencionar também suas Notas de Aula Sobre Filosofia Natural e Experimental [5], de 1802. Essas Notas, que abordam praticamente toda a ciência daquele tempo, são divididas em quatro partes: mecânica, hidrodinâmica, física e elementos de matemática. A luz e os instrumentos óticos são tratados nas seções XI a XV da hidrodinâmica, correspondentes aos verbetes 309 a 386. O autor justifica essa disposição, esclarecendo que, embora o assunto pertença mais à mecânica, e impossível formar um juízo adequado dos méritos comparativos das teorias relativas à sua natureza, sem primeiro se familiarizar com as principais doutrinas dos fiuidos elásticos. Afirma também que Newton considerava seu próprio sistema incompleto sem um meio etéreo.

Dos textos de Young estudados neste trabalho, as Notas podem ser consideradas as que mais contribuíram para semear confusão a respeito da posição de Newton. A natureza da luz é discutida nos verbetes 378 a 386, em duas páginas. Young inicia afirmando que, desde o tempo de Empédocles e Aristóteles, os filósofos tem-se dividido a respeito da natureza da luz. Empédocles defenderia um sistema que consideraria a luz como uma emanação de partículas separadas; Aristóteles, um impulso transmitido através das partículas sucessivas de um meio contínuo, o que seria sustentado também, após diversas modificações, por Descartes, Hooke e Huygens. Depois disso, ele conclui: "Newton tentou combinar as duas teorias, mas, para explicar os fenômenos mais gerais, ele empregou o sistema de Empédocles da emanação de corpúsculos separados"[5, p. 115] A seguir, ele enumera os principais fenômenos relativos à luz, acompanhados por dois tipos de explicações, pelo sistema de Newton e pela teoria recentemente submetida à Royal Society. Não revela que a teoria recente é dele mesmo, mas isso fica implícito. Então, como seria de esperar, são mencionadas a propagação retilínea, a velocidade uniforme em um meio homogêneo, a relação entre os ângulos de incidência, refiexão e refração etc.

No verbete 384, relativo à refiexão parcial da luz em todas as superfícies refratoras, afirma que Newton teria suposto que elas "surgem de certos atrasos periódicos dos raios, por meio de ondulações propagadas em todos os casos pelos corpos luminosos nos meios elásticos." O último verbete, o 386, toca um dos pontos delicados da teoria de Newton, as cores em placas finas e espessas, "relatadas por Newton como efeitos muito complicados de um meio ondulante sobre os corpúsculos de luz, mas sem conseguir acomodar as medidas obtidas por ele mesmo em seus experimentos precisos e elegantes."

3. A reposta de Newton às críticas de Hooke

Como foi visto na seção anterior, de acordo com Young, a resposta de Newton a Hooke conteria, supostamente, uma abertura para a teoria ondulatória.

Ao contestar as críticas recebidas, Newton admitiu que considerava a luz um corpúsculo, mas como consequência da teoria, não uma hipótese: "É verdade que, em minha teoria, defendo a corporeidade da luz; mas eu o faço sem uma certeza absoluta, como a palavra talvez dá a entender; e o faço como não mais que uma consequência muito plausível da teoria, não como uma suposição fundamental...."[8, p. 5086] Esse trecho, habitualmente considerado uma fiexibilidade [2, p. 37] a respeito da corporeidade da luz, é apenas a reafirmação da linha de argumentação adotada por Newton em toda a sua obra, diversas vezes, em vários contextos: "não faço hipóteses". Ao expor o atributo como uma consequência da análise, apoiada em evidências, ele o estaria reforçando, não fiexibilizando. Nesse ponto, "Hooke e Newton tinham uma abordagem muito semelhante e perfeitamente moderna, baseada em observações e experimentos, para compreender os fenômenos naturais" [10]. Portanto, se houver uma aproximação possível entre ambos, ela é do tipo metodológico, não conceitual.

