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Estudo comparativo de algumas propriedades dinâmicas de líquidos e grãos na sala de aula

Comparative study of some dynamic properties of liquids and grains in the classroom

Resumos

Visando entender as diferenças entre as propriedades dinâmicas dos materiais granulares e as propriedades dinâmicas dos líquidos, foram realizados experimentos usando água e grãos de arroz e açúcar. Os experimentos requerem poucos recursos e foram pensados para que possam ser desenvolvidos com facilidade na sala de aula ou num laboratório de ensino. Os resultados mostraram que o fluxo de grãos difere significativamente do fluxo de líquidos.

propriedades dinâmicas; grãos; líquidos


In order to understand the differences in the dynamic properties between granular materials and liquids, experiments using water, rice and sugar grains were performed. The experiments require few material resources and were thought so as to be easily made in a classroom or in a teaching laboratory. The results showed that grain's flow differs significantly from that of liquids.

granular materials; dynamic properties; liquids


ARTIGOS GERAIS

Estudo comparativo de algumas propriedades dinâmicas de líquidos e grãos na sala de aula

Comparative study of some dynamic properties of liquids and grains in the classroom

J. López1 1 E-mail: jlopez@usp.br. ; T. Demarchi; M. Akamatsu; A. Vercik

Departamento de Ciências Básicas, Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

Visando entender as diferenças entre as propriedades dinâmicas dos materiais granulares e as propriedades dinâmicas dos líquidos, foram realizados experimentos usando água e grãos de arroz e açúcar. Os experimentos requerem poucos recursos e foram pensados para que possam ser desenvolvidos com facilidade na sala de aula ou num laboratório de ensino. Os resultados mostraram que o fluxo de grãos difere significativamente do fluxo de líquidos.

Palavras-chave: propriedades dinâmicas, grãos, líquidos.

ABSTRACT

In order to understand the differences in the dynamic properties between granular materials and liquids, experiments using water, rice and sugar grains were performed. The experiments require few material resources and were thought so as to be easily made in a classroom or in a teaching laboratory. The results showed that grain's flow differs significantly from that of liquids.

Keywords: granular materials, dynamic properties, liquids.

1. Introdução

A história dos materiais granulares é longa. Mesmo assim, a tecnologia para manipular e controlar os materiais granulares apresenta um desenvolvimento defasado quando comparada à dos fluidos.

Os livros de texto básicos de física para engenharias raramente abordam os materiais granulares. Mais raro ainda é encontrar descrição de experimentos que o professor possa usar com seus alunos na sala de aula ou como prática de laboratório.

Num artigo anterior[1] apresentamos uma breve revisão da literatura sobre este tema e sugerimos alguns experimentos simples. Aqui discutimos outros três tipos de experimentos que visam entender as diferenças das propriedades dinâmicas dos materiais granulares (arroz e açúcar) comparadas às propriedades dinâmicas dos líquidos (água).

2. Métodos e resultados

2.1. Tempos de esvaziamento

A Fig. 1 ilustra a geometria dos cilindros de diâmetro D usados nos experimentos e seus principais parâmetros. Inicialmente o cilindro era preenchido até uma altura h com grãos e o furo, de diâmetro d, na superfície inferior, era tampado. Foi cronometrado o tempo entre a liberação da tampa do furo na superfície inferior e o momento em que os grãos cessavam seu movimento. Parte dos grãos não saiu espontaneamente do cilindro e formou-se um cone truncado e invertido de altura hr como indicado à direita. No caso da água, o critério escolhido para parar o cronômetro foi o aparecimento de redemoinhos.


Os grãos de açúcar eram aproximadamente esféricos, com diâmetro médio de 1,0 mm e os de arroz, cilíndricos, com comprimento médio de 6,3 mm e diâmetro médio de 1,8 mm.

A Fig. 2 representa o tempo que um cilindro de diâmetro D = 190 mm, preenchido com grãos de arroz (quadrado), açúcar (círculo) e água (triângulo), até uma altura h = 215 mm, demora para esvaziar até a situação de equilíbrio. Isto é, até o momento em que os grãos estão formando um cone com ângulo crítico. Arroz e açúcar representam meios granulares e a água é um exemplo de meio líquido.


Como era de se esperar o tempo de esvaziamento diminui com o aumento do diâmetro do furo no cilindro. Para um mesmo diâmetro do furo, por exemplo, d = 15 mm, o tempo de esvaziamento do arroz é maior ao tempo correspondente para o açúcar, e este, por sua vez, maior que o tempo medido usando a água. Isto está correlacionado com a diminuição do tamanho médio de grãos. No caso da água, teoricamente este "tamanho" pode ser considerado nulo.

Os pontos experimentais da Fig. 2 foram ajustados a um modelo empírico dado pela Eq. (1)

onde d = d0 é uma assíntota vertical que indica o diâmetro mínimo do furo para que os grãos caiam. A Eq. (1) expressa a proporcionalidade inversa existente entre o tempo de esvaziamento (tT) e o diâmetro do furo (d). A constante de ajuste C leva em consideração a contribuição de outras variáveis como a altura inicial dos grãos (h) e os coeficientes de atrito entre os grãos e dos grãos com as paredes do cilindro. Os valores dos parâmetros C, n e d0, obtidos dos ajustes, aparecem na Tabela 1.

