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Estados ligados em um potencial delta duplo via transformada de Laplace

Bound states in a double delta potential via Laplace transform

Resumos

O problema de estados ligados em um potencial delta duplo é revisto com o uso do método da transformada de Laplace. Bem diferentemente de métodos diretos, nenhum conhecimento acerca da descontinuidade de salto da derivada primeira da autofunção é requerida para se determinar a solução.

duplo delta; estado ligado; transformada de Laplace


The problem of bound states in a double delta potential is revisited by means of Laplace transform method. Quite differently from direct methods, no knowledge about the jump discontinuity of the first derivative of the eigenfunction is required to determine the solution.

double delta; bound state; Laplace transform


ARTIGOS GERAIS

Estados ligados em um potencial delta duplo via transformada de Laplace

Bound states in a double delta potential via Laplace transform

A.S. de Castro1 1 E-mail: castro@pq.cnpq.br.

Departamento de Física e Química, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Guaratinguetá, SP, Brasil

RESUMO

O problema de estados ligados em um potencial delta duplo é revisto com o uso do método da transformada de Laplace. Bem diferentemente de métodos diretos, nenhum conhecimento acerca da descontinuidade de salto da derivada primeira da autofunção é requerida para se determinar a solução.

Palavras-chave: duplo delta, estado ligado, transformada de Laplace.

ABSTRACT

The problem of bound states in a double delta potential is revisited by means of Laplace transform method. Quite differently from direct methods, no knowledge about the jump discontinuity of the first derivative of the eigenfunction is required to determine the solution.

Keywords: double delta, bound state, Laplace transform.

1. Introdução

O uso da transformada de Laplace na equação de Schrödinger remonta ao próprio Erwin Schrödinger [1] ao lidar com o átomo de hidrogênio (veja também a Ref. [2]). Mais recentemente, os estados ligados em um potencial de Morse também foram obtidos por meio da técnica da transformada de Laplace [3]. A ideia subjacente ao método da transformada de Laplace para resolver uma equação diferencial é a conversão em uma equação transformada que possa ser resolvida com maior simplicidade. Em seguida deve-se executar a inversão da transformada de Laplace para obter a função original do problema. Eis uma tarefa que pode ser árdua e até mesmo infactível.

A equação de Schrödinger com um potencial constituído de uma soma de duas funções delta de Dirac, doravante denominado potencial delta duplo, tem sido usada para modelar as forças de troca entre os dois núcleos no íon de hidrogênio molecular [4] tanto quanto na descrição da transferência de um núcleon de valência durante uma colisão nuclear [5]. A bem da verdade, os estados estacionários de uma partícula em um potencial delta duplo ocupa as páginas de muitos livros-texto [6-12]. Os possíveis estados ligados são encontrados pela localização dos polos complexos da amplitude de espalhamento ou por meio de uma solução direta da equação de Schrödinger baseada na descontinuidade da derivada primeira da autofunção, mais a continuidade da autofunção e seu bom comportamento assintótico.

Neste trabalho apresenta-se uma abordagem alternativa para busca de estados ligados do potencial delta duplo baseada na transformada de Laplace. Com este procedimento a equação de Schrödinger independente do tempo transmuta-se numa equação algébrica de primeira ordem para a transformada de Laplace da autofunção. O processo da inversão da transformada de Laplace inversa é amigável e a solução do problema de estados ligados não requer qualquer conhecimento sobre a descontinuidade da derivada primeira da autofunção. A abordagem do potencial delta duplo via transformada de Laplace, além de estender a aplicabilidade do método de Laplace à mecânica quântica, fornece uma nova ponte entre o material que os estudantes tipicamente aprendem em um curso de física matemática e um problema físico interessante.