Mais à frente, Newton continua "Eu sabia que as propriedades da luz declaradas por mim eram, de certa forma, capazes de ser explicadas não apenas por essa, mas por muitas outras hipóteses mecânicas. Assim, optei por declinar de todas elas, e falar da luz em termos gerais, considerando-a abstratamente..." [8, p. 5086]. É interessante notar que ele se refere a hipóteses mecânicas, de acordo com o modelo de ciência praticado na época, mas nesse ponto também não inclui, ao contrário, exclui mais uma vez a possibilidade de falar em hipóteses.

No parágrafo seguinte, Newton discute algumas consequências do que poderia ocorrer se a hipótese de Hooke fosse admitida: "Mas supondo que eu tenha proposto essa hipótese, (...) ela teria uma afinidade muito maior com a própria hipótese dele do que ele parece consciente; as vibrações do éter são tão úteis e necessárias nesta quanto na dele. Assim, admitindo que os raios de luz sejam corpos pequenos, emitidos em todas as direções pelas substâncias brilhantes...". A partir daí, ele comenta algumas consequências do choque desses corpúsculos com outros corpos materiais, por exemplo, quando atingem os olhos, provocando a sensação de luz. Esse trecho é muito coerente com toda a sua teoria. A luz é constituída por corpúsculos e eles conservam as propriedades que lhe são inerentes. Com isso não está admitindo que a luz seja onda, pois sensação não é luz, nem se comporta como luz, são apenas efeitos da luz. Esse ponto fica muito claro na página subsequente, ao afirmar: "Para mim, a própria suposição fundamental parece impossível, ou seja, que as ondas ou vibrações de qualquer fiuido possam, como os raios de luz, ser propagadas em linha reta, sem um contínuo e extravagante espalhamento e curvatura em todas as direções no meio inativo, onde elas são limitadas por ele. "[8, p. 5089]. Portanto, para Newton a luz é constituída de corpúsculos, que eventualmente podem gerar ondas, da mesma forma que uma pedra que cai no lago, mas a pedra permanece pedra, e as ondas na água são outra coisa.

Esses argumentos são repetidos na Óptica, publicada em 1704, principalmente nas Questões, que são usadas para refutar a possibilidade de a luz ser uma onda, não o contrário.

4. A Óptica de Newton

A Óptica [7] é constituída por três livros. O Livro I trata essencialmente da decomposição da luz branca nas cores do espectro ao atravessar um prisma. Ele se divide em duas partes, contendo definições, axiomas e proposições. O primeiro parágrafo da obra é uma declaração de objetivo: "Meu objetivo neste livro não é explicar as propriedades da luz por hipóteses, mas propô-las e prová-las pelo raciocínio e por experiências..." Mais uma vez, reaparece a afirmação de que ele não faz hipóteses, ou suposições. Não, isso não é uma fiexibilização, mas um ponto de partida metodológico.

O Livro II trata das cores produzidas por refiexões ou refrações em corpos transparentes delgados ou espessos (anéis de Newton). Ele é composto por quatro partes: a parte 1 apresenta somente observações; a parte 2, comentários sobre as observações precedentes; a parte 3, proposições relacionando os fenômenos das lâminas transparentes com os de outros corpos naturais; a 4, outras observações.

