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Atividade óptica de um meio dielétrico diluído: Pasteur e as simetrias moleculares

Optical activity of a dilute dielectric medium: Pasteur and the molecular symmetries

Resumos

Em 1848 Pasteur conjeturou que a rotação do plano de polarização da luz em um meio diluído é gerada pelas propriedades de simetria das moléculas do meio no qual a luz se propaga. O objetivo do nosso artigo é de mostrar que Pasteur estava correto usando conhecimentos de eletromagnetismo e mecânica quântica de um curso de graduação em física. Faremos um breve retrospecto das ideias básicas da teoria eletromagnética necessárias para o estudo da atividade óptica. A seguir, usando a teoria de perturbações em mecânica quântica e levando em conta as simetrias das moléculas calcularemos a atividade óptica do meio. Mostraremos que as previsões teóricas, que estão plenamente de acordo com os resultados experimentais, comprovam a hipótese de Pasteur.

atividade óptica; simetrias moleculares


Pasteur proposed in 1848 that the rotation of the polarization plane of the light in a dilute medium is generated by the symmetry properties of the molecules of the medium where the light propagates. Our objective is to show that Pasteur hypothesis was correct using the basic knowledge of electromagnetism and quantum mechanics of the undergraduate physics course. We present a brief review of the fundamental concepts of the electromagnetic theory necessary to understand the optical activity. Next, using the quantum mechanical perturbation theory and taking into account the molecular symmetries we calculate the optical activity of the medium. It will be shown that the theoretical predictions, which are in good agreement with the experimental results, give support to the Pasteur conjecture.

optical activity; molecular symmetries


ARTIGOS GERAIS

Atividade óptica de um meio dielétrico diluído: Pasteur e as simetrias moleculares

Optical activity of a dilute dielectric medium: Pasteur and the molecular symmetries

M. CattaniI, 1 1 E-mail: mcattani@if.usp.br. ; J.M.F. BassaloII

IInstituto de Física, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

IIFundação Minerva, Belém, Pará, Brasil

RESUMO

Em 1848 Pasteur conjeturou que a rotação do plano de polarização da luz em um meio diluído é gerada pelas propriedades de simetria das moléculas do meio no qual a luz se propaga. O objetivo do nosso artigo é de mostrar que Pasteur estava correto usando conhecimentos de eletromagnetismo e mecânica quântica de um curso de graduação em física. Faremos um breve retrospecto das ideias básicas da teoria eletromagnética necessárias para o estudo da atividade óptica. A seguir, usando a teoria de perturbações em mecânica quântica e levando em conta as simetrias das moléculas calcularemos a atividade óptica do meio. Mostraremos que as previsões teóricas, que estão plenamente de acordo com os resultados experimentais, comprovam a hipótese de Pasteur.

Palavras-chave: atividade óptica, simetrias moleculares.

ABSTRACT

Pasteur proposed in 1848 that the rotation of the polarization plane of the light in a dilute medium is generated by the symmetry properties of the molecules of the medium where the light propagates. Our objective is to show that Pasteur hypothesis was correct using the basic knowledge of electromagnetism and quantum mechanics of the undergraduate physics course. We present a brief review of the fundamental concepts of the electromagnetic theory necessary to understand the optical activity. Next, using the quantum mechanical perturbation theory and taking into account the molecular symmetries we calculate the optical activity of the medium. It will be shown that the theoretical predictions, which are in good agreement with the experimental results, give support to the Pasteur conjecture.

Keywords: optical activity, molecular symmetries.

1. Introdução atividade óptica molecular

Em um artigo anterior [1] no qual analisamos o efeito da interação fraca na bioquímica quiral [1] fizemos um breve retrospecto das primeiras experiências sobre atividade óptica em cristais produzidos em tártaros. Tártaros são depósitos cristalinos que se formam no processo de fermentação de uvas. Esses cristais, representados pela fórmula NaOOC - CHOH - CHOH - COONH4, são denominados de cristais de tartarato de sódio e amônio. A estrutura básica desses cristais é formada pelo ácido tartárico (C4H6O6) que aparece na fermentação das uvas, também denominado de ácido racêmico (da palavra latina racemus que significa uva). Ele é o principal ácido do vinho, conferindo-lhe a saúde indispensável à sua vida. Como não é nossa intenção entrar em detalhes sobre a história dos tártaros sugerimos que o leitor consulte o excelente livro Optical Rotatory Power de T.M. Lowry [2] para ter um relato detalhado dos estudos feitos por Eilhardt Mitscherlich, Pasteur e vários outros famosos pesquisadores sobre a atividade óptica desses cristais. Sugerimos também a leitura do artigo Optical Activity and Molecular Dissymetry de S.F. Mason [3]. Nessas referências o leitor irá encontrar a descrição dos mais significativos trabalhos até 1968 sobre atividade óptica desde os pioneiros, como por exemplo, Christiaan Huygens (1690), Jean Baptiste Biot (1812) e Augustin Fresnel (1825).

Entre 1848 e 1850, com cerca de 26 anos de idade, Pasteur examinando em detalhe amostras de cristais de tartarato de sódio e amônio obtidas em tanques de fermentação de vinhos [2], ele verificou que elas continham pequenos cristais de dois tipos diferentes, que eram imagem especular um do outro, tal como ocorre com as mãos esquerda e direita. Na literatura a esquerda é indicada com L (Levógiro ou Left) e a direita por D (Destrógiro) ou R (Right).

Laboriosamente, com o auxílio de uma lupa e uma pinça, ele separou os cristais direitos (R ou D) e esquerdos (L) em dois montículos. Verificou, em seguida, que as soluções aquosas separadas de cada um destes diferentes montículos apresentavam atividades ópticas opostas: a solução de um dos montículos girava o plano de polarização da luz no sentido levógiro e a do outro no sentido destrógiro. Mostrou também que as soluções obtidas misturando igual número de cristais direitos e esquerdos não alteravam a polarização da luz. Essa solução composta com 50% de cristais esquerdos e 50% de cristais direitos é denominada de solução "racêmica". Pasteur em 1848 [2] criou um neologismo para batizar os cristais levógiros e destrógiros denominando-os de dissimétricos. Na Fig. 1 vemos os dois tipos de cristais de tartarato de sódio e amônio, um destrorotatório e o outro levorotatório.


