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A descoberta do efeito Compton: De uma abordagem semiclássica a uma abordagem quântica

The discovery of the Compton Effect: from the semi-classical to the quantum approach

Resumos

Apresentamos a evolução histórica do programa de pesquisa de Arthur H. Compton (1892-1962) dedicado ao estudo do espalhamento dos raios X pela matéria, programa que levaria ao estabelecimento do efeito Compton e à atribuição do Prêmio Nobel de Física de 1927 ao físico norte-americano. Especial atenção será prestada às abordagens semiclássicas inicialmente utilizadas e ao contexto das suas influências sobre Compton quando da transição desse cientista para uma abordagem quântica.

história da física; Arthur H; Compton; raios X; teoria quântica


We present the history of the research program on the scattering of X rays by the matter pursued by the American physicist Arthur H. Compton (1892-1962). This work led him to suggest what we call nowadays Compton Effect, a work which granted him the 1927 Physics Nobel Prize. We pay particular attention to the semi-classical models initially used by him and to the context of the influences he received while moving to suggest a quantum approach to the subject.

history of physics; Arthur Compton; X-rays; quantum theory


HISTÓRIA DA FÍSICA E CIÊNCIAS AFINS

A descoberta do efeito Compton: De uma abordagem semiclássica a uma abordagem quântica

The discovery of the Compton Effect: from the semi-classical to the quantum approach

Indianara SilvaI, 1 1 E-mail: isilva@uefs.br. ; Olival Freire JrII

IDepartamento de Física, Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, BA, Brasil

IIInstituto de Física, Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil

RESUMO

Apresentamos a evolução histórica do programa de pesquisa de Arthur H. Compton (1892-1962) dedicado ao estudo do espalhamento dos raios X pela matéria, programa que levaria ao estabelecimento do efeito Compton e à atribuição do Prêmio Nobel de Física de 1927 ao físico norte-americano. Especial atenção será prestada às abordagens semiclássicas inicialmente utilizadas e ao contexto das suas influências sobre Compton quando da transição desse cientista para uma abordagem quântica.

Palavras-chave: história da física, Arthur H. Compton, raios X, teoria quântica.

ABSTRACT

We present the history of the research program on the scattering of X rays by the matter pursued by the American physicist Arthur H. Compton (1892-1962). This work led him to suggest what we call nowadays Compton Effect, a work which granted him the 1927 Physics Nobel Prize. We pay particular attention to the semi-classical models initially used by him and to the context of the influences he received while moving to suggest a quantum approach to the subject.

Keywords: history of physics, Arthur Compton, X-rays, quantum theory.

1. Introdução

O físico norte-americano Arthur Holly Compton (1892-1962) foi laureado em 1927 com o mais prestigioso reconhecimento científico em física, o Prêmio Nobel, devido a sua explicação quântica para o processo de espalhamento dos raios X pela matéria. Tal resultado tornou-se fundamental para os desenvolvimentos ulteriores da teoria quântica. "A grande síntese da mecânica quântica e da eletrodinâmica quântica", por exemplo, "foi imposta à física pelos experimentos cruciais do efeito Compton". Todavia, ainda segundo o historiador Robert S. Shankland, foi o físico teórico Paul Dirac (1902-1984) quem desenvolveu uma explicação quantitativa completa daquele efeito baseada na mecânica quântica relativística [1, p. 513].2 2 Para mais detalhes, consultar: L.M. Brown, Studies in History and Philosophy of Modern Physics 33, 211 (2002). Copyright by the Sociedade Brasileira de Física. Printed in Brazil. Além da sua importância para a teoria quântica, o efeito Compton inverso - um elétron de alta energia transfere grande energia a um fóton - também desempenha um papel de destaque nos problemas relativos à astrofísica e à física dos aceleradores. Nos últimos anos, o efeito Compton tem sido aplicado em várias áreas do conhecimento, a saber, na radiologia médica, nos detectores de raios cósmicos, e no espalhamento de outras entidades, incluindo nêutrons e partículas subatômicas [2].

