Acessibilidade / Reportar erro

Uma visualização do princípio de Huygens-Fresnel na obtenção de um padrão de difração

A visualization of the Huygens-Fresnel principle in obtaining a diffraction pattern

Resumos

Utilizando a relação que fornece a irradiância devida à interferência de fontes pontuais, mostramos por meio de gráficos como o princípio de Huygens-Fresnel funciona quando é aplicado para determinar o padrão de difração de Fraunhofer gerado por uma onda plana que incide perpendicularmente em um anteparo que contém apenas uma fenda. Desta forma, somos capazes de identificar como se originam os picos principal e secundários de difração, o que não é entendido claramente a partir da obtenção analítica do padrão de difração em questão.

difração; princípio de Huygens-Fresnel; visualização


Using the relation for the irradiance due to the interference of point sources, we show through graphs how the Huygens-Fresnel principle works when it is applied to determine the Fraunhofer diffraction pattern due to a normally incident plane wave on a single slit. In this way, we are able to identify the origins of the principal and secondary peaks of diffraction, which is not clearly understood from the analytical determination of the present diffraction pattern.

diffraction; Huygens-Fresnel principle; visualization


ARTIGOS GERAIS

Uma visualização do princípio de Huygens-Fresnel na obtenção de um padrão de difração

A visualization of the Huygens-Fresnel principle in obtaining a diffraction pattern

Valmar Carneiro BarbosaI,1 1 E-mail: valmar@if.ufrj.br. ; Ana Maria Senra BreitschaftI; José Paulo Rodrigues Furtado de MendonçaII; Leonardo Marmo MoreiraII; Pedro Claudio Guaranho de MoraesII

IInstituto de Física, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IILaboratório de Óptica Aplicada, Universidade Federal de São João del-Rei, São João del-Rei, MG, Brasil

RESUMO

Utilizando a relação que fornece a irradiância devida à interferência de fontes pontuais, mostramos por meio de gráficos como o princípio de Huygens-Fresnel funciona quando é aplicado para determinar o padrão de difração de Fraunhofer gerado por uma onda plana que incide perpendicularmente em um anteparo que contém apenas uma fenda. Desta forma, somos capazes de identificar como se originam os picos principal e secundários de difração, o que não é entendido claramente a partir da obtenção analítica do padrão de difração em questão.

Palavras-chave: difração, princípio de Huygens-Fresnel, visualização.

ABSTRACT

Using the relation for the irradiance due to the interference of point sources, we show through graphs how the Huygens-Fresnel principle works when it is applied to determine the Fraunhofer diffraction pattern due to a normally incident plane wave on a single slit. In this way, we are able to identify the origins of the principal and secondary peaks of diffraction, which is not clearly understood from the analytical determination of the present diffraction pattern.

Keywords: diffraction, Huygens-Fresnel principle, visualization.

Quando uma onda encontra uma superfície de separação entre o meio em que se propaga e um outro meio, ocorrem, independentemente da natureza desta onda, os seguintes fenômenos ondulatórios: reflexão, transmissão, absorção e difração. A difração ocorre devido às bordas que por ventura existam nesta superfície de separação e é caracterizada pela mudança na direção de propagação das partes da frente de onda próximas a estas bordas e que não interceptam a região delimitada pela superfície em questão. Tal fenômeno é mais evidente à medida que o comprimento de onda aumenta em relação às dimensões de tal região. A compreensão completa da difração está longe de ser simples e nas Refs. [1-6], organizadas em ordem crescente de complexidade, podemos encontrar diferentes níveis de abordagem do fenômeno.

Uma das maneiras de se obter o que acontece na difração é utilizar o princípio de Huygens-Fresnel que, mesmo sendo de fácil entendimento qualitativo, pode ser de difícil implementação quantitativa, dependendo da geometria do sistema. Mesmo nos casos mais simples, escapa-nos o que realmente acontece quando aplicamos este princípio com o objetivo de determinarmos os padrões de difração gerados. Portanto, o objetivo deste trabalho é fazer alguns gráficos de modo a visualizar como o princípio de Huygens-Fresnel funciona quando aplicado na obtenção da distribuição angular da irradiância devida à difração em uma situação bem simples. Para compreendermos o que será feito, é conveniente revermos alguns pontos de um tópico da óptica física que é o fenômeno de interferência de ondas emitidas por fontes pontuais. Conforme será visto logo após esta discussão, torna-se possível compreender a partir disto o fenômeno de difração na situação que será abordada. Para uma descrição mais detalhada e abrangente destes fenômenos, sugerimos que o leitor recorra à bibliografia apresentada no final do presente artigo.

