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Experimentos com um modelo unidimensional de balanço de energia

Experiments with an one-dimensional balance energy model

Resumos

Modelos unidimensionais, apesar de limitados, são excelentes ferramentas para estudar princípios básicos de algum sistema físico. Neste documento, as equações do modelo unidimensional de balanço de energia para o planeta Terra são descritas e implementadas em Fortran 90. Com o programa em Fortran 90, alguns experimentos são realizados com o objetivo de mostrar como se comporta, basicamente, o clima terrestre. Inúmeros outros experimentos podem ser realizados com o modelo. Acredita-se que a disponibilidade do seu código em Fortran 90 amplie ainda mais a sua utilização por estudantes de graduação e pós-graduação que desejam iniciar o estudo do clima do nosso planeta.

modelagem climática; modelo unidimensional; fortran 90; climatologia


One-dimensional models, although limited, are excellent tools to study basic features of a physical system. In this document, the equations of one-dimensional energy balance modelo for Earth are presented and described, along with a Fortran 90 program. Some experiments are performed with this model to show basic Earth's climate behavior. Several others experiments are possible and it is believed that the availability of its Fortran 90 code will help a lot of students use it in their initial Earth's climate learning.

climate modeling; one-dimensional model; fortran 90; climatology


ARTIGOS GERAIS

Experimentos com um modelo unidimensional de balanço de energia

Experiments with an one-dimensional balance energy model

Mateus da Silva Teixeira1 1 E-mail: mateus.teixeira@gmail.com.

Faculdade de Meteorologia, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil

RESUMO

Modelos unidimensionais, apesar de limitados, são excelentes ferramentas para estudar princípios básicos de algum sistema físico. Neste documento, as equações do modelo unidimensional de balanço de energia para o planeta Terra são descritas e implementadas em Fortran 90. Com o programa em Fortran 90, alguns experimentos são realizados com o objetivo de mostrar como se comporta, basicamente, o clima terrestre. Inúmeros outros experimentos podem ser realizados com o modelo. Acredita-se que a disponibilidade do seu código em Fortran 90 amplie ainda mais a sua utilização por estudantes de graduação e pós-graduação que desejam iniciar o estudo do clima do nosso planeta.

Palavras-chave: modelagem climática, modelo unidimensional, fortran 90, climatologia.

ABSTRACT

One-dimensional models, although limited, are excellent tools to study basic features of a physical system. In this document, the equations of one-dimensional energy balance modelo for Earth are presented and described, along with a Fortran 90 program. Some experiments are performed with this model to show basic Earth's climate behavior. Several others experiments are possible and it is believed that the availability of its Fortran 90 code will help a lot of students use it in their initial Earth's climate learning.

Keywords: climate modeling, one-dimensional model, fortran 90, climatology.

1. Introdução

Qualquer modelo climático é uma tentativa de simular os muitos processos que produzem o clima. O objetivo é entender estes processos e prever os efeitos de mudanças e interações. A simulação é atingida pela descrição do sistema climático em termos dos princípios físicos, químicos e biológicos básicos. Assim, um modelo pode ser considerado como um conjunto de equações que descrevem estas leis.

Os processos do sistema climático ainda não são completamente entendidos, mas sabe-se de suas complexidades. Isso faz com que os modelos mais complexos já desenvolvidos até hoje produzam somente aproximações dos fenômenos observados no sistema climático. Além disso, a alta complexidade de modelos como os Modelos de Circulação Geral (MCG) torna-os inadequados para estudos climáticos do tipo causa-efeito.

A busca por um melhor entendimento destas relações climáticas fez com que outros tipos de modelos climáticos fossem desenvolvidos. Tais modelos, que tratam o sistema climático de uma forma mais simplificada, são ferramentas extremamente úteis para o crescimento da compreensão dos processos climáticos e no desenvolvimento de novas parametrizações e métodos para avaliação da sensibilidade dos modelos mais complexos e realistas.

Um exemplo desta gama de modelos é o Modelo de Balanço de Energia (MBE). Este modelo é caracterizado por ser unidimensional (latitude) cuja variável prevista é a temperatura da superfície, obtida em termos de um balanço entre a radiação solar recebida pelo sistema (INSOLATION, acrônimo de INcoming SOLAr radiaTION) e a radiação de onda longa emergente (ROLE).

