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Mapas conceituais como ferramenta de avaliação na sala de aula

Concept maps as a tool for evaluation in classroom

Resumos

A utilização dos mapas conceituais (MCs) como ferramenta de avaliação da aprendizagem foi explorada na disciplina Ciências da Natureza, oferecida aos alunos ingressantes da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH). Devido à riqueza e à diversidade das estruturas proposicionais elaboradas pelos alunos, o desafio de corrigir MCs é mais complexo do que a correção de testes de múltipla escolha ou de questões dissertativas. Um procedimento comparativo envolvendo o professor (P), três especialistas em mapeamento conceitual (E) e os alunos (A) foi utilizado para avaliar MCs (n = 109). A pergunta focal dos MCs explorou as relações conceituais entre as observações astronômicas do século XVI, o nascimento da ciência moderna e a ampliação da nossa compreensão sobre o universo. Gráficos de correlação foram elaborados para comparar as avaliações (PxE, PxA e ExA). Os resultados obtidos confirmaram a complexidade do processo de avaliação dos MCs, impondo uma mudança nos procedimentos usualmente adotados na sala de aula. A possibilidade dos alunos serem incluídos no processo avaliativo é confirmada pela correlação verificada entre as avaliações feitas pelo professor e pelos alunos.

avaliação da aprendizagem; aprendizagem significativa; ensino superior; mapas conceituais; revisão por pares


The use of concept maps (CMs) as an evaluation tool of students' learning was explored during the Natural Science course assigned to all 1styear higher education students at School of Arts, Sciences and Humanities (University of São Paulo). The richness and diversity of propositional networks produced by the students made the assessment task more complex than the evaluation of multiple-choice tests or open questions. A procedure for comparing the evaluation made by the professor (P), three experts in CMs (E) and the students (S) was used to appraise a set of CMs (n = 109). CMs' focal question explored the conceptual relationships among astronomic observations made during the 16$^{th}$ century, the birth of modern science and, the increase of our understanding about the universe. Correlation graphs were plotted to compare these evaluations in pairs (PxE, PxS and ExS). The results confirmed the complexity of the MCs evaluation, which asks for changing the procedures frequently used in the classroom. The possibility of including the students in the evaluation process is confirmed by the correlation found between the assessments made by them and the professor.

concept maps; learning evaluation; higher education; meaningful learning; peer review


PESQUISA EM ENSINO DE FÍSICA

Mapas conceituais como ferramenta de avaliação na sala de aula* * Parte desse trabalho foi apresentado oralmente durante o VII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), ocorrido em Florianópolis/SC entre os dias 8 e 13 de novembro de 2009.

Concept maps as a tool for evaluation in classroom

Paulo Rogério Miranda CorreiaI, 1 1 E-mail: prmc@usp.br. ; Amanda Cristina da SilvaI, II; Jerson Geraldo Romano JuniorII

IEscola de Artes, Ciências e Humanidades, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

IIPrograma de Pós-Graduação Interunidades em Ensino de Ciências, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

A utilização dos mapas conceituais (MCs) como ferramenta de avaliação da aprendizagem foi explorada na disciplina Ciências da Natureza, oferecida aos alunos ingressantes da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH). Devido à riqueza e à diversidade das estruturas proposicionais elaboradas pelos alunos, o desafio de corrigir MCs é mais complexo do que a correção de testes de múltipla escolha ou de questões dissertativas. Um procedimento comparativo envolvendo o professor (P), três especialistas em mapeamento conceitual (E) e os alunos (A) foi utilizado para avaliar MCs (n = 109). A pergunta focal dos MCs explorou as relações conceituais entre as observações astronômicas do século XVI, o nascimento da ciência moderna e a ampliação da nossa compreensão sobre o universo. Gráficos de correlação foram elaborados para comparar as avaliações (PxE, PxA e ExA). Os resultados obtidos confirmaram a complexidade do processo de avaliação dos MCs, impondo uma mudança nos procedimentos usualmente adotados na sala de aula. A possibilidade dos alunos serem incluídos no processo avaliativo é confirmada pela correlação verificada entre as avaliações feitas pelo professor e pelos alunos.

