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O LHC (Large Hadron Collider) e a nossa física de cada dia

The LHC (Large Hadron Collider) and our daily physics

Resumos

O objetivo deste artigo é introduzir alguns conceitos físicos utilizados no maior colisor de partículas do mundo (LHC) e demonstrar que esse equipamento não oferece risco algum à Terra. Esses conceitos serão tratados a partir de conteúdos abordados no Ensino Médio, servindo, desse modo, como incentivo as práticas docentes no ensino de física básica. Os tópicos abordados serão: raios cósmicos, mini-buracos negros, campos magnéticos, detectores de partículas, luminosidade, partícula de Higgs, cavidades de RF (rádio frequência), energia armazenada em diferentes formas e o modelo padrão das partículas elementares. Os cálculos apresentados aqui são apenas aproximações pois, na maioria destes, foram desconsiderados os efeitos relativísticos.

física de partículas; aceleradores de partículas; ensino de física


The goal of this article is to introduce some physical concepts used in the largest particle collider in the world (LHC) and demonstrate that this equipment does not offer any risk to Earth. These concepts will be treated from content covered in high school, thus serving as an incentive to teaching practices in the basic Physics teaching. Topics covered will be: cosmic rays, mini-black holes, magnetic fields, particle detectors, luminosity, Higgs particle, RF (radio frequency) cavities, energy stored in different ways and the Standard Model of elementary particles. The calculations presented here are only approximations because, in most of these, were disregarded relativistic effects.

particle physics; particle accelerators; Physics teaching


ARTIGOS GERAIS

O LHC (Large Hadron Collider) e a nossa física de cada dia

The LHC (Large Hadron Collider) and our daily physics

Fábio Kopp Nóbrega1 1 E-mail: fabiokopp@gmail.com. ; Luiz Fernando Mackedanz

Instituto de Matemática, Estatística e Física, Universidade Federal do Rio Grande, Campus Carreiros, Rio Grande, Rio Grande do Sul, RS, Brasil

RESUMO

O objetivo deste artigo é introduzir alguns conceitos físicos utilizados no maior colisor de partículas do mundo (LHC) e demonstrar que esse equipamento não oferece risco algum à Terra. Esses conceitos serão tratados a partir de conteúdos abordados no Ensino Médio, servindo, desse modo, como incentivo as práticas docentes no ensino de física básica. Os tópicos abordados serão: raios cósmicos, mini-buracos negros, campos magnéticos, detectores de partículas, luminosidade, partícula de Higgs, cavidades de RF (rádio frequência), energia armazenada em diferentes formas e o modelo padrão das partículas elementares. Os cálculos apresentados aqui são apenas aproximações pois, na maioria destes, foram desconsiderados os efeitos relativísticos.

Palavras-chave: física de partículas, aceleradores de partículas, ensino de física.

ABSTRACT

The goal of this article is to introduce some physical concepts used in the largest particle collider in the world (LHC) and demonstrate that this equipment does not offer any risk to Earth. These concepts will be treated from content covered in high school, thus serving as an incentive to teaching practices in the basic Physics teaching. Topics covered will be: cosmic rays, mini-black holes, magnetic fields, particle detectors, luminosity, Higgs particle, RF (radio frequency) cavities, energy stored in different ways and the Standard Model of elementary particles. The calculations presented here are only approximations because, in most of these, were disregarded relativistic effects.

Keywords: particle physics, particle accelerators, Physics teaching.

1. Introdução

Ensinar física no Ensino Médio tem se tornado um desafio nos últimos anos. A desmotivação da maioria dos professores surge devido a uma carga horária excessiva e uma remuneração baixa, associada ao desinteresse geral dos adolescentes pelo saber escolar, acabaram tornando o magistério uma atividade pouco atraente para o público jovem que ingressa nas universidades. As recentes políticas de incentivo, como o crédito educativo diferenciado para estudantes das licenciaturas e o Programa Institucional de Bolsas de Incentivo à Docência -PIBID/CAPES,2 2 http://www.capes.gov.br/educacao-basica/capespibid. , buscam dar um incentivo não somente aos licenciandos, mas também aos professores que atuam no Ensino Médio.

A disciplina de física carece ainda mais da formação inicial, uma vez que estudos do Ministério da Educação apontavam, em 2001, um déficit de mais de 16000 professores desta disciplina no Ensino Médio brasileiro. As dificuldades inerentes à ciência estudada, que podem ser medidas com o índice de 65% de evasão dos cursos de Licenciatura em Física, bem como o despreparo dos atuais ingressantes, de modo geral, tornam o vestibular ou, mais recentemente, a procura pelas vagas da Licenciatura em Física via Sistema de Seleção Unificado (SiSU), com uma disputa inferior a de outras ciências, como a matemática. Com isto, as escolas optam pelo aproveitamento de professores de matemática para ministrar aulas de física, com a justificativa de que "física é apenas uma aplicação de fórmulas matemáticas". Os mesmos estudos apontam para um percentual de apenas 9% dos professores de física em exercício com efetiva formação nesta ciência [1], o que explica em parte o fraco desempenho de nossos estudantes em avaliações internacionais envolvendo a física.

Com esta lacuna na formação inicial, muitos professores em exercício apenas reproduzem o livro didático em sala de aula, não envolvendo o estudante com questões práticas, associadas ao cotidiano dos mesmos, exceto quando propostas atividades similares pelo livro didático. Isto significa que o professor deixa de contextualizar o conteúdo da ciência, o que poderia torná-lo mais próximo do estudante e aumentar a significância de sua aprendizagem [2]. Ainda assim, exis tem certos assuntos que podem ser vistos como tabu entre estes professores, em especial assuntos relacionados a tópicos como o eletromagnetismo, a óptica física e a física moderna, principalmente na parte da temida física quântica [3]. A falta do conhecimento formal na formação inicial não permite que as pesquisas mais recentes envolvendo a introdução de tópicos destes assuntos sejam exploradas em sala de aula, negando ao aluno uma oportunidade de conhecer mais o mundo tecnológico que o rodeia. Nesta linha de raciocínio, a contextualização da ciência passa, no caso da física, pela apresentação dos fenômenos quânticos ao estudante do Ensino Médio.

