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Superações conceituais de estudantes do ensino médio em medição a partir de questionamentos de uma situação experimental problemática

Conceptual outstrip of medium teaching students on procedures of measurement starting from questions of a problematic experimental situation

Resumos

No ensino médio, professores de matérias científicas comumente abandonam atividades experimentais quantitativas e um dos principais motivos para isso acontecer se deve a pouca compreensão de como enfrentar com os estudantes o tratamento de dados experimentais. Nesse nível escolar, investigações em ensino de ciências voltadas às atividades experimentais que envolvem mensurações indicam que os estudantes vêm para a sala de aula com um conjunto de idéias problemáticas sobre medição, que se encontram reunidas na literatura com a denominação de paradigma Pontual. Tais idéias se encontram diametralmente opostas às científicas. Diante disso e considerando que as atividades experimentais permeiam muitos dos conhecimentos científicos, torna-se necessário o aprofundamento de estudos sobre o processo educacional relacionado à medição. Além de diferenciar-se de outras investigações quanto à amostra e metodologia empregada, esta pesquisa procura compreender até que ponto os alunos do primeiro ano do ensino médio conseguem construir uma aproximação com o conceito científico de medição, denominado de paradigma de Conjunto, quando estão envolvidas apenas questões provocativas e experimentos preparados para induzir essa construção.

medição; física; ensino médio


In the high school, teachers of scientific disciplines commonly abandon quantitative experimental activities with their students and one of the main reasons for that owes to the little understanding to face experimental data treatment. In this school level, investigations in teaching of sciences indicate that experimental activities that involve measures indicate that the students come to the classroom with a group of problematic ideas about measures, denominated in the literature by Punctual paradigm. Such ideas are diametrically opposed to the scientific ones. Facing this and considering that the experimental activities permeate many of the scientific knowledge, it is become necessary a deepening study on the educational process related to the measure. Beyond differing of another investigations with relationship to the sample and methodology used, this research tries to understand to what extent first year medium students get to build an approach with the scientific concept of measure, denominated Set paradigm, when are just involved provocative questions and prepared experiments to induce that construction.

measurements; physics; high school


PESQUISA EM ENSINO DE FÍSICA

Superações conceituais de estudantes do ensino médio em medição a partir de questionamentos de uma situação experimental problemática

Conceptual outstrip of medium teaching students on procedures of measurement starting from questions of a problematic experimental situation

Carlos Eduardo Laburú1 1 E-mail: laburu@uel.br. ,I; Osmar Henrique Moura da SilvaI,II; Dirceu Reis de SalesIII

IDepartamento de Física, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil

IIFísico do Laboratório de Instrumentação em Ensino de Física, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil

IIIPrograma de Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil

RESUMO

No ensino médio, professores de matérias científicas comumente abandonam atividades experimentais quantitativas e um dos principais motivos para isso acontecer se deve a pouca compreensão de como enfrentar com os estudantes o tratamento de dados experimentais. Nesse nível escolar, investigações em ensino de ciências voltadas às atividades experimentais que envolvem mensurações indicam que os estudantes vêm para a sala de aula com um conjunto de idéias problemáticas sobre medição, que se encontram reunidas na literatura com a denominação de paradigma Pontual. Tais idéias se encontram diametralmente opostas às científicas. Diante disso e considerando que as atividades experimentais permeiam muitos dos conhecimentos científicos, torna-se necessário o aprofundamento de estudos sobre o processo educacional relacionado à medição. Além de diferenciar-se de outras investigações quanto à amostra e metodologia empregada, esta pesquisa procura compreender até que ponto os alunos do primeiro ano do ensino médio conseguem construir uma aproximação com o conceito científico de medição, denominado de paradigma de Conjunto, quando estão envolvidas apenas questões provocativas e experimentos preparados para induzir essa construção.

Palavras-chave: medição, física, ensino médio.

ABSTRACT

In the high school, teachers of scientific disciplines commonly abandon quantitative experimental activities with their students and one of the main reasons for that owes to the little understanding to face experimental data treatment. In this school level, investigations in teaching of sciences indicate that experimental activities that involve measures indicate that the students come to the classroom with a group of problematic ideas about measures, denominated in the literature by Punctual paradigm. Such ideas are diametrically opposed to the scientific ones. Facing this and considering that the experimental activities permeate many of the scientific knowledge, it is become necessary a deepening study on the educational process related to the measure. Beyond differing of another investigations with relationship to the sample and methodology used, this research tries to understand to what extent first year medium students get to build an approach with the scientific concept of measure, denominated Set paradigm, when are just involved provocative questions and prepared experiments to induce that construction.

Keywords: measurements, physics, high school.

"Todas as coisas que podem ser conhecidas têm número;

pois não é possível que sem número qualquer coisa possa ser concebida ou conhecida."

Filolau (450-400? AC).

"Se não puderes medir, teu conhecimento é deficiente e insatisfatório."

Lord Kelvin

1. Introdução

A importância da medida remonta à origem da civilização moderna ocidental. Os pitagóricos concebiam seu valor como meio fundamental para estudar a natureza [1, p. 47]. Uma reflexão epistemológica sobre a natureza da medição está longe da trivialidade, sendo que uma possível compreensão nesse sentido passa por uma visão operacional. Por esta, Dingle afirma que a medição é definida como qualquer operação precisamente especificada que gera um número [2, p. 73]. Em particular, para a física a medição permanece inerente à sua natureza epistemológica, sem a qual deixaria de existir como ciência. A física por ser uma ciência inevitavelmente quantitativa depende, por consequência, de procedimentos de medição. Uma medição realiza-se sempre via uma grandeza física, o que a diferencia de uma simples contagem numérica. Os conceitos teóricos e as grandezas físicas formam os blocos constituintes dessa ciência, sendo que as últimas são conceitos quantitativos [2, p. 69]. Ao ser definida uma grandeza física, estabelece-se, ao mesmo tempo, uma série de procedimentos para medi-la e uma unidade instituída como padrão [3, p. 1]. A construção da física como ciência é feita por meio de tais blocos que são usados para expressar as leis e teorias. As grandezas físicas são sempre definidas por meio de um modelo para o fenômeno físico em consideração, sendo determinadas a partir de um conjunto de dados experimentais [4, p. 38]. Uma vez que um modelo consistente tenha sido claramente formulado, pode-se admitir que cada grandeza física definida pelo modelo tenha um valor verdadeiro bem especificado. Um elemento complicador encontra-se no fato de que o valor verdadeiro exato de uma grandeza experimental é sempre desconhecido. Por mais perfeito que sejam os métodos e procedimentos de medida, o valor achado para a grandeza física será sempre uma aproximação para o valor verdadeiro (ou valor alvo), pois sempre existem erros de medição (op. cit.). Ora, algumas vezes existem situações em que a medida está sujeita a erros que frequentemente não podemos eliminar, pois estes são inerentes ao próprio processo de medição. Outras vezes, a grandeza que medimos tem caráter essencialmente estatístico, ou seja, ela não tem valor verdadeiro, o que faz com que ela assuma diversos valores2 2 Uma grandeza física só pode ter "valor verdadeiro" conhecido quando a grandeza pode ser definida como um número exato. Mas essas grandezas não podem ser consideradas como grandezas experimentais, no sentido dado pelo texto [4, p. 38]. [5, p. 1].

Num sentido amplo, aprender física significa, então, não só aprender os seus conceitos de modo qualitativo, mas deve envolver dos aprendizes determinação experimental de suas grandezas. Com isso, permite-se que eles participem genuinamente da natureza desta ciência, ou seja, da relação existente entre teoria e evidência. Ademais, no que toca mais propriamente os educadores científicos, lembram Mäntylä e Koponen [6, p. 311] que a formação das quantidades pela transformação das qualidades, através de experimentos quantitativos, é uma forma de compreensão conceitual.

Hodson [7] coloca que no ensino das ciências da natureza as atividades experimentais permitem que o aprendiz faça determinados usos dos processos e métodos da ciência, com a finalidade de ampliar o seu conhecimento sobre a mesma. Kuhn et al. [8] caracterizam a atividade experimental como aquela em que o estudante, de maneira individual ou coletiva, investiga certos fenômenos com o objetivo de realizar inferências e de propor conclusões. Ao tomar parte do intrínseco processo da investigação científica, a prática experimental destaca-se, não só como elemento essencial para o entendimento e desenvolvimento da ciência, como também do processo educacional envolvido com a aprendizagem dos conceitos científicos. Normalmente, o espaço privilegiado para a ocorrência das atividades empíricas nas escolas é o laboratório didático. Na análise das atividades dentro desse espaço, Séré [9] lembra que as clássicas categorias conceituais, epistemológicas e procedimentais continuam oportunizando uma análise atual dos numerosos objetivos aí desenvolvidos.

