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O oscilador harmônico singular revisitado

The singular harmonic oscillator revisited

Resumos

Investiga-se a equação de Schrödinger unidimensional com o oscilador harmônico singular. A hermiticidade dos operadores associados com quantidades físicas observáveis é usada como critério para mostrar que o oscilador singular atrativo ou repulsivo exibe um número infinito de soluções aceitáveis, contanto que o parâmetro responsável pela singularidade seja maior que um certo valor crítico, em discordância com a literatura. O problema definido em todo o eixo exibe dupla degenerescência no caso do oscilador singular e intrusão de adicionais níveis de energia no caso do oscilador não-singular. Outrossim, mostra-se que a solução do oscilador singular não pode ser obtida a partir da solução do oscilador não-singular via teoria da perturbação.

oscilador harmônico; potencial singular; degenerescência; colapso para o centro


The one-dimensional Schrödinger equation with the singular harmonic oscillator is investigated. The Hermiticity of the operators related to observable physical quantities is used as a criterion to show that the attractive or repulsive singular oscillator exhibits an infinite number of acceptable solutions provided the parameter responsible for the singularity is greater than a certain critical value, in disagreement with the literature. The problem for the whole line exhibits a two-fold degeneracy in the case of the singular oscillator, and the intrusion of additional solutions in the case of a nonsingular oscillator. Additionally, it is shown that the solution of the singular oscillator can not be obtained from the nonsingular oscillator via perturbation theory.

harmonic oscillator; singular potential; degeneracy; collapse to the center


ARTIGOS GERAIS

O oscilador harmônico singular revisitado

The singular harmonic oscillator revisited

Douglas R.M. Pimentel; Antonio S. de Castro1 1 E-mail: castro@pq.cnpq.br.

Departamento de Física e Química, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Guaratinguetá, SP, Brasil

RESUMO

Investiga-se a equação de Schrödinger unidimensional com o oscilador harmônico singular. A hermiticidade dos operadores associados com quantidades físicas observáveis é usada como critério para mostrar que o oscilador singular atrativo ou repulsivo exibe um número infinito de soluções aceitáveis, contanto que o parâmetro responsável pela singularidade seja maior que um certo valor crítico, em discordância com a literatura. O problema definido em todo o eixo exibe dupla degenerescência no caso do oscilador singular e intrusão de adicionais níveis de energia no caso do oscilador não-singular. Outrossim, mostra-se que a solução do oscilador singular não pode ser obtida a partir da solução do oscilador não-singular via teoria da perturbação.

Palavras-chave: oscilador harmônico, potencial singular, degenerescência, colapso para o centro.

ABSTRACT

The one-dimensional Schrödinger equation with the singular harmonic oscillator is investigated. The Hermiticity of the operators related to observable physical quantities is used as a criterion to show that the attractive or repulsive singular oscillator exhibits an infinite number of acceptable solutions provided the parameter responsible for the singularity is greater than a certain critical value, in disagreement with the literature. The problem for the whole line exhibits a two-fold degeneracy in the case of the singular oscillator, and the intrusion of additional solutions in the case of a nonsingular oscillator. Additionally, it is shown that the solution of the singular oscillator can not be obtained from the nonsingular oscillator via perturbation theory.

Keywords: harmonic oscillator, singular potential, degeneracy, collapse to the center.

1. Introdução

O oscilador harmônico é um dos mais importantes sistemas em mecânica quântica porque ele apresenta solução em forma fechada e isto pode ser útil para gerar soluções aproximadas ou soluções exatas para vários problemas. O oscilador harmônico é costumeiramente resolvido com o método de solução em séries de potências (veja, e.g., Ref. [1]) e o método algébrico (veja, e.g., Ref. [2]), e também por meio de técnicas de integração de trajetória (veja, e.g., Ref. [3]). Recentemente, o oscilador harmônico unidimensional foi abordado com os métodos operacionais da transformada de Fourier [4] e da transformada de Laplace [5].