Como a diferença de rotação da luz ocorria em solução aquosa, ele conjecturou que a rotação do plano de polarização da luz era característica não dos cristais, mas das moléculas do tartarato, pois os cristais se dissolviam na água. Ou seja, deveria existir uma "dissimetria" molecular que seria responsável pelas diferentes rotações da polarização da luz. Ele classificou essas moléculas em dois tipos: mão-direita (levógira) e mão-esquerda (destrógira). Hoje essas moléculas, conhecidas como quirais (da palavra grega keir, que significa mão), são denominadas de enanciômeras e são de dois tipos: L - enanciômera e R - enanciômera. Essas moléculas possuem a propriedade de que não há superposição entre sua representação estrutural e a respectiva imagem especular, como acontece com as mãos esquerda e direita. Com essa descoberta ele foi agraciado com a "Légion d'Honneur Francaise."

Na Fig. 2 mostramos as estruturas dissimétricas L e R do ácido tartárico que são as estruturas elementares dos cristais de tartarato de sódio e amônio.


Pasteur, mais tarde, depois de analisar vários outros fenômenos [1] onde apareciam dissimetrias ele percebeu que havia algo mais profundo no fenômeno "esquerda - direita". Esta convicção o levou a apresentar perante a Academia Francesa de Ciências sua célebre conjectura: "O Universo é dissimétrico".

Somente cerca de cem anos mais tarde, em 1957, constatou-se que Pasteur estava certo com a verificação experimental da não-conservação da paridade nas interações fracas [1, 4].

Vale a pena ressaltar que, em 1815, Biot [2, 3] que foi professor de Pasteur, descobriu que várias substâncias na natureza (como, por exemplo, açúcar e cânfora) têm atividade óptica não só cristalizadas, mas também em soluções. Daí ele também inferiu em 1817 que a assimetria que gera a rotação da polarização da luz deveria estar dentro das próprias moléculas da substância. Fresnel [2, 3] para explicar a existência das formas CPL (circularmente polarizadas à esquerda) e CPR (circularmente polarizadas à direita) de um meio opticamente ativo postulou em 1825 que as moléculas do meio deveriam ter formas helicoidais, umas com rosca esquerda e outras com rosca direita.

Hoje em dia essas propriedades moleculares são muito bem conhecidas e estudadas do ponto de vista de suas simetrias e propriedades físicas e químicas. Esses estudos fazem parte do tópico conhecido como Isomeria Óptica [3].

Alguns exemplos de enanciômeros famosos que possuem dois isômeros ópticos são: a talidomida e a lemonina. Um dos isômeros da talidomida cura o enjôo matinal e o outro causa defeitos no feto. A lemonina (C10H6) é encontrada no limão e na laranja; um dos isômeros tem o sabor do limão e o outro o sabor da laranja.

Na Fig. 3 mostramos os cristais hexagonais enanciomorfos de quartzo, muito usados nos estudos de atividade óptica [2].


No cap. 2 apresentaremos as equações de Maxwell no sistema de unidades CGS que usaremos nesse artigo. No cap. 3 e 4 vamos assumir ab initio que os índices de refração nl e nr das ondas CPL e CPR, respectivamente, sejam complexos. Ou seja, nl = nl + i χl e e nr = nr + i χr, onde n e χ são reais. Partindo dessa hipótese mostraremos que o poder rotatório [ø] é dado por [ø] = (π/λ)(nl - nr) e que o dicroísmo circular ou efeito Cotton é medido pela elipsidade Ψ dada por Ψ = (π/λ)(χl - χr). No cap. 5 usando o modelo atômico clássico e a teoria eletromagnética, vamos calcular os índices de refração nl e nr de ondas CPR e CPL quando o meio dielétrico é submetido a um campo magnético externo B constante (efeito Faraday ou birrefringência magnética). No cap. 6 vamos calcular [ø] e Ψ usando a mecânica quântica e levando em conta as simetrias das moléculas que compõem meio. Verificamos que há um excelente acordo entre a teoria e os resultados experimentais comprovando, desse modo, a hipótese de Pasteur.

2. As equações de Maxwell em meios dielétricos

Antes de começarmos a estudar a rotação do plano de polarização da luz num dielétrico vamos fazer um resumo das propriedades essenciais [5-7] das equações de Maxwell nesse meio.Neste artigo adotaremos o sistema CGS de unidades. As equações de Maxwell, no caso geral são dadas por

que na ausência cargas (ρreais = 0) e correntes reais (jreais = 0) dão

Os vetores D e B são definidos por D = E + 4πP e B = H + 4πM, onde P é vetor polarização elétrica e M é o vetor polarização magnética. Para um meio isotrópico P e M são dados, respectivamente, por P = κE e M = κ'E onde κ e κ' são escalares. Assim, D = (1 + 4π κ) E = ε E e B = (1 + 4π κ') H = µH. Onde κ e κ' são, respectivamente, as suscetibilidades elétrica e magnética do meio e ε e µ são, respectivamente, a constante dielétrica e a permeabilidade magnética do meio. O índice de refração n do meio é definido por n2 = εµ e a velocidade de propagação de uma onda é V = c/n = c/√εµ . Em meios não magnéticos ou fracamente magnetizáveis temos κ' 1. Isto implica que podemos fazer µ≈ 1, n2ε, V = c/√ε e B = H.

A polarização P = κ E onde E é o campo gerado por todas as cargas, reais e induzidas, e D = ε E é gerado pelas cargas reais. No caso de um meio denso, devido ao efeito de polarização de cargas, o campo efetivo Eef que age sobre uma molécula é dado por Eef = E + (4π/3)P. Como a polarizabilidade α é definida por P = N α Eef obtemos

de onde tiramos

Lembrando que ε = 1 + 4πκ , ou seja, que κ = (ε - 1)/4π obtemos, usando a Eq. (6) que

que é uma relação conhecida como equação de Clausius-Mossotti.

Como em meios com magnetização desprezível temos n2 = εµε a Eq. (7) fica escrita

Em meios diluídos, ou seja, quando 4πNα/3 1 usando a Eq. (6) e a relação ε = 1 + 4πκ obtemos

ou seja, para meios diluídos e fracamente magnéticos teremos

Antes de iniciarmos o estudo da propagação de uma onda num meio dielétrico homogêneo e uniforme é importante salientarmos que no caso mais geral o índice de refração é uma grandeza complexa [6, 8-11]. Esse índice complexo será representado por n e escrito na forma n = n + iχ, onde n e χ são reais. O parâmetro χ é definido como coeficiente de absorção.