As explicações do Livro II baseiam-se nas propriedades dos corpúsculos de luz e suas interações com o meio. Indiscutivelmente, as dificuldades são maiores. O próprio autor adverte que se abstivera de tratar dessas cores no livro anterior por serem mais difíceis de considerar, além de não serem necessárias para estabelecer as propriedades ali discutidas. Aqui, para explicar o aparecimento dos anéis, ele é forçado a discutir explicitamente a refiexão e a refração. Para isso, afirma que a refiexão não é causada pelo choque direto da luz com as partes sólidas ou impenetráveis dos corpos, o que seria mais propício a causar a extinção dos raios (Proposição 8, Parte 3). A refiexão e a refração seriam ambas devidas à mesma força, variando segundo as circunstâncias (Proposição 9). Então ele introduz uma hipótese ad hoc, a da existência de dois tipos de estados transitórios dos raios de luz (Proposição 12), definidos à frente como de fácil refiexão e de fácil transmissão, afirmando que os raios serão refietidos pelas superfícies dos corpos transparentes se estiverem em estado de fácil refiexão; serão refratados, se estiverem em estados de fácil transmissão (Proposição 13). E que tipo de ação seria essa, capaz de interagir com os raios? Entra em cena uma complexa explicação: os raios de luz, ao se chocarem com a superfície de um corpo, induzem vibrações que se propagam nesse meio com uma velocidade superior ao do próprio raio (luz) e com as quais as partículas de luz interagem.

O livro II contém ainda algumas passagens curiosas. De toda a obra, provavelmente essa é a mais propícia a despertar polêmica. Na parte 1 (observações 4 a 6), comparando a largura dos anéis coloridos com a distância a que os anéis estavam das superfícies refratoras e as inclinações dos raios, deduziu a espessura do ar necessária para produzir esses anéis. Na parte 3 (Proposição 18), após definir os estados de fácil refiexão e fácil refração, interpreta essa espessura como o comprimento dos intervalos de fácil refiexão e fácil refração. Indubitavelmente, nesse ponto ele foi capaz de determinar uma periodicidade para os raios luminosos, que nos dias de hoje é associada ao comprimento de onda da luz. Em sua obra, Newton não se referiu a comprimento de onda e se recusou veementemente a considerar a luz como uma onda. Ele calculou com muito sucesso a distância necessária para a inversão entre dois estados dos corpúsculos de luz, mas sem considerá-los uma onda. Dessa forma, ironicamente, Newton, um ardoroso defensor da teoria ondulatória da luz, projetou um belíssimo experimento e realizou medidas de grande precisão que seriam uteis mais tarde para sustentar o ponto de vista que procurava rejeitar. Dessa forma, é lícito reconhecer que ele contribuiu para o estabelecimento da teoria ondulatória, bem como todos os pesquisadores idôneos que trabalharam nessa questão, seja com suas observações e medidas, seja com seus argumentos e contra-argumentos. Todavia, atribuir-lhe tal a interpretação a posteriori seria um anacronismo.

O Livro III trata das infiexões (difrações) e contém apenas uma parte, ao fim da qual se lê: "como não terminei essa parte do meu projeto, concluirei propondo apenas algumas questões, na expectativa de que uma pesquisa adicional seja feita por outros". Seguem-se então 31 questões, geralmente iniciadas por uma negativa, mais com o intuito de fazer suposições, levantar possibilidades a serem investigadas, do que fazer afirmações categóricas. Essas questões podem ser agrupadas por temas nas seguintes categorias: 1-6, Refiexão, refração, infiexão; 5-11, calor e fogo; 12-17, a visão humana; 18-22, o éter; 23-24, vibrações do éter; 25-27, outras propriedades da luz; 28-31, a luz não é movimento ou pressão, mas corpúsculo. Assim, ao se fazer referência à discussão contida em cada uma das questões, é necessário levar em conta o tema do qual ela trata, ou seja, a pergunta proposta. Retirar uma resposta de seu contexto pode induzir o leitor a equívocos.

Se o leitor estiver interessado em conhecer uma possível posição de Newton com respeito à natureza da luz, é conveniente iniciar pela Questão 28:

Não são errôneas todas as hipóteses segundo as quais a luz consistiria em pressão ou movimento propagado através de um meio fiuido? Pois em todas essas hipóteses os fenômenos da luz têm sido explicados até aqui supondo-se que eles resultam de novas modificações dos raios, o que é uma suposição errônea.

Entretanto, Young, em seu texto de 1801, não se preocupa com essas últimas questões e faz apenas uma breve referência a de número 28. Ele prefere as questões que tratam da visão humana e do éter. Estudemo-las então com um pouco mais de detalhe.

