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A história da legislação dos cursos de Licenciatura em Física no Brasil: do colonial presencial ao digital a distância

The history of the legislation that regulates Physics teachers' training courses in Brazil: from colonial person-to-person to distant electronic education

Resumos

O presente estudo descreve, por meio de uma pesquisa documental, a evolução histórica dos cursos de Licenciatura em Física no Brasil tendo seus aspectos legais como recorte. Essa revisão inicia-se no período colonial do Brasil, quando o ensino superior é quase inexistente e não havia legislação referente à formação de professores, e avança até os dias atuais, caracterizado por um vasto conjunto de legislações que regulam e normatizam os cursos de graduação em Licenciatura Plena em Física. Ao final, é apresentado um quadro com uma síntese integrativa desde o Decreto n° 1.190/39, a primeira estrutura legal a apontar o percurso formativo dos professores de física, até o Decreto n° 5.622/05, que regulamenta como o poder público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância em todos os níveis e modalidades.

história da educação; formação de professores; licenciatura em física


By means of document analysis, the present study traces the historical development of Physics teacher's training courses and their legal aspects in Brazil. It starts with Colonial Brazil, when institutions of superior studies were almost none and legislation for teachers' licensing did not exist, and ends with present times, which are characterized by a great number of laws that regulate and standardize the undergraduate Physics teachers' training courses. At the end of the study, a table shows an integrated synthesis of this legislation, from Decree n° 1.190/39, the first legal structure that set the basis for the training of Physics teachers, to Decree n° 5.622/05, which regulates how the government shall encourage the development and the unfolding of electronic education programs for all levels and subjects.

history of education; teachers' training; physics teachers' training courses


PESQUISA EM ENSINO DE FÍSICA

A história da legislação dos cursos de Licenciatura em Física no Brasil: do colonial presencial ao digital a distância

The history of the legislation that regulates Physics teachers' training courses in Brazil: from colonial person-to-person to distant electronic education

Renato Santos AraujoI, II; Deise Miranda ViannaII, III, 1 1 E-mail: deisemv@if.ufrj.br.

IPrograma de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências, Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil

IIPrograma de Pós-Graduação em Ensino em Biociências e Saúde, Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIIPrograma de Pós-Graduação em Ensino de Física, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

RESUMO

O presente estudo descreve, por meio de uma pesquisa documental, a evolução histórica dos cursos de Licenciatura em Física no Brasil tendo seus aspectos legais como recorte. Essa revisão inicia-se no período colonial do Brasil, quando o ensino superior é quase inexistente e não havia legislação referente à formação de professores, e avança até os dias atuais, caracterizado por um vasto conjunto de legislações que regulam e normatizam os cursos de graduação em Licenciatura Plena em Física. Ao final, é apresentado um quadro com uma síntese integrativa desde o Decreto n° 1.190/39, a primeira estrutura legal a apontar o percurso formativo dos professores de física, até o Decreto n° 5.622/05, que regulamenta como o poder público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância em todos os níveis e modalidades.

Palavras-chave: história da educação, formação de professores, licenciatura em física.

ABSTRACT

By means of document analysis, the present study traces the historical development of Physics teacher's training courses and their legal aspects in Brazil. It starts with Colonial Brazil, when institutions of superior studies were almost none and legislation for teachers' licensing did not exist, and ends with present times, which are characterized by a great number of laws that regulate and standardize the undergraduate Physics teachers' training courses. At the end of the study, a table shows an integrated synthesis of this legislation, from Decree n° 1.190/39, the first legal structure that set the basis for the training of Physics teachers, to Decree n° 5.622/05, which regulates how the government shall encourage the development and the unfolding of electronic education programs for all levels and subjects.

Keywords: history of education, teachers' training, physics teachers' training courses.

1. Introdução

A falta de recursos humanos habilitados a lecionar na educação básica no Brasil não é questão atual. Historicamente, o enfrentamento dos problemas da carência de professores tem buscado soluções (ou improvisos) que pouco contribuíram para a melhoria da qualidade da oferta pública de educação nesse nível. No momento atual, a preocupação do governo é a ampliação do número de vagas nos cursos de Licenciatura e a criação de mecanismos que viabilizem o acesso da população ao ensino superior. E é cada vez mais frequente perceber a implantação da Educação a Distância (EaD) como um dos caminhos privilegiados.

A formação de professores é uma das aplicações mais evidentes dos métodos de aprendizagem aberta e a distância, pois a demanda de formação não apenas passa por um crescimento quantitativo, mas sofre também uma profunda mutação qualitativa no sentido de uma necessidade crescente de diversificação e de personalização do processo de formação [1]. Nesse sentido, variados programas de formação de professores na modalidade a distância foram implementados pelo Ministério de Educação (MEC) nos últimos anos. Dentre eles, é possível citar os programas ProFormação, TV Escola, Mídias na Educação, ProInfo e Formação pela Escola, além da proposta da Universidade Aberta do Brasil.

A partir desse contexto, esse trabalho tem como objeto de estudo a trajetória dos cursos de formação de professores de física no Brasil. O ensino superior no período colonial será o ponto de partida de uma jornada até a formação a distância desse profissional nos dias atuais. Dentre os possíveis recortes, optou-se em focar nos aspectos legais que caracterizam todo o percurso, separando-se as legislações que tratam exclusivamente dos cursos a distância daquelas que independem de sua modalidade.