Num meio homogêneo onde κ, κ' , ε e µ são constantes as Eqs. (3) e (4) podem também ser escritas do seguinte modo

Nestas condições temos as seguintes equações de onda

onde Φ = E ou B e V = c/n = c/√εµ.

3. Rotação do plano de polarização da luz em meio dielétrico

Vamos estudar a propagação da luz assumindo inicialmente que o meio seja isotrópico e homogêneo. Mais tarde, no cap. 6, iremos generalizar as equações de Maxwell considerando que o meio é formado por moléculas com estruturas internas cujas simetrias serão responsáveis pela rotação dos planos de polarização e absorção das intensidades do campo eletromagnético. Nessas condições o meio apresenta anisotropias microscópicas que irão se manifestar nos campos E e B macroscópicos.

Neste capítulo assumiremos que o meio é homogêneo, com magnetização desprezível e, numa primeira aproximação, que ele seja isotrópico. Desse modo os campos elétrico e magnético, E(r, t) e B(r, t), se propagam no meio obedecendo às equações de onda (11-13) com n2ε , ou seja, n ≈ √ε, e Vc/√ε.

A análise feita nesse capítulo é baseada no artigo de Condon [12]. Ela pode também ser vista em muitos livros de óptica [13-16] onde existem muitas figuras mostrando com clareza a superposição de ondas, rotação de planos de polarização, polarização circular e elíptica.

Suponhamos agora que E(r, t) e B(r, t) se propaga ao longo do eixo z, perpendicular ao plano (x, y) da página, apontando no sentido do leitor. Vamos definir os versores, x e y mutuamente ortogonais e ortogonais a z de tal modo que (x, y, z) forma a base do right-handed sistema de coordenadas. Os vetores E e B que estão no plano (x, y) são dados por

onde Re{...} significa tomar a parte real, Eo e Bo são vetores constantes, Φ é fase da onda e ω = 2πf é a freqüência angular e f a freqüência em hertz da onda (E, B). O vetor de onda k é dado por k = (2π/λ)z e λ = 2πc/ω é o comprimento de onda no vácuo e λn = λ/n o comprimento de onda no meio.

(A) Onda circularmente polarizada no sentido anti-horário

Suponhamos que a amplitude Eo seja dada por Er = eo(x + i y), onde eo é real. Neste caso a parte real de E é dada por

Quando Φ = 0 (supondo que no instante inicial t = 0 e a posição inicial r = 0) o vetor E é paralelo a x e à medida que Φ cresce o vetor E, visto pelo leitor, gira no sentido anti-horário. Representaremos essa onda por CPR ou CP+ (onda de helicidade +).

(B) Onda circularmente polarizada no sentido horário

Neste caso a amplitude Eo da onda é dada por El = eo (x - i y). A parte real de E é dada por

Quando Φ = 0 (supondo que no instante inicial t = 0 e a posição inicial r = 0) o vetor E é paralelo a x e à medida que Φ cresce o vetor E, visto pelo leitor, gira no sentido horário. Ela será representada por CPL ou CP- (onda de helicidade -).

(C) Onda linearmente polarizada gerada pela superposição de duas ondas CPL e CPR com amplitudes iguais

Consideremos agora a superposição de duas ondas circularmente polarizadas com mesma amplitude. Uma CPR com uma fase θ, dada por ER = Re{Erexp(iθ) exp(iΦ)} e a outra CPL com uma fase -θ, dada por EL = Re{El exp(-iθ) exp(iΦ)}. Neste caso vemos que a amplitude da onda resultante E = ER + EL é dada por

A equação acima mostra que a superposição das ondas CPR e CPL gera uma onda linearmente polarizada (LP). Quando θ = 0 temos uma onda LP cujo plano de polarização é paralelo ao vetor x. Quando θ > 0 o plano de polarização está girado no sentido horário de um ângulo θ com respeito ao versor x.

(D) Propagação de ondas CPR e CPL com diferentes índices de refração

Vamos assumir agora que as ondas CPR e CPL tenham velocidades de propagação diferentes, ou seja, que tenham índices de refração diferentes nr e nl, respectivamente. É muito importante salientarmos que essa hipótese de existência de índices de refração nrnl pressupõe que deva existir no meio dielétrico alguma coisa que gera essa diferença. Como dissemos antes isso só será explicado no capítulo 6 quando levarmos em conta as simetrias estruturais das moléculas do meio. Aqui assumiremos simplesmente que existem dois índices de refração nr e nl. Dentro desse contexto fenomenológico vamos considerar que as ondas CPR e CPL tenham a mesma amplitude em t = 0 no começo do percurso onde z·r = 0. Após um tempo t percorrem uma distância L de tal modo que z·r = L, sem mudar as respectivas amplitudes. Nesse intervalo de tempo t as fases Φ das duas componentes serão dadas por

Assim, o campo E resultante no instante t e z·r = L é dado por

E(r, t) = Re{ER exp(iΦr) + EL exp(iΦl)} =
eoRe{(x + iy) exp(iθ) exp(iΦr) +
(x - iy) exp(-iθ) exp(iΦl)}.

Definindo Φ = ω[t - (nl + nr)L/2c] e δ = π (nl - nr)L/λ , onde λ = cf = 2πc/ω é o comprimento de onda no vácuo, a equação acima fica escrita como

E(r, t) = eoRe{(x + iy) exp(iθ) exp(iδ)+
(x - iy) exp(-iθ) exp(-iδ)} exp(iΦ).

Supondo ainda que a luz tenha entrado LP ao longo de i, ou seja, que θ = 0 obtemos

Desse modo vemos que a amplitude da onda resultante E(r,t) é dada por

Este resultado mostra que o plano de polarização da luz que entrou LP no plano paralelo ao versor x girou de um ângulo δ em relação a x. A rotação δ é horária ou anti-horária se δ > 0 ou δ < 0, respectivamente. Como δ = π (nl - nr) L/λ o sinal de δ vai depender de (nl - nr).