2. Os estados ligados de um potencial delta duplo

A transformada de Laplace

de uma função de ordem exponencial, i.e. |f(x) | < Meσxcom σ e M > 0, converge se Re s > σ [13]. A transformada de Laplace é uma operação linear e o mesmo se dá com a transformada inversa. A propriedade de deslocamento

onde

é a função degrau de Heaviside, segue diretamente da definição da transformada de Laplace. Também segue da Eq. (1) que

Usando as definições

a equação de Schrödinger independente do tempo para uma partícula de massa m sujeita a um potencial delta duplo simétrico

pode ser escrita na forma

onde a plica (') denota a derivada em relação a x, α é uma constante real e L > 0. Multiplicando esta equação por e-sx e integrando em relação a x de 0 a ∞

onde

e {ϕ(x)} é a transformada de Laplace de ϕ(x) . Haja vista que ϕ(x) e ϕ'(x) são limitadas no infinito, temos a garantia da existência de {ϕ(x)} tanto quanto a anulabilidade da última parcela da Eq. (9). Resulta daí que temos uma equação algébrica para {ϕ(x)} cuja solução é

A reconstrução da autofunção ϕ(x) para x > 0, realizada pela inversão da transformada de Laplace, pode ser obtida prontamente usando (2)-(5)

Obviamente ϕ(x) não é quadraticamente integrável se k. Entanto, com uso das identidades

pode-se verificar que se k = ±iξ/L com ξ ∈ (E < 0) e

assevera-se que ϕ(∞) = 0. Deste modo podemos escrever a autofunção para estados ligados, definida no semieixo positivo X, na forma

Não obstante a singularidade do potencial em x = L, a autofunção é uma função contínua. Se não fosse assim a equação de Schrödinger envolveria derivadas da função delta de Dirac. A continuidade de ϕ(x) em x = L implica que

Esta última relação combinada com a Eq. (14) resulta em

Haja vista que o potencial é par sob a troca de x por -x (a função delta de Dirac é invariante sob inversão espacial), a extensão da autofunção (15) para todo o eixo X pode ser expressa como uma função de paridade definida pela imposição de condições de contorno apropriadas sobre ϕ(x) e ϕ'(x) na origem. Por causa da continuidade da autofunção e sua derivada em x = 0 (para L ≠ 0), estas condições podem ser cominadas de duas formas distintas: a função par obedece à condição de Neumann homogênea ϕ'( 0) = 0, enquanto a função ímpar obedece à condição de Dirichlet homogênea ϕ(0) = 0. Deste modo a Eq. (17) torna-se uma equação para a variável ξ. Portanto, para ϕ(-x) = +ϕ(x) temos

com a condição de quantização

Por outro lado, para ϕ(-x) = -ϕ(x) temos

onde ε(x) = x/|x| (x ≠ 0) é a função sinal, e a condição de quantização manifesta-se agora na forma

Já que a função e-2ξ é limitada entre os valores 0 e 1 ao passo que |1-2ξ/a| não se inclui dentro destes limites quando a < 0, podemos inferir que não há possibilidade de solução para estados ligados se a < 0 (potencial repulsivo). Para um potencial atrativo (a > 0), a natureza do espectro resultante das soluções das equações transcendentais (19) e (21) podem ser visualizadas na Fig. 1, onde constam esboços dos membros direito e esquerdo das Eqs. (19) e (21). As abscissas das interseções de e-2ξ e |1-2ξ/a| fornecem as soluções desejadas. Daí

Pode-se depreender da Fig. 1 que sempre há uma e somente uma solução para o caso de uma autofunção simétrica mas a existência de uma solução para o caso de uma autofunção antissimétrica sucede tão somente quando a > 1. Isto se dá porque 1-2ξ oscula e-2ξ em ξ = 0. Seja lá como for, o estado fundamental corresponde a uma autofunção par.


3. Comentários finais

Os leitores podem verificar que a metodologia aqui apresentada pode ser estendida com facilidade para um potencial constituído de uma soma de um número arbitrário de funções delta de Dirac dispostas simetricamente em relação à origem. Contudo, o caso de um potencial delta de Dirac localizado na origem requer uma modificação na definição da transformada de Laplace que inclua a origem no domínio de integração. De fato,

tem sido usada por alguns autores [14-16] para incorporar as condições sobre f(x) em x = 0_. Entretanto, o uso de _ no caso de um potencial delta de Dirac localizado na origem demanda o conhecimento da descontinuidade da derivada primeira da autofunção.

Agradecimentos

O autor é grato ao CNPq pelo apoio financeiro. Um árbitro atencioso contribuiu para proscrever incorreções constantes na primeira versão deste trabalho.

Recebido em 9/12/2011; Aceito em 8/5/2012; Publicado em 7/12/2012

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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      09 Dez 2011
    • Aceito
      08 Maio 2012
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