Os MBE podem ser implementados facilmente em qualquer tipo de linguagem de programação (FORTRAN, C, BASIC, etc) e na maioria dos computadores considerados de pequeno porte (PC-XT, 386, 486 e superiores). Eles são amplamente utilizados para investigar a sensibilidade do sistema climático à mudanças externas e para interpretar os resultados de modelos mais complexos.

A preocupação com a estabilidade do sistema climático à pequenas variações no aquecimento solar levou (independentemente) a desenvolverem modelos do clima da Terra baseados nas equações do balanço de calor médio zonal do sistema Terra-Atmosfera [1,2].

Uma vez que o balanço de energia é permitido variar em latitude, um termo de transferência horizontal de energia deve ser introduzido, de modo que a equação básica para o balanço de energia em cada latitude, ϕ, é

sendo Cm o calor específico do sistema e pode ser tomado como a inércia térmica do sistema e R↓ e R↑ são os fluxos de entrada e saída de radiação, respectivamente. A Fig. 1 mostra como as transferências de energia são consideradas neste modelo.


Quando usado para cálculos médios anuais, o albedo em superfície pode ser mantido constante para cada uma das latitudes. Este tipo de modelo, entretanto, pode ser usado para cálculos sazonais. Neste caso deve-se permitir variações do albedo com a temperatura para simular os efeitos de mudanças na extensão do gelo marinho e de neve.

A dinâmica atmosférica não é modelada neste modelo; é assumido que uma aproximação de difusão é adequada para a inclusão do transporte de calor. Esta aproximação relaciona o escoamento de energia diretamente ao gradiente latitudinal de temperatura. Este escoamento é expresso sendo proporcional ao desvio da temperatura zonal, T, da média global,

1.1. As equações do MBE

A presente discussão também pode ser encontrada na Ref. [3]. A equação principal do MBE unidimensional é dada por

Fica claro que não é considerado, na Eq. (2), nenhuma forma de armazenamento de energia pelo sistema desde que considera-se o clima em escalas de tempo onde não há perda ou ganho significativos de energia. Qualquer energia armazenada implicaria, simplesmente, em um termo adicional, Q(Tϕ), no lado direito da Eq. (2).

Cada um dos termos na Eq. (2) é uma função da variável predita Tϕ. O albedo da superfície é influenciado pela temperatura, tendo forte aumento quando gelo e neve se formam. A radiação emitida pelo espaço é proporcional à T4, mas pode ser considerada linear devido ao intervalo de temperatura de maior interesse - aprox. 250 até 300 K. Já o efluxo horizontal de energia (perda horizontal de energia) de uma zona de latitude depende da diferença entre a temperatura daquela zona e a temperatura média global. O termo de armazenamento, uma tentativa para levar em conta o efeito dos oceanos, depende da diferença entre a temperatura atual e uma temperatura média de longo prazo. O albedo é descrito pela função

a qual representa o aumento do albedo na linha de gelo (região até a qual o gelo alcança); TC é a temperatura nesta linha, tipicamente, entre -10 e 0 ºC. Devido ao pequeno intervalo de temperaturas envolvidas, a radiação que deixa a Terra, no topo de uma zona de latitude, pode ser aproximada por

sendo A e B constantes (empíricas) que levam em conta o efeito estufa de nuvens, vapor d'água e CO2. A taxa de transporte de energia pode entendida como proporcional à diferença entre a temperatura zonal e a temperatura média global

sendo K uma constante (empírica). A substituição das Eqs. (4) e (5) na Eq. (2) forma uma equação que pode ser reescrita como

Dando-se uma distribuição inicial de temperatura (conhecido como "first guess") e utilizando-se um esquema adequado de ponderação para distribuir a radiação solar sobre o globo (devido à inclinação do eixo da Terra, uma simples distribuição de temperatura em função do cosseno da latitude não é adequado à média anual), aplicações sucessivas desta equação produzirão, eventualmente, uma solução de equilíbrio. Ainda, pode-se calcular explicitamente a evolução temporal do modelo climático por meio da inclusão de um termo que represente a capacidade térmica do sistema. O primeiro método produz resultados computacionalmente mais rápidos enquanto que o segundo permite maiores números de experimentos.