Resumindo, uma onda que entrou LP no meio, composta por duas ondas CP com mesma amplitude e com índices de refração nl e nr, após percorrer uma distância L, continua LP mas tem seu plano de polarização rodado de um ângulo δ. Este ângulo de rotação por unidade de comprimento do percurso é definido como o poder rotatório [α] = δ/L dado por

O parâmetro [α] é medido em radianos/m ou graus/m. Como λ é muito pequeno comparado com as distância L, a quantidade L/λ é muito grande e assim apreciáveis valores de rotação δ são produzidos mesmo sendo a diferença nl - nr muito pequena comparada com a unidade, cerca de uma parte em um milhão. Notemos que o sentido da rotação δ (positiva = horária ou negativa = anti-horária) é dada pela luz CP que se propaga mais rapidamente no meio, lembrando que V = c/n. A Eq. (21) foi obtida pela primeira vez por Fresnel [3] em 1825.

4. Atenuação de ondas CPL e CPR. Efeito Cotton. Dicroísmo circular

Verifica-se que quando há uma rotação do plano polarização devido a diferentes velocidades de propagação de ondas CPL e CPR há uma absorção das intensidades dessas duas ondas à medida que elas se propagam. A absorção da intensidade de uma onda CPL é diferente da absorção de uma CPR. Esse fenômeno de absorção das ondas que foi descoberto por Cotton em 1896 tem o nome de Efeito Cotton ou dicroísmo circular [2, 3, 8-16] Veremos no cap. 8 que a rotação do plano de polarização e o dicroísmo circular estão intrinsecamente ligados. Para explicar o dicroísmo temos de usar o índice de refração complexo n. Assim, seguiremos os cálculos feitos no cap. 3 substituindo os índices de refração reais nl e nr, para as ondas CPL e CPR, pelos índices de refração complexos nl = nl+ iχr e nr =nr + iχl, respectivamente.

Nessas condições, devido ao coeficiente de absorção χ as amplitudes das ondas CPR e CPL vão decrescer, respectivamente, de exp(-2πχrL/λ) e exp(-2πχlL/λ) depois de um percurso L. Definindo por χ = (χr + χl)/2 e χ'= (χr - χl)/2 e substituindo nas Eqs. (14)-(18) os índices de refração reais nr e nl pelos índices complexos nl e nr, e seguindo o procedimento análogo ao usado nas seções (3.A)-(3.D) obtemos, ao invés da Eq. (20) a equação

E(r, t) = eoRe{exp(πχ'L/λ) (x + iy) exp(iδ)+

exp(-2πχ'L/λ) (x - iy) exp (-iδ)} exp(iΦ'),

onde

Da Eq. (22) verificamos que a amplitude da onda resultante, ao invés da Eq. (20), é agora dada por

Quando χr = χl, ou seja, quando χ' = 0 recuperamos a amplitude dada pela Eq. (20), isto é 2 eo{x cos(δ) - y sin(δ)}.

Denotando por i(δ)= x cos(δ) - y sin(δ) e j(δ) = -(x sin(δ) + y cos(δ)) os versores obtidos pela rotação no sentido horário de um ângulo δ (supondo δ > 0) dos versores i e j a Eq. (23) fica escrita como

onde definimos por a = 2eo cosh(2πχ'L/λ) e b = 2eosinh(2πχ'L/λ)} as amplitudes da onda ao longo dos versores i(δ) e j(δ), respectivamente. Desse modo o campo elétrico resultante, conforme a Eq. (22), vai ser a soma de duas componentes, uma ao longo de i(δ) e a outra ao longo de j(δ). Elas vão oscilar no tempo com freqüência ω ao longo desses versores com amplitudes diferentes, uma com amplitude a e a outra com amplitude b. Nessas condições, como sabemos [8-16] o campo elétrico descreve uma elipse com eixos a e b. As duas componentes que inicialmente entraram unidas formando uma onda LP formam, depois de percorrer uma distância L, uma onda elipticamente polarizada. Este fenômeno que é devido ao fato da onda CPL ser absorvida de modo diferente da CPR é denominado de dicroísmo circular. Como, em geral, χ' é muito pequeno, cerca de uma parte em um milhão [8-16] teremos a b, ou seja, a elipse é muito achatada, quase um segmento de reta de comprimento a . Assim, o campo elétrico vai oscilar praticamente ao longo de uma linha reta que está rodada de um ângulo δ em relação aos versores x e y.

A elipsidade, definida pela razão b/a é convencionalmente medida por um ângulo Ψ cuja tangente é igual a razão b/a, isto é

Como χ' L 1 temos tan Ψ ≈ Ψ, ou seja, a elipsidade fica dada por

No cap. 6 veremos como calcular Ψ e mostraremos que o poder rotatório e o dicroísmo circular são fenômenos que ocorrem simultaneamente.

5. Birrefringência magnética (efeito Faraday)

Mostraremos, usando o modelo atômico clássico, que a ação de um campo magnético estático B aplicado sobre o meio dielétrico gera índices de refração diferentes para as polarizações CPL e CPR. Esse efeito é conhecido como efeito Faraday ou birefringência magnética [2, 8-11, 13, 15].

Para vermos isso de maneira simples [10, 13] vamos supor que o átomo do meio diluído onde a luz se propaga é formado somente por um elétron com massa m. Este gira em um movimento circular uniforme em torno do núcleo com velocidade angular ωo atraído por uma força centrípeta central -Kr, onde K = . Além disso assumiremos que a onda se propaga ao longo do eixo z, que o círculo descrito do eletron está num plano (x, y) perpendicular a z e que o campo magnético aplicado B é paralelo a z, isto é, B = Bz. Nessa geometria o campo elétrico E da onda, que suporemos circularmente polarizada, estará sempre no plano do círculo descrito pelo eletron e dado por E = Er/r.

Sob a ação da força do campo elétrico E e da força central -Kr o eletron passaria a girar com velocidade angular ω de acordo com a seguinte equação

–eE – Kr = mω2r.

Assumiremos também que não há ressonância entre a onda incidente e o átomo, ou seja, que ωωo. A velocidade angular ω, impressa por E, tem sinal + ou - se a onda for CPL ou CPR, respectivamente. A velocidade orbital do eletron seria então dada por v = ±ωr θ onde θ é o versor tangente ao círculo de raio r.