O diâmetro mínimo do furo (d0) no caso da água é teoricamente nulo, porém, em termos práticos, isso não é verdade devido ao fato que para diâmetros muito pequenos o fluxo não é laminar. Pequenas imperfeições na forma do furo se mostram relevantes.

É interessante notar que mesmo sendo de 1 mm o diâmetro médio dos grãos de açúcar, estes não começaram a cair até que o diâmetro do furo do cilindro fosse de 2,2 mm. Isto significa que existem forças de coesão entre os grãos de açúcar que impedem a queda dos grãos não apoiados. Igualmente acontece para os grãos de arroz, onde seu comprimento médio é de 6,3 mm e o fluxo só ocorre para furos do cilindro com diâmetro maior que 13 mm. Os parâmetros C e n não mostraram uma variação sistemática.

2.2. Tempos de esvaziamentos parciais

Outro experimento foi desenvolvido com a idéia de ilustrar a diferença nas propriedades dinâmicas entre grãos e líquidos. Foi usado o mesmo tipo de cilindro da Fig. 1. Porém, desta vez, mediu-se o tempo (ti) que se levava para preencher uma sequência de copos menores com forma cilíndrica de diâmetro 68 mm e altura 80 mm. Uma vez que o copo de número i era preenchido trocava-se pelo copo de número (i + 1). O último copo em cada série de medidas foi descartado, pois não era preenchido completamente. Valores de i maiores representam os copos preenchidos por último, ou seja, quando a pilha de grãos estava perto da configuração crítica ou a água na iminência de criar redemoinhos.

A Fig. 3 mostra os resultados das medidas de tempos de esvaziamento parciais (ti) de um cilindro com grãos de arroz e açúcar e água em função do índice da seqüência de copos i. Em cada caso, foram feitas medidas para cilindros com furos de diâmetro diferente (símbolos abertos e fechados do mesmo tipo).


Como esperado, o aumento no diâmetro do furo (de símbolo aberto para fechado) diminuiu os tempos de esvaziamentos parciais, em todos os casos. Porém, existe uma diferença significativa entre a água (triângulos) e os grãos (quadrados e círculos) neste gráfico: o tempo gasto para preencher copos sucessivos no caso dos grãos não aumenta à medida que i aumenta (conforme o cilindro vai se esvaziando). Já com o líquido, à medida que a altura da coluna cheia do cilindro diminui também diminui a vazão pelo furo inferior e o copo coletor demora mais tempo para se completar.

Dos cursos básicos de física sabemos que com o aumento da profundidade na coluna de um líquido aumenta a pressão e consequentemente a vazão da água por um furo no fundo do cilindro deve aumentar também. Em outras palavras, se a altura da coluna de água diminui deve diminuir a vazão, como verificado nesta experiência.

Entretanto, o mesmo argumento não é válido para grãos. A distribuição de pressões no interior de um cilindro cheio de grãos não aumenta com a profundidade. Um experimento simples que prova este fato pode ser encontrado em outro artigo desta mesma revista [1]. O peso das camadas superiores de grãos é transmitido majoritariamente para as laterais e é contrabalançado pela rigidez do recipiente. Isto faz com que a pressão no fundo do cilindro cheio de grãos seja aproximadamente independente do tempo e, consequentemente, do número i do copo em nosso experimento.

2.3. Tubo no plano inclinado

Para um fluido Newtoniano (aquele na qual a tensão de cisalhamento é diretamente proporcional à taxa de deformação) em regime de fluxo laminar é válida a equação de Hagen-Poiseuille[2]

onde Q é a vazão volumétrica, ΔP é a variação de pressão entre os extremos do tubo, L é o comprimento do tubo, µ é a viscosidade dinâmica e D é o diâmetro do tubo. Queremos verificar se uma lei análoga é válida para grãos.

2.3.1. Vazão como função do comprimento

No primeiro experimento tubos de comprimento (L) variável completo por grãos de arroz de massa total m, inclinados em um ângulo θ (como ilustrado na Fig. 4), tiveram medidos seus tempos (t) de esvaziamento completo. O diâmetro dos tubos foi mantido constante (D = 2,2 cm).


Os resultados, representados na Fig. 5, relacionam a vazão mássica de grãos que deixaram o tubo (m / t) em função do inverso do comprimento L de cada um dos tubos testados, para os ângulos de 30º (símbolos abertos) e 33º (símbolos fechados) com grãos de arroz (quadrados) e açúcar (círculos).


Como era de se esperar a vazão aumenta com o aumento do ângulo de inclinação do plano inclinado para os comprimentos de tubos testados e os dois tipos de grãos. Para um mesmo ângulo de inclinação do plano inclinado e igual comprimento do tubo a vazão dos grãos de arroz é maior que a vazão dos grãos de açúcar.