A descoberta daquele efeito, que contribuiu tanto para a teoria quântica quanto para aquelas áreas da ciência, foi o resultado do desenvolvimento de um longo programa de pesquisa. Apesar de a imagem de Compton sempre estar associada à teoria quântica, em um trabalho anterior, discutimos uma das abordagens clássicas propostas por Compton em 1918 para explicar o espalhamento - o modelo do grande elétron - e a confiança na teoria clássica nas suas tentativas de compreender a interação da radiação com a matéria. Durante o seu itinerário científico, Compton também elaborou outra hipótese para explicar a diferença observada entre o comprimento de onda da radiação espalhada e o da incidente. Ele supôs a existência de um "novo tipo de radiação fluorescente", a qual era excitada à medida que o feixe incidente atravessava a substância. Isso faria com que os elétrons fossem ejetados para frente com a velocidade da luz, e, assim, eles emitiriam essa nova radiação de comprimento de onda maior do que o comprimento de onda da radiação incidente em virtude do efeito Doppler [3, 4].3 3 Para mais detalhes sobre Compton e as abordagens mencionadas, ver Refs. [3] e [4]. Sabemos hoje que a distinção entre os raios X usuais, produzidos pelo freamento (Bremsstrahlung) de cargas elétricas, e os raios X fluorescentes deve ser feita em função do modo como os raios fluorescentes são produzidos. Neste caso a radiação ioniza a matéria, retirando elétrons internos dos átomos. Para preencher as lacunas resultantes, ocorre decaimento dos elétrons de camadas superiores com a consequente emissão de radiação de frequência bem definida. Compton não faz alusão a esta distinção, prendendo-se antes à distinção mais fenomenológica de que o espectro usual é contínuo enquanto o da fluorescência comporta picos de intensidade.

O que também deve ser destacado na história da ciência é o fato de que Compton, antes de chegar à explicação do efeito Compton, quântico, também abordou o problema semiclassicamente em 1921. Ou seja, o programa de investigação do nosso personagem passou por diferentes fases e conjecturas até a sua formulação quântica. Neste sentido, a nossa análise revela de que forma Compton modificou o seu programa de pesquisa, indo da teoria semiclássica à quântica. O artigo está estruturado conforme descrição a seguir. Na segunda seção, discutimos as abordagens semiclássicas propostas pelo nosso personagem para a explicação do processo de espalhamento da radiação pela matéria. A terceira seção é dedicada à discussão levantada por Compton sobre a natureza da radiação X, o grande dilema corpúsculos versus ondas. Na quarta seção, destacamos a sua explicação quântica para o espalhamento, e ressaltamos ainda a contribuição pouco lembrada do seu colega de departamento G. Jauncey para a sua mudança de postura diante da teoria quântica. Em seguida, tem-se a repercussão da sua abordagem quântica para o espalhamento da radiação pela matéria na comunidade de físicos. Para tal, realizamos uma análise histórica conceitual das ideias e formulações construídas por Compton entre 1921 e 1923 a partir do estudo sistemático de seus artigos originais, e da literatura secundária sobre o tema em questão. Neste estudo, respeitamos os problemas enfrentados por Compton, e as soluções sugeridas por ele de acordo com a época em análise, evitando, deste modo, o anacronismo.

Neste artigo, empregamos duas caracterizações distintas para a radiação de alta frequência - raios X moles ou duros, e raios X longos ou curtos. Quando os raios X foram descobertos, a sua natureza era totalmente desconhecida; o único aspecto conhecido era que eles se diferenciavam pelo poder de penetração. Então, aquela radiação que possuía um pequeno poder de penetração foi denominada de raios X moles, e raios X duros, aquele feixe que, ao contrário, possuía um grande poder de penetração. No entanto, com o estabelecimento da natureza ondulatória dos raios X, a partir dos trabalhos de Max von Laue em 1912, outra qualificação surgiu para a radiação: raios X curtos ou longos. O raio X curto é o feixe que possui um pequeno comprimento de onda, logo, uma frequência elevada, uma energia maior e um poder de penetração também maior, o equivalente, portanto, dos raios X duros. Por outro lado, o raio X longo possui um grande comprimento de onda, e assim por diante. Então, resolvemos preservar essas duas especificações já que o próprio Compton o faz em seus artigos.