Contudo, esta aclamada contextualização pode ser iniciada a partir de notícias atuais relacionadas à ciência, tão comuns na mídia. Um caso recente foi o início do funcionamento do Large Hadron Collider (LHC, em português, Grande Colisor de Hádrons3 3 Hádron é o nome genérico das partículas elementares que interagem fortemente e se dividem em dois grupos: os bárions (formados por três quarks) e os mésons (formados por um quark e um antiquark). ). Certamente foram muito noticiados os mitos da destruição do planeta a partir da formação de um buraco negro nas colisões que iriam ocorrer na fronteira da França e da Suíça. Além disso, ainda hoje, dois anos após o início da operação, centenas de trabalhos pseudo-científicos estão divulgados na internet relacionando o LHC com fenômenos climáticos e geológicos. Apesar de se tratar de um acelerador de partículas, e portanto estar ligado diretamente ao ensino de tópicos da física Moderna, como a física nuclear e de partículas, também devemos lembrar que tópicos da denominada física básica, como as leis de conservação de energia e momentum linear, a termodinâmica, o eletromagnetismo, entre outros, também podem ser entendidos a partir do estudo do funcionamento do LHC. Uma proposta já presente na literatura envolve o enfoque HFC (História e Filosofia da Ciência) e CTS (Ciência, Tec nologia e Sociedade) [4].

Neste trabalho, fazemos uma releitura dos trabalhos de Cid e Cid [5-8], apresentando tópicos como os raios cósmicos e a formação de buracos negros no LHC numa linguagem textual e matemática compatível com o Ensino Médio, para que possa ser usada como subsídio pelos professores em exercício. Apresentamos inicialmente detalhes sobre o CERN,4 4 acrônimo para o francês Conseil Européen pour la Recherche Nucleáire seu funcionamento e as colaborações ligados aos 4 detectores principais do complexo. A seguir aproveitamos os mitos divulgados em relação à "máquina do fim do mundo" para introduzir alguns conceitos e apresentar material que pode ser utilizado em aulas relacionadas ao eletromagnetismo no Ensino Médio. Ao final, apresentamos algumas sugestões de abordagem destes assuntos em sala de aula, bem como algumas perspectivas da exploração destes assuntos no Ensino Médio.

2. A física de partículas no Ensino Médio

Diversos trabalhos tem sido apresentados com a temática Física Moderna e Contemporânea (FMC) e sua introdução em sala de aula no Ensino Médio. Textos com linguagem acessível, buscando aproximar do professor do ensino básico alguns conceitos deixados usualmente de lado, bem como estratégias para a inserção destes conteúdos no decorrer do Ensino Médio regular podem ser encontrados na literatura mais recente [ 3 , 9, 10]. Dentro desta concepção encontramos textos que buscam apresentar o modelo padrão de partículas, porém não chegam a propor estratégias para seu aproveitamento em sala de aula [12]. No entanto, introduzir tópicos de FMC no Ensino Médio exige um trabalho de reescrita dos currículos escolares, uma vez que a pequena quantidade de aulas de física semanais, junto a um currículo historicamente inchado pelos conteúdos tradicionais, deixa pouco espaço para introduzir novos tópicos. A inserção da física quântica [13] e de tópicos relacionados, como a supercondutividade [14] requer tempo e espaço na sala de aula, bem como um maior trabalho de contextualização, mostrando onde estes conteúdos interferem no cotidiano do estudante. Além disso, a grande maioria dos professores de física não se sente preparado para abordar estes assuntos [11,15], seja por não terem formação em física, seja por terem uma formação não tão sólida nestas áreas. Neste ponto, podemos vislumbrar um descompasso entre a formação nas Licenciaturas, a sala de aula e o Programa Nacional de Desenvolvimento da Educação (PNDE).

Considerando a contextualização dos conteúdos, podemos pensar que a física de partículas está ainda mais distante dos estudantes, uma vez que trata de corpos não visíveis mesmo com auxílio de um microscópio potente. Porém, aproveitar a oportunidade criada com o funcionamento da maior máquina já construída pelo ser humano parece um bom atrativo para ensinar conceitos básicos da física, e a partir disso introduzir conceitos de FMC com naturalidade. Assuntos como colisões, leis de conservação, eletromagnetismo, campos magnéticos, termodinâmica, comportamento dos gases, surgem após um pouco de discussão sobre o acelerador e seu funcionamento. Ligados aos mesmos, a relatividade especial, a supercondutividade e a física de partículas carregadas, aparecem em sequência. Portanto, no lugar de introduzir novos conceitos em épocas pré-definidas, como o fim do terceiro ano do ensino Médio, uma estratégia mais interessante, e talvez mais funcional, seja introduzi-los após conceitos clássicos diretamente relacionados.

Segundo Pietrocola [16], a física de partículas tornase interessante ao aluno pela curiosidade/motivação de prospectar novos "mundos" -uma analogia com os livros de aventura/ficção científica; ao professor, pela adequação aos condicionantes de sala de aula, tratando mais a descrição de fenômenos, produzindo atividades para a interação do estudante; e em relação ao saber específico, com a modernização dos conteúdos escolares, através do ensino de temas mais próximos à pesquisa contemporânea. Além disso, a emergência e atualidade do assunto, principalmente relacionado à operação do LHC, permitem uma maior exploração dos conteúdos relacionados, não somente àfísica de partículas, mas também ao eletromagnetismo, termodinâmica e dinâmica de colisões. Devemos notar que estes assuntos são comuns nos currículos da educaçao básica, porém precisamos criar novas maneiras de abordá-los, dando nova significância aos mesmos, usando fenômenos atuais, ainda que não corriqueiros para os estudantes.

Por outro lado, estudar o funcionamento de uma das maiores máquinas já construídas pelo ser humano fornece uma dimensão epistemológica diferente, podendo ser aproveitada não somente no ensino de física, mas também no ensino de humanidades, analisando os benefícios5 5 Para se ter uma idéia, a forma atual da internet, com o protocolo www: wide world web, foi desenvolvido no CERN, para facilitar a troca de arquivos e informações entre diferentes institutos de pesquisa ao redor do mundo (1990). e malefícios que essa máquina pode trazer ao meio ambiente, relações entre cientistas e a economia dos países que sediam o experimento; não esquecendo, é claro, os países que colaboraram para a construção desta máquina. Na próxima seção, apresentamos as ideias que levaram a criação do CERN e o comissionamento do LHC.