Evitou-se um aprofundamento nos períodos anteriores ao momento atual porque já existe um número bastante significativo de trabalhos a esse respeito e que se encontram, parcialmente, presentes nas referências bibliográficas. Metodologicamente este trabalho configura-se como uma pesquisa documental. O acervo estudado foi constituído por legislações e livros antigos, além de uma revisão da literatura onde se estudou a história do ensino superior do Brasil.

2. O período colonial e republicano

A descoberta do Brasil ocorreu em um período cujo contexto político e econômico da Europa era caracterizado por uma expansão econômica. Nesse momento, os problemas causados pelas relações feudais foram superados por meio de mecanismos externos de subsistência econômica complementar - as colônias. O Brasil, depois de um período de escambo com os índios, passou a ser explorado por meio de latifúndios que exportavam açúcar, tabaco, algodão, ouro e pedras preciosas. As forças armadas eram responsáveis em combater a resistência dos colonos e reprimir o contrabando. E a burocracia atuava como aparelho ideológico legitimador da exploração colonial. O principal agente formador da época, a Companhia de Jesus, teve um importante papel na educação de padres, quadros para o aparelho opressor (Oficiais de Justiça, da Fazenda e da Administração) e da classe dominante da colônia. Contudo, os cursos ditos "superiores", enclausurados nos conventos e seminários episcopais, não podiam sequer serem comparados aos da América Espanhola, pois até a independência do Brasil, em 1822, nesta havia quase 25 universidades, enquanto no Brasil nenhuma existia [2].

A expansão francesa sobre o território europeu, fruto dos sucessos de Napoleão, e o acordo secreto de proteção naval inglesa deslocaram a sede do poder metropolitano português para o Brasil, em 1808. O ensino superior ressurgiu na colônia, ainda com a dependência cultural de Portugal, com a criação da Escola de Cirurgia e Anatomia (hoje Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia), da Escola de Anatomia e Cirurgia (atual Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil), da Academia da Guarda Marinha e Academia Real Militar (atual Escola Nacional de Engenharia da Universidade do Brasil), em 1810, e dos cursos de Agricultura e da Real Academia de Pintura e Escultura em 1814 [3].

Em 1834, as fortes pressões políticas separatistas levaram o Brasil a uma reorganização do poder com o Ato Adicional. A partir dele foram criadas as Assembleias Provinciais para legislar, junto com a Geral, sobre certos aspectos da vida pública, incluindo a instrução. Com isso, passam a existir duas realidades para o ensino estatal: a federal, responsável pelo ensino superior em todo o país; e a provincial, centrada no ensino primário e médio de sua província. O ensino privado, nesse momento, encontrava-se competindo com as estatais de nível médio tendo por base os Exames Preparatórios para o ingresso ensino superior [2]. E foi nesse período que teve início a formação de professores para o ensino primário em Escolas Normais no Brasil, tal que até meados dos anos 20 do século XX elas foram as únicas instituições de formação de professores no país, apresentando um caráter generalista e enciclopédico [4]. Esse processo, inclusive, antecedeu os que ocorreram em países vizinhos na América Latina e mesmo em alguns países europeus como Portugal e Espanha [5].

O crescimento da classe média, o receio do controle estrangeiro sobre o País, a crise econômica em função da dívida externa e outros fatores levaram à Proclamação da República em 1889. Associada à crescente demanda externa por café no exterior e à disponibilidade de terra e força de trabalho, essa mudança política iniciou uma nova etapa na economia do país, com a instalação de manufaturas apoiadas pelo capital acumulado na cafeicultura e centralizado pelo sistema bancário e a penetração de empresas norte-americanas. Essa americanização significou o fim da herança colonial, o começo da industrialização e o progresso da democracia [apud 2, p. 142].

O ensino superior, até o fim da década de 1880, limitou-se em número de instituições, estudantes e diversidade de cursos. Com a República, mudanças ocorreram, pois a Constituição de 1891 [6] atribuía ao Congresso "legislar sobre a organização municipal do Distrito Federal bem como sobre a polícia, o ensino superior e os demais serviços que na capital forem reservados para o Governo da União", sendo ele também incumbido, não privativamente, de "criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados" [6, art. 34° e 35°]. Com isso, não só o poder federal, mas outras esferas passaram a ter a permissão de criar instituições de ensino superior no País.

Havia 24 estabelecimentos de ensino superior no Brasil até o final do século XIX. E em 1896 surgiram as primeiras grandes rupturas do modelo das escolas submetidas ao controle do governo central com a criação de cursos como o de Engenharia Civil, Elétrica e Mecânica da atual Universidade Mackenzie (confessional presbiteriana), em São Paulo. Nos trinta anos seguintes, a expansão do ensino superior fez o número de estabelecimentos saltar para 133, sendo 86 criadas na década de 20 [3].