Palavras-chave: avaliação da aprendizagem, aprendizagem significativa, ensino superior, mapas conceituais, revisão por pares.

ABSTRACT

The use of concept maps (CMs) as an evaluation tool of students' learning was explored during the Natural Science course assigned to all 1stfirst year higher education students at School of Arts, Sciences and Humanities (University of São Paulo). The richness and diversity of propositional networks produced by the students made the assessment task more complex than the evaluation of multiple-choice tests or open questions. A procedure for comparing the evaluation made by the professor (P), three experts in CMs (E) and the students (S) was used to appraise a set of CMs (n = 109). CMs' focal question explored the conceptual relationships among astronomic observations made during the 16$^{th}$ century, the birth of modern science and, the increase of our understanding about the universe. Correlation graphs were plotted to compare these evaluations in pairs (PxE, PxS and ExS). The results confirmed the complexity of the MCs evaluation, which asks for changing the procedures frequently used in the classroom. The possibility of including the students in the evaluation process is confirmed by the correlation found between the assessments made by them and the professor.

Keywords: concept maps, learning evaluation, higher education, meaningful learning, peer review.

1. Introdução

O mapeamento conceitual é uma técnica bem estabelecida que permite a representação gráfica de conhecimento e informação. Apesar de sua utilização ocorrer principalmente no âmbito educacional, os mapas conceituais (MCs) já começam a ser explorados nas corporações, visto que o aprendizado é uma atividade que deve se prolongar por toda a vida [1-3]. Os MCs são frequentemente utilizados para identificar os conhecimentos prévios dos alunos, para acompanhar o processo de mudança conceitual ao longo da instrução, para verificar a organização dos conceitos numa disciplina e para avaliar grades curriculares [4-12]. Além disso, os MCs podem ajudar no processo de arquivamento e compartilhamento de informações obtidas a partir de especialistas, bem como mediar processos colaborativos estimulando a interação social por meio da linguagem [13-15].

A aparente facilidade na elaboração de MCs é atraente para os iniciantes e pode ajudar a explicar o aumento da popularidade do mapeamento conceitual. Por outro lado, a utilização ingênua dos MCs pode produzir poucos (ou nenhum) dos benefícios esperados, restringindo sua inserção na sala de aula a experiências fugazes e lúdicas. É necessário re-examinar os fundamentos teóricos que subjazem o mapeamento conceitual para que seja possível utilizar os MCs em sua plenitude [16]. Trabalhos da literatura indicam que muitas das dificuldades observadas no uso dessa técnica devem-se à formação insuficiente dos seus utilizadores (professores, no caso das aplicações educacionais) e à desvalorização da fundamentação teórica relacionada com o mapeamento conceitual [16-17].

A armadilha colocada pela facilidade de elaboração dos MCs leva a uma série de eventos que não contribui para o uso prolongado do mapeamento conceitual na sala de aula [17]. Na intensa rotina de trabalho que um professor enfrenta, observa-se que (1) o professor opta pelo uso dos MCs para mudar a dinâmica tradicional das aulas expositivas; (2) os alunos produzem vários MCs em um curto período de tempo, devido à empolgação que eles têm frente a mais uma "novidade"; (3) o professor tem dificuldades de avaliar a grande quantidade de MCs produzidos pelos alunos, visto que o livro didático não apresenta um gabarito para corrigi-los; (4) o professor não oferece um feedback adequado aos alunos e a avaliação restringe-se à contabilidade burocrática dos alunos que cumpriram essa tarefa; e (5) o professor não encontra na sua prática docente os benefícios prometidos pelo mapeamento conceitual, levando-o a não utilizar mais essa técnica em sala de aula.