1.2. Implementação do MBE

Com o objetivo de ilustrar a implementação do MBE em uma linguagem de programação é apresentado, nesta seção, o código do MBE em Fortran 90. A implementação deste modelo foi baseada no código apresentado pela Ref. [3], cuja linguagem utilizada foi o BASIC.

program ener_bal_model implicit none integer :: i=0,j=0 real :: Sx=1. ! DEFINICAO DOS PARAMETROS FIXOS DO MBE E ALGUMAS CONSTANTES integer, parameter :: MaxIter = 50, NLat = 18 real, parameter :: Tc = -10.0, & ! Temp. formacao de gelo (C) & A = 204., & ! Const. perda de ROL (W/m2) & B = 2.17, & ! Const. perda de ROL (W/m2) & alb_g = 0.62, & ! Albedo c/ gelo & alb_n = 0.30, & ! Albedo s/ gelo & K = 3.81, & ! transp. de energia (W/m2.C) & So = 1370., & ! Const. solar (W/m2) & pi = 3.1415926 ! PI ! Variaveis e matrizes do modelo character(len=6), dimension(NLat) :: zonas real, dimension(NLat) :: Si, & ! Insolation Solar & Init_T, & ! Temp. inicial & Lat, & ! Latitudes & Init_alb, & ! Albedo inicial da superficie & albedo, & ! Albedo da superficie & T, & ! Temperatura & Told, & ! Temperatura da iteracao anterior & Rin, & ! Radiacao solar entrando em cada lat. & Rout, & ! Radiacao perdida p/ o espaco & Tcos, & ! Temperatura x cosseno lat. & Tfinal ! Temperatura final real, dimension(MaxIter) :: Tmedia =0 ! Temperatura media global real :: sumcos=0.,& & TMG=0., & ! Temperatura Media Global & fracS = 1 ! Fracao da constante solar ! SOLICITACAO DA FRACAO DA CONSTANTE SOLAR AO USUARIO print *,Insira a fracao da const. solar a ser usada (0-1) : " read(*,*) Sx if(Sx¿=0) fracS=Sx ! criando arquivos de saida open(30,file="radiacao.out",status=ünknown") open(31,file=älb_temp.out",status=ünknown") ! Prenchendo algumas matrizes data zonas(1:18)/"80-90N","70-80N","60-70N","50-60N",& & "40-50N","30-40N","20-30N","10-20N",& & " 0-10N"," 0-10S","10-20S","20-30S",& & "30-40S","40-50S","50-60S","60-70S",& & "70-80S","80-90S"/ data Si(1:18)/0.500,0.531,0.624,0.770,0.892,1.021,& & 1.120,1.189,1.219,1.219,1.189,1.120,& & 1.021,0.892,0.770,0.624,0.531,0.500/ data Init_T(1:18)/-16.9,-12.3,-5.1,2.2,8.8,16.2,22.9,& & 26.1,26.4,26.1,24.6,21.4,16.5,9.9,& & 2.9,-6.9,-29.5,-42.3/ data Lat(1:18)/85.,75.,65.,55.,45.,35.,25.,15.,5.,& & -5.,-15.,-25.,-35.,-45.,-55.,-65.,& & -75.,-85./ data Init_alb(1:18)/0.589,0.544,0.452,0.407,0.357,& & 0.309,0.272,0.248,0.254,0.241,0.236,& & 0.251,0.296,0.358,0.426,0.513,0.602,& & 0.617/ ! FAZENDO CALCULOS INICIAIS --¿ PASSO 1 do i=1,NLat Rin(i) = So/4*fracS*Si(i) sumcos = sumcos+cos(Lat(i)*pi/180) Tcos(i) = Init_T(i)*cos(Lat(i)*pi/180) Tmedia(1) = Tmedia(1)+Tcos(i) enddo Tmedia(1)=Tmedia(1)/sumcos do i=1,NLat T(i) = (Rin(i)*(1-Init_alb(i))+K*Tmedia(1)-A)/(B+K) if( T(i) < Tc ) then albedo(i) = alb_g else albedo(i) = Init_alb(i) endif enddo ! FAZENDO CALCULOS INTERMEDIARIOS -> ITERACOES INTERMEDIARIAS do i=1,MaxIter do j=1,Nlat Tcos(j) = T(j)*cos(Lat(j)*pi/180) Tmedia(i)=Tmedia(i)+Tcos(j) enddo Tmedia(i)=Tmedia(i)/sumcos do j=1,NLat T(j)=(Rin(j)*(1-albedo(j))+K*Tmedia(i)-A)/(B+K) if( T(j) < Tc ) albedo(j) = alb_g enddo enddo ! PASSO FINAL -> IMPRESSAO DOS RESULTADOS print *,"Latitude Rin Rout Albedo T" TMG=Tmedia(MaxIter) do i=1,NLat Tfinal(i)=(Rin(i)*(1-Init_alb(i))+K*TMG-A)/(B+K) if( Tfinal(i) < Tc ) albedo(i) = alb_g Rout(i)=A+B*Tfinal(i) ! escrevendo na tela write(*,'(2x,A6,6x,F6.2,4x,F6.2,5x,F5.2,4x,& & F6.2)') zonas(i),Rin(i),Rout(i),albedo(i),Tfinal(i) ! escrevendo nos arquivos de saida write(30,'(F4.0,4x,F6.2,4x,F6.2)') Lat(i),Rin(i),Rout(i) write(31,'(F4.0,4x,F5.2,4x,F6.2)') Lat(i),albedo(i),Tfinal(i) enddo print *,"" print *,"Temperatura media global = ",TMG stop end program ener_bal_model