Então, primeiramente, vamos observar a Fig. 1 onde ilustramos uma distribuição linear de N fontes pontuais, idênticas, coerentes e igualmente espaçadas por uma distância d, as quais serão supostas emissoras de ondas eletromagnéticas na região do visível apenas para fixarmos a idéia em um dos tipos de onda existentes. Se cada uma destas fontes emite onda esférica harmônica, como será iluminado um anteparo colocado em frente a este arranjo como mostra a figura? Na situação ilustrada nesta figura, na qual o anteparo encontra-se muito afastado do arranjo de fontes, podemos considerar que os valores das amplitudes dos campos eletromagnéticos no ponto P devido às fontes são aproximadamente iguais e que os raios que chegam em P, provenientes destas fontes, são aproximadamente paralelos. Com estas aproximações, a irradiância IN em P, situado a uma distância r do centro do arranjo de fontes e em um ângulo θ em relação a direção frontal, será dada por (veja, por exemplo, Refs. [2,5])


onde IN(r,0) é a irradiância na direção frontal e δ representa a diferença de fase entre as ondas emitidas por qualquer par de fontes adjacentes e é dado por

onde λ é o comprimento de onda da onda eletromagnética em questão.

Se o arranjo ilustrado na Fig. 1 contém duas ou mais fontes, o valor da irradiância como função da posição angular varia de um máximo, quando as ondas provenientes de todas as fontes adicionam-se construtivamente, até um mínimo, igual a zero, quando esta adição é totalmente destrutiva. Estes máximos ocorrem nas posições angulares dadas por

e são conhecidos como máximos principais de ordem n.

Na Fig. 2 ilustramos o comportamento angular da irradiância para diversos valores de N. Vários aspectos desta figura devem ser ressaltados. Para N = 1, ou seja, quando temos apenas uma única fonte no arranjo da Fig. 1, a iluminação do anteparo é uniforme. Para N > 2 aparecem picos pronunciados cujos máximos encontram-se nas posições dadas pela Eq. (3), as quais são independentes de N. Note que os valores da irradiância nestas posições são iguais ao que teríamos se não houvesse interferência, representado nesta figura pelas linhas horizontais que passam pelas ordenadas iguais a 1, e que a largura destes picos diminui à medida que N aumenta. Pode-se notar, também, que para N > 3 aparecem N – 2 picos distribuídos simetricamente em torno do centro do intervalo entre cada par de máximos principais consecutivos e que estes picos, além de serem bem menos pronunciados que os picos principais, têm alturas e larguras que diminuem à medida que N aumenta. As alturas destes picos são conhecidas como máximos secundários e para N > 5 diminuem em direção ao centro do intervalo que os contém e voltam a aumentar a partir daí. Finalmente, devido ao exposto acima, para N = 100 todos os picos de interferência são muito estreitos e os picos secundários são apenas ligeiramente perceptíveis próximos aos picos principais.


Para entendermos o fenômeno de difração por uma fenda, consideremos a Fig. 3. Nesta figura vemos uma das frentes de onda de uma onda plana, de comprimento de onda λ, incidindo em um anteparo que contém uma fenda de abertura a. A única porção desta frente de onda que conseguirá transpor este anteparo será aquela contida na região definida pela fenda. Portanto, queremos saber como um anteparo colocado muito afastado desta fenda será iluminado por ela, ou seja, queremos saber qual o valor da irradiância em um ponto P deste anteparo, situado a uma distância r do centro da fenda e em um ângulo θ em relação à direção frontal. Note que estamos querendo estudar o fenômeno de difração por uma fenda sob duas condições: uma é que estamos considerando uma onda plana incidindo sobre o anteparo que contém a fenda, significando que a fonte que emite ondas eletromagnéticas está muito afastada deste anteparo; a outra é que o anteparo que será iluminado por esta fenda encontra-se muito afastado dela. O fenômeno de difração sob estas condições é conhecido como difração de Fraunhofer, e será objeto de estudo neste artigo. Se qualquer uma destas condições não for satisfeita, a difração é conhecida como difração de Fresnel, a qual não será discutida aqui.