3. Motivação

A organização européia para pesquisa nuclear, mais conhecida como CERN, é o maior laboratório de física de partículas do mundo e situa-se na fronteira entre França e Suíça. Foi criado em 1952, no pós-guerra, com o apoio da UNESCO, com o objetivo de promover a colaboração entre os países europeus na área de pesquisa visando o domínio da física de altas energias. O objetivo de aproximar as comunidades cientificas levou o CERN a tornar-se o único lugar onde cientistas russos e americanos trabalharam em conjunto durante a Guerra Fria. Atualmente, trabalham ali mais de 2600 pessoas, porém o número de envolvidos ultrapassa 8000 pessoas ao redor do mundo, através da grande quantidade de institutos conveníados.

Diversos experimentos foram realizados no complexo do CERN desde 1954, envolvendo colisões e+e-(elétron e sua antipartícula, o positrón), ep (elétron e protón) e p (protón e anti protón). Com o advento das colisões envolvendo íons, que concentram uma maior densidade de energía e podem fornecer informações mais profundas sobre a estrutura da matéria, entrou em funcionamento o PS (do inglês Proton Synchroton) e seu desdobramento, o SPS (Super Proton Synchroton). Com o intuito de aumentar a energia envolvida nas colisões, comissionou-se o LHC, cujo túnel circular de 27 km de extensão está situado a 100 metros da superfície. No LHC são acelerados dois feixes de partículas em sentidos contrários, obtidos a partir da ionização do hidrogénio ou de núcleos de chumbo. Estas partículas são denominadas hádrons, pois possuem uma subestrutura composta de quarks e interagem via força nuclear forte. O complexo de aceleradores é mostrado na Fig. 1.


Antes de nos determos nos aspectos relacionados às colisões, é importante fazer uma distinção entre aceleradores e colisores de partículas. Os primeiros fazem parte de uma classe de aparatos que somente incrementa a velocidade dos feixes, como aquele existente num tubo de raios catódicos (TRC) - televisão comum - ou aparelho de raios-X. No CERN, exemplos desta classe são os Linacs (aceleradores lineares), o PSB (acrónimo para Proton Synchroton Booster), além do PS e do SPS, já mencionados. Em geral, trabalham com colisões em alvos fixos. Já os colisores, como o LHC, mantém dois feixes de partículas em direções opostas no túnel, aumentando a velocidade oestes feixes num breve período de tempo e mantendo essa velocidade constante por horas, alcançando assim, bilhões de colisões.

Além disso, espera-se que no LHC, colisões frontais entre dois feixes de prótons alcancem uma energia de centro de massa (ECM ) de 14 TeV e uma luminosidade altíssima, conforme veremos na próxima seção. As partículas produzidas nestes processos serão coletadas pelos quatro detectores mostrados na Fig. 1. Como vemos, eles estão colocados na extensão do anel do LHC: o ATLAS (acrônimo para o inglês A Toroidal LHC ApparatuS -em português, Um Aparato Toroidal do LHC), o CMS (acrônimo para o inglês Compact Muon Solenoid - em portugues, Solenóide Compacto para Múons), o ALICE (acrônimo do inglês A Large Ion Collider Experiment - em português, Um Grande Experimento de Colisor de Ions) e o LHC-b (destinado ao estudo da física de decaimentos do méson B, um estado ligado entre quark e antiquark bottom)6 6 Maiores informações podem ser obtidas diretamente no sítio do experimento http://lhc.web.cern.ch (em inglês ou espanhol).

Para atingir o valor máximo de ECM, o colisor opera com mais de 2808 ramos de partículas por feixe, tendo 1.15x1011 prótons por ramo. O processo de aceleração e curvatura destes feixes no anel circular é feito usando mais de 8000 magnetos supercondutores de diferentes tipos.

A aceleração dos feixes é realizada por oito cavidades de radiofreqüência (RF), através de ondas eletromagnéticas. Os feixes produzidos no SPS entram no anel maior com uma energia de 0,45 TeV e os 7 TeV necessários são fornecidos pelas cavidades de RF. Cada cavidade entrega 2 MeV por feixe a uma frequência de 400 MHz. Para um uso mais efetivo do número limitado de cavidades de RF, o colisor é projetado de maneira que um feixe de partículas passe por elas um grande número de vezes. Isto é possível com trajetórias fechadas, o que mostra a grande versatilidade de colisor es circulares. No LHC, por exemplo, os dois feixes são acelerados no mesmo túnel, circulando em direções opostas e acelerados pelas mesmas cavidades. A utilização de partículas semelhantes nos dois feixes (prótons ou íons de chumbo) permitiu também uma diminuição no espaço necessário para aceleração das partículas, o que diminuiu o custo total do acelerador.

Podemos estimar a potência destas cavidades através de um cálculo simples. Considerando que as partículas viajam com velocidades próximas à da luz, cada uma delas percorre

A energia entregue a cada próton por volta é

E = n. de cavidades · energia por cavidade · carga elétrica · n. de ramos · n. de prótons por ramo

E = 8 · 2 x 106 · 1,6 x 10-19 · 2808 · 1,15 x 1011

E = 830 J/volta

e temos portanto

Ptotal = número de voltas · energia por volta

Ptotal = 11253·830

Ptotal = 9MW.

O trabalho de curvatura dos feixes é realizado por um conjunto de 1232 dipolos supercondutores que operam para fornecer 8,33 T (100.000 maior que o campo magnético da Terra) sem desvios. Sabemos que os supercondutores apresentam baixíssimas resistências, entretanto, eles ainda dissipam energia térmica; se esse calor não for removido, os supercondutores começam a perder suas propriedades, ou seja, passa a oferecer maior resistência elétrica. Por isso, o sistema magnético de supercondutores é resfriado com hélio líquido a 1,9 K. Isto significa que o túnel do LHC pode ser considerado como o lugar mais frio do Universo , uma vez que a temperatura no espaço, medida através da radiação cósmica de fundo , é aproximadamente 2,3 K [7].

