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Potencial elétrico para distribuições de cargas puntiformes: sobre a convergência de séries infinitas

Electric potential of point charges distributions: on the convergence criteria of infinite series

Resumos

Neste trabalho calculamos o potencial elétrico para algumas distribuições infinitas de cargas puntiformes. Para cada distribuição discutimos os critérios de convergência das séries obtidas. Calculamos também a densidade de carga superficial induzida em um plano condutor infinito "aterrado" e em uma esfera condutora "aterrada" de raio a por uma distribuição infinita de cargas puntiformes com sinais alternados e magnitude que diminui harmonicamente com n (~ q/n)

potencial eletrostático; séries infinitas; convergência de séries


In this work we obtain the electric potential for some infinite distributions of point charges. The convergence criteria for the resulting series are discussed. We also calculate the surface charge density induced on an infinite grounded conducting plane and on a grounded conducting sphere of radius a by an infinite distribution of point charges with alternate signs and harmonically decreasing magnitude (∼ q/n)

electrostatic potential; infinite series; convergence


ARTIGOS GERAIS

Potencial elétrico para distribuições de cargas puntiformes: sobre a convergência de séries infinitas

Electric potential of point charges distributions: on the convergence criteria of infinite series

Diego Ximenes MacedoI; Ilde GuedesI,II

IDepartamento de Física, Universidade Federal de Ceará, Campus do Pici, Fortaleza, CE, Brasil. E-mail:diegoximenes@fisica.ufc.br

IISeara da Ciência, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil

RESUMO

Neste trabalho calculamos o potencial elétrico para algumas distribuições infinitas de cargas puntiformes. Para cada distribuição discutimos os critérios de convergência das séries obtidas. Calculamos também a densidade de carga superficial induzida em um plano condutor infinito "aterrado" e em uma esfera condutora "aterrada" de raio a por uma distribuição infinita de cargas puntiformes com sinais alternados e magnitude que diminui harmonicamente com n (~ q/n).

Palavras-chave: potencial eletrostático, séries infinitas e convergência de séries.

ABSTRACT

In this work we obtain the electric potential for some infinite distributions of point charges. The convergence criteria for the resulting series are discussed. We also calculate the surface charge density induced on an infinite grounded conducting plane and on a grounded conducting sphere of radius a by an infinite distribution of point charges with alternate signs and harmonically decreasing magnitude (∼ q/n).

Keywords: electrostatic potential, infinite series, convergence.

1. Introdução

O potencial elétrico para uma distribuição de N cargas puntiformes qi é, de acordo com o princípio de super-posição, dado por [1]

onde consideramos que o nível zero de potencial esteja no infinito V (∞)=0, e ri é a distância da carga qi ao ponto (r) em que estamos calculando o potencial.

Se N for finito, o potencial elétrico da Eq. (1) também é finito e, então, não há nenhuma restrição no cálculo da diferença de potencial entre dois pontos quaisquer. Entretanto, se N for infinito devemos assegurar a convergência da série expressa pela Eq. (1) para que não haja restrições no cálculo da diferença de potencial entre dois pontos.

Recentemente, Possa e Nogueira [2] calcularam o potencial elétrico e a força elétrica para duas distribuições infinitas de cargas puntiformes distribuídas ao longo do eixo x. Os autores discutiram os significados físicos das séries infinitas divergentes e condicionalmente convergentes que resultam de diferentes distribuições de cargas puntiformes. Por exemplo, eles estudaram a convergência da série que resulta do cálculo do potencial gerado por uma distribuição de cargas elétricas puntiformes positivas de mesma magnitude (q) distribuídas ao longo de eixo x e colocadas em x = -1, -2, -3, .... . Neste caso, o potencial é expresso por V (x) = , com x ≠ - n e V (∞) = 0. Eles mostraram que em x = 0, o potencial é proporcional à ζ(1), onde ζ(s) é a função zeta de Riemann [3]. Por ser uma série harmônica, ζ(1) é divergente para qualquer valor finito de x. Assim, não podemos calcular a diferença de potencial entre dois pontos gerado por esta distribuição de cargas. Uma forma de contornar esta divergência e calcular a diferença de potencial entre dois pontos é considerar outro ponto de referência para o potencial.

