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Vazão facilitada de grãos de arroz de um silo cilíndrico usando "obstruções" esféricas ou cônicas

Facilitated flow of rice grains out of a silo using spherical or conical "obstructions"

Resumos

Anteriormente estudamos a vazão de grãos de arroz de um silo cilíndrico, em que os grãos dentro do cilindro eram separados por uma barreira vertical em duas partes iguais. Neste artigo retomamos os experimentos de vazão de grãos de arroz, mas agora com "obstruções" em forma de esferas e cones. Na maior parte das configurações testadas as esferas e os cones não constituem uma obstrução para a saída dos grãos. Pelo contrário, eles se transformam em facilitadores. O valor máximo da velocidade média de saída dos grãos não parece depender muito do tipo específico de "obstrução". A dependência com a altura em que a "obstrução" é colocada foi mais importante. Todas as experiências podem ser facilmente reproduzidas em sala de aulas.

propriedades dinâmicas; materiais granulares


In a previous work, we studied the flow of rice grains out of a cylindrical silo with a vertical barrier that divided the grains in equal compartments. We now revisit similar experiments, but using spherical or conical "obstructions". In most of the tested configurations, spheres and cones do not really mean an obstruction. On the contrary, they become facilitators of the flow of the grains. The maximum value of the velocity of flow of the grains does not depend so heavily on the kind of "obstruction". A more important contribution comes from the initial heights of the "obstruction". All these results can be easily replicated in the classroom.

granular materials; dynamic properties


ARTIGOS GERAIS

Vazão facilitada de grãos de arroz de um silo cilíndrico usando "obstruções" esféricas ou cônicas

Facilitated flow of rice grains out of a silo using spherical or conical "obstructions"

J. López1 1 E-mail: jlopez@usp.br. ; I.M. Pastorello; A.I.C. Arce

Departamento de Ciências Básicas, Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

Anteriormente estudamos a vazão de grãos de arroz de um silo cilíndrico, em que os grãos dentro do cilindro eram separados por uma barreira vertical em duas partes iguais. Neste artigo retomamos os experimentos de vazão de grãos de arroz, mas agora com "obstruções" em forma de esferas e cones. Na maior parte das configurações testadas as esferas e os cones não constituem uma obstrução para a saída dos grãos. Pelo contrário, eles se transformam em facilitadores. O valor máximo da velocidade média de saída dos grãos não parece depender muito do tipo específico de "obstrução". A dependência com a altura em que a "obstrução" é colocada foi mais importante. Todas as experiências podem ser facilmente reproduzidas em sala de aulas.

Palavras-chave: propriedades dinâmicas, materiais granulares.

ABSTRACT

In a previous work, we studied the flow of rice grains out of a cylindrical silo with a vertical barrier that divided the grains in equal compartments. We now revisit similar experiments, but using spherical or conical "obstructions". In most of the tested configurations, spheres and cones do not really mean an obstruction. On the contrary, they become facilitators of the flow of the grains. The maximum value of the velocity of flow of the grains does not depend so heavily on the kind of "obstruction". A more important contribution comes from the initial heights of the "obstruction". All these results can be easily replicated in the classroom.

Keywords: granular materials, dynamic properties.

1 Introdução

Acidentes como incêndios, enchentes e desmoronamento de prédios em locais de grande aglomeração de pessoas são cada vez mais comuns. O comportamento de "pânico" das pessoas tentando escapar do perigo pode ser modelado em determinadas situações com a analogia a grãos saindo de um silo.

D. Helbing e cols. [1] estudaram teórica e experimentalmente modelos do fluxo de pedestres em lugares de alta concentração de pessoas. Eles mostraram que em situações de pânico, quando todos querem desesperadamente sair de um prédio, a presença de determinados obstáculos perto das portas pode paradoxalmente aumentar a velocidade de evacuação.

Os resultados anteriores motivaram a I. Zuriguel e cols. [2] a realizar uma experiência de fluxo de grãos em uma geometria de silo retangular e bidimensional. Eles usaram duas placas de vidro verticais separadas de tal forma que somente permitia uma camada de grãos entre elas. Na parte inferior do silo existia uma abertura de saída, mas antes, no seu caminho para fora do silo, os grãos encontravam um disco circular como obstáculo. Os pesquisadores mostraram que, dependendo da posição do disco, a velocidade de saída dos grãos podia ser aumentada consideravelmente.