A visão humana é discutida nas questões 12 a 17. A Questão 12 propõe a seguinte interrrogação: "Os raios de luz, ao incidir sobre o fundo dos olhos, não excitam vibrações na tunica retina? Vibrações essas que, propagando-se ao longo das fibras sólidas dos nervos óticos para o cérebro, geram o sentido da visão?". Fica muito claro que o autor não se refere à natureza da luz, nem à sua propagação pelo espaço, mas ao mecanismo da visão e a forma como a sensação é conduzida dos olhos ao cérebro: por meio de um modelo mecânico, como não poderia deixar de ser, afinal o mecanicismo parecia aplicar-se a todos os fenômenos do universo, inclusive ao corpo humano. Assim, as fibras nervosas não conduzem luz, simplesmente propagam vibrações mecânicas produzidas pelo choque dos corpúsculos de luz contra a tunica retina.

A Questão 13 discute a relação entre as diversas cores percebidas e os tipos de raios que as excitam; a 14, a harmonia e a discordância das cores resultariam das propagações das vibrações através das fibras nervosas. O funcionamento do corpo humano para a percepção da luz seria muito semelhante ao da percepção do som. A discussão aqui não se refere a propagação de ondas luminosas no ar, mas à percepção do estímulo pelo organismo humano, seja o estímulo uma onda sonora, a pressão dos dedos sobre os olhos ou os golpes das partículas de luz.

A Questão 16 enfatiza ainda mais o modelo mecânico, como no seguinte trecho citado por Young:

Quando um homem no escuro pressiona qualquer canto dos olhos com o dedo e move o olho em direção oposta ao dedo, vê um círculo de cores como as da pena da cauda de um pavão.(...) Não resultam as cores desses movimentos excitados no fundo do olho pela pressão e movimento do dedo, como em outras vezes ali excitados pela luz para provocar a visão?

Entretanto, há uma discussão importante no fim dessa questão 16 que, apesar de não aparecer no texto de Young, parece tê-lo inspirado:

E quando uma brasa, movida rapidamente até formar a circunferência de um círculo, faz a circunferência completa aparecer como um círculo de fogo, não é porque os movimentos excitados no fundo dos olhos pelos raios de luz são de natureza duradoura e continuam até que a brasa, girando, retorne ao seu lugar anterior? E, considerando a duração dos movimentos excitados no fundo dos olhos pela luz, não são eles de natureza vibratória?

Essa afirmação da natureza vibratória dos movimentos na retina é sucedida, na Questão 17, pela analogia entre as vibrações na superfície de um lago e o choque da pedra que os produziu com as vibrações produzidas na retina e o choque dos corpúsculos de luz. Isso serve para distinguir a natureza dos dois fenômenos, a pedra (luz) e as ondas na agua (vibrações), referindo-se a possibilidade de vibrações excitadas pela incidência da luz nos corpos. Young distingue as vibrações na retina das ondulações discutidas em sua hipótese 2, mas deixa o texto de Newton justaposto ao seu.

A Questão 18, ao explicar a transmissão do calor no vácuo, admite a existência de um meio mais sutil do que o ar (o éter), cujas vibrações propagariam o calor. Como esse meio penetra todos os corpos, a luz, forçosamente, é obrigada a atravessá-lo durante sua trajetória e a interagir com ele. Essa interação é discutida nas questões seguintes, mas a luz permanece luz, e o calor permanece calor.

A seguir, são tratadas outras propriedades da luz, como na Questão 26: "Não têm os raios de luz vários lados, dotados de várias propriedades originais?" O conceito de lados, uma propriedade das partículas de luz, é introduzido para explicar a dupla refração, observada no cristal-da-islândia.