A equação de Schrödinger com um potencial quadrático acrescido de um termo inversamente quadrático, conhecido como oscilador harmônico singular, também é um problema exatamente solúvel [6]-[12]. A bem da verdade, o problema geral de espalhamento e estados ligados em potenciais singulares é um tema antigo (veja, e.g., Ref. [13]). O caso do oscilador harmônico singular com parâmetros do potencial dependentes do tempo têm sido alvo de investigação recente [14]. O oscilador singular se presta para a construção de modelos solúveis de N corpos [15], tanto quanto como base para expansões perturbativas e análise variacional para osciladores harmônicos acrescidos de termos com singularidades muito mais fortes que o termo inversamente quadrático [16]. O oscilador singular também tem sido utilizado em mecânica quântica relativística [17]. A exata solubilidade do oscilador singular pode ser constatada nas Refs. [6] e [8] para o caso tridimensional, e também é patente nas Refs. [7] e [9] para o caso unidimensional restrito ao semieixo positivo. Duas referências mais recentes abordam o problema unidimensional em todo o eixo [10,11]. Na Ref. [10] não há detalhes da solução do problema nem menção às possíveis degenerescências, e lá consta que, para um oscilador singular atrativo, a partícula colapsa para o ponto x = 0 (The particle collapses to the point x = 0). Na Ref. [11], Palma e Raff esmiuçam o problema com o potencial singular repulsivo, concluem apropriadamente sobre a degenerescência e simplesmente afirmam que não há estado fundamental no caso do oscilador singular atrativo (the attractive potential has no lower energy bound).

O intuito deste trabalho é perscrutar a equação de Schrödinger unidimensional com o oscilador harmônico singular. Veremos que, além de uma crítica à literatura concernente a um problema de interesse recente e já cristalizado em livros-texto largamente conhecidos, a abordagem dos estados ligados do oscilador harmônico singular que se presencia neste trabalho permite aos estudantes de mecânica quântica e física matemática dos cursos de graduação em física o contato com equações diferenciais singulares e o comportamento assintótico de suas soluções, função hipergeométrica confluente, polinômios de Laguerre e de Hermite e outras funções especiais, valor principal de Cauchy de integrais impróprias, condição de hermiticidade sobre operadores associados com grandezas físicas observáveis e o descarte de soluções espúrias, condições de contorno e analiticidade das soluções na vizinhança de pontos singulares, paridade e extensões simétricas e antissimétricas de autofunções, degenerescência em sistemas unidimensionais, transição de fase e surgimento de níveis intrusos, et cetera. Seguramente, a profusão de conceitos e técnicas é do interesse de estudantes e instrutores. Com o critério de hermiticidade dos operadores associados com quantidades físicas observáveis, o tratamento do problema põe à vista dos leitores que o oscilador singular, seja atrativo ou repulsivo, exibe um número infinito de soluções aceitáveis desde que o parâmetro responsável pela singularidade seja maior que um certo valor crítico. Veremos que o espectro de energia é uma função monótona do parâmetro responsável pela singularidade e que a energia do estado fundamental do oscilador singular, independentemente do sinal de tal parâmetro, é sempre maior que dois terços da energia do estado fundamental do oscilador não-singular para o problema definido no semieixo, e sempre maior que o dobro da energia do estado fundamental do oscilador não-singular para o problema definido em todo o eixo. Mostramos que o problema definido em todo o eixo nos conduz à dupla degenerescência no caso do potencial singular e à intrusão de adicionais níveis de energia no caso do oscilador não-singular (relacionados com as autofunções de paridade par). O robusto critério de hermiticidade do operador associado com a energia cinética (ou potencial) mostra-se suficiente para descartar soluções ilegítimas e permite demonstrar que se o potencial singular for fracamente atrativo não há cabimento em se falar em colapso para o centro ou inexistência de estado fundamental. Finalmente, mostramos que, seja o problema definido no semieixo ou em todo o eixo, o oscilador não-singular pode ser pensado como uma transição de fase do oscilador singular, e por causa disso a solução do oscilador harmônico singular não pode ser obtida a partir da solução do oscilador harmônico não-singular via teoria da perturbação.