Essa sequência indesejável de eventos surge devido ao desequilíbrio entre o domínio teórico e prático que é necessário para viabilizar uma utilização adequada, intencional e prolongada do mapeamento conceitual em sala de aula. Estratégias metodológicas sofisticadas, como o uso de MCs, exigem do professor mais do que uma vasta experiência profissional: é preciso conhecer as teorias que justificam as opções metodológicas para que se tenha uma aplicação bem sucedida. Além disso, é preciso considerar a sala de aula como um ambiente complexo, onde ocorrem várias interações sociais dentro de uma dinâmica peculiar de trabalho que envolve o professor e seus alunos. Por isso, além dos conhecimentos sobre aspectos teóricos da metodologia de ensino, é preciso compreender processos de gestão de uma sala de aula [18, 19]. Uma tripla aproximação teórica, considerando metodologia de ensino, gestão de grupo e mapeamento conceitual, se faz necessária para a utilização plena dos MCs no contexto complexo das salas de aula.

A avaliação dos MCs é fundamental para que os alunos consigam perceber os benefícios que podem ser obtidos com essa técnica. Para isso, o professor é desafiado frente a uma tarefa pouco usual: avaliar os alunos de uma forma diferente, por meio de um instrumento subjetivo que não apresenta um gabarito para auxiliar o processo de correção. O objetivo desse trabalho é comparar a avaliação de um conjunto de mapas conceituais (n = 109) feita (1) pelo professor da disciplina (P.R.M.C.), (2) por três especialistas em mapas conceituais (B.X.V., J.G.R.Jr. e A.C.S.) e (3) pelos alunos que elaboraram os mapas conceituais.

2. Mapeamento conceitual e a teoria da aprendizagem significativa

O mapeamento conceitual, proposto por Joseph D. Novak no início da década de 70, é uma forma esquemática de representar graficamente os conceitos de um determinado campo de conhecimento. O exercício de elaborar mapas conceituais (MCs) estimula a busca por relações significativas e diminui a chance da ocorrência da aprendizagem mecânica [1, 12].

Os MCs podem ser definidos como um conjunto de conceitos imersos numa rede de proposições. As proposições, que são as unidades fundamentais dos mapas conceituais, são constituídas por três elementos: conceito inicial + termo de ligação + conceito final. A inclusão obrigatória de um termo de ligação, que expresse claramente a relação entre dois conceitos, é o que confere ao mapeamento conceitual sua característica fundamental da busca por significados precisos e explícitos. Deve-se ressaltar que erros conceituais podem ser evidenciados nos mapas de conceitos, visto que a aprendizagem significativa não implica necessariamente no estabelecimento de relações conceituais corretas. Apesar de significativa, a aprendizagem pode apresentar incorreções passíveis de revisão [12]. A Fig. 1 apresenta um mapa conceitual para explicar melhor o que são os MCs. As características principais do mapeamento conceitual são apresentadas nos conceitos em retângulos (parte central); os aspectos estruturais dos MCs estão destacados nos conceitos apresentados em círculos (à esquerda); as considerações sobre o uso individual e colaborativo dos MCs são apresentadas nos conceitos em retângulos sombreados (à direita).


A aprendizagem significativa é um conceito central da teoria proposta por David Ausubel, em meados da década de 60 [20-23]. A teoria ausubeliana busca explicar a aprendizagem usando um continuum entre a aprendizagem significativa e a aprendizagem mecânica que prevalece no âmbito da transmissão cultural [21]. Ela formula uma possível explicação de como as novas informações ou os novos conhecimentos se relacionam com um aspecto relevante, pré-existente na estrutura de conhecimentos de cada indivíduo, subordinando o método de ensino à capacidade dos indivíduos em assimilar e armazenar as informações. Sob esta perspectiva ausubeliana, a aprendizagem somente é significativa quando o aluno consegue relacionar significativamente a nova informação a ser aprendida com os conhecimentos prévios existentes na sua rede cognitiva. Uma descrição mais detalhada da Teoria da Assimilação proposta por Ausubel pode ser encontrada na literatura [20-23].

