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Sobre a possibilidade da quantização dos fluxos de campo na radiação eletromagnética

The possible flux quantization of the electromagnetic radiation fields

Resumos

Apresenta-se uma análise comparativa entre as expressões clássica e quântica para a energia da radiação eletromagnética (RE). A comparação nos aponta para a possibilidade de haver uma quantização dos fluxos dos campos magnético e elétrico na RE.

eletrodinâmica clássica; fóton; monopolo magnético


It is presented a comparative analysis between the classical and the quantum expressions for the energy of the electromagnetic radiation (ER). The comparison points out the possibility of the quantization of the magnetic and the electric field fluxes in the ER.

classical electrodynamics; photons; magnetic monopole


ARTIGOS GERAIS

Sobre a possibilidade da quantização dos fluxos de campo na radiação eletromagnética

The possible flux quantization of the electromagnetic radiation fields

Celso de Araujo Duarte1 1 E-mail: celso@fisica.ufpr.br.

Departamento de Física, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil

RESUMO

Apresenta-se uma análise comparativa entre as expressões clássica e quântica para a energia da radiação eletromagnética (RE). A comparação nos aponta para a possibilidade de haver uma quantização dos fluxos dos campos magnético e elétrico na RE.

Palavras-chave: eletrodinâmica clássica, fóton, monopolo magnético.

ABSTRACT

It is presented a comparative analysis between the classical and the quantum expressions for the energy of the electromagnetic radiation (ER). The comparison points out the possibility of the quantization of the magnetic and the electric field fluxes in the ER.

Keywords: classical electrodynamics, photons, magnetic monopole.

1. Introdução

É notório que os fundamentos da mecanica quântica (MQ) estão no trabalho de Planck de 1901 acerca da radiação de corpo negro, que pela primeira vez introduziu o conceito de quantização da energia. Tal conceito resultou na inesperada dependência dos quanta de energia de RE com respeito à frequência da radiação [1], diferentemente das concepções da eletrodinâmica clássica (EC), já que, de acordo com esta, a intensidade da radiação I depende do quadrado da amplitude do campo elétrico (E) [2].

Sendo o caráter probabilístico a mais desconcertante peculiaridade dessa nova ciência que governa o mundo microscópico (a MQ), a origem do nome desta reside entretanto, apenas no conceito de quantização. Após o trabalho de Planck, Einstein apoiou a hipótese de Planck da quantização da energia em seu trabalho de 1905 sobre a explicação física do efeito fotoelétrico [3], com a introdução do conceito de fóton - o quantum de luz. Tal ente físico foi provado por Einstein ser essencial para a compreensão da sensitividade e da resposta dos materiais à irradiação com luz, conforme fora previamente verificado em experimentos envolvendo medidas de fotocorrentes. A EC era completamente incapaz de servir de sustentáculo a uma explicação para os resultados experimentais.

Presentemente, o conceito de fóton persiste da maneira como foi postulado, como testemunha de um dos impressionantes legados da MQ: a dualidade partícula-onda. A evolução histórica trouxe outros adornos, como o spin (propriedade quântica) associado à helicidade e ao momento angular da RE (conceitos clássicos), e o momento linear (inerente ao aspecto ondulatório clássico da RE).

A dependência da energia do fóton com respeito à frequência da radiação, mencionada ao primeiro parágrafo, ainda é um fato marcante. A integração entre os panoramas conflitantes da MQ e da EC da RE foi conseguida a partir da compreensão do fato de que o aspecto macroscópico, ondulatório da luz - em que a intensidade ou densidade de fluxo de energia é proporcional a E2 -, pode ser considerado como um fluxo de fótons por unidade de área por unidade de tempo (aspecto microscópico da luz) , em que cada fóton carrega uma quantidade de energia hν proporcional a sua frequência intrínseca ν [3,4].

Pode-se então, considerar a questão resolvida, de modo que a dualidade partícula-onda fica satisfatoriamente explicada em face do citado conflito entre os aspectos clássico e quântico. Entretanto, pode-se explorar tal questão ainda mais, tentando-se aprimorar a compreensão da integração entre os aspectos ondulatório e corpuscular. Neste trabalho, apresenta-se um estudo desses dois aspectos da RE, que sugere a possibilidade de que o fóton possa ser considerado como um estado constituído por duas partículas distintas: um quantum de fluxo de campo elétrico (qfE) e um quantum de fluxo de campo magnético (qfM).