Os dados de distribuição inicial de temperatura para o globo foram obtidos da Ref. [4], a distribuição da INSOLATION foi obtida da Ref. [5] e os valores de albedo da superfície foram obtidos da Ref. [6].

Estas distribuições podem ser modificadas de acordo com o tipo de experimento a ser realizado, sejam elas baseadas em outras fontes observacionais ou por hipóteses. Deste modo, a utilização do MBE fica sob total controle do usuário que, com a disponibilização do código, pode modificar todos os parâmetros de acordo com seus objetivos. É claro, a possibilidade de alteração deste código não pode ser descartada visto que modificações devido a possíveis erros podem ser necessárias, bem como melhorias.

Uma fácil compreensão do funcionamento deste modelo faz com que outros tipos de experiências possam ser realizadas com o mesmo. Por exemplo, a Ref. [] apresentam formas de incluir-se os efeitos das superfícies terrestre e oceânicas no MBE.

Espera-se, assim, que a disponibilização do código deste modelo, em Fortran 90, faça com que os estudantes de modelagem climática, de mudanças climáticas e de outras áreas afins nos estudos do clima possam compreender melhor os processos climáticos assim como melhorar este programa.

1.3. Compilação e execução do programa

O programa apresentado na seção anterior pode ser compilado em qualquer computador que possua um compilador Fortran 90. O código não usa nenhum comando, subrotina ou função particular a nenhum compilador, usando, portanto, somente a linguagem padrão do Fortran 90.

As distribuições atuais do Linux disponibilizam um compilador Fortran 90 chamado gfortran. Há a possibilidade deste compilador não acompanhar a instalação padrão de uma determinada distribuição. Mesmo assim é possível obtê-lo por meio da internet, acessando os repositórios da distribuição usada.

O código pode ser copiado diretamente para um arquivo texto em formato ASCII e compilado. Suponha que o arquivo que conterá o código chamar-se-á mbe1D.f90 e o compilador gfortran será usado. O comando para compilar o código será

gfortran -o mbe1D.exe mbe1D.f90

que gerará um arquivo executável chamado mbe1D.exe. O nome do arquivo executável, resultado da compilação, pode ser escolhido com a opção "-o", mas pode variar bastante em função do compilador usado. O executável terá, aproximadamente, 10 Kbytes de tamanho, mas pode variar bastante em função do compilador usado.

Finalmente, para executar o programa, basta digitar no terminal

./mbe1D.exe

não esquecendo do "./", que informa ao sistema operacional que o arquivo local será executado. Caso não se use estes caracteres, o sistema tentará procurar por algum comando com nome igual ao do arquivo, que, provavelmente, não existe.

O arquivo imprime os seus resultados na tela e em dois arquivos. No ApêndiceApêndice deste artigo é apresentada a rotina gráfica usada para gerar as Figs. 2 e 3, que são derivadas destes dois arquivos.



2. Experimentos com o MBE

Nesta seção algumas experiências feitas com o código do MBE apresentado na seção anterior são apresentadas. As experiências são feitas com o objetivo de verificar a estabilidade do sistema climático simulado pelo MBE e as consequências no sistema provocadas por algumas espécies de mudanças.

A título de elucidação, os experimentos aqui descritos foram feitos através de modificações dos parâmetros considerados relevantes. Desta forma, em um dado experimento, o parâmetro alterado será citado ao passo que os parâmetros restantes são mantidos iguais aos valores pré-definidos por [3].