O campo B gera uma força de Lorentz FB = -ev x B sobre o eletron. Nessas condições temos a seguinte equação total de movimento

–eE ± eBωr – Kr = –mω2r.

Levando em conta que Kr = obtemos dessa equação

onde o sinal + vale para a onda CPL e o sinal - para a CPR. Indicando por N o número de átomos por unidade de volume e lembrando que o momento de dipolo p = -er o vetor de polarização P fica escrito como

Notemos que a polarização P é diretamente proporcional ao campo E. Ela não é devida a um campo efetivo Eef que seria gerado pelo efeito de polarização elétrica que ocorre num meio denso, conforme a Eq. (5).

Consequentemente

Como D = ε E verificamos que

Levando em conta que para dielétricos usuais n2 = εµε verificamos que para ondas CPL e CPR os índices de refração nl e nr são dados, respectivamente, por

enquanto na ausência de B o índice refração n é dado por

As Eqs. (30) e (31) mostram que n2 é dado por uma relação do tipo n2 = 1 + 4π N α, que vale para um meio diluído onde α é a polarizabilidade dada por α± = (e2/m)/ ± eBw/m) e α = (e2/m)/().

É importante notarmos que para deduzirmos as Eqs. (30) e (31) assumimos que a ondas se propagam no mesmo sentido de B. Nessas condições obtivemos nr > nl e que o poder rotatório [α] = (π/λ)(nl - nr) definido pela Eq. (21) é negativo, ou seja, o meio seria levorotatório ou levógiro. Invertendo o campo B ou invertendo o sentido de propagação da onda teríamos o efeito contrário, ou seja, o meio se torna destrorotatório ou destrógiro, conforme mostram os resultados experimentais [8-10, 13, 15, 16]. Como a velocidade de propagação de uma onda é dada por V = c/n, vemos que a velocidade Vl = c/nl > Vr = c/nr. Invertendo B ou a direção de propagação da luz teríamos o contrário, ou seja, Vr > Vl.

Devemos observar que, na ausência de um campo externo B, uma substância naturalmente ativa, levógira ou destrógira, não muda o seu tipo de atividade óptica se a direção de propagação da onda é invertida.

Notemos que a ação de um campo magnético B aplicado no átomo deu origem a índices de refração nr e nl diferentes. Veremos nos próximos capítulos que a ação simultânea somente dos campos E e B da onda luminosa, dependendo da simetria das moléculas do meio, podem gerar nr e nl diferentes.

6. Teoria quântica da atividade óptica molecular

De acordo as conjecturas de Biot e Pasteur [2, 3], em essência, os índices de refração nr e nl das ondas CPL e CPR podem ser diferentes devido a efeitos gerados por propriedades inerentes às simetrias das estruturas moleculares do meio onde a luz se propaga. Veremos neste capítulo como podemos comprovar essa hipótese. Primeiramente usaremos argumentos eletromagnéticos para dar uma ideia aproximada do campo (E, B) incidente sobre as moléculas. Em seguida usaremos a mecânica quântica para calcular rigorosamente os efeitos de (E, B) determinando [α] e Ψ.

Bem, do ponto de vista do eletromagnetismo clássico o campo E incidente polariza a molécula: as cargas positivas se deslocam no sentido de E e as negativas no sentido contrário, criando um dipolo elétrico induzido p. Se o campo elétrico está crescendo, as cargas estão se movendo, aumentando o deslocamento das cargas dentro da molécula de tal modo a aumentar p. Suponha agora que a estrutura molecular seja tal que as cargas em movimento não vão diretamente da posição inicial para a final mas que sejam obrigadas, conforme sugeriram Pasteur e Drude (vide detalhes no livro do Lowry [2]) a se movimentar ao longo de trajetórias helicoidais seguindo o movimento geral devido a E. Esse movimento circulatório gera um campo magnético que é proporcional a E/∂t (lei de Ampère) que criará um momento magnético induzido µ ~ E/t. O campo magnético variável B gera uma variação de fluxo nas trajetórias helicoidais dando origem a um deslocamento de cargas proporcional a B/∂t (lei de Faraday). De acordo com a lei de Lenz, cargas positivas e negativas se moverão em sentidos contrários alterando dipolo elétrico induzido, ou seja, devemos esperar que paE + bB/∂t. Esses argumentos mostram que devido às estruturas moleculares torna-se necessário generalizar a teoria eletromagnética que encontrada, por exemplo, nos livros do Panofsky e Phillips [5] e Jackson [6] para obter corretamente a polarização elétrica P e a magnetização M do meio. Isto só pode ser feito rigorosamente usando a mecânica quântica. Vários trabalhos foram feitos com esse objetivo por Rosenfeld [17], Born [18, 19] e Condon [12]. Seguindo esses autores vamos calcular os dipolos induzidos elétrico (p) e magnético (µ) devidos a um campo E, B que se propaga num meio dielétrico homogêneo diluído.

Assim, consideremos uma onda (E(r, t), B(r, t)) que se propaga ao longo do eixo z, com E e B dados por

onde A(r, t) = Re{A exp(iΦ)} = {A exp(iΦ) + A* exp(- iΦ)}/2 é o potencial vetor, Φ = ωt - k · r = ω (t - nr ·z /c) = ω (t - r · σ /c), k = (2π/λ)z é o vetor de onda, λ = 2πc/ω o comprimento de onda e σ = nk. Usando a Eq. (22) os campos E e B ficam escritos como

e

Desprezando interação da onda incidente com os núcleos dos átomos, o potencial de interação H entre os eletrons da molécula com o referido campo é dado por

onde ri e πi = m vi são as posições, os momentos lineares e as velocidades do iésimo eletron. No momento não consideraremos, por simplicidade, a interação do campo A com os spins dos eletrons. Faremos isso mais tarde.