As universidades públicas iniciaram suas tentativas de nascimento no Brasil nesse momento. A partir de 1909 surgiram em Manaus, São Paulo e Paraná universidades que não vingaram, sendo somente em 1920, por meio do Decreto n° 13.343, que a Universidade do Rio de Janeiro (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade do Brasil) passou a existir como a primeira universidade do país. Essa data para o início das atividades universitárias sem interrupção no Brasil, contudo, não é consenso. Em 1792, José Luís de Castro, segundo Conde de Rezende e Vice-Rei do Brasil, fundou a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho. Essa instituição desenvolveu suas atividades no ensino de engenharia sem interrupção até os dias atuais, compondo a atual Universidade do Brasil. Essa é a data defendida por alguns autores [7] como sendo o momento da criação dessa instituição.

Politicamente, o início do século XX foi caracterizado pela aliança política entre São Paulo e Minas Gerais denominada de política do café-com-leite. Ela terminou no final da década de 20 e início dos anos 30 quando o partido mineiro apoiou, junto com a Paraíba e o Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas em detrimento do candidato paulista Júlio Prestes. Apesar da vitória desse último nas eleições, um golpe militar colocou Vargas no poder e iniciou-se um novo período da história do Brasil e, também, da formação dos professores de física.

3. A era Vargas

Vargas requisitou, nos anos 30, orientações para uma política educacional em seu regime. E obteve resposta de um grupo de pensadores influenciados por duas correntes educacionais liberalistas representadas por Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira. A primeira preocupou-se com a formação escolar das classes médias e dirigentes, defendendo, para o nível superior, uma articulação com o secundário por meio da formação de professores. Suas ideias se materializaram, por exemplo, com a criação da Universidade de São Paulo, em 1934, que contou com uma Faculdade de Educação responsável pela formação de professores dentro do paradigma elitista. A segunda corrente, influenciada por John Dewey e sua pedagogia liberalista igualitarista, propôs, dentre outros pontos, uma escola única para todos os indivíduos de 4 a 14 anos [2, p. 243]. Esse grupo elaborou, após a IV Conferência Nacional de Educação, em 1932, um manifesto ao povo e ao governo intitulado Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova [8].

No ensino superior, a dualidade elitista/igualitarista apareceu nesse documento na preocupação com a formação de uma elite dirigente, aberta e dinâmica e na gratuidade do ensino superior, assim como de todo ensino oficial. A formação do professorado, também abordada no Manifesto, foi proposta com base na unificação do processo de formação de professores para todos os graus no ensino superior:

Todos os professores, de todos os graus, cuja preparação geral se adquirirá nos estabelecimentos de ensino secundário, devem, no entanto, formar o seu espírito pedagógico, conjuntamente, nos cursos universitários, em faculdades ou escolas normais, elevadas ao nível superior e incorporadas às universidades [8, p. 123].

Um terceiro grupo, mais próximo do poder federal e mais influente, defendeu uma concepção autoritarista do Estado, atribuindo à educação o papel de determinar o caminho que a nação seguiria, formando e orientando os indivíduos que compõem a coletividade. Dentre as ações desse grupo estão a Reforma Francisco Campos, que criou o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública [9], a introdução do ensino religioso facultativo nas escolas públicas, a criação do Conselho Nacional de Educação, por meio do Decreto n° 19.850/31 [10], e a elaboração dos Estatutos das Universidades Brasileiras, pelo Decreto n° 19.851/31 [11].

Esses Estatutos decretaram, dentre outros pontos, a composição do corpo docente formado por (i) professores catedráticos com vitalicidade e inamobilidade concedida após 10 anos de exercício [11, art. 48° e 59°], (ii) auxiliares de ensino, indicados pelo catedrático, e (iii) docentes-livres [11, art. 48°]. Apontaram também a manutenção do pagamento pelo ensino superior oficial [11, art. 81° e 106°] e definiram a base universitária a partir do tripé Direito-Engenharia-Medicina, havendo a possibilidade de uma delas ser substituída pela Faculdade de Letras, Educação e Ciências. Essa última tinha como objetivo a ampliação da cultura no domínio das ciências puras, a promoção e a facilitação da prática de investigações originais e o desenvolvimento e a especialização de conhecimentos necessários ao exercício do magistério [12].

A Faculdade de Letras, Educação e Ciências, por meio do Decreto n° 1.190/39 [13], passou a denominar-se Faculdade Nacional de Filosofia. Ela também adquiriu as finalidades de preparação dos trabalhadores intelectuais para o exercício das altas atividades de ordem desinteressada ou técnica, a preparação de candidatos ao magistério do ensino secundário e normal e a realização de pesquisas nos vários domínios da cultura que constituíam objeto de ensino. Com esse Decreto, o Brasil, pela primeira vez, passou a legislar sobre os cursos de formação de candidatos ao magistério do ensino secundário em física, matemática, química, história natural, geografia e história, ciências sociais, letras clássicas, neolatinas, anglo-germânicas e pedagogia.

A estrutura do curso de Bacharelado em Física, naquele momento, foi definida pelo art. 11° desse Decreto, sendo ela seriada, com duração de três anos e apresentando a organização curricular do Quadro 1.


Após a conclusão do curso de Bacharel, os estudantes recebiam o diploma na carreira específica. E a conclusão de um curso complementar de Didática (Quadro 1), posterior ao bacharelado, conferia ao estudante o diploma de licenciado [13, art. 49°], instituindo o esquema que caracterizou a formação de professores de física inicialmente no Brasil, denominado como esquema 3+1.

