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Algumas observações sobre o círculo de Apolônio e o seu emprego no método das imagens

Some remarks on the circle of Apollonius and its use in the method of images

Resumos

Na geometria plana, o círculo é definido como o conjunto de todos os pontos do plano equidistantes de um ponto arbitrário também pertencente ao plano. Apolônio de Perga (c. 262 a.C - 190 a.C.), o grande geômetra como era conhecido por seus contemporâneos, descobriu um modo alternativo de definir o círculo. O círculo de Apolônio pode ser empregado na solução do problema eletrostático envolvendo uma esfera condutora e uma carga puntiforme.

eletrostática; método das imagens


In plane geometry, the circle is defined as the set of all points at the same distance from an arbitrary point , also belonging to the plane. The great Greek mathematician Apollonius of Perga (c. 262 B.C - 190 B.C.) discovered an alternative way of defining the circle. The circle of Apolonius can be used in the solution of the problem concerning the electrostatic interaction between a conducting sphere and a point charge.

electrostatics; method of images


NOTAS E DISCUSSÕES

Algumas observações sobre o círculo de Apolônio e o seu emprego no método das imagens

Some remarks on the circle of Apollonius and its use in the method of images

A.C. Tort1 1 E-mail: tort@if.ufrj.br.

Instituto de Física, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

RESUMO

Na geometria plana, o círculo é definido como o conjunto de todos os pontos do plano equidistantes de um ponto arbitrário também pertencente ao plano. Apolônio de Perga (c. 262 a.C - 190 a.C.), o grande geômetra como era conhecido por seus contemporâneos, descobriu um modo alternativo de definir o círculo. O círculo de Apolônio pode ser empregado na solução do problema eletrostático envolvendo uma esfera condutora e uma carga puntiforme.

Palavras-chave: eletrostática, método das imagens.

ABSTRACT

In plane geometry, the circle is defined as the set of all points at the same distance from an arbitrary point , also belonging to the plane. The great Greek mathematician Apollonius of Perga (c. 262 B.C - 190 B.C.) discovered an alternative way of defining the circle. The circle of Apolonius can be used in the solution of the problem concerning the electrostatic interaction between a conducting sphere and a point charge.

Keywords: electrostatics, method of images.

Na geometria plana, o círculo é definido como o conjunto dos pontos do plano equidistantes de um ponto arbitrário também pertencente ao plano. Apolônio de Perga2 2 Apolônio de Perga, o grande geômetra como era conhecido por seus contemporâneos, é considerado pelos historiadores hodiernos da matemática como um dos três grandes matemáticos da Grécia Antiga, os outros dois são Euclides ( c. 300 a.C.) e Arquimedes ( c. 287 a.C - 190 a.C.). Entre seus trabalhos encontra-se o importante tratado As cônicas, obra-prima da geometria clássica. Nesse tratado, Apolônio demonstra que as cônicas, i.e.: a parábola, a hipérbole e a elipse, são o resultado da intersecção do plano e do cone duplo. (c. 262 a.C - 212 a.C.) descobriu outro modo de definir o círculo. Eis sua definição: sejam dois pontos fixos P1 e P2 e um ponto arbitrário Q do plano. Seja o segmento de reta que une P1a Q, e o segmento de reta que une Q a P2. Se

onde k é uma constante, então o conjunto dos pontos que satisfazem está relação é o círculo. A definição de Apolônio apresenta a importante propriedade

A distância é o raio do círculo de Apolônio e o ponto P1 é o ponto de inversão na esfera. A definição de Apolônio pode ser generalizada para dimensões superiores, por exemplo, para o espaço tridimensional euclidiano. Neste caso, o círculo será substituído pela superfície da esfera.

O círculo de Apolônio (e sua generalização tridimensional) pode ser aplicado a vários problemas físicos. Entre esses problemas encontramos o seguinte problema de eletrostática: considere uma casca esférica condutora aterrada (V=0 , na superfície da casca) de raio R. Seja P1 um ponto no interior da casca sito a uma distância D do seu centro geométrico, e P2 um ponto no exterior da mesma. Suponha que em P1 coloquemos uma carga puntiforme de valor q e perguntemo-nos: qual a magnitude da força entre a carga puntiforme e a casca condutora? Esta força é atrativa ou repulsiva? A casca esférica condutora, em razão da indução eletrostática, sofre um rearranjo na distribuição de suas cargas. Embora saibamos onde se encontra a carga puntiforme, a nova distribuição de cargas da casca esférica nos é desconhecida. É isto que torna o problema difícil de ser resolvido. Felizmente, há métodos para resolver este tipo de problema. Um desses métodos é conhecido como o método das imagens e, essencialmente, consiste em substituir a casca esférica condutora e sua distribuição complexa por uma carga fictícia, a carga-imagem q', cuja localização, magnitude e sinal algébrico devemos determinar. A carga-imagem deve localizar-se fora da região de interesse, que no caso é o interior da casca, pois a carga total nessa região não pode ser modificada, caso contrário estaríamos lidando com outro problema. Também não podemos modificar as condições específicas do problema, por exemplo, o valor do potencial sobre superfície do condutor. Coloquemos então a carga-imagem em P2 e escrevamos q'=kq, onde k é uma constante real a ser determinada. Agora, com a geometria do círculo de Apolônio em mente, acompanhemos os passos que vem a seguir.