Outra série que os autores consideraram é similar à anterior, mas agora com as cargas tendo sinais alternados. Neste caso V (x) é dado por V (x) = . Em x = 0, a série é finita, mas não absolutamente convergente. De acordo com o Teorema de Riemann [4], a soma de uma série condicionalmente convergente não é única, mas depende de como os termos são ordenados.

O objetivo deste trabalho é estender o estudo de convergência de séries realizado por Possa e Nogueira [2] para outras distribuições infinitas de cargas. Consideramos distribuições de cargas com mesmo sinal ou sinais alternados, cuja magnitude decresce harmonicamente com n (~ q/n). Por exemplo, para a distribuição de cargas de mesmo sinal e magnitude que decresce harmonicamente com n distribuídas ao longo do eixo x, o potencial é dado por V (x) = , onde consideramos V (∞) = 0. Para x = 1, obtemos a série telescópica [4] cuja soma é igual a um.

Na próxima seção discutimos brevemente os testes de convergência de séries que utilizamos neste trabalho. Na seção 3 discutimos os critérios de convergência para as séries que resultam de diferentes distribuições de cargas e calculamos a densidade superficial de carga induzida sobre um plano condutor infinito e "aterrado" por uma distribuição infinita de cargas puntiformes cuja magnitude diminui harmonicamente com n, considerando todas com o mesmo sinal ou sinais alternados. Calculamos ainda a densidade superficial de carga induzida sobre uma esfera condutora infinita e "aterrada" por uma distribuição infinita de cargas puntiformes de sinais alternados e cuja magnitude diminui harmonicamente com n. Na Seção 4, apresentamos os comentários finais.

2. Séries infinitas e testes de convergência

Uma série infinita é uma soma de termos de uma sequência parcial an, expressa por an. Se a soma for finita a série é convergente. Se a soma for infinita (+ ∞ ou - ∞) ou não existir, a série é divergente. A convergência ou divergência de uma série é estabelecida através dos chamados testes ou critérios de convergência. Abaixo, discutiremos os três testes de convergência utilizados neste trabalho.

2.1. Teste de convergência para a série alternada

Considere a série alternada (-1)n an, na qual a sequência an é decrescente e an = 0, neste caso a série (-1)n an convergirá. No caso de séries alternadas pode ocorrer de a série convergir, mas, a soma dos módulos de seus números divergir. Neste caso, a série converge condicionalmente. Se por outro lado a soma dos módulos de seus números também convergir, a série converge absolutamente.

2.2. Teste da comparação

Considere duas séries

an e bn. Suponha que exista um número natural p tal que, para todo k > p, 0 < ak < bk. Neste caso existem duas possibilidades:

(i) Se

bn for convergente, então an será convergente; e

(ii) Se

an for divergente, então bn será divergente.

2.3. Teste do limite

Considere as séries

an e bn com an > 0 e bn > 0, para todo n > p, onde p é um número natural fixo. Se = L, três casos são possíveis:

(i) Se L > 0 e L , ambas são ou convergentes ou divergentes;

(ii) Se L = +∞ e an for divergente, bn também será divergente; e

(iii) Se L = 0 e se bn for convergente, então o an também convergirá.

3. Potencial elétrico para distribuições de cargas puntiformes

Na Ref. [2] os autores consideraram uma distribuição infinita de cargas igualmente espaçadas ao longo do eixo x e de mesma magnitude (q), cujo potencial é dado por V (x) = , com V (∞) = 0. Como eles demonstraram, uma forma de contornar a divergência desta série é considerar V (x0) = 0 para x0 ≠ ∞. Outra é considerar que as cargas sejam colocadas nas posições -1, -4, -9, -16,..., -n2. Em x = 0, o potencial é dado por V (0) = ζ(2), que é finito. Em suma, um aumento do espaçamento entre as cargas leva a um valor finito do potencial. Isto reflete o fato que o cálculo do potencial de uma distribuição finita e/ou infinita de cargas depende, em geral, não apenas do valor das cargas, mas também de como elas estão distribuídas, ou em outras palavras, da geometria da distribuição.

Como uma generalização desta distribuição, considere que infinitas cargas puntiformes de mesma magnitude q estão distribuídas sobre o eixo x de tal forma que, pelo princípio de superposição, o potencial elétrico em um dado ponto do eixo x é expresso por

onde B(n) é uma função que descreve a distribuição das infinitas cargas sobre o eixo x e, mais uma vez, consideramos V (∞) = 0. Dependendo da forma de B(n), o potencial será divergente ou convergente.