De acordo com Buffler et al. [10, p. 1137] e Gomes et al. [11, p. 189], as metas para o ensino de ciências podem ser divididas em duas categorias3 3 Sendo que em Zabala [12, p. 42] inclui-se uma terceira denominada atitudinal. que abordam, de um lado, o conhecimento do tipo declarativo e, de outro, o conhecimento do tipo procedimental. Observa-se que é bem corriqueiro os educadores científicos almejarem o conhecimento declarativo dos estudantes, que é um conhecimento vinculado aos conceitos científicos, aos entendimentos dos fenômenos e às relações entre grandezas físicas e teorias, mas, apesar de sua grande importância, é menos comum esses educadores se preocuparem em elevar as compreensões do conhecimento procedimental dos estudantes. Este último se encontra associado com o 'fazer ciência', isto é, com as ações que suportam a atividade investigativa do trabalho experimental conduzidas por um planejamento em que os dados são analisados e usados para apoiar certas conclusões.

O conhecimento procedimental carrega uma concepção de atuação e de evidência que permite ao sujeito "julgar a qualidade dos resultados experimentais e, em última instância, informar se os resultados constituem ou não um novo conhecimento válido" [10]. Uma preocupação do ensino de ciências referente a esse conhecimento volta-se à problemática sobre como um estudante age no encaminhamento de uma medição, visto que aquilo que é encontrado e compreendido por ele precisa passar do domínio pessoal para o reino do conhecimento compartilhado. Todavia, junto a isto, deve haver a preocupação com a comunicação da qualidade, confiabilidade e validade do resultado empírico obtido. Somente assim se permite estabelecer comparações com outras medidas ou distribuições de dados encontrados por outros, ou mesmo, por outra lei ou teoria rival. Dentro disso, e tendo se inspirado nos trabalhos de Lubben e Millar [13] e Allie et al. [14], Buffler et al. [10, p. 1139] propõem que a análise dos estudantes relativa ao conhecimento procedimental dos experimentos quantitativos seja feita segundo os critérios de coleta, processamento e comparação de dados.

Vários estudos vêm concentrando seu foco de interesse nas representações problemáticas sobre medição de estudantes [10, 13-15]. Em momentos de instrução, as mais variadas orientações instrucionais, fundamentadas no emprego do teste de hipóteses ou que aplicam um paradigma, de inclinações, respectivamente, popperiana e kuhniana, ou, possivelmente, segundo orientações verificacionistas ou indutivistas mais corriqueiras e criticáveis, são prejudicadas, pois as mencionadas representações são enfrentadas com dificuldades pelo professor, em razão de se oporem radicalmente às científicas [16, p. 1070]. A esse respeito, destaque-se a afirmação dada por Osborne [14] a respeito da necessidade de que haja um forte foco no entendimento dos procedimentos relativos às medições em atividades experimentais no estudo das ciências.

Investigações em educação científica relativas ao programa de pesquisa que explora o tema medição têm mostrado que antes de uma instrução formal de tratamento de dados, e, às vezes, até após ela, os estudantes apresentam um conjunto de idéias sobre medição que podem ser reunidas no denominado paradigma Pontual. Como veremos na seção seguinte, este paradigma se opõe ao paradigma de Conjunto que se espera que os alunos dominem.

Considerando a difundida orientação construtivista que ressalta a importância das perguntas para a construção do conhecimento científico [17], o presente estudo propõe engajar um grupo de alunos do ensino médio na obtenção de seus próprios dados experimentais, de modo a estimulá-los a refletir sobre uma problemática atividade de medição dirigida por uma série de questões provocativas a respeito desse assunto. Por meio principalmente de tais questões, juntamente com uma atividade experimental adequadamente escolhida, procurou-se problematizar os procedimentos de medição dos alunos com o objetivo de que os mesmos sobrepujassem o paradigma Pontual e se aproximassem das idéias do paradigma de Conjunto. Através desse encaminhamento, descrevemos neste trabalho a superação conceitual que pode ser alcançada por estudantes que jamais tiveram a oportunidade de refletir, mais sistematicamente, a respeito dos procedimentos de medição.

Posto o problema acima, o estudo aqui descrito se diferencia das investigações já realizadas pela característica de sua amostra e metodologia empregadas. Quanto à amostra, diversamente de países como a Inglaterra [18, p. 749], o ensino de ciências no Brasil não toma esse tema com a merecida ênfase, ainda que haja a indicação da necessidade da habilidade em compreender e utilizar tabelas, gráficos e relações matemáticas ligadas à competência de representação e comunicação nos PCNEM. Em razão disso, é de se esperar que os estudantes brasileiros do ensino básico apresentem uma precária noção a respeito do tema. Quanto à metodologia, apesar do experimento ter sido originalmente sugerido em Allie et al. [14, p. 449] e Buffler et al. [10, p. 1140], esses autores empregaram-no de maneira distinta. Enquanto os últimos autores se valeram do experimento para mostrar a graduandos de primeiro ano os resultados experimentais que se obtêm, fazendo com que eles, em seguida, respondessem um questionário sobre esses resultados, os primeiros tão somente usaram um questionário apoiado em fictícios desenhos do experimento e de um par de personagens, confrontando opiniões a respeito de possíveis resultados empíricos. É de se observar que em ambos os estudos os graduandos não atuaram diretamente sobre o equipamento e não realizaram medidas. Portanto, deixaram de "perceber e sentir" a dificuldade inerente de determinar o resultado, aspecto que procuramos aqui evitar. Por esse motivo, diferentemente das referências citadas, os nossos alunos investigados coletaram os seus próprios dados, estando esse procedimento em coerência com a importância dada à ação para a interiorização do pensamento [19, p. 63].

2. Paradigma pontual e paradigma de conjunto

A partir deste momento apresentamos uma síntese do paradigma Pontual que agrupa os informais entendimentos de estudantes sobre procedimento de medição. Apresentamos, igualmente, os entendimentos esperados por quem passa por uma instrução em medição e que são reunidos pelo paradigma de Conjunto. Essas designações serão referências para analisar o alcance conceitual atingido pelos sujeitos submetidos a questionamentos.

Cauzinille-Marmeche et al. [15], Coelho [20], Lubben e Millar [13], Allie et al. [14] e Buffler et al. [10] são trabalhos referenciais que retratam as dificuldades conceituais envolvidas com a medição no ambiente escolar. O último trabalho mostra que certos alunos apresentam idéias sobre medição que podem ser classificadas de forma geral no paradigma Pontual ou de Conjunto. Essas designações mantêm paralelo com o conceito kuhniano de paradigma [21] e pretendem conotar um grupo de crenças, valores, técnicas etc. compartilhados pelos estudantes quando ponderam sobre medição. De maneira sintética, o paradigma Pontual congrega os raciocínios que levam à compreensão de que apenas uma única medida é suficiente para a realização de um experimento que apresente erros aleatórios, pois se imagina que há um e somente um verdadeiro valor a ser encontrado, não existindo a necessidade de se obter outros resultados. Ou seja, o verdadeiro valor de uma medição é compreendido como devendo ser expresso por um único número. Quando adquirida a medida numa atividade prática ela é considerada independente de quaisquer outras obtidas, sendo cada uma autossuficiente para se tomar decisões, não precisando, em razão disso, ser combinadas de maneira alguma umas com as outras. Assim, a medição é concebida como tendo um único valor, em vez de pertencer a um intervalo de possíveis valores. Se uma série de medições é feita, as decisões subsequentes são tomadas somente com base em reflexões particulares, tais como: seleção do valor recorrente; posição numa tabela (extremos ou equidistantes); comparação feita valor a valor etc. Segue disto, a falta de sentido em tirar médias numa amostra e, por conseguinte, de determinar a sua correspondente incerteza. Fundamentalmente, o que está por detrás do paradigma Pontual é uma inerente concepção de que em toda atividade empírica inexistem erros experimentais, uma vez que qualquer medição deve fornecer uma medida exata e única. Em Buffler et al. [22], Marineli e Pacca [23] e Laburú e Barros [24] há tentativas de explicar as origens da formação das idéias que sustentam esse paradigma. As explicações abrangem uma visão dos estudantes de mundo, de ciência, problemas de ordem cognitiva, não diferenciação entre medida física e contagem ou medida matemática, ou simplesmente resultam da falta de habilidade em lidar com instrumentos ou com teorias estatísticas utilizadas nos cálculos. Os primeiros dois trabalhos concentram-se nas origens das idéias do processo de medir, atribuindo-as à concepção de realidade, de natureza de ciência e ao experimentador. Afirmam que os alunos revelam construções epistemológicas transpostas para a esfera científica, vindas da sua interação com o cotidiano, que interferem no processo de medição. Complementando esses trabalhos, a última referência busca no referencial da psicologia cognitivista de Piaget, primeiramente, uma explicação para os raciocínios baseados na medida única dos sujeitos mais novos. Afirmam que esses raciocínios apresentam-se limitados devido à necessidade de superação do mecanismo operatório vinculado às pseudonecessidades em direção a um mecanismo que opera dentro dos possíveis e que àquele se contrapõe. Esses mecanismos, próprios, respectivamente, aos paradigmas Pontual e de Conjunto, levam, no caso do primeiro, à idéia de medida autêntica, única e concreta, e no caso do último a idéia de média imaginária ou virtual, ligada a um "valor alvo. Uma segunda explicação propõe que a leitura dos estudantes ligada ao paradigma Pontual pode igualmente sofrer influência de uma não diferenciação ocasionada pela idealizada noção de contagem ou medida matemática que se prendem à noção de exatidão, de certeza, e que são incorretamente estendidas para as medições físicas.