3. Procedimentos de pesquisa

3.1 Coleta de dados

A coleta de dados empíricos foi feita considerando-se os MCs produzidos individualmente por 109 alunos que cursaram a disciplina Ciências da Natureza (CN), a partir da mesma pergunta focal: "Como a ciência e a tecnologia influenciaram a compreensão da sociedade sobre o universo? ". O número máximo de conceitos a serem utilizados por cada aluno foi igual a 9 e o conceito "mais tecnologia" deveria ser utilizado como ponto incial (conceito raiz) dos MCs. Essa atividade fez parte da 1ª avaliação da disciplina, que ocorreu após um período de treinamento já descrito na literatura [17]. Duas turmas de 60 alunos do período matutino foram consideradas para o desenvolvimento da presente pesquisa. Leituras preparatórias [24,25] foram indicadas e discutidas com os alunos durante as aulas que precederam a avaliação (Tabela 1), a fim de estabelecer relações conceituais entre as observações astronômicas do século XVI, o nascimento da ciência moderna e a ampliação da nossa compreensão sobre o universo [26]. A disciplina Ciências da Natureza (CN) é parte integrante do Ciclo Básico e seu objetivo é contribuir com o processo de alfabetização científica [27-29] dos alunos ingressantes da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH/USP Leste). As aulas da disciplina CN foram ministradas ao longo do 1° semestre de 2009 por um dos autores desse trabalho (P.R.M.C.).

Os MCs foram codificados para que a autoria fosse mantida em sigilo. Cada MC foi analisado de três maneiras diferentes:

(1) P: pelo professor da disciplina (P.R.M.C.), que classificou os MCs em 8 grupos diferentes, atribuindo valores entre 0 e 5 (1; 2; 3; 3,5; 4; 4,25; 4,5; 5).

(2) E: por três especialistas em mapeamento conceitual (B.X.V., J.G.R.Jr. e A.C.S.), que classificaram os MCs em 6 grupos diferentes por consenso, atribuindo valores entre 0 e 5 (1; 2; 3; 3,5; 4; 5).

(3) A: pelos alunos da disciplina Ciências da Natureza, que emitiram pareceres para 2 MCs, atribuindo valores entre 0 e 10. A média aritmética das 2 notas atribuídas para cada MC foi considerada. Esse valor médio foi convertido para uma escala entre 0 e 5.

As análises dos MCs feitas pelo P e pelos E foram comparativas e de cunho qualitativo. Inicialmente, foram identificados o(s) melhor(es) e o(s) pior(es) MCs do conjunto (n = 109) e, a partir deles, os demais foram organizados em grupos intermediários. A valoração dos MCs foi feita após a caracterização dos extremos inferior e superior da escala numérica (0 a 5), utilizando-se os MCs classificados como pior(es) e melhor(es), respectivamente. As notas aos MCs intermediários (organizados em 8 grupos para o P e 6 grupos para os E) foram atribuídas a partir da comparação deles com os MCs que receberam nota 5.

3.2 Tratamento de dados

Métodos de estatística descritiva [30] foram utilizados para analisar as avaliações feitas pelo professor (P), pelos especialistas (E) e pelos alunos (A). As comparações dessas avaliações foram feitas a partir da diferença em módulo (DM) das avaliações atribuídas para cada MC analisado (n = 109). As comparações entre professor e especialista (PxE), professor e alunos (PxA) e especialistas e alunos (ExA) foram contempladas nesse trabalho.

Os valores das DM para cada MC foram considerados para analisar as comparações entre PxE, PxA e ExA. Foram estabelecidos 8 intervalos para classificar os valores das DM calculadas para os 109 MCs analisados (I1 a I8), conforme a indicação da Fig. 2. As menores discrepâncias (DM < 0,25) foram classificadas no intervalo I1; as maiores discrepâncias (DM > 2) foram classificadas no intervalo I8.


O coeficiente de correlação linear (r) foi o parâmetro estatístico para avaliar as comparações entre PxE, PxA e ExA. Para cada um desses casos, calculou-se o valor de r para todos os dados (n = 109) e para os subconjuntos, desprezando-se progressivamente os valores mais discrepantes (de I8 a I2. Foram obtidos 8 valores de r para cada comparação (PxE, PxA e ExA).