2. Potenciais singulares e degenerescência

A equação de Schrödinger unidimensional para uma partícula de massa de repouso m sujeita a um potencial externo V(x,t) é dada por

Aqui, Ψ(x,t) é a função de onda, ħ é a constante de Planck reduzida (ħ = h/(2π)) e H é o operador hamiltoniano

Não é dificil mostrar que

e levando em consideração que o operador hamiltoniano é um operador hermitiano,2 2 Todas as quantidades físicas observáveis correspondem a operadores hermitianos. O operador O é dito ser hermitiano se temos o corolário

A equação da continuidade

é satisfeita com a densidade de probabilidade

e a corrente

A equação da continuidade pode também ser escrita como

onde x0 é um ponto arbitrário do eixo X. A forma integral da equação da continuidade, (8), permite interpretar inequivocamente a corrente J(x,t) como sendo o fluxo de probabilidade através de x no instante t.

No caso de potenciais externos independentes do tempo, a função de onda Ψ admite soluções particulares da forma

onde ψ obedece à equação de Schrödinger independente do tempo

Neste caso, com condições de contorno apropriadas, o problema se reduz à determinação do par característico (E,ψ) . A equação de autovalor (10) também pode ser escrita na forma

com

A densidade e a corrente correspondentes à solução expressa pela Eq. (9) tornam-se

Em virtude de ρ e J serem independentes do tempo, a solução (9) é dita descrever um estado estacionário. Note que, por causa da equação da continuidade (5) e (8), a corrente J não é tão somente estacionária, mas também uniforme, i.e. J(x) = J(x0) .

Os estados ligados constituem uma classe de soluções da equação de Schrödinger que representam um sistema localizado numa região finita do espaço. Para estados ligados devemos procurar autofunções que se anulam à medida que |x|→ ∞. É óbvio que, em decorrência deste comportamento assintótico, J→ 0 quando |x|→ ∞. Assim, a uniformidade da corrente dos estados estacionários demanda que J seja nula em todo o espaço. Fato esperado em vista da interpretação de J apresentada anteriormente. Também, neste caso podemos normalizar ψ fazendo

Com um potencial invariante sob reflexão através da origem (x→ -x), autofunções com paridades bem definidas podem ser construídas. Neste caso, as autofunções de H são também autofunções do operador paridade, viz.

onde P é o operador paridade, p = ±1 e n denota quaisquer outros números quânticos. Como consequência da hermiticidade de H e P, as autofunções satisfazem à condição de ortogonalidade

Por causa da paridade, podemos concentrar a atenção no semieixo positivo e impor condições de contorno na origem e no infinito. Naturalmente, a autofunção é contínua. No entanto, temos de considerar a condição de conexão entre a derivada primeira da autofunção à direita e à esquerda da origem, que deve ser obtida diretamente da equação de Schrödinger independente do tempo. Normalizabilidade, conforme comentado de pouco, requer que ψ→ 0 quando |x|→ ∞. Autofunções com paridades bem definidas em todo o eixo podem ser construídas tomando combinações lineares simétricas e antissimétricas de ψ definida no lado positivo do eixo X. Estas novas autofunções possuem a mesma energia, então, em princípio, existe uma dupla degenerescência . É notório que o espectro de estados ligados de sistemas unidimensionais com potenciais regulares é não-degenerado (veja, e.g., Refs. [6] e [8]). Entretanto, se o potencial for singular na origem, por exemplo, tanto as autofunções pares quanto as autofunções ímpares poderiam obedecer à condição homogênea de Dirichlet na origem, e cada nível de energia exibiria uma degenerescência de grau dois.3 3 Os mais céticos quanto à possibilidade de degenerescência em sistemas unidimensionais podem constatar esta particularidade visualizando as possíveis autofuncões no caso de dois pocos infinitos dispostos simetricamente em torno de x = 0. A condição de conexão obedecida pela derivada primeira da autofunção, contudo, poderia excluir uma das duas combinações lineares, e nesse caso os níveis de energia seriam não-degenerados.