Em oposição, o paradigma de Conjunto é caracterizado pela noção de que uma grandeza física experimental só pode ser determinada por meio de um valor numérico resultante de uma reunião de dados experimentais. Do ponto de vista da teoria de erros, admite-se que existe um "valor verdadeiro ou valor alvo" [4, p. 38] bem definido para toda grandeza física experimental que pode ser caracterizado por meio de um modelo para o fenômeno físico. Ocorre que esse valor é sempre desconhecido, pois fatalmente existem erros experimentais inevitáveis quando se realiza uma medição. Por melhores que sejam os métodos e os instrumentos de medida, o valor encontrado para a grandeza física será, em qualquer ocasião, uma aproximação do valor alvo, ainda que evidentemente esse valor seja o objetivo final de um processo de medição de uma grandeza física experimental (ibid.). Assim, faz-se necessário um número de medidas para formar uma distribuição que congregue certos valores particulares. Essencialmente, após se medir determinada grandeza física deve-se obter uma estimativa do espalhamento numérico do seu valor para avaliar quão adequada é a grandeza. Para isso, precisa-se indicar uma estimativa de quão afastado o resultado pode estar do valor verdadeiro, algo como, por exemplo [25, p. 15]

Desse entendimento, em havendo somente erro estatístico, a melhor informação para representar o valor alvo é obtida pela combinação do maior número de medidas possível. No caso de uma coleção de dados, o valor médio é a melhor estimativa do valor verdadeiro de uma medida. Ademais, a estimativa de quão longe se encontra essa média do alvo é dada pelo desvio padrão da média. A apresentação do resultado de um experimento se dá na forma (op. cit., p. 17)

O nível de confiança do resultado é de 68%, ou seja, o valor verdadeiro tem 68% de probabilidade de ser encontrado no intervalo dado pelo resultado da expressão 2. Essa expressão é o melhor que se pode fazer, no sentido de ser a forma mais completa de representar o resultado de um experimento, e a melhor delas entre todas as possíveis, sempre que os dados obedecerem à distribuição normal (ibid.), isto é, constituírem uma distribuição tipo gaussiana. Com essa expressão pode-se fazer comparação entre amostras ou de uma evidência com uma ou mais teorias.

Em relação ao nível escolar aqui de interesse, podemos dizer que o núcleo central do paradigma de Conjunto caracteriza-se pelo entendimento de que há sempre uma incerteza inseparavelmente vinculada a uma medida. Pois, apesar de realizadas idênticas medições pelo mesmo experimentador, com os mesmos instrumentos, mesmas condições ambientais e experimentais, tomando o maior cuidado imaginável, podem ainda apresentar resultados diferentes, tal qual vai acontecer com o caso experimental aqui trabalhado. A razão dos resultados discrepantes se deve aos erros estatísticos envolvidos com a atividade experimental. Estes são ocasionados por fatores que não podem ser controlados, ou que, por algum motivo, não são controlados, e que redundam em variações aleatórias no valor das medidas. Fundamentalmente, nesse paradigma devem prevalecer raciocínios ligados a refazer medições, à média de dados e incerteza associada à medida. Em suma, é possível dizer que enquanto no paradigma Pontual os erros podem ser eliminados ou são inexistentes, no paradigma de Conjunto a aleatoriedade do processo empírico é inerente à atividade experimental, em que prevalece a noção de flutuação de dados em torno de um valor médio devido a inevitáveis erros experimentais.

3. Metodologia

Empregou-se uma metodologia de cunho qualitativo-interpretativo que envolveu doze estudantes do primeiro ano do ensino médio da rede pública de ensino com idades que variaram entre 14 e 16 anos. Os estudantes selecionados por conveniência foram os que manifestaram interesse em participar voluntariamente da pesquisa, dando-se a mesma fora do horário normal das aulas. Os dados foram obtidos por meio de gravações em áudio, vídeo e observações in loco anotadas em caderno durante uma entrevista semi-estruturada.

A escolha do equipamento objetivou permitir aos alunos a percepção de flutuação de dados em torno de um ponto médio, ainda que a ação do sujeito fosse muito cuidadosa no abandono da bolinha na posição indicada na rampa inclinada (Fig. 1).


A questão colocada aos estudantes partiu do problema de se determinar a distância d de uma bolinha de aço solta de uma altura h em uma rampa inclinada. Na região do piso onde ocorreram os impactos da bola foi afixada uma folha de papel sulfite em que se superpunha uma folha de papel carbono. A finalidade desta última foi carimbar as marcas no papel sulfite ocasionadas pelos impactos da bolinha com o solo, permitindo medir as distâncias entre essas marcas e um ponto fixo indicado no piso por um prumo alinhado verticalmente no final da rampa.

Entrevista semi-estruturada foi realizada, onde constava uma pergunta geral e questões, que podem ser vistas no Anexo 1 Anexo 1 . Estas últimas tiveram o objetivo de atentar os entrevistados para problemas-chaves que ocorrem numa medição, sobre os quais, provavelmente, eles nunca tomaram consciência. Com essas questões, tentou-se conflitar as suas posições baseadas no paradigma Pontual, apostando, com isso, balizar o surgimento de inferências novas que superassem essas posições. O questionário foi dirigido com a intenção de conduzir o estudante a repetir no mínimo cinco vezes o experimento, para que cinco medidas fossem obtidas, isso quando ele por si só não realizasse cinco ou mais repetições. A opção por uma amostra mínima de cinco dados vem em razão de ela proporcionar uma provável situação experimental diante da qual o estudante pode se deparar com uma perceptível flutuação das medidas, apesar dos seus esforços em reduzi-la. A tomada de consciência dessa flutuação é fundamental para perscrutar as suas reações e entendimentos a respeito dos procedimentos de medição e encaminhar as questões provocadoras.

Semelhante a Buffler et al. [10], os procedimentos de medição dos alunos foram analisados segundo as categorias coleta, processamento e comparação de dados.

Da primeira à décima primeira questão do Anexo 1 Anexo 1 objetivou-se explorar os entendimentos de medição dos estudantes relacionados basicamente aos procedimentos de coleta e processamento. Após o estudante finalizar os procedimentos de coleta e processamento sobre a representação pictórica por ele obtida de cinco dados, deu-se início à parte relativa à comparação do procedimento experimental. Esta última foi dividida em duas etapas. Na primeira, entregou-se ao estudante uma folha com duas outras distribuições de cinco dados cada uma (lado esquerdo da Fig. 2), distintas daquela distribuição que ele próprio obteve, a fim de possibilitar a realização de comparações entre amostras. Enquanto uma amostra tinha um alcance médio da distribuição de cinco valores, semelhante à que fora obtida pelo entrevistado, a outra se mostrava deslocada, significando que esta última distribuição se deu por lançamentos da bola de uma altura menor. Com isso se buscou observar como e se os alunos comparavam amostras diferentes. Tentou-se compreender, também, se eles percebiam que a amostra menos afastada fora o resultado de um lançamento de menor altura e se os critérios anteriormente aplicados no processamento de seus próprios dados se mantinham para o caso das duas amostras. Para proceder à comparação, os estudantes podiam sobrepor a folha com seus resultados à folha dos dados experimentais que lhe fora entregue, isto para auxiliá-lo a melhor visualizar as distribuições.


Nessa etapa ainda consta um valor anômalo em uma das amostras. Com ele se pretendeu ver como o estudante reagia a esse dado, se percebia a sua evidente discrepância, se o descartava ou não, se dava uma explicação satisfatória para sua aparição etc. É preciso esclarecer que a consideração sobre o dado anômalo deveria ser própria do procedimento experimental ligado ao processamento de dados. A razão para tratá-lo na comparação de dados deveu-se à possibilidade do mesmo acontecer de não ser naturalmente obtido na experiência realizada pelo estudante e, portanto, perder-se a oportunidade de analisar o seu entendimento nessa situação.

Na segunda etapa da comparação, outra folha foi apresentada ao estudante. Ela tinha a função de ilustrar duas distribuições de cinco dados interpolados (cinco pontos pretos e cinco vermelhos,4 4 Para melhor visualização do leitor na figura da etapa II, as marcas representadas por cruzes estão aqui substituindo marcas vermelhas (pontos vermelhos) que existiam nessa segunda folha entregue aos estudantes. Por consequência, os próximos comentários sobre marcas vermelhas referem-se, na figura, a essas cruzes. contendo igualmente um dado anômalo (lado direito da Fig. 2). Da mesma foram que na primeira etapa, aqui também foi possibilitado ao estudante sobrepor as folhas com os resultados experimentais. A sobreposição das folhas permitiu avaliar o alcance das três distribuições dentro dos erros experimentais, podendo-se comparar os cinco dados obtidos pelo sujeito com aqueles das distribuições de dados pretos e vermelhos e destas últimas, entre si.