4. Resultados e discussão

4.1 Avaliações do professor (P), dos especialistas (E) e dos alunos (A)

A comparação inicial das avaliações feitas pelo professor (P), pelos especialistas (E) e pelos alunos (A) é apresentada na Fig. 3. O box plot [30] é uma representação que reúne as principais informações do conjunto completo dos dados empíricos. Os valores médios atribuídos pelo P, pelos E e pelos A foram, respectivamente, 3,2 ± 1,0, 3,0 ± 1,1 e 3,6 ± 0,6.


É importante notar que a dispersão observada na avaliação dos A é a menor quando comparada com as demais. A mediana para o conjunto de dados dos A (3,75) confirma a tendência deles atribuírem valores maiores aos MCs do que o P (3,0) e os E (3,0). A comparação dos dados do P e dos E são semelhantes, a não ser pela maior dispersão apresentada pelos E. Algumas hipóteses sobre o comportamento dos alunos durante a avaliação dos MCs elaborados pelos seus pares podem ser levantadas, a partir dos dados obtidos: (1) os alunos apresentaram uma menor capacidade de discriminação dos MCs, pois eles são menos experientes no uso dessa ferramenta, do que o professor e os especialistas; (2) os alunos superestimam as suas avaliações no processo de análise por pares, pois eles tem receio de prejudicar um colega na avaliação da disciplina.

4.2 Avaliação das comparações PxE, PxA e ExA

A comparação das avaliações feitas pelo P, pelos E e pelos A foi realizada calculando-se a diferença em módulo (DM) do valor atribuído a cada MC. Os conjuntos de DM obtidos para as comparações PxE, PxA e ExA foram classificados em 8 intervalos diferentes (I1 a I8, conforme indicado na Fig. 2.

A porcentagem de MCs em cada intervalo aumenta, progressivamente, de I8 (maiores discrepâncias) para I1 (menores discrepâncias). A discrepância entre 2 análises (valores entre 0 e 5) foi igual ou menor do que 1,25 (exclusão dos intervalos I6, I7 e I8 para 79%, 72% e 61% dos MCs, nas comparações PxE, PxA e ExA, respectivamente. Essas porcentagens são elevadas, sobretudo quando se considera a complexidade e a subjetividade inerentes ao processo de avaliação dos MCs.

Uma maneira de verificar a semelhança nas avaliações feitas pelo P, pelos E e pelos A é por meio de gráficos de correlação. Em condições ideais, onde todos os valores são concordantes, é possível definir os parâmetros da equação da reta ideal (y = a + bx) obtida através da regressão linear dos pontos: o coeficiente linear (a) é igual a 0, o coeficiente angular (b) é igual a 1 e o coeficiente de correlação linear (r) é igual a 1.

A Fig. 4 apresenta um gráfico que relaciona os coeficientes de correlação linear (r) obtidos para as comparações PxE, PxA e ExA, excluíndo-se progressivamente os MCs que apresentaram maiores discrepâncias nas avaliações (Fig. 2). A linha vertical tracejada à direita do gráfico indica a situação ideal, quando r é igual a 1. Isso ocorre, por exemplo, na correção de questões de múltipla escolha com uma única resposta correta: independente do número de questões, a comparação entre a avaliação de 2 corretores deverá ser idêntica e os parâmetros da regressão linear assumem os valores a = 0, b = 1 e r = 1. Considerando-se todos os MCs avaliados (n = 109), as comparações PxE, PxA e ExA apresentaram baixos coeficientes de correlação linear: 0,55 (C), 0,54 (B) e 0,43 (A), respectivamente (Fig. 4). Em todos os casos, o valor de r se aproxima de 1 na medida em que os intervalos de classificação das DM (I8 até I2 são progressivamente desconsiderados. Na situação limite, onde somente os MCs com maior convergência são considerados (I1), os valores de r são 0,99 (F), 0,96 (E) e 0,88 (D) para PxE, PxA e ExA, respectivamente. Cabe ressaltar que essa elevada correlação linear somente foi observada para um subconjunto de MCs contendo cerca de 20 a 30% do seu tamanho original.