Considere que as cargas estejam distribuídas em posições dadas pela sequência de Fibonacci [5], F(n), a saber

neste caso o potencial é dado por V (x) = . Vemos que a partir de n = 13 o inverso da sequência de Fibonacci, 1/F(n), é menor que a série harmônica 1/n2, e, pelo teste da comparação, a série é convergente.

Agora, considere uma distribuição de cargas cujo potencial é dado por V (x) = , com a > 0. Utilizando o teste do limite com a série harmônica 1/n2, verificamos que esta série é convergente apenas para a > 1.

A seguir vamos modificar o módulo das cargas das partículas puntiformes. Considere uma distribuição infinita de cargas elétricas puntiformes de mesmo sinal (positivo), com magnitude que decresce harmonicamente com n e colocadas sobre o eixo x nas posições -1, -2, -3,. . . . O valor do potencial neste caso, considerando V (∞) = 0, é

Vemos que se trata de uma série harmônica que decresce com 1/n2, logo é uma série convergente. Na posição x = 1, o potencial é dado por

A série ( - ) é denominada de série telescópica [4]. Como sua soma é igual a um, obtemos V (1) = . Assim, concluímos que esta distribuição infinita de cargas produz o mesmo potencial que uma carga q localizada na origem.

Realizando a soma dada pela Eq. (5) para todos os valores naturais de x, obtemos

Se as cargas da distribuição acima tiverem sinais alternados, sendo positivo o sinal da carga colocada em x = -1, o potencial é dado por

que é absolutamente convergente, pois seu módulo converge.

Nos dois últimos casos podemos calcular a diferença de potencial entre dois pontos sem que haja nenhuma restrição. Entretanto, ao invés disto calcularemos a densidade superficial de carga induzida por estas distribuições sobre um plano (x = 0) condutor infinito "aterrado" utilizando o método das imagens eletrostáticas [6].

Considere inicialmente a distribuição de cargas cujo potencial é dado pela Eq. (4). O método das imagens garante que podemos substituir o plano condutor por uma distribuição equivalente de cargas imagem (negativas), que por simetria são colocadas nas posições 1, 2, 3,. . . , respectivamente.

Neste caso, o potencial eletrostático calculado em um ponto r localizado no semi-espaço x < 0 é dado por

que satisfaz não apenas a equação de Laplace em todos os pontos exteriores às cargas, como também as condições de contorno do problema original.

O campo elétrico na superfície de um condutor é dado por E = [1], onde σ é a densidade superficial de carga e é o vetor unitário normal à superfície externa ao condutor. Para a geometria considerada, = -, e, portanto σ (y; z) = em x = 0. Assim, a densidade superficial de carga é dada pela expressão

que pelo teste do limite com a séria harmônica 1/n2 é uma séria convergente.

A carga total induzida no plano pode ser calculada integrando a Eq. (9), resultando em

que nada mais é senão a soma das cargas imagens. Entretanto a série acima é divergente. Esta divergência resulta do fato de que a soma das cargas reais é infinita.

Considere agora a distribuição de cargas cujo potencial é dado pela Eq. (7). Neste caso, o potencial e a densidade de carga induzida são dados respectivamente por

e

as quais séries absolutamente convergentes, pois seus módulos convergem. Entretanto a carga induzida no plano

é uma série condicionalmente convergente de acordo com o teste de convergência para série alternada. Do ponto de vista da Matemática, o valor de Q depende de como a soma é realizada. Em outras palavras, diferentes formas de realizar a soma, por diferentes arranjos de seus termos, levam a diferentes valores de Q. Mas, do ponto de vista da física isto não faz sentido. Para entender isso, considere um plano condutor infinito com uma carga Q0 distribuída em sua superfície. O teorema da unicidade [7] garante que uma vez escolhido o nível zero de potencial, o valor deste em um dado ponto é único. Ao mudarmos o valor da carga Q0, mudamos o valor do potencial. Assim uma vez conhecido o valor do potencial em um dado ponto, o valor da carga induzida é univocamente determinado, e, por conseguinte, como a soma deve ser realizada.