A evolução da porção da frente de onda que passa pela fenda pode ser obtida utilizando-se o princípio de Huygens-Fresnel. Segundo este princípio, devemos imaginar esta porção da frente de onda constituída por um número muito grande de fontes pontuais, chamadas de fontes secundárias, que emitem ondas esféricas harmônicas secundárias, as quais irão interferir entre si para dar como resultado a forma da onda após a fenda. Podemos imaginar, então, a porção da frente de onda de tamanho a contendo N fontes secundárias igualmente espaçadas por uma distância d(N), tal que a distância entre a primeira e a N-ésima fonte seja igual a a, o que implica em d(N) = a / (N – 1). Para um número finito destas fontes secundárias, a irradiância em um ponto P é dada pelas Eqs. (1) e (2). É bom enfatizar que, na situação em questão, a distância entre as fontes pontuais que aparece na Eq. (2) não é mais fixa e sim, como estabelecido acima, dependente do número de fontes secundárias. Esta dependência é tal que, ao aumentarmos este número, estamos aumentando a densidade linear destas fontes ao longo da porção da frente de onda que passa pela fenda. Então, para determinarmos a distribuição angular da irradiância para a situação em questão a partir do princípio de Huygens-Fresnel, devemos obter a distribuição angular da irradiância devida à interferência de uma infinidade de fontes secundárias distribuídas uniformemente pela porção da frente de onda que passa pela fenda. Matematicamente, isto significa tomarmos o limite da Eq. (1) quando N tende para infinito, lembrando que δ é dado pela Eq. (2) e que a distância entre as fontes secundárias é aquela que discutimos acima. Para fazermos isto, é conveniente reescrevermos a irradiância dada pela Eq. (1) em termos de um parâmetro α definido como

e, assim, o limite mencionado acima é obtido seguindo os passos abaixo

O resultado alcançado é a irradiância em P (vide Fig. 3) após uma difração de Fraunhofer por uma fenda (veja, por exemplo, Refs. [2,5]).

Como objetivo central do presente trabalho, gostaríamos de entender como o padrão de interferência das ondas emitidas pela infinidade de fontes secundárias, as quais foram usadas acima para descrever a porção da frente de onda que passa pela fenda, se transforma no padrão de difração para a situação em estudo, o que não é possível analisando-se os passos dados para a obtenção do resultado apresentado na Eq. (5). Para isto, apresentaremos alguns gráficos mostrando como se dá a convergência da distribuição angular da irradiância graças à interferência das ondas emitidas por estas fontes secundárias (vide primeira linha da Eq. (5)), desde poucas destas fontes até uma quantidade relativamente grande delas. Assim, na Fig. 4 ilustramos o comportamento angular desta irradiância à medida que N aumenta. Nos gráficos apresentados nesta figura, utilizamos como abscissa a quantidade senθ/ (λ/a) que é a variável adequada para tanto, como pode ser percebido na Eq. (5) e na definição da quantidade α (vide Eq. (4)). Apesar do comportamento angular da irradiância em questão ser bastante semelhante ao apresentado na Fig. 2, há uma grande diferença entre eles que é o fato do espaçamento entre as fontes no presente caso diminuir à medida que N aumenta, fazendo com que o número de picos principais de interferência dentro de um certo intervalo angular (no caso 0 < senθ/ (λ/a) < 3) diminua. Isto torna-se mais evidente se determinarmos as posições angulares onde ocorrem os máximos principais de ordem n de interferência , que no caso dependem do número de fontes secundárias. Fazendo uso da Eq. (3) e lembrando que, agora, d(N) = a/(N – 1), obtemos


Podemos observar na equação acima que o único máximo principal de interferência cuja posição angular independe do número de fontes secundárias é o de ordem zero. Todos os demais têm suas posições angulares alteradas à medida que este número aumenta, como fica evidente nos quatro primeiros gráficos da Fig. 4, diferentemente do que acontece no caso do arranjo da Fig. 1 (vide Fig. 2). Aumentando-se cada vez mais o número de fontes secundárias, os máximos principais de ordens n > 1 de interferência movem-se indefinidamente para a direita.