Antes dos experimentos, são apresentadas as distribuições latitudinais da entrada de radiação solar (Rin), da perda de radiação de onda longa (ROLE), da temperatura da superfície e do albedo (Figs. 2 e 3, respectivamente) para o caso em que todos as constantes definidas previamente no MBE e os dados de distribuição de temperatura, albedo e INSOLATION, incluídos no código em Fortran 90 da seção anterior, são utilizados.

Pode-se observar claramente o saldo positivo em quase todo o globo exceto nas latitudes acima de 80º. Estes saldos de radiação refletem nas temperaturas em superfície e nos valores de albedo da superfície exibidos na Fig. 3. A distribuição de temperatura obtida pelo MBE é simétrica no globo com um valor relativamente inferior no pólo sul. Isto é um resultado de distribuição inicial de temperatura e albedo (vide programa) que leva em conta a contribuição do gelo antártico.

Os valores de albedo são praticamente iguais àqueles usados com condições iniciais, exceto onde a temperatura foi menor que -10 ºC, na qual foi determinada a ocorrência de gelo (αg = 0,62).

Apresentado os resultados do MBE com a utilização de todas as condições pré-estabelecidas por [3] e as distribuições iniciais descritas no capítulo anterior, os resultados de alguns experimentos são mostrados a seguir.

O primeiro deles é uma avaliação da sensibilidade do MBE em relação à diminuição na fração da constante solar. Para tal, foram utilizados alguns outros valores para as constantes A, B e K, e analisadas a diminuição da constante solar que provocaria um congelamento total do globo (Tabela 1).

A primeira linha da Tabela 1 exibe a diminuição necessária na fração da constante solar para a ocorrência de gelo em todo o globo, para os valores pré-definidos de A, B e K. Desta tabela pode-se observar que o MBE necessita de relativas pequenas variações na fração da constante solar para os casos em que os coeficientes que controlam a perda radiativa são altos. O contrário ocorre quando estes coeficientes são relativamente baixos, diminuindo a perda radiativa do sistema e mantendo a linha de gelo (latitude na qual o gelo alcança) afastada do equador para uma diminuição maior da fração da constante solar.

Uma observação mais cuidadosa da Tabela 1 evidencia que o MBE não é muito sensível (em relação à diminuição na fração da constante solar) à mudanças na constante que controla os processos de transporte de energia, K. Pode-se ver que para valores idênticos de A e B, a duplicação de K não altera a quantidade de diminuição na fração da constante solar para congelar o planeta.

Para exemplificar esta característica do MBE, é apresentado, na Fig. 4, as mudanças na temperatura média global em função de K. Fica claro, desta figura, o já descrito anteriormente. Para uma grande variação positiva de K, a temperatura média global é praticamente a mesma. Isso só não ocorre quando K se aproxima de 0 e de valores menores. Neste caso a temperatura média global tem uma queda abrupta. Deve-se esclarecer que um K menor que zero violaria uns dos princípios básicos da termodinâmica, pois seria equivalente a uma transferência de energia da parte mais fria para a parte mais quente; irreal.


Apesar do descrito, estas análises da resposta do MBE em função de K não mostram o efeito físico que valores diferentes de K têm nas distribuições globais de temperatura e albedo. Na Fig. 5 são mostrados dois conjuntos de informações. Um deles, representados pelas linhas com círculos abertos, se refere à distribuição de albedo e temperatura quando valores positivos e altos são atribuídos à variável K. O outro conjunto, representado pelas linhas sem símbolos, se refere à distribuição de albedo e temperatura quando valores positivos e próximos a zero são atribuídos à K.


Fica claro, da Fig. 5, o papel de difusão do excesso de calor recebido nos trópicos representado pelo parâmetro K. Assim, valores altos e positivos de K provocariam um rápido transporte do calor recebido nos trópicos e ocasionando uma diminuição na diferença de temperatura entre pólo e equador. De maneira inversa, valores de K próximos de zero ocasionam em um lento transporte de calor, produzindo grandes acúmulos de calor nos trópicos e déficit de calor nos pólos. Em consequência disto, uma grande amplitude térmica é observada na direção equador-pólo.