3. Oscilador singular

Seguindo a notação da Ref. [11], vamos agora considerar o potencial

O parâmetro adimensional α caracteriza três diferentes perfis para o potencial, como está ilustrado na Fig. 1.


Para α = 0 temos o potencial do oscilador harmônico regular (poço simples), e para α ≠ 0 temos o caso de um poço duplo com uma barreira de potencial repulsiva e singular na origem (α > 0) ou o caso de um poço sem fundo puramente atrativo (α < 0). Para o potencial (17), a equação de Schrödinger independente do tempo assume a forma

com

Quando α = 0, as soluções da Eq. (18) são analíticas em todo o eixo X. Quando α ≠ 0, todavia, ψ pode manifestar singularidade na origem. Tal singularidade poderia comprometer a nulidade da corrente em x = 0, a existência das integrais definidas nos intervalos (0,+∞) e (-∞,+∞), e a hermiticidade dos operadores associados com as quantidades físicas observáveis. Por causa desta sensação de ameaça, começaremos a abordagem do problema pela averiguação do comportamento das soluções da Eq. (18) na vizinhança da origem. É claro que o comportamento assintótico (|x|→ ∞) também é meritório.

3.1. Comportamento na origem

Na vizinhança da origem a Eq. (18) passa a ter duas formas distintas

De um jeito ou de outro, no semieixo positivo podemos escrever

onde

é solução da equação algébrica indicial

Na vizinhança da origem, o comportamento dos termos

comina a hermiticidade dos operadores associados com a energia cinética e com o potencial. Para α ≠ -1/4, podemos escrever

e para α = -1/4

Em ambos os casos Vñn ≅ -Kñn. Vemos destas últimas relações que a hermiticidade do operador associado com a energia cinética (ou potencial) é verificada somente se Re β± > -1/2 quando α ≠ 0, o que equivale a dizer que o sinal negativo defronte do radical na Eq. (22) deve ser descartado e α deve ser maior que -1/4. Naturalmente, devemos considerar β- = -1 tanto quanto β+ = 0 quando α = 0. Portanto, podemos afirmar que ψ comporta-se na vizinhança da origem como

com

Note ainda que a nulidade da corrente requer apenas que β ∈ e F = 0, enquanto a condição de ortonormalizabilidade exige apenas que Re β± > -3/2 e F = 0. A condição α > -1/4, que nos faz evitar um potencial atrativo com singularidade muito forte, relacionado com o problema da queda para o centro [6], tanto quanto a solução apropriada da equação indicial (23), foram obtidas aqui de uma maneira extremamente simples, sem recorrer ao processo de regularização do potencial na origem.4 4 No processo de regularizacão, V( x) é substituído por V( x 0) para x < x 0≈ 0 e depois de usar as condicões de continuidade para ψ e dψ/ dx no cutoff tomamos o limite x 0→ 0. Resulta que a solucão com β - é suprimida em relacão a essa envolvendo β + quando x 0→ 0. Nota-se que, ainda que acrescido da exigência de normalizabilidade, o processo de regularização do potencial é inapto para exluir o caso com α < -1/4 [6]. O critério de hermiticidade do operador associado com a energia cinética (ou potencial) é lícito e suficiente para descartar soluções espúrias.5 5 A ortonormalizabilidade das autofuncões (relacionada com a hermiticidade do operador hamiltoniano) e a hermiticidade do operador momento (relacionada com a nulidade da corrente) são critérios mais frágeis porque envolvem o comportamento de ψ n e dψ n/dx na vizinhanca da origem, respectivamente. Resumidamente,

