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Macrofotografia com um tablet: aplicações ao ensino de ciências

Macro photography with a tablet: applications on science teaching

Resumos

Neste trabalho apresentamos uma maneira simples de obter macrofotografias (fotografias ampliadas) utilizando um tablet ou smartphone. Discutimos inicialmente a técnica empregada, que consiste essencialmente na colocação de uma gota de água sobre a lente da câmera. Em seguida, exploramos algumas aplicações ao Ensino de Ciências nos níveis Fundamental e Médio. Conforme discutido no texto, a simplicidade e poder da técnica podem torná-la uma boa ferramenta didática para uso em diversas disciplinas, como ciências, biologia e física.

macrofotografia; fenomenologia; tablet; uso de tecnologias no ensino de física


In this work we present a simple way to get macro photography (enlarged photographs) using a tablet or phone. We initially discuss the technique, which is essentially the accommodation of a drop of water on the camera lens. Next, we explore some applications to science teaching at elementary and high-school levels. As it is discussed in the text, due to the simplicity and power of the technique, it may be a good teaching tool for using in various disciplines, such as science, biology and physics.

macro photography; phenomenology; tablet; use of technology on physics teaching


DESENVOLVIMENTO EM ENSINO DE FÍSICA

Macrofotografia com um tablet: aplicações ao ensino de ciências

Macro photography with a tablet: applications on science teaching

L.P. VieiraI; V.O.M. LaraII, 1 1 E-mail: vitorlara@if.uff.br.

IInstituto de Física, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIInstituto de Física, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil

RESUMO

Neste trabalho apresentamos uma maneira simples de obter macrofotografias (fotografias ampliadas) utilizando um tablet ou smartphone. Discutimos inicialmente a técnica empregada, que consiste essencialmente na colocação de uma gota de água sobre a lente da câmera. Em seguida, exploramos algumas aplicações ao Ensino de Ciências nos níveis Fundamental e Médio. Conforme discutido no texto, a simplicidade e poder da técnica podem torná-la uma boa ferramenta didática para uso em diversas disciplinas, como ciências, biologia e física.

Palavras-chave: macrofotografia, fenomenologia, tablet, uso de tecnologias no ensino de física.

ABSTRACT

In this work we present a simple way to get macro photography (enlarged photographs) using a tablet or phone. We initially discuss the technique, which is essentially the accommodation of a drop of water on the camera lens. Next, we explore some applications to science teaching at elementary and high-school levels. As it is discussed in the text, due to the simplicity and power of the technique, it may be a good teaching tool for using in various disciplines, such as science, biology and physics.

Keywords: macro photography, phenomenology, tablet, use of technology on physics teaching.

1. Introdução

Este trabalho tem como objetivo mostrar algumas aplicações de uma câmera fotográfica comum encontrada em tablets e aparelhos celulares. Com certa facilidade, usando apenas uma gota d'água, podemos transformar a câmera em um microscópio funcional e portátil com até 150× de aumento, abrindo todo um leque de aplicações para o ensino de física, biologia e ciências no Ensino Fundamental e Médio. A técnica não é nova e foi desenvolvida e utilizada anteriormente nas Refs. [1,2]. Entretanto, não há, até onde sabemos, um trabalho que explore e divulgue aplicações desta técnica em uma perspectiva didática.

Como veremos a seguir, colocando uma gota d'água sobre a lente da câmera do aparelho obtemos fotografias como a mostrada na Fig. 1, que podem ser exploradas em inúmeras situações de sala de aula.


Dividimos este texto em seções que tratam da técnica (seção 2) e das aplicações em vários segmentos de ensino (seção 3). E finalmente encerramos com algumas conclusões e perspectivas.

2. A técnica

Para transformar uma câmera como a de um tablet ou celular em um microscópio funcional (e com isso obter boas fotografias macro), basta acomodar uma gota de água sobre a lâmina de vidro que protege a lente convergente da câmera. Com isso, efetivamente acoplamos uma segunda lente convergente cuja dioptria vai de 300 a 1000 m-1 (f ~1-3 mm; obtivemos esses números incidindo um feixe laser sobre gotas acomodadas em uma lamínula de microscópio e medindo as distâncias focais com um paquímetro). Devido à enorme ampliação, o campo visual da câmera diminui consideravelmente, o que exige maior proximidade do objeto a ser fotografado para que se possa obter uma imagem nítida. Para mostrar o poder de ampliação da técnica e a necessidade de aproximação entre objeto e câmera, aproximamos uma caneta verde da mesma, conforme pode-se ver na Fig. 2.