As observações mostram que a superfície terrestre seria totalmente coberta por gelo (ou neve), durante o inverno, para uma temperatura média anual da superfície de 0 ºC, e os oceanos seriam cobertos de gelo para temperaturas abaixo de 13 ºC. No presente modelo, a especificação da temperatura na qual a formação de gelo aconteceria é de -10 ºC. Para avaliar qual seria o comportamento do MBE em função da temperatura crítica, TC, este parâmetro foi modificado com os dois valores citados acima. A Fig. 6 mostra as distribuições de temperatura e albedo para TC = 0 ºC (linhas com círculos abertos) e para TC = -13 ºC (linhas sem símbolos).


Na Fig. 6 vê-se que a modificação na TC não proporciona grande variação nas distribuições de temperatura e albedo. Entretanto, a sensibilidade do MBE em relação à diminuição na fração da constante solar aumenta no caso em que TC = 0 ºC. Neste caso, é necessário somente uma diminuição de 12% na fração da constante solar para que todo o globo seja coberto por gelo. Já quando TC = -13 ºC, esta diminuição deve ser da ordem de 25% para provocar este efeito.

Além disso, sabe-se que o valor albedo do gelo depende de outros fatores tais como a própria condição do gelo, da cobertura de nuvens e do tipo de vegetação sobre a qual o gelo se encontra. Para testar a resposta do MBE à diferenças valores de αg, valores entre 0,5 e 0,8 foram atribuídos a este parâmetro. A Tabela 2 mostra a porcentagem de queda na fração da constante solar necessária para a ocorrência de congelamento global, em função de αg. A temperatura média global, , também é exibida.

Esta faixa de variação de αg, sugerida pela Ref. [3], permite que diminuições relativamente pequenas na constante solar gerem congelamento global. Para cada décimo de aumento em αg observa-se uma diminuição de aproximadamente 10 ºC na temperatura média global. Isto deve-se a menores quantidades de radiação global absorvida quando o gelo está presente e possui maiores taxas de albedo.

As constantes A e B definidas na Eq. (4) determinam a perda radiativa do planeta para o espaço. Existem diversos valores definidos por diferentes autores. [1] usou A = 202 Wm-2 e B = 1,45 Wm-2 ºC-1, enquanto [7] utilizou A = 212 Wm-2 ºC-1 e B = 1,6 Wm-2 ºC-1. A despeito de valores em particular, valores diferentes provocam mudanças na sensibilidade do MBE bem como no clima do mesmo. Menores valores para estas constantes ocasionaram taxas menores de perda de energia do planeta e, consequentemente, maiores valores para a temperatura média global, . Ao contrário, maiores valores proporcionaram maiores perdas radiativas e menores temperaturas médias globais.

O descrito acima pode ser observado na Tabela 1 onde diversos valores para as constantes A e B são mostrados. Pode-se notar, por exemplo, que com A = 200 Wm-2 ºC-1 e B = 1,5 Wm-2 ºC-1 uma diminuição de 19% na fração da constante solar é requerida para o congelamento global total, enquanto que com A = 300 Wm-2 ºC-1 e B = 3,0 Wm-2 ºC-1, nenhuma diminuição na fração solar é necessária para que haja o congelamento total.

Para exemplificar este fato, fez-se uma análise da variação de B em função da temperatura média, , (Fig. 7). É claro o comportamento assintótico deste parâmetro, ou seja, para B >> 1, se aproxima de 0 ºC; e para B → 0, → ∞.


Segundo a Ref. [3], estas constantes incorporam ao sistema climático do MBE o efeito estufa devido às nuvens, ao vapor d'água e ao CO2. Visto que relações proporcionais são observadas entre a quantidade de vapor d'água e CO2, e a temperatura média global, resta especular a respeito do efeito das nuvens.

O albedo planetário é duplicado de 15 a 30%, e a emissão de onda longa é reduzida em aproximadamente 30 Wm-2, devido às nuvens. Por causa do cancelamento parcial entre estes dois efeitos, o efeito resultante das nuvens no fluxo global de energia radiativa para o planeta é uma redução de aproximadamente 20 Wm-2 [8]. Além disso, é sugerido que para nuvens baixas e médias o efeito do albedo é mais importante que o efeito estufa da nuvem, enquanto que as nuvens cirrus, por exemplo, têm impacto muito menor sobre o albedo, de modo que o seu efeito geral é aquecer o sistema pelo aumento do efeito estufa.