A condição de Dirichlet homogênea (ψ( 0) = 0) é essencial sempre que α ≠ 0, contudo ela também ocorre para α = 0 quando β = 0 mas não para β = -1. Em suma,

e

3.2. Comportamento assintótico

A equação de Schrödinger independente do tempo para o nosso problema, Eq. (18), tem o comportamento assintótico (|x|→ ∞)

e daí sucede que a forma assintótica da solução quadrado-integrável é dada por

3.3. Solução no semieixo

O comportamento assintótico de ψ expresso pela Eq. (33) convida-nos a definir y = λx2 de forma que a autofunção para todo y pode ser escrita como

onde a função desconhecida w(y) é solução regular da equação hipergeométrica confluente [18]

com

A solução geral da Eq. (35) é dada por [18]

onde A e B são constantes arbitrárias, e M(a,b,y), também denotada por 1F1(a,b,y) , é a função hipergeométrica confluente (também chamada de função de Kummer) expressa pela série [18]

onde Γ(z) é a função gama. A função gama não tem raízes e seus polos são dados por z = -n , onde n é um inteiro não-negativo [18]. A função de Kummer converge para todo y, é regular na origem (M(a,b,0) = 1) e tem o comportamento assintótico prescrito por [18]

Haja vista que b > 1, e estamos em busca de solução regular na origem, devemos tomar

na Eq. (37). A presença de ey na Eq. (39) deprava o bom comportamento assintótico da autofunção já ditado pela Eq. (33). Para remediar esta situação constrangedora devemos considerar os polos de Γ(a) , e assim preceituar que um comportamento aceitável para M(a,b,y) ocorre somente se

Neste caso, a série (38) é truncada em j = n e o polinômio de grau n resultante é proporcional ao polinômio de Laguerre generalizado (y) , com b > 0 [18]. Portanto, das Eqs. (12), (19), (36) e (41) podemos determinar que as energias permitidas são dadas por

e as autofunções definidas no semieixo positivo são

Na Fig. 2 ilustramos os primeiros níveis de energia em função de α no intervalo (-1/4,+1/4]. Observe que, qualquer que seja α, ainda que -1/4 < α < 0, o espectro é discreto e sempre positivo. Há um número infinito de níveis de energia igualmente espaçados (espaçamento igual a 2ħ ω, independentemente de α), e o estado fundamental tem energia (2β+3) ħ ω/2 > ħ ω.


Na Fig. 3 ilustramos o comportamento da autofunção para o estado fundamental. A normalização foi realizada por métodos numéricos mas poderia ter sido obtida por meio de fórmulas envolvendo os polinômios de Laguerre associados constantes na Ref. [18]. A comparação entre as quatro curvas mostra que a partícula tende a evitar a origem mais e mais à medida que α aumenta. Eis um resultado esperado no caso α > 0 que ocorre também no caso α < 0. Observe que, qualquer que seja α > -1/4, as autofunções (43) são fisicamente aceitáveis, ainda que no intervalo -1/4 < α < 0 elas possuam derivada primeira singular. É mesmo assim, contanto que o parâmetro α seja maior que -1/4, o par característico (Enn) constitui uma solução permissível do problema proposto. A partícula nunca colapsa para o ponto x = 0 e certamente há um estado fundamental.


3.4. Solução em todo o eixo

A autofunção definida para todo o eixo X pode ser escrita como

onde

é a função degrau de Heaviside, p é o autovalor do operador paridade, e a autoenergia é dada por

A hermiticidade do operador associado com a energia cinética (ou potencial), por causa da singularidade em x = 0 no caso α < 0 (β < 0), depende da existência do valor principal de Cauchy6 6 Se f( x) for singular na origem, a integral dx f( x) será nonsense. Contudo, o valor principal de Cauchy, P dx f( x) , é uma prescricão que pode atribuir um sentido proveitoso à representacão integral por meio da receita que se segue: da integral

Obviamente, o valor principal de Cauchy poderia consentir um afrouxamento das condições de contorno impostas sobre as autofunções. Autofunções mais singulares que essas anteriormente definidas no semieixo seriam toleradas se na vizinhança da origem os sinais de à direita e à esquerda da origem fossem diferentes para quaisquer p e . Porém, temos

de modo que, no caso em que α < 0, a integral (48) não seria finita para = p. Somos assim conduzidos a preservar a rigidez do critério de hermiticidade já estabelecido no problema definido no semieixo.