As questões relativas à categoria coleta tinham o objetivo de ir ao encontro dos propósitos dos estudantes em realizar medidas de uma mesma quantidade (mesma altura h e mesmo alcance d). Com elas se procurou observar os seus comportamentos em repetir ou não medições, que motivos tinham para assim proceder e como interpretavam os resultados que obtiveram, em razão de suas ações seguidas. Atentou-se para ver se o sujeito chegava a perceber que durante uma medição os dados apresentam uma intrínseca flutuação em seus valores, devido a causas inevitáveis e inerentes ao experimento e, em função disso, se via a necessidade de repetir e considerar a reunião dos dados num coletivo para considerar o melhor alcance da medida experimental solicitada.

Para a categoria processamento, desejou-se entender como os estudantes atuavam frente a um conjunto de valores de uma amostra, de que maneira eles avaliavam os dados, se os avaliavam caso a caso, de forma independente ou em conjunto, como faziam para fornecer o melhor resultado da medição, se e porque valorizavam alguma medida em especial, que importância davam ao valor médio ou, quem sabe, à mediana, ao valor mais provável ou a outro conceito qualquer. Em relação a um destes conceitos, procurou-se analisar se eles pertenciam a algum dos valores experimentais obtidos de fato ou era um possível valor imaginário mais provável de ocorrer. Fundamentalmente, então, procurou-se saber como eles faziam para tratar ou especificar a medição, se viam necessidade da existência de vários valores nessa especificação e que importância essas considerações tinham para a especificação do alcance da bola, ou seja, para a resposta do problema central colocado.

Na categoria comparação, avaliou-se a forma como os estudantes cotejavam duas ou mais amostras. Antes de qualquer coisa, porém, como primeiro exame dessa categoria, procurou-se ver se o sujeito mantinha coerência no trato dos dados das amostras individuais com aquele que já havia feito no momento do processamento de seus dados. Considerado isso, investigou-se se o estudante percebia a compatibilidade existente entre as amostras equivalentes (etapa II) ou diferentes (etapa I), que nesta pesquisa significa lançar bolas de alturas iguais ou distintas, respectivamente. Para isso, foi necessário prestar atenção se e como os sujeitos consideravam a flutuação dos valores em cada amostra de cada etapa. Os quesitos analíticos para esse fim estiveram direcionados para a avaliação do estudante em relação ao valor representativo do alcance de cada conjunto de lançamentos de bolas entre si, observando se havia valorização simultânea dos intervalos de flutuação de cada amostra que se encontrava em processo de comparação. Em outras palavras, buscou-se averiguar se o sujeito chegava à decisão sobre o alcance entre duas amostras pelas estimativas de algo aproximado à noção de "valores médios e intervalos de incertezas ou de flutuação" das amostras. Em particular para a etapa II, o aspecto envolvido com a sobreposição de dados ou não entre as distribuições submetidas a cotejamento esteve sob foco de interesse. Todas as situações permitiram acompanhar, durante a tomada de decisão, o entendimento do sujeito a respeito das variações das medidas e das distâncias de alcance, quando se fazia necessário comparar distintas amostras. Nessa categoria ainda se estudou a compreensão fornecida para as situações em que apareciam dados anômalos (pontos isolados na Fig. 2). Apesar da análise dessa situação ser melhor tipificada junto à categoria anterior, a questão do dado anômalo foi introduzida na comparação porquanto havia a possibilidade dele não aparecer no momento do experimento realizado pelo estudante. Além das interpretações possíveis para o seu surgimento, buscou-se acompanhar se os sujeitos desprezavam ou não essa medida, porque o faziam em qualquer das duas situações, se a levavam em consideração ou a contrastavam com as outras medidas da amostra e se tinham uma explicação para o surgimento desse dado.

Em termos analíticos, pode-se dizer que enquanto na categoria processamento o foco de interesse volta-se para a noção de média, na comparação o foco inclina-se para a idéia de média associada à especificação de um intervalo de valores, condição necessária para cotejar amostras. No entanto, é preciso lembrar que as categorias de análise são indissociáveis, o que é um empecilho para uma idealizada separação das mesmas, pois as análises concentradas na categoria comparação estão vinculadas com os critérios utilizados com a categoria processamento e esta aos da coleta.

Durante a condução da entrevista, é importante acrescentar que a questão geral foi continuamente retomada. É preciso comentar também que em razão da amostra a ser investigada se compor de alunos do primeiro ano do ensino médio, que nunca estudaram esse assunto, não se imaginou que algum deles alcançasse a completa construção das relações formais e matemáticas do paradigma de Conjunto sem instrução sistemática. Assim, o critério para avaliar o progresso das idéias dos alunos fixou-se, tão somente, nos princípios qualitativos relacionados a noções centrais desse paradigma, quais sejam: necessidade de coletar várias medidas porque sempre existem erros experimentais; necessidade de avaliar um valor intermediário representado pela noção corriqueira de média; e quando se compara amostras diferentes de medidas, levar em conta a necessidade de olhar a dispersão das amostras, para dizer se as medidas podem ser consideradas iguais ou não.

Os avanços analisados por esses critérios procuraram ser avaliados em função da sua dependência das questões provocadoras, cujas intenções tinham a finalidade de facilitar reflexões para entendimentos conceituais próximos aos princípios do paradigma de Conjunto, os quais foram considerados como um limite possível para o avanço a ser conquistado pelo estudante no contexto do âmbito escolar pesquisado.

4. Análises dos resultados

Abaixo são apresentados três resultados de um total de doze casos investigados. Os três estudantes selecionados são exemplos típicos dos avanços alcançados pela amostra. Todas as transcrições são apresentadas na íntegra e em itálico. Entre parênteses são feitos comentários de observação com a intenção de esclarecer as falas dos estudantes.

4.1. Estudante 1

Coleta

O estudante realiza, inicialmente, uma única medição e responde 47 cm para a questão geral, arredondando o valor de 47,3 cm que afirmou ter encontrado. Embora esse aluno realize um arredondamento, desprezando os 3 mm, ele ignora os erros experimentais, com se vê pelo comentário: "Eu acho que não (existe erro/diferença), por que o impulso (da bola lançada) não influencia nada". Pelas ações e a fala do estudante, é possível afirmar que se nada mais fosse perguntado, ele finalizaria o procedimento da coleta com uma única medida, indicando um pensamento ligado ao paradigma Pontual.

Somente após ser questionado sobre o que poderia acontecer em um novo lançamento, o estudante se prontificou a coletar um novo dado, dizendo: "Posso fazer de novo, para ver se a bolinha vai cair no mesmo ponto". Condizente com o paradigma Pontual, o estudante demonstra com esse comentário e ações anteriores que a obtenção de outra medida é desnecessária, pois se constataria igual resultado. Porém, ao se deparar com uma medida maior para a distância na segunda medição, responde: "Agora eu acho que deu 48 cm. O primeiro deu 47 cm e o segundo deu 48 cm". Diante dos dois resultados, afirma: "Eu não tenho certeza se este aqui (primeiro resultado) é o correto, porque às vezes eu posso ter dado um pequeno impulso. E (portanto) a segunda (bolinha lançada) foi mais longe".

Este questionamento inicial ligado à problemática experimental colocada serviu como primeiro alerta para o estudante da existência de uma possível influência de um impulso manual para a variação do resultado experimental. Porém, ele ainda manteve firme a concepção de medida exata, sem erros experimentais, uma vez que sua compreensão de um lançamento bem feito, com controle do impulso manual ao soltar a bola, é capaz de eliminar esta influência. Seus comentários nas categorias seguintes fortalecem esta interpretação.

Processamento

Diante dos dois resultados, ele indica a primeira medida (47 cm) em resposta à questão geral. No processamento, o estudante seleciona o resultado da experiência em que houve por parte dele maior cautela em reduzir a sua influência. Além da preocupação com o impulso já mencionado, também toma cuidado com a posição de lançamento, segundo ele: "A primeira (medida) (é a resposta), porque eu coloquei (a bola) no lugar mais correto (indicado na rampa). O primeiro (lançamento) eu coloquei certinho aqui na seta indicada na rampa e a segunda eu coloquei (um pouquinho) mais acima na rampa e (talvez por isso) ela foi mais longe (48 cm)". Pode-se dizer que a opção pelo primeiro resultado se deu na tentativa de discernir o lançamento manual mais bem realizado em relação à posição de lançamento ("porque ... coloquei certinho aqui..."), em que o critério implícito envolveu desprezar os lançamentos restantes daquele no qual houve maior minimização dos erros de ação. Com isso, o estudante imagina poder selecionar uma única medida que fornece a distância apropriada, relativamente ao seu melhor lançamento.

No momento em que foi direcionado para fazer mais três lançamentos, o estudante começa a perceber a dificuldade de obter resultados idênticos: "Pelo que eu vi desses dois lançamentos que eu fiz, eu acho que (os próximos três resultados pedidos) seriam diferentes". Após realizar os três lançamentos adicionais, observa: "O quinto caiu próximo do segundo, quase na mesma distância. Eu acho que isto se deve à velocidade da bolinha que ela percorreu até cair. Eu acho que se deve ao jeito que eu soltei a bolinha. Eu vou escolher 48 cm pelas duas que caíram muito próximas. Pelo segundo e quinto (lançamentos) que caíram próximos e foram os dois que eu procurei acertar mais (ser mais preciso) na hora de soltar a bolinha. (Portanto,) Eu fico com o valor de 48 cm".