Inicialmente achamos contraditório este último resultado, devido ao fato de que os grãos de açúcar são menores e consequentemente ficam compactados em maior grau comparados aos grãos de arroz. Raciocinávamos que a vazão devia aumentar com o aumento da compactação dos grãos. O erro está em que outro fator, o atrito entre os grãos e entre as paredes do recipiente e os grãos, desempenha um papel preponderante. As forças de atrito entre os grãos de açúcar e entre o tubo e os grãos de açúcar são muito maiores que as correspondentes forças de atrito com grãos de arroz. Quanto maior o atrito menor a vazão, como foi observado experimentalmente.

Outro detalhe interessante é que a vazão dos grãos de arroz e açúcar não se comporta de forma análoga à Eq. (2). Segundo esta equação o gráfico devia ser uma reta com ângulo de inclinação positivo. No arroz, para os dois ângulos estudados, os pontos poderiam ser descritos aproximadamente por uma reta de inclinação negativa. Para os grãos de açúcar a vazão poderia ser descrita aproximadamente com uma reta horizontal. Isto reflete uma diferença radical entre as propriedades dinâmicas de grãos e líquidos.

2.3.2. Vazão como função do diâmetro

Usando a mesma montagem experimental da Fig. 4, mediram-se os tempos de esvaziamento dos tubos como função do diâmetro, porém agora o comprimento foi mantido fixo (L = 0,50 m). As medidas foram repetidas para vários ângulos de inclinação. A vazão (m /t) dos grãos de arroz e de açúcar como função do diâmetro dos tubos é mostrada nas Figs. 6 e 7, respectivamente.



Como esperado a vazão aumenta com o aumento do diâmetro do tubo. Assim como a vazão também aumenta com o aumento do ângulo de inclinação do plano inclinado.

Visando comparar os resultados experimentais à Eq. (2), as linhas nas Figs. 6 e 7 representam um ajuste dos pontos à seguinte equação

onde P1 e P2 são parâmetros de ajuste. Os valores obtidos para os diferentes ângulos de inclinação do plano inclinado no caso dos grãos de arroz e de açúcar são mostrados na Tabela 2.

Como descrito na Tabela 2, nenhum dos expoentes atingiu o valor 4, o que significa que o modelo que leva à Eq. (2) precisa ser melhorado para os grãos.

A diferença entre os parâmetros dos diferentes ângulos talvez se deva à variação da pressão na extremidade do tubo, que se altera com a diferença dos ângulos.

3. Conclusão

Este artigo apresenta experimentos simples que visam entender as diferenças entre as propriedades dinâmicas dos materiais granulares (arroz e açúcar) e as propriedades dinâmicas dos líquidos (água). Estes podem ser desenvolvidos pelo professor no laboratório ou em sala de aula usando poucos recursos.

Encontramos uma relação inversa entre o tempo de esvaziamento e o diâmetro de um furo na parte inferior de um cilindro. Para os grãos de açúcar e de arroz é interessante notar que só existe vazão para diâmetros de furo do cilindro em teste maiores que o diâmetro médio dos grãos. Isto significa que existem forças de coesão entre os grãos que impedem a queda dos grãos não apoiados.

No segundo experimento medimos os tempos de esvaziamentos parciais. Existe uma diferença evidente entre líquidos e grãos: o tempo gasto para preencher copos sucessivos no caso dos grãos não aumenta conforme o cilindro vai se esvaziando. Já com o líquido, à medida que a altura da coluna cheia do cilindro diminui também diminui a vazão pelo furo inferior e o copo coletor demora mais tempo para se completar.

No primeiro dos experimentos no plano inclinado, fixamos o diâmetro do cilindro e variamos o comprimento do mesmo. A vazão dos grãos não se comportou de forma análoga à equação de Hagen-Poiseuille. No segundo experimento, fixamos o comprimento do cilindro e variamos seu diâmetro. Nos dois casos a vazão dos grãos de arroz foi maior que a vazão dos grãos de açúcar quando os ângulos de inclinação do plano inclinado foram de 30º e 33º. Este resultado se explica pelo fato que as forças de atrito entre os grãos de açúcar e entre o tubo e os grãos de açúcar são muito maiores que as correspondentes forças de atrito com grãos de arroz.

Agradecimentos

A estudante T. Demarchi e seu orientador J. López agradecem ao Banco Santander pela bolsa de Iniciação Científica.

Recebido em 1/6/2009; Aceito em 1/7/2009; Publicado em 26/3/2010

  • [1] J. López, A. Vercik e E.J.X. Costa, Revista Brasileira de Ensino de Física 30, 1308 (2008).
  • [2] R.W. Fox, A.T. McDonalds e P.J. Pritchard, Introdução à Mecânica dos Fluidos (LTC, Rio de Janeiro, 2006), p. 385.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2010

    Histórico

    • Recebido
      01 Jun 2009
    • Aceito
      01 Jul 2009
    Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
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