A partir da década de 50, o ensino secundário aumentou de forma expressiva. E o MEC, reconhecendo a falta emergencial de professores, passou a oferecer cursos em várias regiões do país que preparavam pessoas sem a formação específica para os exames de proficiências da Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES), cuja aprovação dava o direito ao registro legal de professor para o ensino secundário [14].

A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), prevista nas Constituições de 1934 e de 1946, foi publicada apenas em 1961 como a Lei n° 4.024/61 [15]. Juntamente com o Parecer 292/62, essas legislações modificaram os cursos de Licenciatura, fixando a duração das disciplinas pedagógicas em 1/8 do tempo de duração dos mesmos e apontando que elas seriam estudadas ao longo de toda a formação. Procurava-se, assim, romper com o esquema 3+1, mas a formação de professores continuou fragmentada [4].

A expansão das vagas no ensino superior e de diplomados, mais acelerada que o crescimento das oportunidades de emprego, levou a uma crise durante a República Populista (1945 a 1964) do profissional diplomado, com a consequente elevação dos requisitos educacionais, a desvalorização econômica e simbólica dos diplomas e o subemprego/desemprego destes profissionais. Esse contexto acadêmico antecedeu a próxima etapa da história do Brasil e dos cursos de Licenciatura em Física.

4. O golpe militar de 1964

Após a euforia, a "democracia" e o "desenvolvimento" prometidos pelo novo governo, instaurado por meio de um golpe de Estado, não trouxeram benefícios para aqueles que o apoiaram - a classe média. O desemprego explodiu, pois um grande número de empresas de pequeno porte faliu com a contenção do crédito e o favorecimento às empresas multinacionais. Assim, solidificou-se a ideia de que o futuro dos filhos da classe média passaria, necessariamente, pela diplomação no ensino superior, o que aumentou, ainda mais, a demanda por esse setor de ensino [16].

O Decreto n° 252/67 ampliou as determinações presentes no Decreto n° 53/66 quanto à organização das universidades federais. Ele instituiu o sistema departamental e reduziu a autonomia da Cátedra, integrada definitivamente no Departamento Universitário [17]. Esse sistema tornou-se a menor unidade da estrutura universitária para a organização administrativa, didático-científica e de distribuição de pessoal, compreendendo as disciplinas afins, professores e pesquisadores com objetivos comuns.

Com a criação dos departamentos, foi extinta a Faculdade Nacional de Filosofia, contribuindo para o isolamento da Faculdade de Educação, pois se retirou o convívio desta instituição das demais áreas e aumentou a fragmentação da formação dos licenciados com o distanciamento, agora geográfico, dos departamentos responsáveis por ela.

Paralelamente, o crescimento da população urbana, a industrialização, a monopolização, a redefinição do papel da mulher como trabalhadora no âmbito extra doméstico e a elevação dos requisitos educacionais para o preenchimento dos cargos públicos e privados foram intensificados com a política econômica após o golpe [16]. E houve, também, um aumento expressivo das matrículas no ensino primário e secundário, simultâneo à redução percentual das verbas destinadas ao MEC [18]. Esses fatores, mais uma vez, aumentaram a demanda pelo ensino superior. E as pressões levaram o MEC a induzir as universidades federais a aumentarem as vagas em seus cursos, principalmente os de maior demanda social [19]. Esse conjunto de fatores contribuiu para deteriorar, semestre após semestre, a qualidade do ensino superior (e dos demais níveis) no país.

Em 1968, o governo federal constituiu um grupo de trabalho, presidido pelo Ministro da Educação Tarso Dutra, para elaborar a Reforma Universitária. Essa, basicamente, concebeu a universidade como uma empresa cuja finalidade era produzir Ciência, Técnica e Cultura, sendo a eficiência obtida com o aumento da produtividade e a redução dos custos. Dentre as "soluções" encontradas por esse grupo para o problema dos excedentes destacam-se a unificação dos vestibulares, a fragmentação das graduações em dois ciclos (básico e profissional), a oferta de cursos de graduação de duração reduzida e a mudança do regime seriado para o de créditos [16, 18]. Essa reforma também teve reflexos nos cursos de Licenciatura em Física, como será apresentado na próxima seção.

5. A reforma universitária de 1968

Apesar de várias soluções pedagógico-administrativas incorporadas nessa reforma tenham emergido de momentos anteriores, houve um deslocamento do seu eixo de articulação. A discussão, que antes focava a responsabilidade social e política da universidade dentro de um projeto global de desenvolvimento, passou para uma racionalidade administrativa e econômica regida por um contexto repressivo [20]. A Reforma Universitária, introduzida pela Lei n° 5.540/68 [21], foi um marco na história das universidades do Brasil. Ocorrida durante o governo militar, ela teve o intuito de modernizar a universidade para um projeto econômico em desenvolvimento que deveria ocorrer dentro de condições favoráveis à ditadura e aos interesses do capital que ela representava. Ela fixou normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, introduzindo a relação custo-benefício e o capital humano na educação, direcionou a universidade para o mercado de trabalho e ampliou o acesso da classe média ao ensino superior [16]. Essa reforma apoiou o capital privado, tornou a educação um produto e cerceou a autonomia universitária, dando ao Conselho Federal de Educação (CFE) um controle significativo da educação do Brasil:

O Conselho Federal de Educação fixará o currículo mínimo e a duração mínima dos cursos superiores correspondentes a profissões reguladas em lei e de outros necessários ao desenvolvimento nacional [21, art. 26°].