Infelizmente, nosso entendimento de como a quantidade global e o tipo de nuvens são determinados é atualmente insuficiente, e as estimativas da magnitude e do sinal do processo de realimentação das nuvens são, basicamente, desconhecidos. Isso faz com que este processo seja uma das maiores incertezas em estudos de sensibilidade climática.

Em virtude do exposto acima e da resposta do modelo frente a uma variação em B, uma possível explicação para o comportamento da temperatura média global em função de B seria que este parâmetro representaria o processo de realimentação de nuvens no sentido negativo, ou seja, em relação ao albedo das nuvens. Apresentado desta forma, B seria diretamente proporcional à cobertura de nuvens baixas e médias, que alteram o albedo terrestre.

3. Conclusões

Nas seções precedentes foram apresentados os Modelos de Balanço de Energia, as suas equações, o código em Fortran 90 e alguns experimentos realizados com o mesmo.

Apesar da simplicidade do modelo e pelo fato de não levar em conta muitos dos processos pertencentes ao sistema climático, ele tem grande utilidade na avaliação da dependência do clima nos mecanismos de transporte de calor para o pólo, das eras glaciais e dos problemas envolvendo o acoplamento oceano-atmosfera.

Nos experimentos aqui apresentados, os diversos parâmetros do MBE foram analisados e suas respectivas influências no clima e em sua sensibilidade. A sensibilidade do modelo foi avaliada de duas maneiras: por meio da variação da temperatura média global, , e da diminuição na fração da constante solar requerida para o congelamento global ocorrer.

Notou-se que o MBE tem a sua sensibilidade aumentada quanto à variações na fração da constante solar quando mudanças são impostas às constantes que controlam a perda de energia do planeta para o espaço. Grandes variações positivas e negativas nas constantes A e B ocasionam, respectivamente, um aumento e uma diminuição na sensibilidade do MBE.

Modificações no valor correspondente ao albedo do gelo, αg, e na temperatura crítica, TC, na qual ocorre a formação de gelo, permitiram o congelamento total do globo quando diminuições relativamente pequenas (aprox. 20%) na constante solar. Valores maiores de albedo, consequentemente, levaram a quedas na temperatura média global quando há o congelamento total. Esta relação, aproximadamente linear na faixa de valores analisadas, indica que a cada décimo de aumento no valor do albedo, há uma diminuição de 10 ºC na temperatura média global.

Dois parâmetros, em particular, foram analisados de forma mais detalhada. O parâmetro B, que controla a perda radiativa do planeta, e K, que controla o transporte de calor para os pólos, apresentaram comportamentos assintóticos quando analisados em função de . Matematicamente, isto não é nenhuma surpresa devido ao fato de ambos coeficientes encontram-se no denominador da equação preditora da temperatura da superfície.

Conhecido o comportamento matemático destes coeficientes, há a necessidade de ligá-las ao mundo real, a uma situação que explique este comportamento. No caso do coeficiente K, a relação é direta e simples. Quanto maior for este coeficiente maior é a eficácia do transporte meridional de calor. O contrário ocorre para valores que tendem a zero. Isto é ilustrado na Fig. 5.

Entretanto, quanto à variável B, não há uma análise simples e direta. Este coeficiente, juntamente com A, controla a perda radiativa do planeta, ou seja, o efeito estufa devido ao CO2, vapor d'água e nuvens. Como as relações entre quantidades de CO2 e vapor d'água, e a temperatura média global são diretamente proporcionais, resta sugerir que o comportamento de B indica mudanças na cobertura de nuvens médias e baixas, que influenciam o albedo planetário. Deve-se deixar claro que a falta de conhecimentos básicos sobre os processos de retroalimentação permite que incertezas a respeito desta afirmação persistam.

A facilidade com que diversos tipos de experimentos podem ser realizados faz deste modelo uma das ferramentas mais conhecidas em estudos de modelagem climática. Como mencionado anteriormente, outros componentes do sistema climático podem ser incluídos neste modelo. A Ref. [3] sugere outros tipos de parametrizações e experimentos mais complexos (com mais componentes climáticos) com o MBE.

Cursos que têm como um de seus objetivos um conhecimento básico sobre os processos climáticos têm muito a ganhar com a disponibilidade do código do MBE em uma linguagem de programação bastante difundida no meio acadêmico. A possibilidade de modificações e a grande quantidade experimentos que podem ser criados para este modelo são pontos fortes para a sua utilização no ensino da física básica da atmosfera do nosso planeta.