Em um artigo anterior [3] estudamos a vazão de grãos de arroz de um silo cilíndrico, onde os grãos dentro do cilindro eram separados por uma barreira vertical em duas partes iguais. Repetimos as medidas para diferentes diâmetros da abertura de saída dos grãos, diferentes alturas da barreira em relação ao fundo do cilindro e diferentes espessuras da barreira. As medições confirmaram que em determinadas circunstâncias, e contrário ao usualmente esperado, a presença da barreira aumentava a velocidade de saída dos grãos. Outros três artigos [4-6] nesta mesma área já foram publicados por parte dos autores deste trabalho.

Neste artigo retomamos os experimentos de vazão de grãos de arroz de um silo cilíndrico, mas agora com "obstruções" em forma de esferas e cones. Na maior parte das configurações testadas as esferas e os cones não constituem uma obstrução para a saída dos grãos. Pelo contrário, elas se transformam em facilitadores. O valor máximo da velocidade média de saída dos grãos não parece depender muito do tipo específico de "obstrução". A dependência com a altura (h) onde a "obstrução" é colocada resultou ser mais importante. Todas as experiências podem ser facilmente reproduzidas em sala de aulas.

2 Metodologia

Foi desenvolvida uma unidade de medições relativamente simples, que pode ser facilmente utilizada em aulas práticas de física para o estudo do fluxo de meios granulares e a possível interferência de barreiras a esse fluxo.

Um cilindro de plástico com um abertura central e circular no fundo (silo) foi colocado sobre uma mesa também com um furo central (Figs. 1, 2 e 3). Embaixo da mesa posicionamos uma balança, conectada a um computador, com um recipiente plástico coletor sobre ela. O diâmetro da abertura do silo foi D = 17 mm. O diâmetro do cilindro de plástico foi de d = 190 mm. Os grãos de arroz eram aproximadamente cilíndricos, com comprimento médio de 6,3 mm e diâmetro médio de 1,8 mm.




No centro de simetria do silo posicionamos diferentes "obstruções" físicas na forma de cones e esferas (Tabelas 1 e 2). Um suporte de alumínio em forma de x com um parafuso central longo ajudavam a posicionar as "obstruções". As esferas e os cones podiam ser parafusados e desparafusados na ponta do suporte central.

Para cada medição, primeiro era posicionado o silo acima da abertura central da mesa. Segundo, a parte inferior da "obstrução" era colocada a uma altura h da abertura de saída do cilindro. Terceiro, com a abertura do silo fechada este era preenchido com grãos de arroz. Quarto, iniciava-se no computador o programa de captura de dados e removia-se a tampa da abertura do silo para permitir a passagem dos grãos.

Quinto, a medição era interrompida quando não tinha mais vazão de grãos e estes formavam o cone invertido de equilíbrio que deixava completamente desobstruído o furo de saída do cilindro. A leitura da massa na balança foi registrada automaticamente em intervalos de 0,5 s usando uma interfase desenvolvida no nosso grupo. Por último, após cada experimento o silo era esvaziado completamente e o procedimento se repetia com uma nova configuração. Detalhes adicionais do aparelho experimental podem ser encontrados em outro artigo3.

3 Resultados

3.1 Obstrução esférica

A Fig. 4 mostra como aumenta a massa dos grãos de arroz que saem de um silo cilíndrico de abertura inferior de diâmetro D = 17 mm como função do tempo. Os diâmetros das esferas, colocadas a uma distância h do fundo do cilindro, são Desf = 40 mm (Fig. 4a), Desf = 60 mm (Fig. 4b) e Desf = 80 mm (Fig. 4c). A curva representada como h = infinito indica a medição feita sem nenhuma obstrução e consequentemente é a mesma para os três gráficos.




Na Fig. 4a (Desf = 40 mm) pode-se notar que as curvas da esfera colocada a h = 50 mm e h = 75 mm apresentam maior inclinação ou taxa de variação em comparação com a curva h = infinito. Isto demonstra que nestes casos a esfera não constitui uma obstrução. Ao contrário, a esfera se transforma em um facilitador da saída dos grãos. Este resultado pode parecer contra intuitivo.