As Questões 28 a 31 tratam da natureza da luz. Diferentemente das anteriores, que geralmente se restringiam a algumas linhas, cada uma dessas ocupa algumas páginas. Isso indica a importância do tema para o autor. Assim, a perguntas curtas e objetivas, nas quais já se encontra embutida uma resposta, seguem-se arrazoados de argumentos e observações para sustentar a posição assumida. A já aludida Questão 28, acerca da hipótese ser uma pressão ou movimento propagado através de um fiuido, é acompanhada de uma discussão que parece refutar essa possibilidade, corroborando a resposta embutida na pergunta.

Por esse início, infere-se o restante da discussão. Ele contesta que a luz seja uma onda pelo fato de não se curvar para a sombra diante de obstáculos, de se propagar a todas as distâncias, o que exigiria uma força infinita, de se propagar em linha reta, etc. Em seguida, expõe alguns motivos pelos quais não pode admitir a explicação de Huygens para a refração extraordinária do cristal-daislândia. O movimento regular e duradouro dos planetas leva-o a descartar a idéia de um fiuido denso entre eles, pois "o firmamento é destituído de qualquer resistência perceptível e, por consequência, de qualquer matéria perceptível." Sem um meio para propagar a pressão ou o movimento, ele conclui que a luz fica automaticamente rejeitada como pressão ou movimento.

Se não for uma pressão ou movimento, o que será a luz? Esse é o tema da Questão 29: "Os raios de luz não são corpos minúsculos emitidos pelas substâncias que brilham?" Seguem-se então duas páginas para corroborar essa explicação. Se a luz for uma espécie de matéria, deverá então poder combinar-se com as outras espécies. Esse é o tema da Questão 30: "Não são os corpos pesados e a luz convertíveis um no outro, e não podem os corpos dever grande parte de sua atividade às partículas de luz que entram em sua composição?".

Finalmente, se a luz for matéria, "porque a natureza é muito consoante e conforme a si mesma", deve aplicarse a ela a mesma regularidade observada no restante dos corpos:

Questão 31 - Não têm as pequenas partículas dos corpos certos poderes, virtudes ou forças por meio dos quais elas agem a distância não apenas sobre os raios de luz, refietindo-os, refratando-os e infiectindo-os, mas também umas sobre as outras, produzindo grande parte dos fenômenos da natureza?

A resposta à Questão 31 é desenvolvida em cerca de 20 páginas, não deixando dúvidas quanto à posição do autor.

5. Discussão

O estado da óptica entre o fim do século XVII e o início do XIX é comumente visto como um confiito entre as teorias corpuscular e ondulatória da luz, habitualmente associadas a Newton e Huygens, respectivamente. De acordo com Shapiro [11], entretanto, a teoria de Huygens nunca fora uma rival séria para a de Newton. Em 1700, apenas uma década após a publicação do Tratado da Luz, ela já estaria quase totalmente ignorada e somente voltaria a adquirir relevância no início do século XIX. Durante o século XVIII, teria sido alvo de apenas um estudo de maior profundidade, o de Antoine Parent (1666-1716), mas para rejeitá-lo. Nesse século, aparece o trabalho de Euler (1707-1783), uma teoria da luz baseada na propagação de ondas em meios elásticos, porém inspirado mais no Livro II dos Principia do que no trabalho de Huygens, ao qual não faz referência.

Além disso, os modelos corpusculares da luz divulgados ao longo do século XVIII não coincidem inteiramente com a teoria original. Alguns conceitos, como os estados de fácil transmissão e de fácil refiexão da luz, foram ignorados ou tratados superficialmente, enquanto outros conceitos, como aqueles relativos à materialidade da luz e da ação de forças das superfícies sobre os raios de luz, foram desenvolvidos ou modificados [12, 13].

Além de não haver o embate entre Newton e Huygens, não se pode também ignorar a hegemonia da concepção corpuscular. Mesmo na França, em que havia partidários de uma teoria ondulatória da luz, como Arago (1786-1853) e Fresnel (1788-1827), nos primeiros anos do século XIX a situação ainda lhes era francamente desfavorável. Apenas para ilustrar, é amplamente conhecida a oposição de Poisson (1781-1840) e o que ficou depois conhecido como o "Ponto Brilhante de Fresnel" [14].