O trabalho é organizado da seguinte maneira: na seção 2. mostra-se a equivalência entre a densidade de fluxo de energia clássico e a energia (quântica) do fóton, que abre possibilidade para a introdução dos conceitos de quanta de fluxos de campo elétrico e magnético. Na seção 3., se propõe que tais fluxos qfE e qfM têm uma inércia e um momento de inércia intrínseco. A seção 4. se vale de relações de incerteza envolvendo as componentes dos campos elétrico e magnético da RE, para apontar para a possibilidade da existência de uma carga magnética. A seção 5. prossegue com o uso de relações de incerteza e dá um limite inferior para o produto dos valores de qfE e qfM. Finalmente, as seções 6. e 7. apresentam discussões e as conclusões finais do trabalho.

2. Considerações iniciais

Começamos em bases da EC, com o módulo do vetor de Poynting S que expressa a densidade de fluxo de energia por unidade de área por unidade de tempo [2],

onde E e B são respectivamente, os vetores campo elétrico e indução magnética (no sistema internacional de unidades, SI).

Consideremos uma onda sinusoidal plana. Na geometria apresentada na Fig. 1, representa-se meio comprimento de onda inserido em uma caixa retangular de lados a, b and l, cuja face de área ab é perpendicular a S e cujas faces de áreas SE = al e SB = bl são perpendiculares a E e B, respectivamente. Agora reescrevamos a expressão 1 em termos dos fluxos médios de campos elétrico e magnético, 〈ΦE〉 = E.al, 〈ΦB〉 = B.bl que fluem através das superfícies correspondentes (SE and SB - note-se que E e B são mutuamente perpendiculares na RE),


Visto que 〈Sab é simplesmente o fluxo médio de energia por unidade de tempo W que flui pela área ab, temos W = 〈ΦE〉〈ΦB〉/(µ0l2). Entretanto, l = λ/2 = c/2ν, onde c é a velocidade da luz no vácuo e ν é a frequência da onda. Consequentemente, o fluxo médio de energia pode ser escrito como W = 4〈ΦE〉〈ΦB〉/(µ0c22. Sendo W/2ν = Eλ/2 a energia total carregada por meio comprimento de onda da RE durante o intervalo de tempo igual a meio período T = 1/2ν, temos

Note-se que Eλ/2 é proporcional à frequência. Isto nos remete de imediato a comparar à contraparte quântica, onde a energia do fóton é dada por [3,4]

Assim, a identidade das expressões (3) e (4) requere que 2〈ΦE〉〈ΦB〉/µ0c2 = h. Somos então levados a considerar que 〈ΦB〉 possa ser identificado com um quantum de fluxo de campo magnético, qfM, e que 〈ΦE〉 seja o quantum de fluxo de campo elétrico, qfE. Dado que na forma integral da lei de Gauss [2] o fluxo de campo elétrico de uma carga pontual q é simplesmente q0, podemos supor que o fluxo de campo elétrico seja quantizado em unidades de ϕE = e0, ou seja, em termos da carga elementar e. Consequentemente, a suposição de que 〈ΦE〉 = ϕE implica diretamente em

que pode, de modo similar, ser considerado o valor do qfM, que denotaremos por ϕB. Note-se que as magnitudes desses quanta de fluxos são inter-relacionadas pela constante de estrutura fina α - a menos do fator de dimensionalidade dado pela velocidade da luz c

A quantidade ϕB é exatamente igual ao fluxo de campo de um monopolo de Dirac (MP) [5].

3. Os quanta de fluxo dos campos elétrico e magnético na RE

A seção precedente serve como ponto de partida para uma especulação mais detalhada. Em primeiro lugar, note-se que os valores de 〈ΦE〉 e 〈ΦB〉 foram intencionalmente calculados para meio comprimento de onda; poder-se-ia argumentar de modo análogo que qualquer múltiplo dessa quantidade poderia ser escolhido. De fato, uma escolha mais aceitável poderia ser a da extensão espacial total de um único pacote de onda (wavepacket) de um fóton; isso seria, por exemplo, o equivalente à duração de uma largura de banda particular (por exemplo, a largura de linha de alguma emissão de um átomo) multiplicada pela velocidade da luz. Certamente tal extensão não será necessariamente igual a um múltiplo de meio comprimento de onda, mas podemos considerar a hipótese de que os fluxos totais 〈ΦE〉 e 〈ΦB〉 ao longo da extensão total do pacote sejam tais que o produto 〈ΦE〉〈ΦB〉 esteja de acordo com a igualdade entre as Eqs. 3 and 4. Nesse sentido, enquanto que a teoria clássica considera a RE como um simples fenômeno ondulatório, a natureza quântica da luz pode ser considerada como quanta de energia (fótons) constituídos por pares de quanta de fluxos de campo (elétrico e magnético).

Na eletrostática e na magnetostática, é sabido que os campos elétrico e magnético armazenam enegia no espaço, onde a densidade de energia por unidade de volume é proporcional ao quadrado da amplitude desses campos. Consequentemente, não surpreende o fato de que a RE transporte energia (fato conhecido).