Em 1971, a LDB 5.692/71 [22] fixou a formação mínima para o exercício do magistério e introduziu no cenário educacional brasileiro as Licenciaturas de curta duração, as quais, segundo o Parecer n° 895/71, teriam uma duração entre 1200 e 1500 horas, contra as 2200 até 2500 horas da graduação plena. Sobre a formação mínima, a lei traz o seguinte texto:

a) no ensino de 1° grau, da 1ª à 4ª séries, habilitação específica de 2° grau; b) no ensino de 1° grau, da 1ª à 8ª séries, habilitação específica de grau superior, ao nível de graduação, representada por Licenciatura de 1° grau obtida em curso de curta duração; c) em todo o ensino de 1° e 2° graus, habilitação específica obtida em curso superior de graduação correspondente à Licenciatura plena.[...] §2° Os professores a que se refere a letra b poderão alcançar, no exercício do magistério, a 2ª série do ensino de 2° grau mediante estudos adicionais correspondentes no mínimo a um ano letivo. [22, art. 30°] (grifo nosso)

Nos casos de carência de professores (situação na qual o país se encontrava), o nível de formação era reduzido mais uma vez. Os candidatos ao magistério das séries a partir da 7ª do 1° grau precisavam apenas estar habilitados em exames de suficiência regulados pelo CFE [22, art. 77°], os graduados de outros cursos de nível superior poderiam se registrar junto ao MEC, mediante complementação de estudos, para ministrar aulas em ambos os graus [22, art. 78°], e os professores habilitados poderiam ministrar qualquer disciplina do grau para o qual estavam habilitados [22, art. 79°].

O art. 26° da Lei n° 5.540/68 [21] materializou-se na Indicação 23/73 e nas Resoluções 30/74 e 37/75 do CFE. Por meio delas, foi definido o currículo mínimo do curso de Licenciatura em Ciências para o ensino de 1° e 2° graus. Esse currículo, imposto como modelo único e obrigatório, substituía a formação em graduação plena pela figura do professor polivalente. Esse documento provocou, instantaneamente, a repulsa e a indignação das comunidades científicas do País [22]. Os conflitos que ocorreram em defesa da formação do professor por parte dessas comunidades serão discutidos na próxima seção.

6. A luta das sociedades científicas

A 27ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em 1975, evidenciou a divergência entre os seus participantes e os conselheiros do CFE. Essa divergência se materializou na moção contrária à Resolução 30/74 redigida pela Sociedade Brasileira de Física (SBF). Outras posições contrárias às decisões do CFE também foram elaboradas no Seminário de Licenciatura em Ciências da UFMG (1975), na 28ª Reunião Anual da SBPC (1976), no XI Seminário de Assuntos Universitários em Brasília (1978), na 31ª Reunião Anual da SBPC (1979), nos III e IV Simpósios Nacionais de Ensino de Física (1976 e 1979), no Colóquio Brasileiro de Matemática (1977) e na 32ª Reunião Anual da SBPC (1980) [23].

O CFE e a Secretaria de Ensino Superior (SESu) criaram uma Comissão de Especialistas em Ensino de Ciências (CEEC) para reexaminar as propostas colocadas em prática a partir de 1973. O trabalho concluído por esta comissão, em 1980, vestiu com nova roupa a resolução 30/74, sem conseguir esconder os seus contornos [24], apenas a maquiando, pois foram mantidos os principais pontos de oposição, apesar de abrir espaço para a criação de cursos de Licenciatura plena polivalentes de ciências para o ensino do 1° grau [25].

A divergência fez a SESu propor às sociedades científicas a elaboração de um conjunto de propostas independentes da CEEC. As Sugestões para a Formação de Professores da Área Científica para Escolas de 1° e 2° Graus [23] rejeitavam a política do CFE e do CEEC a partir de um conjunto diversificado de argumentos.2 2 Os quais abraçavam as seguintes temáticas: abrangência do currículo versus o tempo disponível; a crítica à concepção de ciência integrada e o método de projetos; a separação entre o Bacharelado e a Licenciatura; o argumento de se tratar de uma Licenciatura específica para as regiões mais carentes; e as experiências concretas de Licenciaturas polivalentes curtas. Esse quadro de divergências continuou ao longo de todo o período, permeando as discussões nos periódicos especializados sem que houvesse um consenso entre a formação de professores desejada pelas sociedades científicas e àquela imposta pelo governo.

Outras legislações criadas nesse período também influenciaram os cursos de Licenciatura em Física como, por exemplo, o estágio curricular supervisionado, que passou a se submeter aos artigos da Lei n° 6.494/77 [26] e ao Decreto n° 87.497/82 [27].