Os novos resultados induziram o estudante a alterar sua resposta para 48 cm. Mas, embora ele mantenha a preocupação em considerar tão somente os resultados coincidentes ou que estão próximos, associando-os com as suas ações de maior cautela para evitar lançamentos mal conduzidos, pode-se dizer que houve um ligeiro avanço em seu processamento. A base para essa afirmação encontra-se no fato do estudante começar a escolher um valor que melhor represente o conjunto dos dados considerados, ao invés de selecionar o primeiro valor obtido, como originalmente havia feito, sem se preocupar em realizar qualquer outra medição.

Desde que considerada uma única coleta, o processamento, assim como a comparação, são caracterizados por nós como ingênuos, já que ambos são diretamente concluídos. Ora, a necessidade de uma única coleta implica no trivial processamento de tão somente comunicar o único resultado obtido e usá-lo para comparação com outra amostra que logicamente também deve conter uma única coleta. Logo, o avanço mencionado, que dever ser visto em contraste com esta consideração mais simplória, é constatável na seguinte fala: "Eu fico com o valor de 48 cm, pela média das duas (das segunda e quinta medidas)". Pela frase e pelo contexto em que se encontra, vê-se que há consideração de mais de uma medida, não obstante o desprezo para com o restante dos valores por serem considerados inadequados devido a sua imperícia, sendo, portanto, descartáveis no cômputo do que o estudante expressa como média, mas que de fato não é o conceito de média, sendo ela apenas uma expressão usada com o sentido de aproximação.

Comparação

Na etapa I o estudante inicialmente respondeu: "Eu estou comparando. Os lançamentos deram quase igual aos meus, somente o que mudou é que o segundo e o quinto (lançamentos feitos pelo estudante) saíram quase juntos e aqui (amostra que equivale a sua na Fig. 2) foram esses dois (que ficaram próximos). As distâncias dele (distribuição inferior da Fig. 2) só alteraram no decorrer dele lançar as bolinhas. É diferente". E assim comparou: "Eu acho que o meu alcance (da minha distribuição) foi maior (que o da distribuição inferior da Fig. 2)". E justificou: "Eu acho que assim dá para tirar uma média do ponto que a bolinha pode alcançar. Porque de cinco lançamentos, três pontos foram bem diferentes desses dois pontos e aqui os dois pontos caíram juntos e a distância ficou menor".

Evidencia-se que o estudante mantém o mesmo raciocínio usado no processamento para efetuar as comparações, isto é, considera alguns pontos coincidentes ou que estejam próximos para fazer uma média entre ambos. Reforçando essa interpretação, temos: "Eu pegaria o valor da distância dos dois (pontos selecionados da distribuição inferior) e faria uma média. Vamos supor que esse fosse de 31 cm e (o outro) 30 cm. Eu faria uma média dos dois".

Nestas falas constroem-se os primeiros raciocínios em direção ao paradigma de Conjunto, pois a comparação não se dá mais ponto a ponto ou medida a medida, característico do paradigma Pontual, mas entre médias de pares de pontos próximos. Sustentado pelas análises da categoria anterior, a média é interpretada aqui com um significado estritamente qualitativo e não operacional. O sujeito considera o alcance não ser um valor e nem outro, mas um valor intermediário do par de dados escolhido. Pode-se alegar que o avanço em direção ao paradigma de Conjunto é bem restrito, pois a expressão "média" é utilizada numa análise concentrada em pares de pontos próximos, e não considera os dados da amostra na sua totalidade.

Na etapa II, os dados pretos e vermelhos foram analisados da seguinte maneira pelo estudante: "esses dois lançamentos já dá uma diferença na distância. E esses dois caíram no mesmo ponto. E esse daqui caiu mais (distância menor) junto a esse. (Para comparar) eu tiraria uma medida desses pontos para tirar uma média".

Essas expressões mostram que o estudante manteve o entendimento de selecionar as distâncias das marcas coincidentes ou próximas para efetuar médias e depois compará-las. Continua privilegiando pares de resultados sem considerar toda a amostra como um conjunto de dados. Coerentemente com seus raciocínios prévios, ele desconsidera quase a metade dos resultados obtidos como inadequados, excluindo-os por entender que devem ter sido mal realizados, responsabilizando sua imperícia por isso, pois lhe falta a compreensão essencial de que mesmo melhorando sua perícia os erros aleatórios são inevitáveis.

Com respeito ao estudante em foco, podemos dizer que ocorreu, ainda que de forma acanhada, um avanço em seu procedimento experimental graças às questões provocadas e à característica experimental do equipamento. Os mesmos foram os responsáveis para que se ultrapassasse a idéia de coletar uma única medida. Como ficou demonstrado, o estudante acabou considerando os dados mais próximos e uma idéia de média entre eles levou a um pensamento que interpretamos como sendo mais afastado do paradigma Pontual e se encaminhando ao de Conjunto, ainda que suas avaliações de médias fossem consideradas de forma grosseiramente qualitativas e sempre limitadas a dois resultados e não a integralidade da amostra.

4.2. Estudante 2

Coleta

O estudante 2 fez dois lançamentos da posição indicada na rampa, justificando assim suas ações: "Eu quero ver se a bolinha vai cair no mesmo lugar. Se vai ser a mesma (distância) ou se pode variar". É preciso observar que apesar de ter comentado a respeito da possibilidade de variar os dados, o estudante demonstrou surpresa pelo ocorrido ("eu achei que pudesse cair no mesmo lugar"), pois ao tentar agir com o máximo cuidado nos lançamentos percebeu que eles não produziam o mesmo alcance. Isto revela uma concepção ajustada ao paradigma Pontual, e a dita possibilidade levantada dos dados diferirem liga-se diretamente a uma possível falta de destreza em lançar a bola. Ao ser questionado se não conseguia fazer a bolinha cair no mesmo lugar, ele se prontificou a fazer outro lançamento e comentou o resultado do seguinte jeito: "Ai (que bom) (...) agora caiu perto!". E explicou a variação anterior pelo argumento: "Talvez porque da outra vez eu coloquei mais para cima (na rampa). Eu acho que depende de achar o ponto certo na rampa. Eu posso fazer mais dois?". Essas tentativas indicam seu empenho em obter valores repetidos para a determinação do alcance.

Ao ser liberado a fazer outras medições, a reação do estudante perante os dois novos resultados foi de expressar nova surpresa, já que considerava as discrepâncias uma questão de habilidade "(...) é muito difícil! Deve ser difícil achar um ponto para fazer a bolinha pingar no mesmo lugar. Só com muito treino". Diante disto, solicitou-se que ele treinasse um pouco a lançar a bola. Tentando ser o mais preciso possível no experimento, o estudante pensava em voz alta, "se eu colocar a bolinha bem retinha aqui e soltar" (...) "agora eu achei (a posição certa para o lançamento)", realizou mais dois lançamentos, acreditando que a variação das distâncias era decorrente da posição inicial de lançamento da bolinha e que ele tinha controle sobre isto. Mas, mais uma vez demonstrou descontentamento com os resultados obtidos ("de novo (...) ahhh (...) o que é isso meu! Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete marcas e não caiu no mesmo lugar! Eu não estou achando o lugar certinho na rampa? Eu vou fazer mais um"). Neste instante, porém, já se inicia uma mudança em sua previsão inicial: "(agora eu vejo que) essa bolinha não vai cair no mesmo lugar. Nem a poder de bomba ela cai! (no mesmo lugar)". Ao se insistir para que ele conseguisse achar a posição certa na rampa, responde mostrando dúvida: "Pode ser que eu ache. Porque uma (bolinha) vai mais para frente e a outra vai mais para trás. Eu acho que vai desse negócio aqui da posição de onde ela está saindo". Contudo, logo se certificou: "ahh!, (...) acho que no mesmo lugarzinho ela não vai cair. Ela (a bolinha) vai cair próximo. Eu acho que aqui tem algum negócio. Não tem uma resposta correta (uma única medida). Eu acho que tem uma resposta aproximada. E não tem uma medida certa. Tem uma resposta aproximada".

As reflexões acima ratificam que o encaminhamento das perguntas atrelado ao tipo particular de experimento selecionado permite um progresso do estudante 2 em direção à construção da existência de uma inevitável incerteza par obter a resposta da questão geral. Observa-se que o compromisso de coletar uma única medida é rompido pela percepção da inevitabilidade em produzi-la.

Processamento

Em continuidade à questão geral, o estudante processou os resultados da seguinte forma: "Entre 44,8 cm e 45,5 cm. Elas (as marcas da bolinha) caíram dentro desses dois valores. Eu daria 45 cm". O estudante, embora não tenha calculado a média aritmética (45,1 cm), apresentou um resultado aproximado: "Porque é o (valor) que está mais perto (que engloba) entre o 44,8 cm e o 45,5 cm. É o (valor) que está aqui no meio".

Forçado pelos erros experimentais durante a coleta e servindo-se de uma idéia qualitativa de média ("que está (...) no meio"), mostrada no final da última fala, pode-se afirmar que o estudante consegue alcançar uma primeira aproximação conceitual com o paradigma de Conjunto. Percebe-se que por detrás desta idéia qualitativa de média vem a consideração mais adiantada de um valor possível, imaginário, que não se encontra na amostra, mas que a representa. A designação "adiantada" aqui procura retratar uma forma de pensamento que seria impensável dentro do contexto do paradigma Pontual.