A continuidade (ou descontinuidade) de dψ/dx na origem pode ser avaliada pela integração da Eq. (20) de -ε para +ε no limite ε→ 0. A fórmula de conexão entre dψ/dx à direita e dψ/dx à esquerda da origem pode ser sumarizada por

Tomando em consideração o valor principal de Cauchy, no caso de ψ antissimétrica com β ≠ 0, podemos afirmar que as autofunções têm derivada primeira contínua na origem. Assim, o espectro do oscilador singular é duplamente degenerado.

Por causa da continuidade, não há autofunção ímpar para β = -1 e lá ocorre a condição homogênea de Neumann (dψ/dx|x = 0+ = 0), e não há autofunção par para β = 0. Portanto, o espectro do oscilador regular é não-degenerado, como deveria ser. Para β = -1 e β = 0, em particular, os polinômios de Laguerre x2) e x2) são proporcionais aos polinômios de Hermite H2n e x-1H2n+1, respectivamente [18]

Os polinômios de Hermite são definidos no intervalo (-∞,+∞) e gozam da propriedade Hn(-x) = (-1)nHn(x) . Assim, a solução do oscilador não-singular pode ser escrita na forma que se costumou em termos dos polinômios de Hermite

com autofunção definida em todo o eixo expressa por

As constantes An nas Eqs. (43) e (53), chamadas de constantes de normalização, podem ser determinadas por meio da condição de normalização expressa pela Eq. (14).

Na Fig. 4 ilustramos os primeiros níveis de energia em função de α no intervalo (-1/4,+1/4] para o problema definido em todo o eixo. Para α ≠ 0, o espectro é exatamente igual a esse do problema definido no semieixo. Quando a singularidade é nula, entanto, o espaçamento dos níveis é ħ ω. Esta mudança de espaçamento de níveis quando α = 0 é devida aos níveis intrusos que surgem por causa emergência da condição de contorno homogênea de Neumann, em adição à condição de contorno homogênea de Dirichlet já existente no problema definido no semieixo. Esta invasão de novas soluções com ψ(0) ≠ 0 tem como consequência imediata um drástico efeito sobre a localização da partícula.


4. Comentários finais

Os resultados apresentados neste trabalho mostram com transparência que o oscilador harmônico singular unidimensional, seja definido no semieixo ou em todo o eixo, seja repulsivo ou atrativo, exibe um conjunto infinito de soluções aceitáveis, em claro contraste com os ditames estampados nas Refs. [10] e [11], e transcritos na Introdução. Sim, para um potencial singular fracamente atrativo o colapso para o centro não tem nada a ver, e certamente há um estado fundamental com energia maior que ħ ω/2. A generalização dos resultados do problema definido no semieixo para o oscilador harmônico singular tridimensional pode ser feita com facilidade por meio da substituição de α por α+l(l + 1) , onde l é o número quântico orbital, e pela concomitante substituição de ψ pela função radial xR(x) .

Visto como função de α, o problema do oscilador singular apresenta uma notória transição de fase em α = 0.

Para o problema definido no semieixo, a transição de fase manifesta-se apenas por meio do comportamento da derivada primeira da autofunção na origem. Derivada primeira infinita para α < 0, constante para α = 0, e nula para α > 0.