Uma situação intermediária foi selecionada e os gráficos de correlação das avaliações PxE, PxA e ExA são apresentados nas Fig. 5a, 5b e 5c, respectivamente. O subconjunto de MCs considerados apresenta DM < 1,25, excluindo-se os MCs presentes em I6, I7 e I8 (Fig. 2). Nessas condições, a quantidade de MCs considerados para análise está entre 80 e 60% do conjunto original. Os valores de r para PxE, PxA e ExA foram iguais a 0,77 (Fig. 5a), 0,78 (Fig. 5b) e 0,73 (Fig. 5c), respectivamente. Os parâmetros estatísticos que descrevem as equações das retas obtidas por regressão linear (Tabela 2) podem ser comparados com a situação ideal (linha tracejada).


Apesar dos valores não serem próximos de 1, é possível verificar que a reta obtida para a comparação PxA se aproxima da reta tracejada que indica a condição ideal (a = 0, b = 1 e r = 1). Esse pode ser um indicativo da capacidade que os alunos tem de avaliar os MCs dos seus colegas de forma análoga ao do professor, desde que todos tenham familiaridade com o mapeamento conceitual. Há um indício de que os alunos podem participar ativamente do processo de avaliação escolar, desde que eles sejam informados sobre a importância dessa atividade para a regulação do processo de ensino-aprendizagem. A atividade realizada na disciplina CN pode ser considerada como o ponto de partida para o desenvolvimento das capacidades dos alunos relacionadas com a auto-avaliação. Esse é um dos requisitos para que eles aprendam por toda a vida e desenvolvam suas capacidades metacognitivas [2,3,6].

A Fig. 6 mostra 4 MCs selecionados para representar situações típicas que foram verificadas no processo de avaliação dos MCs: convergência tripla entre as avaliações do P, dos E e dos A (Fig. 6a) com atribuição de nota alta (P = 4,0; E = 4,0; A = 3,8), convergência tripla entre as avaliações do P, dos E e dos A (Fig. 6b) com atribuição de nota média (P = 3,0; E = 3,0; A = 3,2), convergência dupla (Fig. 6c) devido a avaliação rigorosa de P (P = 1,0; E = 3,5; A = 3,0) e convergência dupla (Fig. 6d) devido a avaliação rigorosa de E (P = 3,0; E = 1,0; A = 2,9).


O MC da Fig. 6a apresenta proposições claras e conceitualmente aceitáveis, além de estrutura cíclica (que indica o estabelecimento de relações de causa e efeito) e uma destacada reconciliação integrativa [20,23] em torno do conceito "conhecimento social". A maioria dos conceitos estão vinculados às discussões da aula 4 (Tabela 1), que valorizam as descobertas astronômicas do início do século XX. A importância das evidências para conferir credibilidade às teorias científicas foi discutida na aula 2 (Tabela 1) e aparece acoplada ao tema da aula 4 nas proposições "novas evidências - podem comprovar → teorias" e "teorias - como → Big Bang" (Fig. 6a).

O MC da Fig. 6b é adequado, mas apresenta pequenas falhas estruturais, quando comparado ao MC da Fig. 6a: os conceitos "tradições" e "predição" (em círculos) não integram a rede de conceitos que constitui esse MC. A partir do conceito raiz "mais tecnologia" não é possível chegar a esses 2 conceitos. Os conceitos desse MC exploram preferencialmente as discussões da aula 2, visto que estão presentes as boas (evidências) e más (crenças e revelações) razões para acreditar em algo, segundo o texto indicado para leitura [24]. A proposição "ciência - necessita de → mais tecnologia" faz referência às discussões das aulas 3 e 4, que mostraram o aperfeiçoamento tecnológico do telescópio como fator decisivo para o avanço da astronomia. Elementos importantes que constituem o pensamento científico aparecem na proposição "predição - deve levar à → evidências", indicando uma síntese de todas as discussões feitas nas aulas iniciais da disciplina CN.