Por consequência das interações ocorridas, as reflexões alcançadas mostram, então, um claro afastamento em relação ao paradigma Pontual, uma vez que o sujeito passa a avaliar a flutuação das medidas para inferir o resultado da medição. No entanto, o avanço conquistado é relativamente limitado, visto que a concepção de média é qualitativa e numericamente indefinida.

Comparação

Na etapa I, o estudante continua a mostrar surpresa ao observar que os dados a ele apresentados também estavam dispersos: "Nossa, as marcas dele estão todas mais separadas! Nossa, deu muito diferente do meu! Nossa!" E conclui: "Eu daria uns 42,5 cm (distribuição inferior da Fig. 2), porque caíram duas bolinhas mais perto uma das outras aqui. E, aqui (distribuição superior da Fig. 2), também porque caíram duas bolinhas mais perto uma das outras nesse meio. Eu daria o valor de 48 cm".

O estudante compara amostras mantendo a avaliação usada no processamento e realça a importância das medidas que se encontram mais próximas. Inclusive, essa importância faz com que considerações a respeito do dado anômalo deixem de ser um problema, pois o exclui não somente da distribuição, como de quaisquer dados que não estiveram próximos da distribuição. A exclusão do dado anômalo da figura tem por base uma posição correta, haja vista que ele tem consciência de uma das possíveis causas desse valor discrepante, como vemos na consideração: "com base no meu (minhas medidas), a única que caiu mais longe (e que desprezei) foi aquela que eu soltei de cima da rampa (para propositadamente testar), no lugar mais alto".

Em conformidade com a etapa I, a execução das comparações na etapa II permanece com o mesmo processamento: "Eu daria 48 cm. Porque o valor da primeira marca (menos afastada) é de 47 cm e o valor da outra marca (mais afastada) é de 48,8 cm". De novo, o estudante aponta a estimativa para a amostra via um valor intermediário entre o intervalo dos extremos medidos, conotando uma noção de média qualitativa, e que não foi obtida de fato, conforme discutimos na categoria anterior.

O estudante mostra uma superação em relação ao paradigma pontual na medida em que nele desponta uma tomada de consciência da inevitabilidade da flutuação dos dados e da existência de um limite para a melhoria de sua perícia no lançar as bolas. Para reforçar estas posições, há também o fato de que no momento do tratamento dos dados o estudante vê a necessidade de usar uma espécie de valor médio qualitativo, estimado de forma visualmente grosseira. Não obstante, em relação ao paradigma Pontual, este tratamento tem por detrás um pensamento mais sofisticado, posto ser um valor possível, imaginário, que não pertence aos dados realmente tirados, mas que representa a amostra. Enfim, o pensamento do estudante não permanece mais refém de um raciocínio atrelado a medida única, pois leva em conta mais de uma medida quando precisa tratar as amostras.

4.3. Estudante 3

Coleta

Depois de realizar um só lançamento e fornecer o valor correspondente, mostrando, em sua ação, o seu comprometimento com o paradigma pontual, ele foi solicitado para que fizesse mais um lançamento da posição indicada na rampa. O estudante justifica uma sequência de mais quatro lançamentos realizados da seguinte forma: "Eu queria ver se a bolinha ia cair no mesmo lugar no solo. Eu queria ver como seria a distância dela". Observada a variação no total das cinco medidas realizadas (47,5 cm; 47,20 cm; 47,2 cm; 47,0 cm e 47,9 cm), o estudante constata: "Aqui eu tirei mais ou menos uma noção que vai ter pouca chance da bolinha cair no mesmo local". Na dúvida de como proceder diante da situação é perguntado se ele não consegue fazer a bolinha cair no mesmo lugar. O estudante responde que poderia tentar, e comenta: "mas eu não garanto que ela vai cair exatamente no mesmo local, é muito difícil pra ela cair...eu tenho que fazer outros lançamentos". A percepção da dificuldade de obter medidas semelhantes, conforme exposto pelo estudante, levou a seguinte provocação: 'Então, faça dois lançamentos da bolinha caprichados para que ela possa cair exatamente no mesmo lugar no solo'. Feitos os lançamentos, o estudante diz: "Eu acho que caíram. Deu 48,7 cm. Exatamente uma em cima da outra. Eu acho que para ela ter caído no mesmo local eu devo ter soltado completamente igual, da mesma posição certa". Frente a essa manifestação presencia-se uma noção sustentada no paradigma Pontual, porquanto fica revelada a convicção de que sob a mesma condição experimental é factível a eliminação das flutuações. Em seguida, o estudante é questionado sobre o que deve ocorrer com a bolinha se ela fosse solta da posição certa. Sua resposta foi: 'Ela pode cair no mesmo local. Ela (a bola) tem mais chance de cair no mesmo local. Não é certeza que ela vai cair no mesmo local, só que, como eu fiz dois lançamentos do mesmo local na rampa e eles caíram iguais, então ela tem maior probabilidade de cair".

Vê-se que os fatos propiciados pelo experimento junto às perguntas para direcionar a sua atenção favoreceram o uso de termos próprios ao paradigma de Conjunto, tais como ...pouca chance... Não é certeza... tem maior probabilidade de cair... no mesmo local. Contudo, esses termos são as primeiras tentativas de conciliar um pensamento contraditório que não se desvinculou do paradigma Pontual e que mantém com ele fortes laços. Chega-se a essa conclusão pela observação de que o estudante, apesar de notar a difícil tarefa de acertar a bola na mesmo local, permanece convencido de que isso somente venha a acontecer se a bola for solta exatamente e completamente igual, e que, em resumo, são idéias fundamentadas em medida exata.

As discussões despertaram o interesse do estudante em realizar novos lançamentos (Eu gostaria de fazer mais três lançamentos para eu poder formular minha idéia"), concluindo: "Dois lançamentos caíram, bem dizer, quase no mesmo local e um caiu um pouquinho mais para frente. Agora, desses dez lançamentos que eu fiz quatro caíram no mesmo local". Perguntado sobre o que estava acontecendo diante desses valores iguais, afirma: "Elas caíram no valor de 48,7 cm. Aqui tem uma variação desses valores". Assim, duas novas provocações são realizadas: E o que isso significa para você? Resposta: "Uma variação é quando o negócio (a medida) não é certo (certa). Não vai cair no mesmo local, ela (a bolinha) pode cair antes ou cair depois. Ela (a medida) pode sofrer uma variação. No meu caso, ela (a variação) ocorreu entre 47,2 cm a 49 cm. Foi o lançamento mais perto até o mais longe; Mas uma só medição não dá para dar a resposta? Resposta: Para se saber tem que se fazer bastante vezes".

Neste instante se constata que a idéia prévia de uma medida única e exata, vista na primeira ação do estudante, sofreu uma ruptura, levando-o à tomada de consciência da flutuação dos valores e conduzindo-o a conclusão de que a medida do alcance era incerta. Sem as reflexões suscitadas pelas questões e a característica evidente de aleatoriedade do experimento, dificilmente o estudante veria a necessidade de ultrapassar a ação de uma única medição para responder à questão geral. Logo, um claro avanço procedeu durante a coleta, o que se vê pela última fala do estudante, onde há necessidade explícita em realizar várias medições.

Processamento

A fim de processar as dez medidas obtidas para indicar uma resposta à questão geral, o estudante diz: "Eu vou tentar fazer uma média. Eu somaria as distâncias dos dez lançamentos e, depois eu ia dividir (dividiria) por dez. A média é de 48,14 cm".

Embora se mostre, até então, atento em considerar as medidas coincidentes ou próximas, atribuindo-as ao empenho em evitar descuido nos lançamentos, nota-se uma progressiva e aprimorada construção da idéia de medida. Esta começa a aparecer no momento em que ele apela para o valor médio para melhor representar o conjunto dos dados considerados; tal idéia é dispensável quando há comprometimento com o paradigma Pontual. Na continuidade, ao ser inquirido sobre o significado do resultado, constata-se um evidente avanço que pode ser verificado na seguinte fala: "Ele (o resultado da média) significa que é mais ou menos o centro da variação... que é onde ela (a bola) tem mais chance de cair. O centro é de 48,14 cm que vai de 47,2 cm até 49 cm. Faz um circulo que a extremidade é 49 cm e o meio é de 48,14 e a outra ponta é de 47,2 cm". E, ao ser questionado se a bolinha iria cair no valor médio calculado, ele declara: "Ela não vai cair nesse valor, ela pode cair. Ela vai cair bem próxima".

Para o processamento dos valores, o estudante propõe o conceito de média para representar a distribuição de seus dados, sendo essa distribuição conscientemente ocasionada devido à flutuação dos resultados. E mais importante, para o estudante 3 a média é um valor virtual, uma vez que pode ou não de fato existir como um valor obtido, como se constata pelas duas últimas falas. Sem dúvida, o entendimento construído por este sujeito na consideração de um resultado experimental é compatível com o núcleo central do paradigma de Conjunto, mostrando sua consideração com a totalidade dos valores.