O LHC ainda possui um sistema de dreno mostrado na Fig. 2 para os feixes de partículas com o mínimo de perda. Isto significa que em caso de emergência, os feixes de partículas podem ser desviados para blocos que amortecem e dissipam a energia armazenada no feixe. Este sistema tem formato cilíndrico com 8 m de comprimento, 1 m de diâmetro, totalmente encapsulado em concreto e preenchido com grafite para espalhar o chuveiro hadrônico através de um largo volume. Estes cilindros localizam-se em pontos específicos do acelerador , para onde os feixes são desviados por magnetos para um túnel de 700 m de extensão , com o sistema de dreno ao seu final. Existem dois sistemas de dreno, isto é, um para cada feixe; cada feixe dissipa 360 MJ em 89 ms. Portanto, no momento de despejo, a densidade dentro do bloco é


Sabendo que a potência é definida por P = , temos a potência total dissipada que é [5]

Nas próximas seções apresentaremos algumas quantidades relacionadas ao funcionamento do LHC e suas possíveis aplicações em sala de aula.

4. Luminosidade no LHC

No LHC as colisões envolvendo prótons alcançam ECM = 14 TeV, resultando num número muito alto de colisões por segundo por unidade de área. Esta quantidade é chamada de luminosidade e para estes processos será de 1 ×1034 colisões/s · cm2. Este valor é um limite superior, pois em 28/6/2010 o LHC alcançou 8 × 1029 colisões/s · cm2 , quebrando um recorde [6].

A configuração dos feixes de prótons é feita de maneira que cada ramo possua 7,48 cm de comprimento e 1 mm2 de seção transversal, mantida constante em todo o trajeto exceto na área de interação, onde esta seção é reduzida para 256 µm2. Nestes ramos, podemos caracterizar ainda pacotes de prótons, que distam entre si 7,5 metros. Um cálculo rápido mostra que, tendo o LHC aproximadamente 27 km de circunferência, temos 3550 ramos.7 7 ≈ 3550 ramos

Para maior eficácia da instrumentação e melhor controle dos feixes, o número de ramos foi reduzido para 2808. Para obtermos a probabilidade de um próton colidir com outro próton que se desloca no sentido contrário, basta termos o diâmetro do próton e o tamanho da seção transversal do ramo. Portanto, encontramos uma probabilidade de interação8 8 de aproximadamente 4 × 10-21.

De posse deste valor, ao multiplicarmos a probabilidade pelo quadrado do número de prótons por ramo, chegamos à quantidade de interações por cruzamento. Tendo 1,15 × 1011 prótons por ramo, obtemos aproximadamente 50 interações. Ainda devemos levar em consideração que 50% são choques inelásticos que possibilitam a criação de novas partículas. Assim, há aproximadamente 20 colisões efetivas por cruzamento.

Este número nos possibilita chegar ao número de colisões efetivas a serem consideradas pelos detectores do LHC. Em primeiro lugar, vamos lembrar que os pacotes de prótons se movem a velocidade da luz, c e que o acelerador tem um comprimento de aproximadamente 27 km, o que nos fornece aproximadamente 11000 voltas por segundo.9 9 ≈ 11000 voltas/s Como temos 2808 pacotes em cada feixe, temos

11000 · 2808 ≈ 30 × 106 cruzamentos/s,

o que leva à

30 × 106 · 20 ≈ 6 × 108 colisões/s,

ou seja, a maior taxa possível de colisões a serem detectadas é de 600 milhões de colisões por segundo, em particular para o ATLAS e o CMS

Com a luminosidade determinada, podemos encontrar o número de colisões efetivas para um determinado evento. Para chegar a esse número, devemos abordar o conceito de seção de choque eficaz (σ), que nos fornece, basicamente, a probabilidade desse evento ocorrer. Essa medida é uma quantidade geométrica, expressa em uma unidade especial de área, o barn, que se relaciona com o sistema métrico por

1 b = 10-24 cm-2.

Além da seção de choque eficaz, também precisamos definir outra grandeza - a luminosidade integrada, que é a luminosidade instantânea calculada acima multiplicada pelo tempo de funcionamento do colisor - para chegarmos ao número de eventos com sucesso.

Para determinar o número total de eventos bem sucedidos, precisamos saber o tempo que o colisor irá funcionar. Supondo um funcionamento de 10 horas, a luminosidade integrada é

Para o caso específico do bóson de Higgs, do qual falaremos com mais detalhe nas próximas seções, σ = 50fb = 50 × 10-15b. Geometricamente, isto equivale à

σ = (50 × 10-15) · 10-24 cm-2 = 5 · 10-38 cm-2.

O número de eventos com sucesso é

Apesar do número de eventos calculado, muita análise deve ser feita sobre os dados obtidos numa colisão, para poder determinar quais são estes 20 eventos dentro das 600 milhões de colisões armazenadas a cada segundo nos discos rígidos dos computadores. Isso exige um trabalho computacional colossal o que resulta numa demora significativa até a descoberta de um nova partícula.

5. Energia armazenada nos feixes

Os cálculos da seção anterior mostraram a taxa de eventos produzidos no LHC. Nessa seção falaremos sobre a energia que cada um dos ramos de prótons porta [8]. Sabendo que 7 TeV é igual a 1, 12 × 10-6J, podemos fazer uma comparação interessante. Um inseto de 60 mg, voando a 20 cm/s, possui uma energia cinética de Ec = mv2, isto é

Através dessa aproximação, podemos ver que cada próton no LHC possui a mesma energia cinética de um mosquito. Entretanto, um mosquito é constituído por mil trilhões de partículas -os nucleons (prótons mais neutrons) -que compõem suas moléculas, enquanto que no LHC temos 7 TeV concentrado somente em um nucleon (próton). Comparando agora a energia portada por cada ramo, temos

Para se ter uma idéia do que esta energia significa, uma motocicleta com 150 kg, trafegando a uma velocidade de 150 km/h tem associada uma energia de aproximadamente Ec = 1, 29 × 105 J. Portanto, se uma pessoa fosse atingida por esse ramo de prótons, o impacto seria equivalente ao choque de uma motocicleta a 150 km/h. Se fizermos esse mesmo cálculo levando em consideração todos os ramos em um feixe, isto é, 2808, encontramos uma energia aproximada de 360 MJ. Essa energia é equivalente a um explosão produzida por 77,4 kg de TNT. Levando em consideração a potência das cavidades de RF, com o LHC trabalhando a pleno, precisamos de 40 s para alcançar esta energia nos feixes. Levando em consideração todo o processo, desde a ionização do hidrogênio e todos os estágios de aceleração, o tempo despendido é de aproximadamente 25 minutos.