7. A redemocratização de 85

Politicamente, foi em 1985 que o governo militar de João Figueiredo terminou e, por meio de uma eleição indireta, Tancredo Neves e José Sarney foram eleitos presidente e vice, respectivamente. Posteriormente, Sarney iniciou uma lenta transição para a democracia ao assumir a presidência devido à morte de Tancredo Neves. Do ponto de vista financeiro, o Brasil e os demais países em desenvolvimento encontravam-se quebrados após a década de 70. E para manter a lucratividade das empresas privadas e evitar a falência de todo o sistema, optou-se pelo endividamento externo, que já havia começado antes mesmo da Proclamação da República. Assim, o Brasil passou a pagar com a absorção dos fundos públicos a internacionalização de sua economia, levando-o a uma crise [apud 28]. O Estado, subordinado a uma nova aliança entre as grandes burguesias internacionalizadas, traçava novos papéis para si mesmo. Castro [29], ao discutir a educação estatal, afirma que quase ninguém mais acreditava que o governo deveria continuar sendo estalajadeiro ou dono de lojas de secos e molhados devido seu pobre desempenho que, sistematicamente, desacreditou os méritos da estatização generalizada. Nesse contexto, a Educação Superior passou a ser reformulada por meio do MEC e do extinto Ministério de Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), tal que:

A reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento. [...]As distorções e ineficiências [...] deixaram claro [...] que reformar o Estado significa transferir para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado. Daí, a generalização dos processos de privatização de empresas estatais. Neste plano [...] salientaremos [...] a descentralização para o setor público não-estatal da execução de serviços que não envolvem o exercício do poder de Estado, mas devem ser subsidiados pelo Estado, como é o caso dos serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica. Chamaremos esse processo de 'publicização' [30].

Simultaneamente ao processo de publicização, a educação passou a ganhar um local de destaque nas políticas do governo federal. Sua presença como um direito de todos foi afirmada na nova Constituição [31, art. 6°] e ampliada por meio de uma progressiva universalização do ensino médio gratuito [31, art. 207°], sendo competência exclusiva da União legislar sobre ela [31, art. 22°].

Contudo, no final dos anos 80 e começo dos anos 90 foi iniciado um processo de autocrítica com relação ao desprestígio que as atividades didático-pedagógicas possuíam frente às de pesquisa na universidade [4]. E nos anos 90 ocorreram os embates entre as diferentes concepções de educação e formação que permeavam as discussões teóricas do período de redemocratização [33].

Nesse período, percebeu-se também um declínio da demanda pelos cursos de licenciatura curta [14]. Associado ao processo de reflexão do parágrafo anterior, esse fator levou algumas instituições a proporem reformas curriculares. Na Universidade de São Paulo, campus de São Carlos, por exemplo, foi apresentada aos órgãos colegiais uma proposta de Licenciatura em Ciências, a ser implementada em 1993, que visava preparar docentes para lecionar as disciplinas de matemática, física e química para o 2° Grau e ciências físicas e biológicas para o 1° Grau [32]. A proposta centrava-se no caráter interdisciplinar e integrador de conhecimentos e as disciplinas desse curso não teriam interfaces com a de outros (bacharelados), ocorrendo no período noturno conforme a distribuição de disciplinas do Quadro 2.


A próxima seção desse trabalho dará início à discussão da estrutura legal na qual os cursos de Licenciatura Plena em Física dos dias atuais estão alicerçados.

8. A formação de professores de física no momento atual

Esse capítulo não tem o intuito de descrever a evolução legislativa que norteou os cursos de formação de professores de física após a promulgação da da Lei 9.394/96 (LDB). Ele busca apresentar os aspectos que efetivamente normatizam, estruturam e organizam os cursos presenciais de Licenciatura em Física no Brasil no momento atual (2° semestre de 2009) sem, contudo, esgotar a discussão. Os aspectos legais que fazem referência aos cursos a distância serão discutidos em uma seção posterior.

Hoje, a formação de professores para o ensino médio se dá no ensino superior, em curso de Licenciatura e de graduação plena [34, art. 62°]. Ela observa as diretrizes gerais pertinentes [34, art. 9°], as normas nacionais instituídas pelo MEC e pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e tem a educação básica como referência principal [34, art. 61°]. Essa referência, do ponto de vista legal, se traduz nas novas funções dos estabelecimentos de ensino [34, art. 12°] e dos docentes [34, art. 13°] e um conjunto de artigos da atual LDB [34, art. 22°, 27°, 29°, 32°, 35°, 36°].

Dentre as normas nacionais estão as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, em curso de Licenciatura, de graduação plena. Elas se apresentam como um conjunto de princípios, fundamentos e procedimentos gerais a serem observados na organização institucional e curricular de cada estabelecimento de ensino superior e aplicam-se a todas as etapas e modalidades de educação [35, Art. 1°].

Segundo essas Diretrizes, a formação de professores para qualquer disciplina da educação básica deve observar princípios norteadores que considerem: (i) a competência como concepção nuclear na orientação do curso; (ii) a coerência entre a formação oferecida e a prática esperada do futuro professor; e (iii) a pesquisa com foco no processo de ensino e de aprendizagem, uma vez que ensinar requer tanto dispor de conhecimentos e mobilizá-los para a ação como compreender o processo de construção do conhecimento. Os demais aspectos tratados por esse documento estão distribuídos ao longo de 19 artigos, dos quais parte é descrita sucintamente no Quadro 3.