Para o problema definido em todo o eixo, entretanto, a transição de fase manifesta-se por meio da degenerescência, pelo comportamento da autofunção e sua derivada primeira na origem, e pela localização da partícula. Uma outra assinatura da transição de fase é o espaçamento dos níveis de energia. Quando o potencial é singular na origem, as autoenergias são igualmente espaçadas com passo igual a 2ħ ω. É admirável que esse espaçamento de níveis é independente da intensidade do parâmetro responsável pela singularidade do potencial. Quando a singularidade é nula, entanto, o espaçamento dos níveis é ħ ω. Esta brusca mudança de espaçamento de níveis quando α passa por α = 0 é devida aos níveis intrusos que surgem por causa emergência da condição de contorno homogênea de Neumann, em adição à condição de contorno homogênea de Dirichlet já existente para α ≠ 0. Esta intrusão permite o surgimento de polinômios de Hermite pares e seus autovalores associados, que se entremeiam entre os autovalores pré-existentes associados com os polinômios de Hermite ímpares. Os polinômios de Hermite pares têm (0) ≠ 0 e esta condição de contorno nunca é permitida quando a singularidade está presente, ainda que α seja muito pequeno. Esta invasão súbita dos polinômios pares tem um brusco efeito sobre a localização da partícula. Poder-se-ia também tentar compreender tal transição súbita partindo de um potencial não-singular (α = 0), quando a solução do problema envolve os polinômios de Hermite pares e ímpares, e então adicionar o potencial singular como uma perturbação do potencial com α = 0. Agora, por sua natureza o potencial singular perturbativo repulsivo, demanda que (0) = 0 e assim ele mata naturalmente a solução envolvendo os polinômios de Hermite pares. Ademais, não há degenerescência no espectro para o caso de α = 0.

Lathouwers [19] considerou o caso unidimensional do oscilador harmônico singular como o oscilador harmônico não-singular perturbado. Acontece que, por causa dos distintos comportamentos da derivada primeira da autofunção na origem para α = 0 (dψ/dx|x = 0 = C) e α ≠ 0 (dψ/dx|x = 0 = ∞ para α < 0, e dψ/dx|x = 0 = 0 para α > 0), nossos comentários finais desfavorecem tal aspiração, ainda que haja continuidade do espectro na vizinhança de α = 0 no caso associado com autofunções ímpares do oscilador não-singular.

Agradecimentos

O autores são gratos à FAPESP, ao CNPq e à CAPES pelo apoio financeiro. Um árbitro atento e ponderado contribuiu significantemente para a depuração e aprimoramento deste trabalho.

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Recebido em 25/9/2012

Aceito em 4/4/2013

Publicado em 9/9/2013

Copyright by the Sociedade Brasileira de Física. Printed in Brazil.

onde Ψ1 e Ψ2 são duas funcões de onda quaisquer que fazem (OΨ2) < ∞. Em particular, as funcões de onda devem ser quadrado-integráveis, viz. dx|Ψ|2 < ∞.

  • [1] A. Sommerfeld, Wave Mechanics (Methuen, Londres, 1930), tradução inglesa.
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  • 1
    E-mail:
  • 2
    Todas as quantidades físicas observáveis correspondem a operadores hermitianos. O operador
    O é dito ser hermitiano se
  • 3
    Os mais céticos quanto à possibilidade de degenerescência em sistemas unidimensionais podem constatar esta particularidade visualizando as possíveis autofuncões no caso de dois pocos infinitos dispostos simetricamente em torno de
    x = 0.
  • 4
    No processo de regularizacão,
    V(
    x) é substituído por
    V(
    x
    0) para
    x < x
    0≈ 0 e depois de usar as condicões de continuidade para ψ e
    dψ/
    dx no
    cutoff tomamos o limite
    x
    0→ 0. Resulta que a solucão com β
    - é suprimida em relacão a essa envolvendo β
    + quando
    x
    0→ 0.
  • 5
    A ortonormalizabilidade das autofuncões (relacionada com a hermiticidade do operador hamiltoniano) e a hermiticidade do operador momento (relacionada com a nulidade da corrente) são critérios mais frágeis porque envolvem o comportamento de
    ψ
    n e
    dψ
    n/dx na vizinhanca da origem, respectivamente.
  • 6
    Se
    f(
    x) for singular na origem, a integral
    dx f(
    x) será
    nonsense. Contudo, o valor principal de Cauchy,
    P
    dx f(
    x) , é uma prescricão que pode atribuir um sentido proveitoso à representacão integral por meio da receita que se segue:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      25 Set 2012
    • Aceito
      04 Abr 2013
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