Assumindo que os comprimentos de onda λ envolvidos no processo sejam muito maiores do que as dimensões moleculares r, ou seja, λ r poremos exp(iωσ ·r/c) ≈ 1 + iωσ· r/c. Nessas condições a hamiltoniana H pode ser escrita na forma

onde

Como os operadores comutam, ou seja, como

(πi · A) (ri · σ) + (ri· σ) (πi · A) = 0,

o operador h fica escrito como

Como πi = mvi = mdri/dt, os momentos de dipolo elétrico p e magnético µ da molécula são dados, respectivamente, por

Usando a Eq. (38) vemos que a função h vista na Eq. (38) fica escrita como

Para levarmos em conta o efeito de magnetização dos spins Si dos eletrons basta agora escrever nas Eqs. (39) µ na seguinte forma

Com as aproximações vistas nas Eqs. (38)-(40) a equação de Schrödinger que descreve o processo de interação da onda com moléculas do meio será dada por

onde Ho é a hamiltoniana da molécula não perturbada e a hamiltoniana H de interação é descrita pelas Eqs. (37)-(40).

Sejam øm e Em, respectivamente, as autofunções e autovalores do operador Ho. Considerando H como uma pequena perturbação de Ho podemos escrever a solução da Eq. (41) correspondente ao mésimo estado estacionário do sistema Ψm na forma [20]

onde ωm = Em/ ħ.

Usando as Eqs. (37) e (40)-(42) e seguindo o procedimento usual da teoria de perturbações quânticas em primeira ordem [20] no termo h calculamos as funções de onda Ψm conforme vemos no ApêndiceApêndice. Nesses cálculos assumimos que a diferença Ψm - øm é pequena. Desse modo as equações que obtemos só podem ser usadas quando ωωmk.

Usando as funções de onda Ψm podemos calcular o valor esperado Fm = < Ψm|Fm > de observável F no estado Ψm

No caso do dipolo, fazendo F = p obtemos, pegando a parte real da Eq. (43), ou seja, fazendo pm = Re[Fm], teremos

onde levamos em conta que < m|p|k > < k|p|m > = | < m|p|k > |2 é real e que (ωmk/ω)2/ = 1/ω2 + 1/. Assim, ficamos com

De modo análogo para o dipolo magnético, fazendo F = µ obtemos, desprezando os termos da ordem de µ2 e comparação com |p||µ| , temos

O resultado final para os dipolos induzidos, elétricos e magnéticos, é obtido fazendo uma média sobre todas as possíveis orientações das moléculas no espaço assumindo que todas as direções são igualmente prováveis. Para calcularmos a média, por exemplo, do fator pµ·H sobre todas as orientações de p e m nós mantemos fixos os módulos dos dipolos e também fixo o ângulo entre eles. Escolhendo H como o eixo de referência para calcular todas as possíveis orientações dos vetores p e µ podemos mostrar [12] que o valor médio [pµH]av é dado por (1/3) pµH.

Assim, os dipolos induzidos elétrico dm e magnético µm são dados por

onde as funções αm, βm e γm para os estados m são dadas por

Usando as Eqs. (47) e (48) e lembrando que o deslocamento elétrico D é dado por D = E + 4π P e o campo dado por B = H + 4π M, onde P = N d e M = N µ, teremos, omitindo por simplicidade o índice m

onde ε = 1 + 4π Nαm, η = 4π Nγm e ρ/2c = 4πN(βm/c)

Como os campos E(r, t) e B(r, t) podem ser escritos na forma E(r, t) = Re{Eo exp(iΦ)} e B = Re{Bo exp(iΦ)} onde Φ = ω(t - σ · r/c) e Eo e Bo são constantes, temos E/∂t = iω E e B/t = iω B. Das equações de Maxwell rotacionais rot(E) = (-1/c) B/∂t e rot(H) = (1/c) D/t, tiramos

Levando em conta as Eqs. (52) e (53) obtemos,

Da segunda equação acima temos H = B - ηE - (π/2c) E/∂t. Substituindo este valor na primeira Eq. (6.18) e lembrando que σ x E = B, obtemos

Como σ = nz = nkk, k = 2 π/λ , E/∂t = iω E da Eq. (57) deduzimos que

Como E = Ex x + Eyy da Eq. (58) obtemos o sistema de equações homogêneo

Para não termos a solução trivial, ou seja, Ex = Ey = 0 a condição (n2 - ε)2 = (2πρ/λn)2 deve ser satisfeita, ou seja, n2 = ε± 2πρ/λn e Ex/Ey = ±i. Como ε 2πρ/λn temos n ≈ √ε ± πρ/λnε. Isso implica que a onda CPR que tem Ex/Ey = i teria um índice de refração nr ≈ √ε +πρ/λ e a onda CPL que tem Ex/Ey = - i teria um índice de refração nl = √ε - πρ/λ.

De acordo com os cálculos acima vemos que nl - nr = 2πρ/λ. Ora, como pela Eq. (3.8) o poder rotatório do meio é dado por [α] = (π/λ)(nl - nr) vemos que

Como pela Eq. (6.16) ρ = 8πcN(βm/c) a Eq. (6.30) dá o poder rotatório [αm] do estado m

onde Nm = N P(m) é número médio de moléculas que estão no estado øm, sendo P(m) a distribuição de Maxwell-Boltzmann.

Definindo o rotational strength Rkm da transição k m por

vemos que o parâmetro βm dado pela Eq. (50) pode ser escrito como

Finalmente, usando a Eq. (62), poder rotatório [αm] do estado m fica dada por

Como o valor efetivo de β é dado pelo valor médio β = ΣmP(m)βm, o poder rotatório total [α] gerado pelas moléculas de um meio diluído é dado por

Vamos mostrar na próxima seção como o poder rotatório [ø] depende das propriedades de simetria das moléculas ativas que estão contidas no parâmetro β.

A Eq. (65) vale para um meio diluído onde há somente um tipo de molécula. No caso em há uma mistura de vários tipos r diferentes de moléculas é fácil vermos que para a mistura vale a equação

onde Nr e βr são, respectivamente, a densidade de moléculas e o parâmetro β da molécula do tipo r.

Na Eq. (66) assumimos que o parâmetro β é uma propriedade constante da molécula individual, praticamente independente do meio no qual a molécula está imersa. Se isso ocorrer e o meio for denso (líquido ou gás comprimido) o poder rotatório ao invés da Eq. (66) é dado por [12]

Entretanto, há evidências [2] que β é muito sensível ao meio no qual a molécula está imersa, principalmente quando há moléculas polares e solventes. Neste aspecto β é muito diferente da polarizabilidade α que é praticamente insensível ao meio.