Como a casca esférica está aterrada,V = 0 na superfície (e na região interior da casca!), os pontos P1 e P2, onde estão localizadas as cargas q e q', respectivamente, e um ponto da superfície da esfera definem uma esfera de Apolônio, pois podemos escrever

onde Q é um ponto na superfície da casca condutora. Segue então que

Evidentemente k < 0, como veremos a seguir. A que distância encontra-se a carga q' do ponto da superfície da casca condutora que lhe é mais próximo? Da Fig. 2 vem que

onde x é a menor distância entre a superfície condutora e a carga-imagem. Da propriedade dada pela Eq. (2) segue que

Resolvendo para x

Por outro lado, como a casca condutora está aterrada, podemos também escrever

Substituindo a Eq. (7) nesta equação temos

Portanto, a carga-imagem em termos da carga q e da geometria do problema vale

A força entre a casca condutora e a carga puntiforme será dada pela lei de Coulomb

Substituindo os resultados para x e y calculados acima, obtemos

O sinal negativo indica que a força entre a carga puntiforme e a casca condutora é atrativa, e sua direção é determinada pelo segmento de reta que une as duas cargas.

O limite do espelho plano, isto é, a força eletrostática entre a carga puntiforme q e uma superfície condutora plana pode ser obtido da seguinte forma: suponha que a distância entre a carga puntiforme e a superfície condutora seja igual a e que o raio da esfera satisfaça à condição:R » d. Observe que a distância D da carga puntiforme ao centro da esfera deve satisfazer a uma condição similar,D » d . Neste caso, podemos impor a condição:R - D = d = constante. Agora escrevemos

Fazendo uso das aproximações

que são justificadas pelas considerações acima, e substituindo estes resultados na expressão para a força, Eq. (12), obtemos

que é o resultado esperado.

Suponha agora que a carga puntiforme q seja colocada no ponto P2, e carga-imagem no ponto P1. A situação física permite que continuemos a considerar a superfície da casca condutora como uma esfera de Apolônio. Portanto, escrevemos

Da propriedade fundamental dada pela Eq. (2 ) temos

Segue então que agora

A condição: , sobre a superfície da casca condutora, permite escrever

logo,

Segue que a força entre a carga puntiforme e a casca condutora continua atrativa e vale

como no caso inicial. O caso em que a esfera condutora não está aterrada, mas sim submetida a um potencial V não nulo também pode ser resolvido com o método das imagens. Considere primeiramente o caso em que a carga real está colocada no exterior da casca esférica condutora. Nesse caso podemos considerar uma segunda casca esférica de raio menor do que uniformente carregada, a casca imagem. Então, usando o princípio da superposição teremos a solução do problema. Se a carga real estiver no interior da casca condutora, a casca esférica imagem deve ter um raio maior do que R.

O método das imagens é discutido em muitos livros de eletromagnetismo de nível intermediário e avançado, em particular, o problema que abordamos é discutido em, por exemplo [1], [2], embora não com tantos detalhes como aqui. Entretanto, no desenvolvimento das soluções, tanto quanto este autor saiba, o círculo de Apolônio quase nunca é mencionado e empregado explicitamente. Uma exceção é a referência [3]. O uso explícito da geometria do círculo de Apolônio justifica a solução matemática do problema, resta, porém, a escolha física da distribuição da carga ou cargas imagem. Veja, por exemplo, o comentário ilustrativo a esse respeito no excelente texto de Griffths [1], que, em tradução do autor desta nota, se lê:

A solução recém apresentada é deliciosamente simples, mas também extraordinariamente afortunada. Há tanto de arte como de ciência no método das imagens, pois você [isto é, o estudante] deve conceber de alguma forma o "problema auxiliar correto". Dúvido que a primeira pessoa a resolver o problema da carga puntiforme e da esfera condutora soubesse de antemão que carga imagem usar e onde colocá-la. Presumivelmente, ele (ou ela?) começaram com uma carga arbitrária em um ponto arbitrário dentro da esfera, calcularam o potencial da esfera e depois descobriram que com e corretos... o potencial da esfera seria zero.

Um exemplo (mais complexo) que ilustra o espirito com que o comentário acima deve ser lido é dado em [4] onde a interação eletrostática entre uma esfera condutora e um dipolo elétrico é estudada. Nesse exemplo, a escolha de um dipolo imagem e uma carga imagem puntiforme são sugeridos pela física do problema.

Agradecimentos

O autor agradece ao referee pelos comentários e sugestões que ajudaram-no a melhorar esta nota.

Recebido em 23/4/2010; Aceito em 24/1/2011; Publicado em 28/3/2011

  • [1] D.J. Griffths, Introduction to Electrodynamics (Prentice Hall, Upper Saddle River, 1989), 2nd ed.
  • [2] P. Lorrain, D.R. Corson and F. Lorrain, Fundamentals of Electromagnetic Phenomena (Freeman, New York, 2000).
  • [3] P. Gnädig, G. Honyek and K. Riley, 200 Puzzling Physics Problems (Cambridge University Press, Cambridge, 2001), Problema 92.
  • [4] F.C. Santos e A.C. Tort, European Journal of Physics 25, 859 (2004).
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    Apolônio de Perga, o grande geômetra como era conhecido por seus contemporâneos, é considerado pelos historiadores hodiernos da matemática como um dos três grandes matemáticos da Grécia Antiga, os outros dois são Euclides (
    c. 300 a.C.) e Arquimedes (
    c. 287 a.C - 190 a.C.). Entre seus trabalhos encontra-se o importante tratado
    As cônicas, obra-prima da geometria clássica. Nesse tratado, Apolônio demonstra que as cônicas,
    i.e.: a parábola, a hipérbole e a elipse, são o resultado da intersecção do plano e do cone duplo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Aceito
      24 Jan 2011
    • Recebido
      23 Abr 2010
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