Outro exemplo seria o reino português, incluindo o Brasil colônia, em cujas universidades e colégios até meados do século XVIII as concepções ensinadas seriam, salvo raras exceções, as peripatéticas [15]. Nesse sistema filosófico, que se apoiava nas observações do senso comum e rigorosa lógica, análoga à usada nas demonstrações da Geometria, a luz era considerada apenas uma qualidade acidental dos corpos transparentes. Somente a partir da Reforma Pombalina de 1772, seriam introduzidas as teorias modernas da luz, mas com predominância da teoria newtoniana.

Portanto, nessa época, a defesa de uma teoria ondulatória da luz deveria encontrar forte contestação. Entre esses autores, havia Thomas Young, um jovem médico britânico que, aparentemente, se atrevia a desafiar um modelo de explicação proposto pelo grande físico Isaac Newton. Por outro lado, o peso da autoridade ficaria a seu favor, e não contra ele, se fosse possível demonstrar que a restrição de a luz não ser também uma onda estivesse ausente da versão original de Newton, consistindo em uma alteração devida a seus leitores e seguidores, construída ao longo do tempo. Assim, em seus trabalhos de óptica, Young faz referências e longas citações das obras de Newton, pretendendo corroborar esse ponto de vista.

Uma interpretação alternativa de tais citações é que a versão da teoria de Newton dada por Young é tendenciosa. A apresentação parcial do texto de um autor por outro exige o preenchimento de lacunas e a explicação do contexto original. A única maneira de fazêlo é pô-lo em outros termos, ou seja, mudá-lo. Isso não é uma opção, é uma conseqüência da natureza humana, mesmo que de forma involuntária. Algumas situações, contudo, são mais propícias do que outras, como neste caso.

A argumentação de Young lançou mão de diversos textos, particularmente a resposta de Newton a Hooke e questões da Óptica. O primeiro texto insere-se em uma situação invertida à sua: o jovem Newton que, apesar de defender a corporeidade da luz, buscava evitar o embate direto com Hooke, um físico bem estabelecido. Por isso, Newton, fragilizado, não descarta a importância das ondas nas duas teorias, apesar de não abrir mão de suas convicções. Nesse momento, de certa forma, ele é obrigado a contemporizar com o adversário. Ele ainda não é o autor dos Principia, é apenas um jovem em início de carreira que precisa sobreviver até se transformar no grande nome da ciência.

As questões da Óptica, ou melhor, as "respostas" as interrogações, são escolhidas de forma conveniente, sem especificar o contexto do qual foram retiradas. Por exemplo, em certas passagens não é declarado que o autor está apenas fazendo uma suposição, ou discutindo a propagação das sensações através das fibras nervosas dos olhos ao cérebro. Isso permite maior liberdade de interpretação e induz o leitor a equívocos. Assim também, são evitadas as questões que discutem especificamente a natureza da luz ou em que a sua natureza ondulatória é negada de forma peremptória. Young ainda não é o autor que aparece associado à experiência das fendas, é apenas um jovem em início de carreira que precisa sobreviver, ser reconhecido, e se dedicar com proveito a muitos ramos do saber.

Os autores que atribuem a Newton uma teoria da luz simultaneamente corpuscular e ondulatória habitualmente invocam o testemunho de Young. A situação que se coloca parece resumir-se a duas hipóteses: (1) alguns autores que sucederam Newton, infiuenciados pela mecânica, interpretaram sua teoria da luz de forma parcial, atribuindo-lhe apenas um caráter corpuscular; (2) alguns autores que sucederam Young, infiuenciados por sua retórica, interpretaram a teoria da luz de Newton como parcialmente ondulatória. Diante do exposto, defendemos a segunda hipótese.