7. A simetria quiral e o poder rotatório

Conforme a Eq. (49) o poder rotatório [αm] é diretamente proporcional aos fatores Rkm definido pela Eq. (63) que dependem da parte imaginária dos produtos escalares dos elementos de matriz de dipolos elétrico e magnético. Os Rkm têm as seguintes propriedades

(A) Rkm = - Rmk

(B) Vamos indicar por P(x) o operador de reflexão espacial numa dada direção x de tal modo que P(x)f(x) = f(-x). Se a molécula for simétrica com respeito a essa direção, teremos P|m > = ± |m > e P|k > = ±|k > . Como Pd = -d e Pµ = µ , ou seja, o produto d µ é um pseudo escalar, vemos que Rkm = - Rkm = 0. Isto implicaria que [α] = 0. Desse modo vemos que para que termos [α] ≠ 0 a molécula não pode ter nenhum plano de simetria.

(C) Suponhamos agora que Rkm ≠ 0 e que existam duas moléculas que sejam imagens especulares uma da outra (moléculas quirais ou dissimétricas). Como neste caso P|m > = |k > e P|k > = |m > , vemos que RPk,Pm = - Rk,m. Ou seja, "moléculas que são imagens especulares uma da outra têm poder rotatório iguais e opostos". Desse modo, usando a Eq. (67), vemos que soluções racêmicas, isto é, formadas com 50% de moléculas L e 50% de moléculas R têm [α] = 0.

Outra propriedade interessante do poder rotatório é obtida levando em conta que Σk Rk,m = 0, ou seja,

pois o elemento de matriz diagonal de qualquer observável real é sempre real [20].

Desse modo, no caso de freqüências muito elevadas, isto é, ω ωk,m o parâmetro βm dado pela Eq. (64) fica dado por

Ou seja, para freqüências muito elevadas ou comprimentos de onda muito curtos (λkm λ) o poder rotatório tende a zero. Por outro lado, como [α] = (16π3Nβ)/λ2, notamos que [α] também tende a zero para comprimentos de onda λ muito grandes. Esses resultados mostram que [α] se anula em ambos os extremos do espectro, ou seja, nos casos de ondas muito curtas e muito longas.

8. Equações para a α , β e γ para ondas com freqüências ω = ω km

As equações obtidas para os parâmetros α, β e γ mostrados nas Eqs. (49)-(51) são válidas somente para freqüências ωωkm = ωk - ωm. Elas não podem ser usadas no casos ressonantes, ou seja, quando ωωkm. Para tratar as ressonâncias precisamos levar em conta a vida média Γ dos estados excitados.

Neste caso [20] a amplitude am(t) de um estado øm é representada por am(t) = exp(- iEmt/ħ) exp(-Γmt/2); formalmente levamos em conta a vida média Γm do estado excitado transformando a energia Em em um número complexo, Em → Em - iħΓm/2. Desenvolvendo um cálculo perturbativo em primeira ordem semelhante ao que foi feito no cap. (6) obtemos [20],

onde Γkm = Γk + Γm. Na obtenção das Eqs. (69)-(71), levando em conta que as vidas médias Γ são muito pequenas (Γ ~ 10-8 s para transições ópticas e Γ ~ 10-7 s para transições de microondas) comparadas com outros termos que aparecem nos numeradores, desprezamos os Γ nos numeradores. Nos denominadores levamos em conta somente fatores de primeira ordem Γ e desprezamos os de segunda ordem Γ2.

Notemos que no caso limite de Γ → 0 os parâmetros αm, βm e γm mostrados nas Eqs. (69)-(71) tornam-se reais e ficando agora dados, respectivamente, pelas Eqs. (6.15).

A constante dielétrica ε complexa pode ser obtida [20] substituindo α dada pela Eq. (69) na Eq. (9) que nos dá ε ≈ 1 + 4πNα. Fazendo a extensão εn2 onde n = n + iχ podemos obter as partes real (n) e imaginária (χ) de n através da Ref. [20]

Como estamos interessados no poder rotatório e dicroísmo circular vamos analisar somente relações provenientes do parâmetro βm. Assim, decompondo βm definido na Eqs. (69)-(71) em suas partes real e imaginária

definimos o poder rotatório complexom]

Nessas condições o poder rotatório [αm], ao invés da Eq. (62), é dado por

Levando em conta os índices de refração complexos nl = nl +iχl e nr = nr + iχr, é fácil vermos que no plano complexo temos agora o poder rotatório [Θ] dado por (omitindo os índices m, por simplicidade)

onde [α] = (π/λ)(nl - nr) e [Ψ] = (π/λ)(χl - χr).

Como sabemos, conforme a Eq. (21), o primeiro termo da função complexa [Θ] nada mais é do que [α] = δ/L que dá o ângulo de rotação do plano de polarização δ por unidade de comprimento. O segundo termo [Ψ '], lembrando que a elipsidade Ψ ≈ (π/λ) (χl - χr)L, conforme a Eq. (26), nada mais é do que [Ψ] = Ψ/L que mede a elipsidade Ψ por unidade de comprimento.

Muitos resultados experimentais comparados com as previsões teóricas dadas pelas Eqs. (73)-(77) são vistos em vários livros e artigos [2, 3, 9-13, 15, 16]. Há um excelente acordo entre teoria e experiência.

Conforme Eqs. (73)-(77) o poder rotatório [Θ] é uma função complexa da freqüência ω, ou seja, [Θ] = [Θ (ω)] = [α(ω)] + i[Ψ(ω)]. Desse modo, usando as propriedades analíticas da função complexa [Θ(ω)] pode-se mostrar que as seguintes relações conectam suas partes real e imaginária [6]

onde o símbolo P significa a parte principal da integral. As Eqs. (78)-(79) que são conhecidas como relações de dispersão de Kramers-Kronig mostram matematicamente que o poder rotatório e o efeito Condon estão intrinsecamente relacionados: não há um efeito sem o outro.

9. Exemplo simples, equação de Drude e lei de Biot

Vamos considerar um caso simples no qual as moléculas do meio só tem uma freqüência ressonante ωmk = ωo nas vizinhanças da freqüência ω da luz incidente. Além disso adotaremos um procedimento usado em muitos livros de óptica que é o de escrever [Θ] em função de comprimentos de onda λ = 2πc/ω ao invés das freqüências ω. Assim, usando as Eqs. (73)-(76) o poder rotatório complexo [Θ] fica dado pela Ref. [9]

onde

e

onde A = (8π/3cħ)N , Ro = Im{ < m|p|k > · < k|µ|m > }, que leva em conta a transição øm → øk entre dois estados específicos com ωmk = ωo, g = 2πλoΓo/c e Γo = Γk + Γm, que dá a largura da linha, medida em rad/s, na transição øm → øk. Notemos que nessas equações o fator g é adimensional.