Comparação

Com relação à distribuição superior da etapa I, o estudante respondeu: "Se fosse eu daria o valor de 47,9 cm que é mais ou menos o centro, onde ela tem mais probabilidade dela cair. Porque os lançamentos dele (da distribuição superior) fornecida foi bem parecido com os meus. Teve uma variação. De cinco lançamentos, um aqui deu 50 cm (dado anômalo apenas estimado) e eu não vou utilizar porque não vai se repetir. Dos quatro lançamentos, eu tomo o centro que é mais provável dela cair nessa área". Por esse comentário observa-se que o estudante ignora adequadamente o dado anômalo da distribuição superior uma vez que consegue diferenciar a condição experimental que o propiciou dos demais dados vizinhos, tratando-o como um caso raro que não se repetirá. Em relação à distribuição inferior, ele respondeu: "Deu 42,2 cm (medido com a régua). Aqui ocorreu uma maior concentração de bolinhas, três nesse local". Já na comparação entre as duas distribuições ele afirmou: "O valor da distância do sujeito 1 é maior que a distância do sujeito 2 porque ele lançou a bolinha mais acima na rampa". Quanto à sua distribuição e à superior que ele julgou estarem próximas ("...eu acredito que os lançamentos do sujeito 1 são bem parecidos com os meus"), disse: "A minha (o resultado) é um pouquinho maior".

Pelas explicações precedentes vê-se que o estudante não manteve o mesmo raciocínio da categoria processamento, decidindo tratar as médias de maneira qualitativa ao supor valores (47,9 cm e 42,2 cm), sem que nenhum cálculo fosse efetivado. A primeira média qualitativa foi obtida pela avaliação visual das posições de quatro dados próximos, sendo corretamente excluído o dado anômalo da distribuição. A segunda foi obtida ao se desprezar incorretamente dois dados como se fossem anômalos. Mas, por detrás desse raciocínio impróprio há outro primitivo e correto que trata a medida como algo provável, cujo valor deve estar num intervalo de medidas "próximas". O seu critério de proximidade toma por base uma idéia de região central provável em que a caída das bolas é mais frequente. Esta idéia é razoavelmente consistente com o conceito de incerteza do paradigma de conjunto e que se vê reforçada nos comentários: "Se fosse ele (sujeito 1) eu faria o mesmo processo que é tomar o centro porque é onde tem mais probabilidade da bolinha cair. Ela (a maior chance de cair) vai variar entre 47,2 cm a 48,7 cm". Interrogado a respeito de seu entendimento sobre a variação das medidas, responde: "Significa onde ocorreu uma maior concentração das deles (distribuições da etapa I) e das minha(s). Tem uma variação. A minha vai de 47,2 cm a 49 cm e a dele vai de 47,2 cm a 48,7 cm. Isto significa que nós soltamos a bolinha do mesmo local. Significa que elas estão bem próximas. Igualdades entre os lançamentos. O centro (da distribuição dos dados) dele está um pouquinho antes do meu, mas está no centro os meus lançamentos e o(s) dele está(ão) no(s) local(is) onde tem maior probabilidade de cair".

As falas do estudante demonstram uma elaborada compreensão se comparada às idéias centrais necessárias para assimilar o paradigma de Conjunto. Mostra com clareza que as diferentes distribuições da etapa I relacionam-se ao alcance e à respectiva altura de lançamento. E mais importante, o estudante consegue realizar comparações, levando em conta as médias qualitativas, mas simultaneamente pensando-as dentro de uma sobreposição dos intervalos de flutuação. Tal posição por ele construída é conceitualmente sofisticada, pois congrega a idéia de medidas mais prováveis de acontecerem, em decorrência da flutuação percebida pela maior aparição dos pontos vizinhos, com a compreensão de que mesmas alturas de lançamento não precisam fornecer o mesmo formato de distribuição visual, mas médias dentro do intervalo de flutuação. Sendo assim, a avaliação do estudante encontra-se muito além de uma análise simplista ponto a ponto. De fato, durante o processo ocorrido, mostra que ele tem construído um pensamento conceitual próximo as idéias de probabilidade, média e incerteza que lhe permitem, inclusive, realizar comparações mais sofisticadas como as mostradas na segunda etapa.

Na etapa II, para as marcas pretas, o estudante afirma: "O primeiro deu 47 cm; 47,4 cm; 48 cm; 48,5 cm; e 47,9 cm. Eu somei esses valores e fiz a divisão do resultado por cinco e deu a média de 47,9 cm". E para as marcas vermelhas, coloca: "O primeiro deu 46,9 cm; 47,4 cm; 48 cm; 47,9 cm e 52,5 cm. A média dele foi de 48,5 cm". Ao comparar os seus dados com os da distribuição das marcas pretas, aponta: "Eu falo que são iguais porque elas estão no mesmo lugar, próximas. Agora pela visualização (por sobreposição) elas são iguais". A comparação de seus dados com as marcas vermelhas, reafirma: "Pela visualização (sobreposição) elas (as medidas) são iguais". E para a comparação entre as pretas e vermelhas, argumenta: "O(s) sujeito(s) 1 e 2 soltaram (a bola) do mesmo local na rampa porque as medidas estão quase iguais as minhas. Tirando a medida mais distante executada pelo sujeito 2 (dado anômalo), as demais (eu acredito que) foram lançadas do mesmo local na rampa. Onde caíram a bolinha deles caíram a minha, elas estão bem próximas uma das outras, (mas) não caíram bem dizer uma em cima da outra. Quando você está visualizando dá para você entender que foram arremessados do mesmo local, próximas umas das outras. Vai ter uma variação, (mas) as medidas são parecidas".

Novamente é confirmado na etapa II o entendimento do estudante a respeito de dado anômalo e da necessidade de excluí-lo dos resultados, como é confirmado pela seguinte explicação sua: "É raro, pois ela parou longe das demais. E nove veio parar nessa distância. Então aquela lá vai ser descartada porque se levá-la em consideração a média vai ser maior. Igual, quando eu a levei em consideração a média deu 48,5 cm. E, quando eu não levei em consideração deu 47,3 cm".

Vejamos que, diferentemente da etapa I, na etapa II o estudante processa os dados de cada amostra pelas respectivas médias aritméticas, assim como havia feito com seus próprios dados. Mais uma vez, ele não se fundamenta somente nessas médias para que as comparações sejam feitas, mas responde que as medidas são iguais, no sentido de próximas ou parecidas, conforme seus próprios termos, analisando as marcas vizinhas ao mesmo tempo em que considera os intervalos de valores, ou melhor, a sobreposição que ocorria entre as amostras. Assim, usando um raciocino mais aprimorado do que o empregado na etapa I, deixa de usar médias qualitativas e passa a calculá-las. Com isso, alcança um nível de pensamento altamente elaborado e conceitualmente muito próximo do que se espera atingir dentro do paradigma de Conjunto.

5. Considerações finais

A problemática posta pelas questões e apropriada atividade empírica mostrou que cada estudante reage com uma trajetória característica, mas que todos rompem com a barreira do núcleo central do paradigma Pontual, baseada na medida única, exata e verdadeira. As trajetórias variaram desde um avanço insipiente, como exemplificado pelos estudantes 1 e 2, até uma noção que pode ser considerada relativamente elaborada, se comparada ao paradigma de Conjunto, como indicado pelo estudante 3. As noções conquistadas pelo estudante 3 são um ideal esperado para todo aprendiz, antes que seja introduzido qualquer formalismo com suas definições e fórmulas. A compreensão do tratamento experimental como um valor presumível da medida, no sentido de uma expectativa probabilística, ou talvez melhor dizendo provável, em que alguns estudantes venham a aplicar a noção de média aritmética, não significa dizer que eles estão construindo de forma original esta noção, mas que a estão resgatando, por exemplo, dos usos costumeiros que fazem dela para obter os resultados finais de suas avaliações anuais nas disciplinas escolares. Certamente, estas conquistas dificilmente chegarão aos demais conceitos da teoria de erros, como o de desvio padrão sem uma instrução mais formal. Mas, a condição intelectual em que se encontra o estudante 3 é um passo fundamental para que o conceito científico de medição seja construído em sua integralidade junto a um ensino sistemático. E só com a apreensão integral deste conceito é que uma resposta rigorosamente satisfatória pode ser dada quando do enfrentamento deste ou qualquer outro problema experimental quantitativo equivalente.

Do estudo empreendido, quatro problemas permanecem pendentes para futuras investigações resolverem. O primeiro precisa esclarecer se os avanços alcançados pelos alunos são generalizáveis para outras situações experimentais que usam sistemas representacionais de obtenção de dados mais abstratos. Em outros termos, é possível observar se os avanços conquistados são dependentes da natureza dos registros das representações semióticas [26] fornecida pelo tipo de equipamento utilizado? Ou mais concretamente, será que em vez de experimentos que forneçam dados experimentais na forma direta das representações semióticas intuitivas de tipo marca visual, como a que foi empregada por este trabalho, mas valores numéricos indicados em um aparelho registrador ou dispostos numa tabela para serem analisados, não são limitadores de um avanço? Um segundo problema surge da necessidade de se conhecer quanta interferência positiva pode ser proporcionada aos estudantes com menor limite de construção, quando outros com maior progressão, relativamente ao paradigma de Conjunto, como o estudante 3, participam de uma dinâmica de debate colaborativo. Um terceiro problema poderia investigar as respostas dos estudantes quando se aumenta o grau de dificuldade da etapa II, fazendo com que as médias das amostras não participassem da sobreposição, ou mais precisamente, se as médias não estivessem contidas no intervalo sobreposto de valores das incertezas de cada amostra. Um último problema surge do imperativo de se investigar propostas instrucionais que complementem e tomem o encaminhamento desta pesquisa como estratégia de ensino, a fim de torná-la um sustentáculo para a introdução do formalismo e consolidar em sua maior plenitude os conceitos do paradigma de Conjunto.