6. Conclusão

A concepção de Newton sobre a luz tem sido alvo de controvérsia. Tradicionalmente, ele é apontado como defensor de uma teoria puramente corpuscular, em oposição a seus contemporâneos Hooke e Huygens, que defenderiam uma teoria puramente ondulatória.

Alguns autores, invocando principalmente o testemunho de Young, consideram que Newton teria construído uma teoria complexa, envolvendo também características ondulatórias. A interpretação de sua teoria como puramente corpuscular seria uma construção a posteriori, devida a uma leitura parcial da obra, motivada pelo grande sucesso da mecânica. Nessa versão, a complexidade da teoria original começaria a ser resgatada a partir dos textos de Young.

Este trabalho, baseado nas posições assumidas explicitamente pelos principais envolvidos, conclui que a interpretação segundo a qual Newton defenderia uma teoria da luz parcialmente ondulatória é que seria uma construção a posteriori, devida em grande parte à retórica de Young, movido pela necessidade de invocar o apoio de um grande físico, em defesa de sua teoria incipiente. O sucesso obtido, entretanto, não desmerece o grande talento de Young, esse pesquisador multidisciplinar. Antes pelo contrário, vem confirmar suas habilidades em outras áreas do conhecimento e sua capacidade em coordená-las em defesa de sua tese.

Recebido em 21/9/2008

Aceito em 17/11/2008

Publicado em 30/4/2009

  • [1] C.C. Silva e R. de A. Martins, Revista Brasileira de Ensino de Física 18, 313 (1996).
  • [2] T. Rothman. Tudo é Relativo: E Outras Fábulas da Ciência e Tecnologia (Difel, Rio de Janeiro, 2005).
  • [3] M. Nussenzveig, Curso de Física Básica (Edgar Blücher, São Paulo, 1998), v. 4.
  • [4] T. Young, On the Theory of Light and Colours. The Bakerian Lecture, 1801. Disponível em http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k55897m/f1.chemindefer Acesso em 10/10/2007.
  • [5] T. Young, A Syllabus of a Course of Lecture on Natural and Experimental Philosophy Disponível em http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k215297c Acesso em 10/10/2007.
  • [6] T. Young, Experiments and Calculations Relative to Physical Optics The Bakerian Lecture, 1803, p. 1-16. Disponível em http://gallica.bnf.fr/ark Acesso em 10/10/2007.
  • [7] I. Newton, Óptica (EDUSP, São Paulo, 1996).
  • [8] I. Newton, Phil. Trans. 18, 5084 (1672).
  • [9] C. Huygens, Traité de la Lumière (Dunod, Paris, 1992).
  • [10] M. Nauenberg, Physics Today 57(2), 13 (2004).
  • [11] A.E. Shapiro, Archive for History of Exact Sciences 11, 134 (1973).
  • [12] C.C. Silva e B.A. Moura, Revista Brasileira de Ensino de Física 30, 1602 (2008).
  • [13] B.A. Moura e C. C. Silva, in Proceedings of the Ninth International History, Philosophy & Science Teaching Conference, Calgary, 2007. Disponível em http://www.sbf1.sbfisica.org.br/eventos/epef/x/atas/ficha.htm Acesso em 10/8/2008.
  • [14] F. Arago, Oeuvres compl`etes de François Arago, Secrétaire Perpétuel de l'Académie des Sciences, Mémoires Scientifiques (Gide et J. Bodry, Paris and T.O. Weigel, Leipzig, 1858), tome 10, v. 1, p. 386. Disponível em http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k92716m Acesso em 22/8/2006.
  • [15] L.M. Bernardo, Rev. SBHC 19, 3 (1998). Disponível em http://ghtc.ifi.unicamp.br/RSBHC/RSBHC19-Art1.pdf Acesso em 8/12/2007
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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Maio 2009
    • Data do Fascículo
      Abr 2009

    Histórico

    • Aceito
      17 Nov 2008
    • Recebido
      21 Set 2008
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