No último gráfico da Fig. 4, a distribuição angular da irradiância correspondente à interferência de ondas provenientes de 100 fontes secundárias distribuídas uniformemente pela porção da frente de onda que passa pela fenda é praticamente idêntica ao padrão de difração de Fraunhofer gerado por uma onda plana que incide perpendicularmente em um anteparo que contém apenas esta fenda. Não apresentamos neste mesmo gráfico, para efeitos de comparação, a função que representa o padrão de difração para o caso (última linha da Eq. (5)) porque não seríamos capazes de perceber diferenças entre as duas distribuições. Observando-se as mudanças ocorridas nas distribuições angulares de irradiância apresentadas na figura em questão à medida que N aumenta, notamos que o pico principal de ordem zero de inteferência termina transformando-se no pico principal de difração. De maneira semelhante, os picos secundários que vêm a seguir do pico principal de ordem zero de interferência dão origem aos picos secundários de difração (primeiro, segundo etc.), os quais, apesar de suas origens e diferentemente do que acontece no caso do arranjo da Fig. 1 (vide Fig. 2), jamais alcançam a posição angular a partir da qual voltariam a crescer em direção ao que seria o máximo principal de ordem 1 de interferência. Note, também, que as conhecidas posições angulares onde a irradiância devida à difração em questão passa por zero, dadas por

são oriundas das posições angulares onde a irradiância graças à interferência passa por zero.

Como comentários finais, gostaríamos de enfatizar que além de não conhecermos nenhum livro texto que chame a atenção para as mudanças que ocorrem na distribuição angular da irradiância devida à interferência das ondas emitidas por fontes secundárias utilizadas no princípio de Huygens-Fresnel, desde poucas destas fontes até uma quantidade necessária para a convergência ser alcançada, com o objetivo de se obter o padrão de difração para um certo obstáculo, consideramos os gráficos apresentados na Fig. 4 muito esclarecedores e didáticos pois têm a enorme vantagem de tornar claro o que ocorre fisicamente, ao passo que analiticamente esta clareza é completamente perdida. Apesar de termos escolhido o caso mais simples possível para ilustrarmos o que acabamos de apresentar, isto pode ser feito para qualquer tipo de obstáculo, bastando somar adequadamente as contribuições das fontes de ondas secundárias nas quais se baseia o princípio de Huygens-Fresnel.

Agradecimento

J.P.R.F. de Mendonça agradece à FAPEMIG e ao CNPq pelos suportes financeiros concedidos.

Recebido em 2/6/2011; Aceito em 1/5/2012; Publicado em 10/10/2012

  • [1] D. Halliday, R. Resnick e K.S. Krane, Física 4 (Livros Técnicos e Científicos Editora S. A., Rio de Janeiro, 1996), 4Ş ed.
  • [2] M. Alonso e E.J. Finn, Física: Um Curso Universitário, v. 2 - Campos e Ondas (Editora Edgard Blücher Ltda., São Paulo, 1995), 1Ş ed.
  • [3] A.P. French, The MIT Introductory Physics Series, Vibrations and Waves (Thomas Nelson and Sons Ltd., London, 1974), reimpressão.
  • [4] H. Moysés Nussenzveig, Curso de Física Básica, v. 4 - Ótica, Relatividade e Física Quântica (Editora Edgard Blücher Ltda., São Paulo, 1998), 1Ş ed.
  • [5] E. Hecht, Optics (Addison-Wesley, Reading, 2002), 4Ş ed.
  • [6] M. Born e E. Wolf, Principles of Optics - Electromagnetic Theory of Propagation, Interference and Diffraction of Light (Cambridge University Press, Cambridge, 1999), 7Ş ed. expandida.
  • 1
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2012

    Histórico

    • Recebido
      02 Jun 2011
    • Aceito
      01 Maio 2012
    Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: marcio@sbfisica.org.br