A seguir, calcularemos a densidade de carga superficial induzida sobre uma esfera condutora "aterrada" de raio a e centrada em r = 0 por uma distribuição de cargas de sinais alternados e com magnitude que decresce harmonicamente com n e colocadas sobre o eixo z nas posições 1, 2, 3,... . Não é difícil ver da Eq. (7) que o valor e a localização das cargas imagem são -aq, , - ,..., ... e a2,,, ..., ... respectivamente. Devemos lembrar que a < 1, para que nenhuma carga real esteja dentro da esfera. O potencial elétrico para estas duas distribuições de cargas é expresso por

Neste caso o potencial é a soma de uma série absolutamente convergente (primeiro somatório) com uma série condicionalmente convergente (segundo somatório). Porém, como no caso anterior, o teorema da unicidade garante um valor único para o potencial devido às cargas imagem. Isto determina a forma como a segunda soma deve ser realizada.

Como no exemplo anterior podemos determinar a densidade superficial de carga induzida que é

que, pelo teste o limite com a série harmônica 1/n2, é uma série absolutamente convergente, pois seu módulo converge.

A carga induzida é então dada por

Das Eqs. (13) e (16) observamos que as cargas induzidas respectivamente no plano e na esfera pela mesma distribuição de cargas, são proporcionais, diferindo apenas pelo raio da esfera. Logo a anéalise anterior permanece véalida para o caso da esfera.

4. Conclusão

Neste trabalho discutimos o critério de convergência para as séries que resultam ao calcularmos o potencial elétrico para algumas distribuições infinitas de cargas puntiformes. Alguns dos resultados foram:

(i) Ao considerarmos a distribuição de cargas de mesmo sinal e cuja magnitude decresce harmonicamente com n, o potencial é dado pela Eq. (4), que é convergente. Em x = 1 o potencial é dado pela série telescópica, cuja soma é igual a 1. Isso significa que podemos substituir a distribuição infinita de cargas, por uma única carga q colocada na origem para obtermos o mesmo potencial;

(ii) Para os valores naturais de x calculamos a soma expressa pela Eq. (4). Se considerarmos de x >> 1, o resultado é proporcional à ln(x), semelhante ao obtido ao calcular o potencial de uma barra de comprimento finito e com densidade linear de carga constante;

(iii) Ao calcularmos a carga induzida sobre um plano condutor infinito "aterrado" por uma distribuição infinita de cargas elétricas puntiformes de mesmo sinal e magnitude que decresce harmonicamente com n, obtivemos que a série resultante é divergente. Esta divergência, como vimos, se deve ao fato que a soma das cargas reais é infinita.

(iv) Para a distribuição de cargas com sinais alternados e magnitude que decresce harmonicamente com n, a carga induzida no plano é dada por uma série condicionalmente convergente. Com base no teorema da unicidade explicamos porque o valor da carga induzida é único; e

(v) Mostramos que a carga induzida no plano condutor aterrado e na esfera condutora aterrada de raio a pela distribuição descrita em (iv) são proporcionais.

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP). Também, gostariam de agradecer aos Profs. Dr. Newton Martins Barbosa Neto do Instituto de Física da Universidade Federal de Uberlândia e Dr. Nilson Sena de Almeida do Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará pela leitura crítica deste trabalho.

Recebido em 30/11/2009; Aceito em 22/12/2009; Publicado em 16/2/2011

  • [1] H. Moysés Nussenzveig, Curso de Física Básica 3 - Eletromagnetismo (Ed. Edgard Blucher, São Paulo 1998), 1Ş ed.
  • [2] Denimar Possa e José Alexandre Nogueira, Revista Brasileira de Ensino de Física 25, 384 (2003).
  • [3] George B. Arfken e Hans J. Weber, Física Matemática (Ed. Campus, Rio de Janeiro, 2005), 6Ş ed.
  • [4] Hamilton Luiz Guidorizzi, Um Curso de Cálculo, Volume 4 (Ed. LTC, Rio de Janeiro, 2002), 5Ş ed.
  • [5] A.N. Philippou, A.F. Horadam and G.E. Bergum, Applications of Fibonacci numbers (Kluwer Academic, Califórnia, 1988), 1Ş ed.
  • [6] David J. Griffiths, Introduction to Electrodynamics (Prentice Hall, New Jersey, 1999) 3Ş ed.
  • [7] John R. Reitz, Frederick J. Milford e Robert W. Christy, Fundamentos da Teoria Eletromagnética (Ed. Campus, São Paulo, 1982), 1Ş ed.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Mar 2011
  • Data do Fascículo
    Set 2010

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2009
  • Revisado
    22 Dez 2009
  • Aceito
    16 Fev 2011
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