O MC da Fig. 6c apresenta falta de clareza semântica em algumas proposições ("novas tecnologias - e novas → pesquisas"), além de apresentar proposições que não extrapolam o senso comum (veja sequência de proposições entre "população" e "novas tecnologias"). Nesse caso, a análise do P foi mais rigorosa e divergente das análises feitas pelos E e pelos A, principalmente porque há poucos conceitos relacionados com as leituras prévias que foram discutidas nas aulas 2-4 (Tabela 1). O MC da Fig. 6d também apresenta falta de clareza semântica que pode sinalizar falta de clareza conceitual ("universo - que influencia a → sociedade" e "evolução científica - adquire → mais evidências"). Desta vez, a análise dos E foi mais rigorosa e divergente das análises feitas pelo P e pelos A.

5. Considerações finais

A avaliação da aprendizagem é uma atividade fundamental no processo educacional. A incorporação dos MCs na rotina da sala de aula exige uma abertura para a incerteza, visto que eles permitem a explicitação das idiossincrasias presentes na estrutura cognitiva dos alunos. Essa característica se opõe ao determinismo presente nos testes de múltipla escolha, ou nas questões dissertativas que apresentam somente uma resposta "certa". Em última análise, o uso dos MCs como estratégia de avaliação impõe uma revisão nas relações que o professor e os alunos estabelecem na sala de aula. Se, por um lado, há o desafio de lidar com a incerteza e a subjetividade, por outro lado, surgem mais oportunidades para o diálogo e para as interações entre pares (aluno/aluno) e professor/aluno. Parece que a inclusão dos alunos no processo de avaliação dos MCs é possível, desde que eles estejam familiarizados com essa técnica. Isso é desejável e rompe um dos paradigmas vigentes na maioria das salas de aula, onde somente o professor tem o direito de julgar no processo avaliativo da produção intelectual dos alunos.

A experiência realizada na disciplina CN está relacionada com discussões sobre o nascimento da ciência moderna, as observações astronômicas do século XVI e o desenvolvimento da astronomia. Os MCs produzidos pelos alunos indicam que eles fizeram uma releitura do que foi estudado no ensino médio e, já na condição de ingressantes do ensino superior, eles aceitaram o convite para refletir sobre as relações entre a ciência, a tecnologia e a sociedade existentes naquele momento histórico. A partir disso, eles foram capazes de construir relações conceituais que extrapolam o campo disciplinar da física, misturando conhecimentos científicos (astronomia) e humanísticos (sociais, históricos e filosóficos). Esse esforço sinaliza uma busca por um pensamento interdisciplinar, a fim de superar o isolamento das duas culturas, descritas por C.P. Snow [31].

6. Agradecimentos

Agradecemos ao Bruno Xavier do Valle pela colaboração na parte inicial desse trabalho. Os autores agradecem ao CNPq (553710/2006-0) pelo financiamento de projeto de pesquisa. P.R.M.C. agradece à FAPESP (06/03083-0 e 08/04709-6) e à CAPES (3555/09-7) pelo apoio à participação em reuniões científicas no exterior. J.G.R. Jr. agradece à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo pela bolsa de estudos concedida no âmbito do Programa Bolsa Mestrado e A.C.S. agradece à Pró-Reitoria de Graduação da Universidade de São Paulo pela bolsa de iniciação científica no âmbito do Programa Ensinar com Pesquisa.

Recebido em 20/11/2009; Aceito em 29/4/2010; Publicado em 28/2/2011

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  • *
    Parte desse trabalho foi apresentado oralmente durante o VII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), ocorrido em Florianópolis/SC entre os dias 8 e 13 de novembro de 2009.
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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      20 Nov 2009
    • Aceito
      20 Abr 2010
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