Na Fig. 4 mostramos o comportamento genérico de [α(λ)] e [Ψ(λ)] em função do comprimento de onda λ supondo A positivo. Quando A é positivo [Ψ(λ)] é sempre positivo e é denominado de efeito Cotton positivo; em caso contrário temos o efeito Cotton negativo.


Longe das ressonâncias, ou seja, quando λλok, vemos que o poder rotatório [α(λ)] pode ser escrito como

que é conhecido como fórmula ou equação de Drude. A Eq. (81) no caso limite de ondas incidentes com λ λok torna-se simplesmente

conhecida como lei de Biot.

Referências

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[17] L. Rosenfeld, Z.Phys. 52, 161 (1928).

[18] M. Born and P. Jordan, Elementare Quantenmechanik (Springer Verlag, Berlin, 1930).

[19] M. Born, Optik (Springer-Verlag, Berlin, 1965).

[20] A.S. Davydov, Quantum Mechanics (Pergamon Press, Oxford, 1965).

Recebido em 8/12/2008

Aceito em 24/1/2009

Publicado em 12/10/2009

Conforme vimos no início do cap. 6 a equação de Schrödinger que descreve o processo de interação da luz com as moléculas do meio é dada por

onde Ho é a hamiltoniana da molécula não perturbada e a hamiltoniana H de interação é descrita por

onde

com p = Σi eri, µ = Σi(e/2mc) {rixπi + Si} e πi = m vi = mdri/dt.

Indicando por øm e Em, respectivamente, as autofunções e autovalores do operador Ho. Considerando H como uma pequena perturbação de Hopodemos escrever a solução da Eq. (41) correspondente ao mésimo estado estacionário Ψm do sistema na forma [20]

onde ωm = Em/ħ.

Substituindo a Eq. (A.4) na Eq. (A.1) e usando a Eq. (A.2), obtemos uma equação para grandezas em primeira ordem

com ωmk = ωm - ωk.

Multiplicando ambos os lados da Eq. (A.5) equação por e integrando sobre todos os valores dos argumentos da autofunções ø encontramos, igualando os coeficientes dos fatores exponenciais temporais iguais, os seguintes valores para os coeficientes a serem determinados akm e bkm na Eq. (A.5)

onde < k|f|m > = ∫ fømd3r, f = h ou h*.

Nos cálculos acima estamos assumindo que a diferença Ψm- øm é pequena, assim as Eqs. (A.6) só podem ser usadas quando ωωmk.

Usando as Eqs. (A.4) e (A.6) vemos que o valor esperado Fm = < Ψm|Fm > de um observável F no estado Ψm é dado por

O primeiro termo < øm|Fm > dá o valor esperado de F no estado não perturbado øm e o segundo termo que depende de h e h* mostra a perturbação gerada pela onda incidente sobre a molécula. No caso de F = p ou µ o primeiro termo dá os dipolos permanentes no estado øm e o segundo dá os dipolos induzidos que são calculados usando a Eq. (43), levando em conta o efeito de todos os estados øk. Assumindo que os estados øm têm paridade definida, os dipolos elétricos permanentes se anulam, pois < øm|pm > = 0. Por outro lado, assumiremos que o meio dielétrico possua propriedades magnéticas desprezíveis sendo composto por moléculas com dipolos permanentes < øm|µm > nulos. Assim, vamos obter somente os dipolos induzidos pm e µm que são calculados do seguinte modo

Levando em conta que < k|dp/dt|m > = iωkm < k|p|m > vemos que < m|h|k > e < m|h*|k > , usando a Eq. (A.3), são dados por

Substituindo a Eq. (A.9) na Eq. (A.8) obtemos

Podemos ainda colocar Fm na seguinte forma

como

a Eq. (A.10) fica escrita como

Levando em conta a aproximação dipolar que foi feita para obter a função h o potencial vetor A na Eq. (A.3) pode ser aproximado por A = Re{A exp(iΨ)} ≈ Re{A exp(iωt) + A*exp(- iω)}/2 = A cos(ωt), sendo A real. Consequentemente,

Levando em conta esses resultados, ficamos com

ou seja

No caso do dipolo teremos fazendo F = p obtemos, pegando a parte real da Eq. (A.13), ou seja, fazendo pm = Re[Fm], teremos

onde levamos em conta que < m|p|k > < k|p|m > = | < m|p|k > |2 é real e que (ωmk/ω)2/ = 1/ω2 + 1/. Assim, ficamos com

De modo análogo para o dipolo magnético, fazendo F = µ obtemos, desprezando os termos da ordem de µ2 e comparação com |p ||µ| , temos

O resultado final para os dipolos induzidos, elétricos e magnéticos, é obtido fazendo uma média sobre todas as possíveis orientações das moléculas no espaço assumindo que todas as direções são igualmente prováveis. Para calcularmos a média, por exemplo, do fator p µ·H sobre todas as orientações de p e µ nós mantemos fixos os módulos dos dipolos e também fixo o ângulo entre eles. Escolhendo H como o eixo de referência para calcular todas as possíveis orientações dos vetores p e µ pode-se mostrar [12] que o valor médio [pµ·H]av é dado por (1/3) pµH.

Assim, os dipolos induzidos elétrico dm e magnético mm são dados por

onde as funções αm, βm e γm para os estados m são dadas por

  • [1] J.M.F. Bassalo e M. Cattani, Revista Brasileira de Ensino de Física 17, 224 (1995);
  • Contactos 10, 2023 (1995).
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  • [19] M. Born, Optik (Springer-Verlag, Berlin, 1965).
  • [20] A.S. Davydov, Quantum Mechanics (Pergamon Press, Oxford, 1965).

Apêndice

  • 1
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Nov 2009
    • Data do Fascículo
      Set 2009

    Histórico

    • Aceito
      24 Jan 2009
    • Recebido
      08 Dez 2008
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