Por fim, deseja-se que este trabalho venha a colaborar no sentido de entender e sugerir possibilidades didáticas efetivas para proceder com alunos do ensino médio no que se refere ao importante conceito de medição, uma vez que este conceito permeia a própria natureza do ensino das ciências exatas estabelecida na relação teoria e evidência.

Agradecimentos

Os autores agradecem pelos apoios do CNPq, da Fundação Araucária e da Faepe/UEL.

Recebido em 31/8/2009; Revisado em 27/11/2009; Aceito em 30/11/2009; Publicado em 14/5/2010

Entrevista semi-estruturada

Questão de cunho geral (proposto como um problema para o estudante resolver):

Qual é o valor da distância da bolinha no solo ao ser solta da posição indicada na rampa?

Questões provocativas relativas ao procedimento experimental de Coleta e Processamento:

  • Questão 1 - O que deve ocorrer se você soltar a bolinha mais uma vez (ou mais "n" vezes) da posição indicada na rampa? Justifique sua resposta. Faça e veja.

A questão 1 será repetida até a amostra de dados contar com cinco resultados.

  • Questão 2 - O que levou você a realizar essas repetições do experimento de soltar a bolinha da posição indicada na rampa?

  • Questão 3 - Você pode justificar por que a bolinha caiu no mesmo lugar ou em lugar diferente?

  • Questão 4 - O que você deveria fazer para que a bolinha caísse no mesmo lugar?

  • Questão 5 - Por que a bolinha não caiu no mesmo lugar? O que deve estar acontecendo? Justifique sua resposta.

  • Questão 6 - Como você soltaria a bolinha para que ela pudesse cair exatamente no mesmo lugar?

  • Questão 7 - O que significa esse resultado para você?

  • Questão 8 - Como você justifica os resultados diferentes se os lançamentos da bolinha foram (ou não?) realizados da mesma posição na rampa? Justifique sua resposta.

  • Questão 10 - O que a medida mais distante significa para você?

  • Questão 11 - Por que você desprezou esse(s) resultado(s)?

  • As questões de 2 a 11, decorrentes da questão 1, serão encaminhadas na dependência do comportamento individual de cada estudante.

Questões provocativas relativas ao procedimento experimental de comparação:

Etapa I

Após a finalização das questões de coleta e processamento, entregar-se-á ao estudante a folha da etapa I para iniciar a comparação de dados. Para essa situação, as questões serão:

  • Questão I 1 - A folha apresenta duas distribuições de dados. Qual é o valor da distância para cada uma das duas distribuições? A maneira como você as encontrou é semelhante à obtida por você experimentalmente? Compare a distância que você encontrou com cada uma dessas duas distribuições.

  • Questão I 2 - Como você interpreta a medida mais distante na distribuição superior de cinco dados?

  • Questão I 3 - Para cada comparação de duas distribuições, qual distância você indica como maior, menor ou igual? Justifique sua resposta.

  • Questão I4 - As duas distribuições foram realizadas com lançamentos da mesma posição da rampa?

Etapa II

Após a etapa I a folha da etapa II será entregue aos alunos seguida pelas questões:

Questão II 1 - Qual é o valor da distância para cada uma das duas distribuições? A maneira como você as encontrou é semelhante à obtida por você experimentalmente? Compare a distância que você encontrou com cada uma dessas duas distribuições.

  • Questão II 2 - Para cada comparação entre duas distribuições de dados, que distância d você indica como maior, menor ou igual? Justifique sua resposta.

  • Questão II 3 - Os sujeitos fizeram lançamentos da mesma posição da rampa que você? Justifique sua resposta.

Questões complementares

Além das questões acima, alguns exemplos de questões que aleatoriamente e dependentemente de cada caso podem ser necessariamente acrescentadas, como por exemplo: O que você vai fazer?; O que você acha deste resultado?; O que você observou?; Você soltou da mesma posição da rampa?; Você tem explicação para isso?; Por que você escolheu esse valor?; O que representam esses resultados?; Por que você acha isso?; O que você faz com os outros resultados?; Você tem justificativa?; Qual seria uma boa estimativa de medida da distancia da bolinha no solo?; O que ocorreu nesse caso?

  • [1] J. Zanetic, in Alguns Tópicos de História da Física (IFUSP, São Paulo, 1994), cap. 3, p. 41-100.
  • [2] R. de A. Martins, Revista de Ensino de Física 4, 57 (1982).
  • [3] R. Resnick e D. Halliday, Física 1 (Livros Técnicos e Científicos Editora, São Paulo, 1986).
  • [4] J.H. Vuolo, Fundamentos da Teoria de Erros (Edgard Blucher Ltda. São Paulo, 1992).
  • [5] O.A.M. Helene e V.R. Vanin, Tratamento Estatístico de Dados Experimentais em Física Experimental (Edgard Blucher Ltda, São Paulo, 1981), 2a ed.
  • [6] T. Mäntylä and I.T. Koponen, Science & Education 16, 291 (2007).
  • [7] D. Hodson, Internacional Journal of Science Education 14, 541 (1992).
  • [8] D. Kuhn, J. Black, A. Keselman and D. Kaplan, Cognition and Instruction 18, 495 (2000).
  • [9] M.-G. Séré, Science Education 86, 624 (2002).
  • [10] A. Buffler, S. Allie, F. Lubben and B. Campbell, International Journal of Science Education 23, 1137 (2001).
  • [11] A.D.T. Gomes, A.T. Borges e R. Justi, Investigações em Ensino de Ciências 13, 187 (2008).
  • [12] A. Zabala, A Prática Educativa: Como Ensinar (Artmed, Porto Alegre, 1998).
  • [13] F. Lubben and R. Millar, International Journal of Science Education 18, 955 (1996).
  • [14] S. Allie, A. Buffler, K. Loveness, B. Campbell and F. Lubben, International Journal of Science Education 20, 447 (1998).
  • [15] E. Cauzinille-Marmeche, M. Meheut, M.G. Séré, and A. Weil-Barais, Science Education 69, 201 (1985).
  • [16] J. Ryder and J. Leach, International Journal of Science Education 22, 1069 (2000).
  • [17] A.J. Lorencini, in Coletânea Escola de Verão para Professores de Prática de Ensino de Física, Química e Biologia, editado por S.L.F. Trivelato (FEUSP, São Paulo, 1995), p. 105-114.
  • [18] Z. Kanari and R. Millar, Journal of Research in Science Teaching 41, 748 (2004).
  • [19] R. Vuyk, Overview and Critique of Piaget's Genetic Epistemology 1965-1980 (Academic Press, London, 1981), volumes 1 e 2.
  • [20] S.M. Coelho, Contribution à l'étude Didatique du Mesurage en Physique Dans l'enseignement Secondaire: Description et Analyse de l'activité Intelectuele et Pratique des Élèves et des Enseignants These de Doctorat, Université de Paris, 1993.
  • [21] T.S. Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas (São Paulo, Perspectiva, 1978).
  • [22] A. Buffler, F. Lubben, and B. Ibrahim, International Journal of Science Education 31, 1137 (2009).
  • [23] F. Marineli, e J.L.A. Pacca, Revista Brasileira de Ensino de Física 28, 497 (2006).
  • [24] C.E. Laburú e M.A. Barros, Investigações em Ensino de Ciências 14, 151 (2009).
  • [25] O. Helene, S.P. Tsai, e R.R.P. Teixeira, Revista de Ensino de Física 13, 12 (1991).
  • [26] R. Duval, Semiosis y Pensamiento Humano: Registros Semióticos y Aprendizajes Intelectuales (Universidad del Vale, Santiago de Cali, 2004).

Anexo 1 

  • 1
    E-mail:
  • 2
    Uma grandeza física só pode ter "valor verdadeiro" conhecido quando a grandeza pode ser definida como um número exato. Mas essas grandezas não podem ser consideradas como grandezas experimentais, no sentido dado pelo texto [4, p. 38].
  • 3
    Sendo que em Zabala [12, p. 42] inclui-se uma terceira denominada atitudinal.
  • 4
    Para melhor visualização do leitor na figura da etapa II, as marcas representadas por cruzes estão aqui substituindo marcas vermelhas (pontos vermelhos) que existiam nessa segunda folha entregue aos estudantes. Por consequência, os próximos comentários sobre marcas vermelhas referem-se, na figura, a essas cruzes.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2010

    Histórico

    • Aceito
      30 Nov 2009
    • Revisado
      27 Nov 2009
    • Recebido
      31 Ago 2009
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