2. Compton e a sua abordagem semiclássica

No final do verão de 1920, Compton já havia deixado o laboratório Cavendish para assumir o seu cargo de professor Wayman Crow e a chefia do departamento de física da Universidade de Washington em Saint Louis, Estados Unidos. O pensamento de Compton continuava repleto de indagações ainda sem respostas, que poderiam ser obtidas, segundo ele, através de estudos em seu próprio laboratório. A atmosfera de um laboratório poderia lhe proporcionar uma liberdade de manipular e adaptar os equipamentos a favor dos seus objetivos de pesquisa [5, p. 158]. Compton assim o fez. Nas abordagens semiclássicas, aqui ilustradas nos episódios I e II, Compton trataria os raios X como ondas descritas pelo eletromagnetismo clássico, seguindo os resultados de Max von Laue, que havia estabelecido a natureza ondulatória dos raios X, reservando o tratamento quântico para a descrição da interação entre esta radiação e a matéria. Quando realizou a transição para um tratamento quântico, estabelecendo o que hoje denominamos efeito Compton, ele tratou a própria radiação como composta por partículas com energia e momento quantizados [24].

2.1 Episódio I

Em 1921, Compton realizou um experimento cujo objetivo era "obter mais informações definitivas sobre as características da radiação X secundária" através da análise do espectro dos raios secundários obtidos quando um feixe de raios X de molibdênio atravessava um espalhador de alumínio ou celuloide que estaria inserido na primeira fenda do espectrômetro, em um ângulo de espalhamento de aproximadamente 90º [6, p. 267]. Para o historiador da ciência Roger Stuewer, tal experimento representou a mais importante modificação no itinerário de pesquisa desenvolvido por Compton desde que ele havia retornado aos experimentos de raios X e γ [5, p. 185]. Compton utilizaria, então, o espectrômetro de Bragg como, de fato, espectrômetro, e não como um "seletor de comprimento de onda", de modo que ele pudesse comparar o espectro do feixe primário com o do secundário [7, p. 982].

Compton observou que o espectro possuía linhas idênticas em comprimento de onda às do espectro do feixe primário de molibdênio; logo, ele concluiu que uma parte da radiação secundária era verdadeiramente espalhada e que o seu comprimento de onda permanecia inalterado. Além disto, ele havia verificado a existência de uma radiação fluorescente que possuía um comprimento de onda de 0,95 Å, o qual era 35% maior do que o comprimento de onda do raio incidente [6, p. 297-298]. Realizando consulta aos arquivos pessoais de Compton, Stuewer conseguiu reproduzir a Fig. 1 para o espalhador Pyrex. Ao destacar que o máximo da radiação fluorescente era de aproximadamente 0,95 Å, de acordo com Stuewer, Compton ignorou completamente a pequena diferença no pico da linha Kα de molibdκnio, restringindo-se apenas aos pequenos picos ao redor de 0,95. Uma análise baseada nos conhecimentos atuais sobre o assunto, portanto, anacrônica, permite-nos verificar que aqueles picos representam a segunda ordem do espectro dos raios espalhados, mas Compton não percebeu isso. Para Compton, tanto o comprimento de onda da radiação incidente quanto o da radiação espalhada verdadeiramente eram de 0,708 Å, e o comprimento de onda da radiação fluorescente secundária era de 0,95 Å [5, p. 188].


Compton afirmou que os raios fluorescentes podem contribuir com uma parcela maior da energia espalhada do que aquela dos raios espalhados verdadeiramente quando se utilizavam raios X de comprimento de onda muito curto. Isso poderia ser explicado se "supusermos que o feixe de raios X incidente ejeta os elétrons que se movem para frente com uma energia cinética de hC/λ, nessa expressão λ é o comprimento de onda do raio excitado". Isto faria com que os elétrons oscilassem em uma frequência na direção do movimento, o que pelo efeito Doppler ocasionaria um aumento no comprimento de onda da radiação fluorescente. Portanto, Compton defendia, em 1922, que o feixe incidente e o espalhado possuíam o mesmo comprimento de onda após o processo de espalhamento. Contudo, haveria uma diferença significativa entre o comprimento de onda do feixe incidente e o da radiação fluorescente [6, p. 298].