Para que estes feixes sigam a trajetória ao longo do túnel circular, necessitam ser curvados por campos magnéticos fortíssimos. A força necessária para curválos pode ser calculada a partir da expressão para a força centrípeta, considerando que as partículas movem-se com v ~ c

e para um próton no LHC

o que não parece uma força muito grande. O campo magnético necessário para exercer esta força sobre cada próton é

Este é o valor necessário para cada próton acompanhar a curvatura do LHC. O complexo possui 1232 dipolos magnéticos ao longo de sua circunferência, onde cada dipolo possui 14,3 m de comprimento e pesa aproximadamente 35 toneladas. Notem que estes dipolos não ocupam todo o perímetro do anel acelerador, mas sim

e não os 26659 m de circunferência. Para obter este campo magnético efetivo, deve ser produzido um campo igual à

Para obter este campo magnético, estes gigantescos eletroimãs são percorridos por uma corrente elétrica de 11,8 kA. Para fazermos uma estimativa, vamos considerar que cada dipolo do LHC é uma bobina cilíndrica com 9cm de largura, com 80 espiras, atravessada por um campo magnético de 8,33 T, perpendicular ao plano da espira. Utilizando estes dados, o fluxo magnético através de cada dipolo é

A indutância é obtida a partir da definição φ= L·I, e vale L ≈ 0, 1 H. Portanto, a energia armazenada no campo magnético (EM = L · I2) de cada dipolo é

E ≈ 7 MJ.

Considerando todos os dipolos, a energia total é 9 GJ. Essa energia é capaz de derreter 45 toneladas de ouro a uma temperatura ambiente de 25 ºC. Estes números servem para mostrar a grandiosidade do equipamento instalado no CERN, com o objetivo de estudar a estrutura da matéria e descobrir algumas peças fundamentais da teoria que explica esta estrutura.

Na seção seguinte, falaremos um pouco sobre a teoria subjacente à física de partículas e como estão estruturadas as colaborações estabelecidas no CERN, com uma breve descrição de seus objetivos e seus detectores.

6. Descobrindo novas partículas

A teoria do modelo padrão das partículas elementares é a melhor teoria atualmente para descrever o blocos construtores do universo. Esse modelo possui 6 quarks e 6 léptons os quais descrevem o universo, sendo necessários apenas o elétron, quarks up e down e o neutrino do elétron para formar a matéria visível que conhecemos. Possuindo 4 forças (nuclear forte, nuclear fraca, eletromagnética e gravitacional) e suas respectivas partículas mediadoras (Glúons, W +, W -e Z0, fótons e grávitons, sendo que a ultima partícula ainda não foi encontrada experimentalmente. Em 1970, os físicos perceberam uma ligação bem próxima entre duas forças: eletromagnética e fraca. Essa duas forças possuem a mesma magnitude a energia muito altas, isto é, elas são vistas como duas manifestações de uma mesma força, denominada força eletrofraca; a baixas energias, essas duas forças são bem distintas. Por haver essa diferença de comportamento, dizemos que há uma quebra de simetria. Em 1964, Peter Higgs introduziu um mecanismo para a quebra de simetria eletrofraca propondo um novo campo, chamado campo de Higgs, o qual permeia todo o espaço e da origem as massas da partículas. Podemos imaginar esse campo como causador de um tipo de força de arrasto nas partículas a medida que essas interagem com ele, fornecendo a inércia característica dessas partículas. Acredita-se que a massa da partícula mediadora do campo de Higgs tenha no mínimo 1 TeV.

O LHC foi projetado com o intuito de se detectar esta partícula, o que garantiria a correção do Modelo Padrão da física de partículas, uma vez que esta é a unica partıcula ainda não detectada experimentalmente. Este objetivo não é único, uma vez que a energia alcançada pelo acelerador criará condições necessárias para criar novas partículas. Considerando a energia armazenada nos feixes, calculada na seção anterior, descreveremos como a energia será armazenada por dois dos detectores mostrados na Fig. 1.

O detector CMS foi projetado para a busca do bóson de Higgs, de dimensões extras e das partículas que poderiam constituir a matéria escura. Seus magnetos são constituídos principalmente por 3 partes: uma bobina supercondutora, um tanque de vácuo e um fecho magnético. O solenóide consiste de cinco módulos distintos, onde cada um possui 2,5 m de comprimento. Cada módulo consiste de um cilindro de alumínio com 4 camadas internas de enrolamento, cada um com 109 voltas. Logo, N é igual a

N =5 · 4 · 109 = 2180 voltas

O comprimento total da solenóide é

d = 5 · 2,5 m = 12,5 m

A corrente que percorre o solenóide é I = 19,5 kA. Portanto, o campo magnético é

Usando a equação ao acima e calculando a area (estimando R = 3 m), obtemos

o que nos dá uma indutância L = 12 H. Usando este valor, obtemos uma energia total acumulada no campo magnético E ≈ 2, 3 GJ. Essa energia é equivalente a uma explosão de meia tonelada de TNT.

O ATLAS, o maior equipamento já construído pelo homem com o objetivo de detectar e estudar partículas, tem por dimensões 46 m de comprimento, 25 m de altura, 25 m de largura, com uma massa de 7000 toneladas, com 100 milhões de sensores distribuídos ao longo de seu comprimento. O ATLAS possui um sistema híbrido de 4 ímãs supercondutores: um solenóide central cercado por duas tampas em formato toroidal10 10 Um toróide é uma figura geométrica descrita pela rotação de um círculo não centrado na origem em torno de um eixo paralelo ao plano do círculo. Seu formato lembra um pneu. e um cilindro de contenção em formato também toroidal. O sistema do magneto possui 20 m de diâmetro e 26 m de comprimento. O solenóide central pesa 5,5 toneladas, tem 2,5 m de diâmetro e 5,3 m de comprimento, e produz um campo magnético axial de 2 T no seu centro. Além disso, possui 7 km de fios que são resfriados por hélio líquido, percorridos por uma corrente elétrica de 8,0 kA. O número de voltas deste solenóide é 1142.11 11 Número de voltas = = 1142.