Para aplicar a gota sobre o dispositivo, basta molhar um de seus dedos e movê-lo cuidadosamente (para que a gota permaneça em seu dedo) até a lâmina. Ao encostar a porção d'água que está em seu dedo na lâmina, as forças de adesão e coesão [3] darão conta de acomodá-la, como se vê na Fig. 3.


É comum em muitos aparelhos a existência de uma segunda câmera localizada na frente do dispositivo, você é livre para escolher onde acomodar a gota. Entretanto, vale à pena consultar o manual do dispositivo, pois essa câmera tende a ter qualidade inferior, ou seja, produz imagens com menor resolução. Frequentemente a luminosidade ambiente não é suficiente para captura de boas fotos (isso se deve a diminuição do campo visual da câmera). Para contornar essa dificuldade podemos usar uma lanterna para iluminar o objeto de estudo.

Uma vez descrito o procedimento e condições necessárias para a produção de fotografias macro discutidas nesta seção, vamos passar a algumas aplicações didáticas desta técnica.

3. Aplicações

3.1. Física

A técnica descrita acima foi utilizada nas aulas de Física de alguns colégios de nível médio onde um dos autores leciona. Foram exploradas duas perspectivas distintas desse arranjo. A primeira delas teve como objetivo motivar o ensino das lentes e a segunda explorou a bi-refringência de grãos de açúcar.

No estudo das lentes, a técnica foi apresentada aos educandos do 1º ano, com o objetivo de motivá-los para o assunto em questão. Pedimos que os alunos aplicassem a técnica para obter fotografias de 3 objetos que eles julgassem interessantes para uma observação ampliada. Recebemos imagens de diversas espécies de animais, vegetais e objetos de uso cotidiano. Alguns exemplos podem ser vistos na Fig. 4.


A segunda aplicação, referente aos grãos de açúcar, consistiu em repousar aleatoriamente grãos de açúcar sobre uma lâmina polarizadora [4], iluminada por baixo por uma fonte de luz difusa. Ao aproximar a câmera desse arranjo podemos perceber gãos iluminados (de maneira translúcida) e totalmente apagados [veja a Fig. 5].


É importante notar o papel da macrofotografia neste estudo: só podemos observar essas características com uma boa ampliação da imagem. Os grãos têm em média um diâmetro de 0,1 mm. Devido a esta pequena escala de comprimento, não somos capazes de observar a luz que atravessa os grãos a olho nu. À medida que a luz plano-polarizada atravessa um determinado grão, ela pode seguir em duas direções distintas; entretanto, apenas a que segue em direção à câmera pode ser observada. Devido a isto, temos algumas imagens distintas, de grãos translúcidos e de grãos mais escuros [4].

3.2. Ciências no Ensino Fundamental

No Ensino Fundamental exploramos a técnica com alunos do 6º ao 9º anos em várias frentes distintas, como o estudo dos solos e grãos, e de partes do corpo humano. Outras aplicações envolveram o estudo da Botânica, da Entomologia e da visão em cores.

No estudo dos solos, um dos autores deste trabalho utilizou a técnica para que os alunos do 7º ano pudessem perceber as diferentes características que minerais podem apresentar. Como exemplo, foram feitas comparações entre pedras magmáticas e calcárias. E assim, depois de motivar os estudantes, discutimos a origem de cada uma delas.

Já com o corpo humano, partes como a língua foram exploradas a fim de se estudar as formas das papilas gustativas. No caso das unhas e dos dedos foram evidenciadas minúsculas ranhuras e imperfeições. Além disso, pôde-se discutir a necessidade da manutenção da higiene pessoal, uma vez que diversas partículas de poeira foram observadas. Pôde-se constatar também a existência de pêlos entre os sulcos digitais humanos.

No estudo da Botânica e da Entomologia, um professor de Biologia coletou diversos espécimes de vegetais e insetos. Com base nas macrofografias dos espécimes discutiu-se com alguns estudantes diversas características morfológicas destes seres. Na Fig. 6 (acima), podemos ver uma fotografia ampliada de uma folha. Nesta imagem, o ponto branco destacado refere-se à células macroscópicas, conhecidas como estômatos. Também na Fig. 6, temos a fotografia de um percevejo fêmea. Realçamos nesta imagem parte do aparelho respiratório e sexual desta espécie.