O mesmo não pode ser dito com respeito ao momento linear. A RE transporta momento, mas não há momento em campos estáticos. Tal dificuldade pode ser superada se consideramos que os campos - e assim os fluxos de campo - tenham uma inércia intrínseca. Argumentos similares podem ser feitos a respeito do momento angular nulo de campos estáticos, em contraste com o momento angular não necessariamente nulo da RE. Assim, os quanta de fluxo de campos devem ter uma inércia intrínseca.

4. Flutuações de energia na RE em presença de uma densidade de carga

Consideremos que ψ seja a função de onda de um fóton, que como é sabido satisfaz a equação de onda (∇2-c-2)ψ = 0. Pode-se aplicar a regra da cadeia [7] para verificar a seguinte identidade envolvendo as componentes do operador de momento linear [4,8] e o operador de camplo elétrico Ê (com i = 1, 2, 3)

Uma vez que o comutador é não nulo, temos as seguintes relações de incerteza envolvendo os valores das componentes do momento linear e do campo elétrico

onde as grandezas αi são dadas por

Entretanto, da lei de Gauss, Σ∂i Ei = ρ/є0 (ρ é a densidade de carga elétrica). Substituindo isso nas expressões (9) e (8), encontra-se

onde = ∫ψ*ρψd3x. Relação similar pode ser escrita para o campo magnético considerando-se que sua divergência é nula

Para a RE, E = cB, e assim esperaríamos (empregando δEi = cδBi e a inequação (8))

ou seja,

o que é incompatível com a relação (11). Tal sugere que a divergência do campo magnético seja não nula, tendo um limite inferior determinado por uma densidade de cargas magnéticas.

5. Limite inferior para os quanta de fluxo

Pode-se fazer uma consideração a respeito do produto 〈ΦE〉〈ΦB〉 (presente nas Eqs. (2) e (3)) empregando relações de incerteza. As relações de incerteza para as componentes dos campos elétrico e magnético da RE são dadas pela Ref. [10] (no SI)

onde v é a dimensão do elemento de volume considerado e em nosso caso tomaremos v = abl = abλ. Substituindo δE, δB por 〈ΦE〉/SE, 〈ΦB〉/SB

ou seja,

o que expressa que o limite inferior do produto 〈ΦE〉〈ΦB〉 é determinado somente por constantes universais. A igualdade (16) nos leva novamente a comparar as Eqs. (3) e (4). Um fato interessante é que a escolha dos valores para os quanta de fluxo 〈ΦE〉 = e0 e 〈ΦB〉 = h/e (vide seção 2) reduzem a inequação (16) à igualdade.

6. Discussões

Aqui acrescenta-se alguns comentários. Na seção 4 mostrou-se que a relação de incerteza para o campo elétrico (10) leva à relação de incerteza no campo magnético (13). Inferiu-se que a divergência do campo magnético tem um limite inferior, levando a supor a existência de um MP, fato que também foi sugerido na seção 4. As discussões nas seções 5 e 2 estão sugestivamente em acordo com o valor da carga do MP, µ0h/(2e) [5] correspondendo a um fluxo magnético ϕ0 = h/(2e).

É interessante notar-se que o qfM é uma quantidade física já conhecida. A quantização do fluxo de campo magnético aparece no contexto da física do estado sólido nas teorias da supercondutividade (SC) [12] e do efeito Hall quântico fracionário (FQH) [11], tendo sido descoberta por Deaver and Fairbank [13] e Doll e Nabauer [14]. No contexto da SC, o quantum de fluxo magnético é ϕSC = h/(2e), e na teoria dos composite fermions do FQH [11] temos ϕFQH = h/e , que difere da outra por um fator 2. Enquanto o qfM e a carga elétrica unitária são entes físicos conhecidos, é sugestivo considerar a existência das contrapartes - a carga unitária magnética e o quantum de fluxo de campo elétrico.

Tais argumentos e as considerações da seção 2, nos permitem considerar a possibilidade de que o fóton seja uma partícula composta pelos quanta elementar de fluxos elétrico e magnético.

7. Conclusões

Como conclusão, foi mostrada uma relação matemática entre expressões clássica e quântica para a energia da RE. A comparação aponta para a existência de quanta de fluxos de campo elétrico e magnético, como constituintes do fóton e que, presumivelmente, tenham uma inércia intrínseca.

Recebido em 26/10/2012

Aceito em 14/3/2013

Publicado em 9/9/2013

Copyright by the Sociedade Brasileira de Física. Printed in Brazil.

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  • 1
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      26 Out 2012
    • Aceito
      14 Mar 2013
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