Com esse valor de voltas, calcularemos o campo magnético usando a Eq. (1). Portanto, temos B ≈ 2 T, o que corresponde a um fluxo magnético φ ≈ 11200 Wb. A partir deste valor, podemos encontrar a indutância, que vale L =1, 4 H. Por fim, calculamos a energia armazenada com os valores de indutância e corrente encontrados, o que nos dá E ≈ 44, 8 MJ.

O detector ATLAS precisa de um cilindro de contenção toroidal para concentrar o campo magnético na região do detector de múons. Este aparato possui 25 m de comprimetro e 22 m de raio. Está montado com oito bobinas, tendo cada uma 25 m de comprimento e 5 de diâmetro, o que totaliza 100 km de fio supercondutor, por onde circula uma corrente elétrica de 20, 5 kA. Cada bobina tem 60 m de comprimento total,12 12 L =2 × 25 m + 2 × 5m = 60m. o que equivale a aproximadamente 1670 voltas. Usando a Eq. (1), encontramos um campo magnético de B ≈ 1 T, o que proporciona um fluxo magnético através do aparato

φ= 1670 · 1 · (25 · 5) = 208750 Wb.

Com o fluxo e a corrente encontrados acima, obtemos uma indutância L = 10, 2 H e uma energia armazenada E ≈ 2 GJ. Isto significa que este sistema de magnetos é o maior ímã supercondutor do mundo. Para termos uma idéia dessa energia, vamos comparar com um avião Airbus 380, que possui uma massa líquida de 560 toneladas, viajando a uma velocidade v ~ 300 km/h

7. A partícula de Higgs

Há muitas perguntas na física contemporânea que ainda não conseguimos responder. Uma delas (e talvez a mais importante) é sobre a massa das partículas. De acordo com a teoria vigente, que as partículas foram produzidas nos primeiros instantes de vida do Universo, estas partículas foram produzidas a partir do esfriamento do Universo sem massa. Físicos do mundo inteiro vem se perguntando a razão de determinadas partículas possuirem determinada massa. Além desta pergunta, eles também se perguntam da razão entre as massas e as simetrias existentes na natureza.

Em meados de 1970, Peter Higgs, François Englert, Robert Brout, Gerald Guranlmik, Dick Hagen e Tom Kibble propuseram independentemente que o universo é todo preenchido por um campo, posteriormente denominado campo de Higgs. A massa dos objetos seria causada por perturbações neste campo a medida que as partículas movem-se através dele. A base para essa teoria veio do Prêmio Nobel de Física de 2008, Yoichiro Nambu.

Uma analogia interessante para este mecanismo é de que o espaço é totalmente preenchido por uma substância viscosa. O movimento de qualquer partícula por este meio ocasionaria o aparecimento de uma força de arrasto, que poderia explicar a propriedade de inércia dos corpos, podendo ser interpretada como a massa das partículas. Para ilustrar melhor a atuação deste campo, podemos criar uma analogia com a propagação da luz [18].

Vamos imaginar um feixe de luz (composto de fótons) atravessando um material transparente como óu A velocidade desses fótons varia de acordo com o índice de refração do material. Se esse feixe incidir sobre o material com um determinado ângulo, ele pode ser defletido ou refratado como resultado desta redução em sua velocidade. Devemos lembrar que esta redução de velocidade ocorre pela interação dos fótons com os campos elétricos associados aos elétrons e núcleos presentes no material. Quanto maior a densidade do material, maior a quantidade destas partículas gerando campos elétricos, e os fótons mais interagem com eles, diminuindo assim sua velocidade de propagação. Ou seja, estes campos agem como se criassem uma "força de arrasto" sobre os fótons.

Uma forma de medir a redução de velocidade dos fótons é dado pelo índice de refração do material, dado por

onde c é a velocidade da luz no vácuo e v, a velocidade da luz no material.

Um fato muito importante a respeito da velocidade da luz no material, é que a velocidade varia de acordo com o comprimento de onda do fóton.

De acordo com a tabela, vemos que os fótons da cor azul percorrem o material num tempo menor que os fótons das cores amarelo e vermelho. Podemos pensar nos fótons da cor azul como tendo uma "massa inercial" maior que os outros dois. Entretanto, no vácuo, todos os fótons (todos os comprimentos de onda) viajam a mesma velocidade. Entretanto, se o Universo fosse preenchido com água, os fótons viajariam com diferentes velocidades. Afirmaríamos que esses possuem massas diferentes. Com isso, passaríamos de uma situação de simetria (fótons no vácuo = "sem massa") para assimetria (fótons na água = diferentes "massas inerciais").

Agora podemos fazer analogia com a física de partículas, quando dizemos que houve uma quebra de simetria. O modelo padrão sugere que logo após o Big Bang todas as partículas eram não massivas; a medida que o universo esfria e sua temperatura cai até que ela atinge um determinado valor crítico, no qual um campo invisível chamado campo de Higgs apareceria e preencheria todo o espaço. Diferentemente dos campos magnético e gravitacional, que possuem uma dependência na distância até suas fontes, variando assim seu valor de um ponto para o outro, o campo de Higgs é o mesmo para qualquer ponto do universo (talvez associado ao fato de que ele é uma característica do espaço e portanto, não possui fontes definidas pela teoria).

O que varia de um ponto para o outro é o modo como as partículas fundamentais interagem com o campo de Higgs e dão origem a massa. Naturalmente, as outras interações como a eletromagnética, a nuclear fraca e a nuclear forte podem também contribuir significativamente para o valor resultante da massa. Além disso, o grau de resistência oferecido pelo campo de Higgs depende do tipo de partícula fundamental e isto gera a diferença de massa entre um quark e um elétron. Para ilustrar isto, vamos imaginar que um quark ou elétron está em movimento num campo uniforme de Higgs. Se essa partícula mudar sua velocidade, isto é, acelerar, o campo de Higgs exercerá uma certa resistência (isto é, inércia) a qual poderemos associar a massa inercial desta partícula. Esta situação é análoga a estudada na refração, isto é, o campo de Higgs assume o papel do "material transparente" com um "índice de refração" específico para cada partícula fundamental. Isto significa que o campo de Higgs fornece uma certa característica a cada partícula, que a física denomina massa.