Também aplicamos a técnica da gota para ampliar um display LCD de um tablet de um dos estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental. Nosso objetivo era estudar a formação das cores, por meio da mistura de comprimentos de ondas distintos. Na Fig. 7 temos a foto em tamanho real de uma tela LCD de um tablet. Em volta desta imagem, podemos observar as imagens ampliadas de cada uma das regiões indicadas. Podemos ver que um pixel é formado por 3 células distintas que deixam passar, respectivamente, vermelho, verde e azul, as chamadas cores primárias. Controlando a intensidade da luz de cada uma dessas células, o LCD forma um ponto com uma cor secundária específica. Como cada pixel tem por volta de 0,096 mm, não somos capazes de distingui-los a olhu nu, o que nos dá a impressão de uma imagem contínua. Na imagem (7) podemos ver que o branco se forma quando os pixels deixam passar com a mesma intensidade o verde, o vermelho e o azul. Todas as outras cores são formadas por este mecanismo: basta ajustar a intensidade de cada uma das cores primárias.


3.3. Medidas com macrofotografias

Trabalhamos também noções de ordens de grandeza a partir das macrofotografias. Medimos, por exemplo, a espessura de um fio de cabelo. A ideia foi a seguinte: prendemos o fio de cabelo sobre o nônio de um paquímetro, utilizando fita adesiva. Em seguida, tiramos uma fotografia ampliada desta montagem, conforme pode-se ver na Fig. 8.


Depois, com o auxílio de um programa de edição de imagens (nesse estudo utilizamos o software livre Gimp [5]), medimos o comprimento de referência dado pelo nônio (um milímetro) e o do fio de cabelo, contando os pixels. Com este procedimento, fomos capazes de estimar o diâmetro do fio de cabelo em 0,09 mm, relativamente próximo do que foi obtido por meio de difração na referência [6].

Além disto, também estimamos com os estudantes o aumento obtido na fotografia da Fig. 8. Para fazer isto, imprimimos em papel a imagem em vários tamanhos distintos, até o limite de boa qualidade da impressão (fizemos isto para que pudéssemos determinar o aumento relativo - e posteriormente absoluto - das dimensões). Com uma régua medimos o tamanho efetivo do cabelo nas folhas. De posse destes dados, os alunos também foram capazes de estimar a amplição da imagem impressa no papel.

4. Conclusões e perspectivas

Neste trabalho discutimos diversas aplicações de macrofotografias obtidas com a técnica da gota nos níveis fundamental e médio. Entretanto, não pretendemos ter feito aqui uma listagem exaustiva de todas as possíveis aplicações. O leitor pode realizar suas próprias experiências e prospostas de atividades. Finalmente, cabe ressaltar a simplicidade e a riqueza de possibilidades oferecidas por esta técnica, que pode se tornar uma boa ferramenta didática em sala de aula.

Os autores são gratos à CAPES pelo apoio financeiro, e ao IFRJ-São Gonçalo e Centro Educacional de Niterói pela permissão para a realização das atividades que relatamos neste trabalho. Também somos especialmente gratos ao professor Leonardo Rocha (IFRJ) por fornecer diversas informações relativas aos espécimes coletados e participação nas atividades relacionadas à Biologia, ao professor Carlos E. Aguiar (IF-UFRJ) e ao doutorando em física Marlon F. Ramos (PUC-RJ) pela leitura criteriosa e sugestões interessantes, e a todos os estudantes envolvidos nestas atividades.

Recebido em 20/9/2012

Aceito em 10/1/2013

Publicado em 9/9/2013

Copyright by the Sociedade Brasileira de Física. Printed in Brazil.

  • [1] http://www.smartertechnology.com/c/a/Business-Analytics/iPhone-Microscope-Diagnoses-Disease/ Acesso em 17/5/2013.
    » link
  • [2] http://blogs.scientificamerican.com/compound-eye/2012/03/12/transform-your-iphone-into-a-microscope-just-add-water/ Acesso em 17/5/2013.
    » link
  • [3] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica (Ed. Edgard Bluchër, São Paulo, 2008), v. 2.
  • [4] E. Hecht, Optics (Ed. Addison Wesley, Reading, 2001).
  • [5] http://en.wikipedia.org/wiki/GIMP Acesso em 17/5/2013.
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  • [6] E.M. Lopes e C.E. Laburú, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 21, 258 (2004).
  • 1
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      20 Set 2012
    • Aceito
      10 Jan 2013
    Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: marcio@sbfisica.org.br