A carga horária mínima dos cursos de formação de professores da Educação Básica é de 2800 horas, a qual deve ser integralizada em, no mínimo, 3 anos [36]. Além dos aspectos quantitativos, essa Resolução também descreve como a articulação teoria-prática presente nos cursos deve se estruturar (Quadro 4).


Além de resoluções, pareces e diretrizes gerais a todos os cursos de formação de professores há os que tratam, especificamente, dos cursos de formação de professores de física. As Diretrizes Nacionais Curriculares para os cursos de física [40, 41] apontam que na formulação dos Projetos Pedagógicos dos cursos de Licenciatura em Física devem estar presentes: (i) o perfil dos formandos; (ii) as competências e habilidades; (iii) a estrutura do curso; (iv) os conteúdos básicos; (v) os conteúdos definidos para a Educação Básica; (vi) o formato dos estágios; (vii) as características das atividades complementares; e (viii) as formas de avaliação.

Outro ponto destacado no documento é o reconhecimento do consenso que a formação em física, na sociedade contemporânea, deve se caracterizar pela (i) flexibilidade do currículo, (ii) carga horária de 2400 h distribuídas em 4 anos, sendo metade do núcleo básico comum e a outra metade em módulos sequenciais complementares definidores de ênfase e (iii) uma monografia ao final do curso a título de iniciação científica.

De forma sintetizada, o curso de formação em física passa a ocorrer em um esquema modular composto por um núcleo comum e um módulo sequencial, complementar ao primeiro, onde se delineiam quatro perfis específicos: pesquisador; tecnólogo; interdisciplinar; e educador. Esse esquema pode, devido a esse aspecto modular, ser chamado de esquema 2+2. As competências, habilidades e vivências formativas apontadas por esse documento como objetivos formativos dos cursos de formação em física estão listados no Quadro 5.


Como apresentado anteriormente, o curso de formação em física é modular, onde as diferenças entre os perfis só são percebidas no módulo sequencial complementar. Estão previstos para o núcleo comum os seguintes conteúdos curriculares mostrados no Quadro 6.


Dos perfis presentes no documento, somente o interdisciplinar e o educador interessam a esse estudo, pois são os que abrangem os cursos de Licenciatura em Física. Os elementos norteadores dos módulos sequenciais dos perfis de Físico-interdisciplinar e Físico-educador estão no Quadro 7.


Outros aspectos normativos atualmente em vigor pertinentes à formação de professores em física são a Lei n° 11.788/08 [42] e o Decreto n° 5.626/05 [43]. A primeira normatiza os estágios curriculares supervisionados, obrigando os cursos a: (i) realizar avaliação e acompanhamento efetivo, pelo professor supervisor do curso de Licenciatura e da escola, das atividades do estagiário, (ii) limitar o número de orientandos por professor até a razão 10 para 1 e (iii) definir uma jornada de atividades inferior a 6 horas diárias e 30 horas semanais, além de outros apontamentos importantes. O segundo inclui a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores, sem, contudo, deixar claro como ela deve ser incluída no currículo. A formação a distância de professores de física será discutida na seção a seguir.

9. A formação de professores de física no contexto digital a distância

A inserção da EaD nos cursos de nível superior do Brasil, em especial da Universidade Aberta do Brasil (UAB) por meio do Decreto n° 5.800/06, foi justificada porque:

a articulação e integração de instituições de ensino superior, municípios e Estados, visa à democratização, expansão e interiorização da oferta de ensino superior público e gratuito no país, bem como ao desenvolvimento de projetos de pesquisa e de metodologias inovadoras para o ensino, preferencialmente para a área de formação inicial e continuada de professores da educação básica. [44]

A EaD, na legislação, é novidade. Ela foi introduzida pela LDB 9.394/96 [34] no ensino fundamental [34, art. 32°, §4°], no ensino superior [34, art. 47 °, §3°] e, finalmente, no art. 80 °, onde é incentivado o seu uso em todos os níveis e modalidades de ensino. O Decreto n° 5.622/05 [45] define a EaD como modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos e organizando-se segundo metodologia, gestão e avaliação peculiares, para as quais deverá estar prevista a obrigatoriedade de momentos presenciais para: avaliações de estudantes; estágios obrigatórios; defesa de trabalhos de conclusão de curso; e atividades relacionadas a laboratórios de ensino [45, art. 1°]. Os cursos a distância devem ser projetados com a mesma duração definida para os respectivos cursos na modalidade presencial [45, art. 3° §1°] e as avaliações de desempenho dos estudantes podem acontecer mediante exames a distância e presenciais, tal que os segundos deverão prevalecer sobre os primeiros [45, art. 4° §2°]. Dentre os requisitos para o pedido de credenciamento [45, art. 12°], é pertinente destacar a letra c do item X, a qual apresenta o polo de apoio presencial como unidade operacional para o desenvolvimento descentralizado de atividades pedagógicas e administrativas relativas aos cursos e programas ofertados a distância [45, 46].