As limitações desta analogia, que devem ser consideradas são o fato de necessitarmos considerar a luz como partículas, não como ondas; e o fato de que a refração ocorre num meio material, o que certamente o campo de Higgs não é. Contudo, apontando-as aqui, podemos considerar a refração como uma analogia viável para estudantes do Ensino Médio entenderem o que é o campo de Higgs.

Porém, a partícula que vem sendo buscada nas colisões de altas energias ocorridas no CERN é o bóson de Higgs. O que vem a ser este bóson, denominado pelo físico Leon Ledermann como "a partícula de Deus"? Para entendermos isso precisamos do auxílio da mecânica quântica, que expressa este campo de Higgs em termos de quantidades discretas (os quanta do campo de Higgs), que são denominadas bósons13 13 Bósons são partículas que seguem uma estatística de contagem denominada Estatística de Bose-Einstein. Seus spins são múltiplos inteiros da unidade fundamental de momentum angular, h. Partículas deste tipo não estão sujeitas à regra de exclusão de Pauli, podendo ocupar o mesmo estado de spin sem limites. de Higgs. A descoberta destas partículas, pelas colaborações ATLAS e CMS, serviria para mostrar que o Modelo Padrão é a teoria que melhor descreve a estrutura da matéria. Caso contrário, ainda ficam em aberto duas grandes questões: qual mecanismo a natureza usou para gerar massa nas partículas e qual a teoria correta para explicar a natureza da estrutura da matéria?

As questões que buscamos responder com as colisões de partículas no LHC também levantam outras indagações: os experimentos a serem desenvolvidos no CERN são realmente seguros para o planeta? Diversos pontos foram levantados, principalmente ligados a formação de buracos negros nas colisões, que poderiam "engolir" o planeta. Nas duas próximas seções, mostraremos alguns cálculos relacionados a energia concentrada nestas colisões e analisaremos duas situações comuns na física de partículas [19].

8. Raios cósmicos

Em primeiro lugar, podemos mostrar cálculos que mostram que a energia alcançada nas colisões no LHC são comuns na atmosfera terrestre, através dos raios cósmicos. Sua composição básica é 90% são prótons, 9% núcleos de Hélio (partículas alfa) e 1% elétrons. São partículas altamente energéticas que atingem a atmosfera terrestre oriundas de fenômenos astrofísicos (possíveis candidatos: restos de supernovas que proporcionam tal aceleração as partıculas). A energia dessas partículas é três ordens de grandeza maior que a do LHC, logo, não oferece aparentemente risco algum a Terra. Na abordagem a seguir, calcularemos a energia necessária para que um raio cósmico tenha a mesma energia de centro de massa máxima (14 TeV usada no LHC. Nesse cálculo usaremos o conceito de energia-momento relativístico E2= p2c2 + (mc2)2associado a uma partícula livre. Portanto, ao igualar as energias, chegamos na equação

No sistema do LHC, temos: P = 0 e E = 14 TeV; no sistema do raio cósmico: P = PRC e E = ERC + mpc2, onde mp é a massa de repouso do próton.

Sabendo que a Eq. (4) fica

Sabemos que m2pc2 ≈ 10-3 TeV. Logo, a Eq. (5) nos fornece para a energia do raio cósmico o valor de aproximadamente 1017eV. Essa é a energia de um raio cósmico colidindo contra um atomo da atmosfera. Para avaliarmos melhor esse resultado, calcularemos o fluxo total do mesmo modo que calculamos a radiação cósmica de fundo; consideraremos um valor aproximadamente constante para o fluxo diferencial, de forma que

Integrando a Eq. (6), temos

Como sabemos o fluxo de partículas ultra energéticas, vamos imaginar essas partículas colidindo contra a superfície do Sol. A superfície do Sol14 14 S =4 · π · R 2=4 · π · (7 · 10 8) 2 ≈6 · 10 18 m 2. é ≈ 6 · 1018m2. Multiplicando o fluxo de partículas pela area total do Sol, obtemos ≈ 109 colisões/s. Cabe lembrar que o número de colisões por segundo no ATLAS e CMS com a luminosidade máxima possível é desta ordem. Com isso, raios cósmicos com a mesma energia de CM do LHC colidem a todo instante no Sol. Logo, a energia concentrada no LHC está associada a colisões que ocorrem a cada momento no alto da atmosfera, e portanto não oferece risco apreciável a Terra.

9. Buracos negros

Por outro lado, existe a preocupação com a densidade de energia nas colisões. Atualmente tem se falado na possível produção de mini buracos pelo LHC. Entretanto, não há nenhuma teoria que descreva esse fenômeno tal como ele ocorre, apenas uma previsão teórica. Seguindo essa proposta, usaremos a radiação de Hawking para explicar o que acontece nas bordas de um buraco negro. Sabendo que no vácuo são criados partículas e antipartículas virtuais a todo instante e o tempo de vida dessas deve obedecer o princípio de incerteza de Heisenberg

sendo que a energia de repouso da partícula é ΔE = mc2. Portanto, essa é a distância que a partícula virtual de massa m pode percorrer com velocidade c antes de desaparecer. Então

Assim como a radiação de Hawking, temos uma teoria que restringe o limite físico para o raio de um buraco negro. Esse raio é conhecido como raio de Schwarzschild, Rs, que depende da massa. Esse raio é obtido quando igualamos a energia cinética da partícula com a energia gravitacional. Portanto, conseguimos obter a intensidade da gravidade a essa distância. Então

Uma forma de explicar essa radiação é a criação de pares de partículas virtuais no vácuo, algo que acontece também no horizonte de evento. Uma dessas partículas é sugada pelo buraco negro e a outra consegue escapar da gravidade do buraco negro. Essa que foge, se torna uma partícula real e constitue a radiação de Hawking. A criação de pares de partículas deve ter propriedades opostos, isto é, se for produzido um elétron, um pósitron (sua antipartícula) será criada para manter a carga elétrica nula. O mesmo vale para o momentum angular total e a energia.