Recebido em 25/2/2010; Aceito em 21/12/2011; Publicado em 10/10/2012

Rotinas gráficas

Nesta seção adicional é apresentada a rotina gráfica para a criação das Figs. 2 e 3. Estas figuras foram geradas por meio do NCAR Command Language (NCL), uma linguagem interpretada criada, especificamente, para análise e plotagem de dados científicos, pelo National Center for Atmospheric Research (NCAR). Está disponível gratuitamente no site http://www.ncl.ucar.edu.

Os dois arquivos gerados pelo programa mbe1D.f90 são carregados por esta rotina e seus dados plotados, gerando dois arquivos gráficos no formato PNG.

O leitor deste documento é convidado a visitar o site do NCL para melhor compreender os comandos e a estrutura do script apresentado abaixo.

load "$NCARG_ROOT/lib/ncarg/nclscripts/csm/gsn_code.ncl" load "$NCARG_ROOT/lib/ncarg/nclscripts/csm/gsn_csm.ncl" load "$NCARG_ROOT/lib/ncarg/nclscripts/csm/contributed.ncl" begin ; nome dos arquivos de entrada e saída entrada1 = "radiacao.out" entrada2 = älb_temp.out" saida = "resultados_mbe" tipoGraf = "ps" ; le arquivos de saida do Modelo de Balanço de Energia radiacao = asciiread( entrada1, (/18,3/), "float") tempAlbedo = asciiread( entrada2, (/18,3/), "float") ; ambiente gráfico wks = gsn_open_wks( tipoGraf, saida) ; recursos do primeiro grafico resXY = True resXY@gsnMaximize = True resXY@xyLineThicknesses = 3. resXY@tiYAxisString = "radiac ~ H-12F35 ~ K ~ F21H2 ~ a"+\ " ~ H-14F35 ~ D ~ F21H3 ~ o [Wm ~ S ~ -2 ~ N ~ ]" resXY@tiXAxisString = "latitude" resXY@tmXTOn = False resXY@tmYROn = False ; plota gráfico da variação latitudinal de Rin e Rout plotRad = gsn_csm_xy( wks, radiacao(:,0), \ transpose( radiacao(:,1:2) ), resXY ) ; recursos para o segundo gráfico ; ... para o eixo Y esquerdo resL = True resL@gsnMaximize = True resL@xyLineThicknesses = 3. resL@tiYAxisString = älbedo" resL@tiXAxisString = "latitude" ; ... para o eixo Y direito resR = True resR@xyDashPatterns = 1 resR@xyLineThicknesses = 3. resR@tiYAxisString = "temperatura [ ~ S ~ o ~ N ~ C]" ; plota gráfico da variação latitudinal de T e albedo plotA = gsn_csm_xy2( wks, tempAlbedo(:,0), tempAlbedo(:,1), \ tempAlbedo(:,2), resL, resR ) ; fecha ambiente gráfico delete( wks ) ; converte figuras para png system( "convert -geometry 1000x1000 -density 300 -trim "+\ saida+"."+tipoGraf+" grafs.png" ) ;apaga arquivo PS system( "rm -f "+saida+"."+tipoGraf ) end

Uma vez instalado o NCL (o seu site possui todas as informações necessárias para este procedimento), basta executar a seguinte linha de comando para rodar o script acima:

ncl plotaGraficos_MBE.ncl

assumindo que o script seja salvo num arquivo plotaGraficos_MBE.ncl e que o modelo tenha sido rodado com sucesso, gerando os arquivos de saída necessários para a geração dos gráficos.

Aos leitores fica o convite para tentarem reproduzir os experimentos realizados com o MBE e apresentados neste documento, bem como os outros gráficos mostrados.

  • [1] M.I. Budyko, Tellus 5, 611(1969).
  • [2] W.D. Sellers, Journal of Applied Meteorology 8, 392 (1969).
  • [3] K. McGuffie and A. Henderson-Sellers, A Climate Modeling Primer (John Wiley & Sons, Chichester, 1997), 2Ş ed.
  • [4] S.G. Warren and S.H. Schneider, Journal of the Atmospheric Science 36, 1377 (1979).
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Apêndice

  • 1
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2012

    Histórico

    • Recebido
      25 Fev 2010
    • Aceito
      21 Dez 2011
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