Na Fig. 4b (Desf = 60 mm) a curva da esfera colocada a h = 50 mm é mais inclinada em comparação com a curva h = infinito. E na Fig. 4c (Desf = 80 mm) todas as curvas, com a exceção de h = 25 mm, mostram maior taxa de variação respeito à curva h = infinito.

Um modelo teórico para explicar a existência de uma vazão maior na presença de uma obstrução assume que a "obstrução" evita que os grãos formem aglomerados perto da abertura de saída. Dentro dos aglomerados as forças de atrito entre os grãos aumentam e consequentemente aumenta o tamanho médio efetivo dos grãos. Uma situação análoga acontece em circunstâncias de pânico nas saídas de locais com um grande número de pessoas.

Como as curvas anteriores são lineares na maior parte do tempo, encontramos numericamente as equações das retas que melhor se ajustam aos pontos experimentais. O gráfico da Fig. 5 mostra as inclinações, ou taxas de variações, das curvas em função da altura h da esfera em relação ao fundo. Em outras palavras, cada ponto da Fig. 5 representa uma curva de massa versus tempo.


As três curvas na Fig. 5 diferem no diâmetro da esfera (Desf usado para "obstruir" o fluxo de saída de grãos de arroz. Os pontos representados como h = 200 mm, na verdade foram medidos sem nenhuma obstrução. Isto seria o equivalente a h = infinito, porém em termos práticos são indicados seguindo essa convenção. As linhas continuas não representam ajustes experimentais, são somente uma ajuda visual.

Independentemente do diâmetro da esfera usada como obstrução, se esta for colocada muito perto da abertura de saída do silo, como é o caso da medição com h = 25 mm, a vazão dos grãos de arroz é menor em comparação a situação em que não existe nenhuma obstrução, medição com h = 200 mm (infinito). Esta é a situação "intuitivamente" esperada.

Os dados da Fig. 5 também sugerem que existe um valor de h ótimo que maximiza a vazão dos grãos acima da configuração sem obstrução. Por outra parte, não é conclusiva a variação da vazão máxima para cada esfera com o diâmetro da mesma. Estudos mais detalhados são necessários para esclarecer melhor este assunto.

3.2 Obstrução cônica

A Fig. 6 ilustra um dos conjuntos de curvas de massa de grãos que saem do silo, de abertura inferior de diâmetro D = 17 mm, como função do tempo. Foi usado um cone com altura a = 60 mm e diâmetro da base b = 60 mm. A curva representada como h = infinito indica a medição feita sem nenhuma obstrução.


Nota-se que para todas as medições feitas com o cone de altura a = 60 mm e diâmetro da base b = 60 mm (independentemente do valor de h) a taxa de variação das curvas é maior em comparação a medição sem obstrução (h = infinito). Novamente, a "obstrução" se transforma em um facilitador para a vazão dos grãos de arroz.

A Fig. 7 mostra a taxa de variação média das curvas de massa vs. tempo em função da distância entre a ponta do cone e a saída do silo (h). A altura dos cones usados foi mantida constante (a = 40 mm) para estudar o efeito do aumento da base dos mesmos.


Para os cones de diâmetro b = 40 mm e b = 60 mm o aumento de h diminui a velocidade de saída dos grãos de arroz. Por outro lado, para o cone de diâmetro b = 80 mm foi observado, com o aumento de h, primeiro uma diminuição da inclinação das curvas de massa vs. tempo e depois um aumento. Adicionalmente, o incremento de b, com a constante, produz uma diminuição na velocidade de saída dos grãos.

O aumento do diâmetro do cone (b) implica em um aumento do volume e da área lateral do mesmo. O aumento da área lateral do cone leva ao incremento das forças de atrito entre o cone e os grãos. Consequentemente ao aumento do atrito diminui a velocidade de saída dos grãos do silo.

A Fig. 8 mostra a taxa de variação média das curvas de massa vs. tempo em função da distância entre o vértice do cone e a saída do silo (h). Agora, o diâmetro dos cones usados foi mantido constante (b = 40 mm) para estudar o efeito do aumento da altura dos mesmos: a = 40 mm (quadrados), a = 60 mm (círculos) e a = 80 mm (triângulos).