Assumindo que a energia potencial da partícula criada é

Substituindo as Eqs. (9) e (11) na Eq. (12), temos

Essa energia desapareceria dentro do buraco negro. Entretanto, essa energia é a mesma para a partícula virtual que se torna real fora do buraco negro. Portanto, o buraco negro está perdendo (liberando a radiação Hawking) de forma contínua. A Eq. ( 14 ) mostra que a medida em que a massa M do buraco negro aumenta , menor é a energia liberada por este. Com isso, se pensarmos nos mini buracos negros, estes possuem uma massa tão pequena que evaporaram instantaneamente. Podemos estimar o tempo de vida de uma buraco negro através da expressão

Levando em conta a relação massa-energia, temos

obtendo assim tl =1, 3 · 10-84s. Esse tempo é tão curto que nenhum fenômeno natural ocorre em escalas de tempo desta magnitude.

A produção desses fótons, elétrons e múons ultraenergéticos poderia revelar a existência dessa radiação e ainda a possibilidade de novas dimensões na escala da gravidade quântica.

10. Comentários finais

Neste material, procuramos apresentar brevemente alguns aspectos envolvidos na construção e funcionamento do LHC, de maneira que possam ser usados em sala de aula para ilustrar tópicos comuns, como o eletromagnetismo. Notem que não é necessário nenhum preparo especial ao professor para desenvolver estes cálculos, que baseamos na física comumente apresentada no Ensino Médio.

A ideia que levantamos aqui é aproveitar as notícias relacionadas ao LHC, bem como os mitos que sempre giram em torno de um grande experimento científico, para estimular os estudantes no estudo da física. Conforme ressaltamos na introdução, é fato admitido por todos que o aluno não gosta da aula de física tradicional, uma vez que os cálculos apresentados muitas vezes foge do conhecimento e do interesse dos estudantes. Claro que parece uma contradição apresentar neste trabalho uma quantidade grande de cálculos, uma vez que não acreditamos nesta metodologia no ensino de física. Contudo, chamamos a atenção que os cálculos aqui apresentados servem não como uma fórmula mágica para o ensino de física, mas podem ser utilizados como auxílio nas aulas do eletromagnetismo.

Finalmente, apresentamos alguns cálculos associados a temas atuais da física de partículas, como a criação de buracos negros e os raios cósmicos. Neste ponto, é interessante dizer que a física de raios cósmicos traz muitos aspectos interessantes, que podem ser explorados inclusive experimentalmente, com a construção de um detector de partículas pelos estudantes [20].

Os autores agradecem o apoio do CNPq, através do PIBIC, da CAPES, através do PIBID e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS), através do Auxílio Recém-Doutor. Agradecemos também os comentários do Prof. Marcos Cardoso Rodriguez em muitos aspectos do trabalho.

Recebido em 7/11/2011

Aceito em 29/8/2012

Publicado em 18/2/2013

  • [1] BRASIL, Escassez de Professores no Ensino Médio: Propostas Estruturais e Emergenciais (CNE/CEB, Brasília, 2007).
  • [2] E.C. Ricardo, Competência, Interdisciplinaridade e Contextualização: dos Parâmetros Curriculares Nacionais a uma compreensão para o ensino de ciências Tese de Douturado, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2005, 257 pp.
  • [3] M.B. Sanches, A Física Moderna e Contemporânea no Ensino Médio: Qual a sua Presença em Sala de Aula? Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2006, 112 pp.
  • [4] W.F. Balthazar e A.L. Oliveira, Uma Proposta para Ensinar Física Moderna e Contemporânea no Ensino Médio: o LHC e o Uso da Abordagem CTS e HFC CBPF-CS-001-09 (2009). Acesso em 12/4/2010.
  • [5] X. Cid Vidal and R. Cid Manzano, Phys. Educ. 44,78(2009).
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  • [7] X. Cid Vidal, Phys. Educ. 40,332(2005).
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  • [9] M.R.P. Siqueira, Do Visível ao Invisível: Uma Proposta de Física de Partículas Elementares para o Ensino Médio Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006, 257 pp.
  • [10] M.F.S. Alves e L.G. Costa, disponível em http://www.pg.utfpr.edu.br/sinect/anais2010/artigos/Ens_Fis/art85.pdf, acesso em 13/4/2011.
    » link
  • [11] C.O. Lozada, M.S.T. Araújo, in XI Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de Física, Curitiba, 2008, disponível em http://www.sbf1.sbfisica.org.br/eventos/epef/xi/sys/resumos/T0160-1.pdf , acesso em 6/9/2011.
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  • [19] X. Cid Vidal and R. Cid Manzano, Rev. Esp. Fis. 22,32(2008), disponível em http://fpmac116.usc.es/charlas/LHC_Seguro_REF.pdf , acesso em 8/3/2010.
  • [20] J.M. Lopes e T.G. Marques, Boletim Pulsar 24,6(2005).
  • 1
    E-mail:
  • 2
  • 3
    Hádron é o nome genérico das partículas elementares que interagem fortemente e se dividem em dois grupos: os bárions (formados por três quarks) e os mésons (formados por um quark e um antiquark).
  • 4
    acrônimo para o francês
    Conseil Européen pour la Recherche Nucleáire
  • 5
    Para se ter uma idéia, a forma atual da internet, com o protocolo www: wide world web, foi desenvolvido no CERN, para facilitar a troca de arquivos e informações entre diferentes institutos de pesquisa ao redor do mundo (1990).
  • 6
    Maiores informações podem ser obtidas diretamente no sítio do experimento
    http://lhc.web.cern.ch (em inglês ou espanhol).
  • 7
    ≈ 3550 ramos
  • 8
  • 9
    ≈ 11000 voltas/s
  • 10
    Um toróide é uma figura geométrica descrita pela rotação de um círculo não centrado na origem em torno de um eixo paralelo ao plano do círculo. Seu formato lembra um pneu.
  • 11
    Número de voltas =
    = 1142.
  • 12
    L =2 × 25 m + 2 × 5m = 60m.
  • 13
    Bósons são partículas que seguem uma estatística de contagem denominada Estatística de Bose-Einstein. Seus spins são múltiplos inteiros da unidade fundamental de momentum angular,
    h. Partículas deste tipo não estão sujeitas à regra de exclusão de Pauli, podendo ocupar o mesmo estado de spin sem limites.
  • 14
    S =4 · π · R
    2=4 · π · (7 · 10
    8)
    2 ≈6 · 10
    18 m
    2.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      07 Nov 2011
    • Aceito
      29 Ago 2012
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