Não há legislação específica para a modalidade a distância dos cursos de Licenciatura em Física. De uma forma geral, é possível apontar que as bases legais para a formação inicial de professores de física estão estabelecidas na LDB [34] e nos demais aparatos legais apresentados sucintamente na seção anterior. E para o caso dessa formação ser realizada por meio da EaD, ela também é regulamentada pelo Decreto n° 5.622/05 com normatização definida na Portaria Ministerial 4.361/04 [47], pelos Decretos n° 5.773/06 e n° 6.303/07 e as Portarias Normativas N° 1/07 [48] e 40/07 [49], os quais versam exclusivamente sobre a avaliação, autorização, credenciamento, reconhecimento, supervisão e outros processos de regulação da educação superior no sistema federal de educação. Assim, devido o recorte escolhido para esse trabalho, os mesmos não serão explanados.

Além dessas legislações, o documento Referenciais de Qualidade para Educação Superior a Distância [50], apesar de não ter força de lei, subsidia os atos legais do poder público no que se refere aos processos específicos de regulação, supervisão e avaliação da modalidade citada [45, art. 7°] e, portanto, precisam ser considerados para a oferta de cursos de Licenciatura em Física na modalidade a distância. Nesse documento, são apontados os seguintes requisitos mínimos para a apresentação do Projeto Político Pedagógico de um curso na modalidade a distância (Quadro 8).


Apesar de identificados, não há um direcionamento específico sobre como esses tópicos podem ser elaborados, havendo clara liberdade aos sujeitos envolvidos na organização dos cursos:

A opção epistemológica é que norteará também toda a proposta de organização do currículo e seu desenvolvimento. A organização em disciplina, módulo, tema, área, reflete a escolha feita pelos sujeitos envolvidos no projeto. A compreensão de avaliação, os instrumentos a serem utilizados, as concepções de tutor, de estudante, de professor, enfim, devem ter coerência com a opção teórico-metodológica definida no projeto pedagógico [50, p. 8].

É importante destacar que esse estudo buscou descrever a evolução histórica dos cursos de Licenciatura em Física a partir de uma pesquisa documental na legislação e outras fontes que permitissem conhecer a estrutura dos cursos em diferentes momentos. Contudo, sabe-se que a formação de professores por meio da EaD é palco de um intenso debate no momento atual. Fétizon e Minto [52] apontam, por exemplo, a polissemia associada à terminologia EaD, às vezes traduzida como ensino ou educação a distância. Para os autores, há uma clara diferença entre educação e ensino devido o caráter abrangente que o conceito de educação tem diante do ensino, sendo esse apenas um dos meios essenciais para se chegar àquele. Outra perspectiva que pode ser associada a essa discussão parte do transbordamento linguístico-terminológico do inglês. Historicamente, esse termo já foi denominado de ensino por correspondência (desde a década de 1830 até as primeiras do século XX), ensino a distância (décadas de 30 e 40), teleducação (início da segunda metade do século XX), educação aberta e a distância (final da década de 60), aprendizagem a distância (décadas de 70 e 80), aprendizagem por computador (década de 80), aprendizagem virtual (década de 90) e aprendizagem flexível (início do século XXI) [53].

A discussão atual sobre a EaD não se limita ao contexto linguístico. Ela também abraça aspectos históricos, pois alguns autores [54-56] apontam que ela não é novidade na sociedade, tendo vários séculos ou mesmo milênios de idade, dependendo da interpretação dada.

Essas questões margeiam outras, de diferentes cunhos, inclusive político, que em geral envolvem defensores e atacantes dos cursos a distância de nível superior, sejam eles de formação de professores ou não. Um exemplo desse debate pode ser lido nas opiniões de Marques [57] e Minto [58] dadas ao jornal Folha de São Paulo sobre a criação da Universidade Virtual do Estado de São Paulo como sendo um bom caminho para ampliar o acesso ao ensino superior no país.

Esse trabalho, contudo, circunscreveu várias dessas (interessantes) temáticas que envolvem a formação de professores nos cursos a distância buscando manter o recorte inicialmente proposto. Assim, centrados nos aspectos legais que permearam a formação de professores de física desde o período colonial presencial até o digital a distância, conclui-se esse trabalho apresentando um Quadro com uma síntese integrativa da evolução legislativa dos cursos de formação de professores de física a partir de 1939, ano do Decreto n° 1.190/39, até o Decreto n° 5.622/05, que regulamenta como o poder público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância em todos os níveis e modalidades, inclusive a Licenciatura em Física.

Quadro 8


Recebido em 17/10/2009; Aceito em 14/2/2010; Publicado em 25/2/2011

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  • [57] G.C. Marques, A Univesp é um bom caminho para ampliar o acesso ao ensino superior no país? >> Sim: o papel da universidade. Folha de São Paulo. Opinião A3: tendências e debates. 20 de junho de 2009.
  • [58] C.A. Minto, A Univesp é um bom caminho para ampliar o acesso ao ensino superior no país? >> Não: Univesp é arremedo de ensino superior. Folha de São Paulo. Opnião A3: tendências e debates. 20 de junho de 2009.
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    Os quais abraçavam as seguintes temáticas: abrangência do currículo versus o tempo disponível; a crítica à concepção de ciência integrada e o método de projetos; a separação entre o Bacharelado e a Licenciatura; o argumento de se tratar de uma Licenciatura específica para as regiões mais carentes; e as experiências concretas de Licenciaturas polivalentes curtas.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      17 Out 2009
    • Aceito
      14 Fev 2010
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