Para os cones de altura a = 60 mm e a = 80 mm parece existir um valor de h que maximiza a velocidade de saída dos grãos de arroz. Adicionalmente, o incremento de a, com b constante, produz uma diminuição na velocidade de saída dos grãos. Isto último pode ser interpretado pelo aumento da área lateral do cone em função de a. O aumento da área lateral do cone leva ao incremento das forças de atrito entre o cone e os grãos. Consequentemente ao aumento do atrito diminui a velocidade de saída dos grãos do silo.

3.3 Comparação dos resultados

Na altura da obstrução h = 25 mm a forma cônica da obstrução é mais eficiente para facilitar a saída dos grãos. Usando o cone com diâmetro b = 60 mm e altura a = 60 mm o fluxo de saída de massa (taxa de variação das curvas m vs. t) máximo medida foi de 78,8 g/s. Em comparação, o valor de fluxo de saída de massa máximo medido usando uma esfera (Desf = 60 mm) foi de 57,2 g/s.

Por outra parte, na altura da obstrução h = 50 mm a forma esférica da obstrução é ligeiramente mais eficiente para facilitar a saída dos grãos. Usando o cone com diâmetro b = 60 mm e altura a = 60 mm o fluxo de saída de massa (taxa de variação das curvas m vs. t) máximo medido foi de 75,5 g/s. Enquanto, o valor de fluxo de saída de massa máximo medido usando uma esfera (Desf = 80 mm) foi de 76,8 g/s.

Usando a "obstrução" de tipo barreira3 o valor máximo de fluxo de saída de massa dos grãos para h = 25 mm foi de 66 g/s e para h = 50 mm foi de 77,2 g/s. Isto é, o valor máximo não parece depender muito do tipo específico de "obstrução". A dependência com a altura (h) onde a "obstrução" é colocada parece ser mais importante.

4 Conclusões

Foi desenvolvido um sistema experimental relativamente simples, que pode ser facilmente utilizado em aulas práticas de física para o estudo do fluxo de meios granulares e a possível interferência de barreiras a esse fluxo.

Testamos a influência de "obstruções" na forma de esferas e cones que foram colocados a várias distâncias da saída dos grãos de arroz de um silo cilíndrico. Em boa parte das medidas feitas as esferas e os cones não constituem uma "obstrução" para a saída dos grãos. Pelo contrário, eles se transformam em facilitadores. Este resultado pode parecer contra intuitivo.

Um modelo teórico para explicar a existência de uma vazão maior na presença de uma obstrução assume que a "obstrução" evita que os grãos formem aglomerados perto da abertura de saída. Dentro dos aglomerados as forças de atrito entre os grãos aumentam e consequentemente aumenta o tamanho médio efetivo dos grãos. Uma situação análoga acontece em situações de pânico na saída de locais com um grande número de pessoas.

O valor máximo do fluxo médio de saída dos grãos não parece depender muito do tipo específico de "obstrução". A dependência com a altura (h) onde a "obstrução" é colocada parece ser mais importante.

Recebido em 8/4/2013

Aceito em 1/7/2013

Publicado em 6/2/2014

  • [1] D. Helbing, L. Buzna, A. Jhansson and T. Werner, Transportation Science 39, 1 (2005).
  • [2] I. Zuriguel, A. Janda, A. Garcimartín, C. Lozano, R. Arévalo and D. Maza, Physical Review Letter 107, 278001 (2011).
  • [3] J. López, I.M. Pastorello e A.I.C. Arce, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 1311 (2013).
  • [4] J. López, A. Vercik e E.J.X. Costa, Revista Brasileira de Ensino de Física 30, 1308 (2008).
  • [5] J. López, T. Demarchi, M. Akamatsu e A. Vercik, Revista Brasileira de Ensino de Física 32, 1301 (2010).
  • [6] J. López, I.M. Pastorello e A.I.C. Arce, Revista Brasileira de Ensino de Física 34, 4308 (2012).
  • 1
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Abr 2014
    • Data do Fascículo
      Mar 2014

    Histórico

    • Recebido
      08 Abr 2013
    • Aceito
      01 Jul 2013
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