É importante destacar dois pontos na argumentação de Compton. Embora tenha sugerido que cada elétron era ejetado com uma energia cinética de hc/λ pelo feixe incidente, Compton não afirmou que cada quantum singular transfere a sua energia para cada elétron, utilizando a teoria quântica para explicar a tal diferença entre o comprimento de onda da radiação primária e o da fluorescente [5, p. 189]. A partir da conservação da energia, tem-se que4 4 As demonstrações matemáticas ora apresentadas foram extraídas do livro The Compton Effect, publicado por Roger H. Stuewer (1975), Ref. [5, p. 189-190].

nessa expressão, v é a velocidade, e m a massa de repouso do elétron ejetado.

Segundo, Compton também argumentou que os elétrons estariam oscilando; logo, seria necessário considerar o efeito Doppler. A expressão relativística do efeito Doppler é descrita por

sendo que λ1 e λ2representam os comprimentos de onda observados nas direções e , respectivamente. No seu experimento, Compton adotou e ; logo, a Eq. (1) torna-se

Substituindo o valor de v da Eq. (1) na Eq. (3) uma vez que λ = λ1, obtém-se

Fazendo λ1 = 0,71 Å e mc2 2 Para mais detalhes, consultar: L.M. Brown, Studies in History and Philosophy of Modern Physics 33, 211 (2002). Copyright by the Sociedade Brasileira de Física. Printed in Brazil. = 0,51 MeV, encontra-se

Compton havia observado que λ12 = 0,71 Å/0,95 Å = 0,75.

Conforme Stuewer, em uma fascinante reflexão sobre a natureza da ciência, "Quem se perguntaria por uma melhor concordância entre a teoria e o experimento? Cito isto como um belo exemplo histórico de uma falsa teoria sendo confirmada por falsos resultados experimentais" [7, p. 982-983].

2.2 Episódio II

Em outubro de 1922, Compton publicou o artigo Secondary Radiation Produced by X-Rays, and some of their Applications to Physical Problems cuja finalidade era fazer uma revisão crítica da literatura sobre os raios secundários produzidos por raios X. Nele, Compton mencionou que, para compreender o "significado físico da radiação secundária", era necessário saber qual parte da radiação era espalhada e qual era a fluorescente. Dois métodos poderiam ser utilizados para fazer tal distinção. O primeiro dependia da lei de Stokes, segundo a qual a radiação fluorescente deveria ter um comprimento de onda maior do que aquele do feixe primário que a excita. Neste caso, os raios espalhados "verdadeiramente" eram aqueles de "mesmo" comprimento de onda do feixe primário, e aqueles raios menos penetrantes "não" eram espalhados "verdadeiramente". O segundo método era mais direto, e consistia em comparar o espectro dos raios X secundários com aquele do feixe primário. Considerando que o feixe primário era homogêneo e que os elétrons atravessados estavam em repouso "de modo que, se não ocorresse o efeito Doppler, o feixe espalhado seria homogêneo e de mesmo comprimento de onda; enquanto que os raios fluorescentes difeririam em comprimento de onda do primário" [8, p. 2-3].

Neste artigo, Compton publicou os resultados acerca de seu primeiro espectro de raios de molibdênio após serem espalhados, em 90, por grafita. Para ele, as recentes medições espectroscópicas mostravam uma distinta diferença no comprimento de onda dos raios secundários (curva sólida, Fig. 2) em relação ao dos raios primários. Compton afirmou que esse espectro parecia confirmar as medições de absorção ao mostrar que, para o caso de raios X secundários de grandes comprimentos de onda, não se verificava uma mudança no seu comprimento de onda. Além disso, também era indubitável o aspecto de que "uma grande parte dos raios X secundários tinha sofrido uma real mudança no comprimento de onda". Compton observou que o comprimento de onda dos raios X secundários era 0,03 Å maior do que o comprimento de onda dos raios primários [8, p. 16-17].


Na tentativa de explicar o porquê daquela mudança no comprimento de onda dos raios X secundários, Compton chegou a uma conclusão que difere completamente da sua postura diante da teoria clássica. Segundo o cientista, "a teoria clássica mostrava-se irreconciliável com o fato de que parte dos raios secundários, que são de comprimento de onda maior do que o feixe primário, são verdadeiramente espalhados", já que essa teoria defendia a ideia de que "todos" os elétrons participavam efetivamente do processo de espalhamento [8, p. 18]. Foi, então, que Compton propôs uma hipótese completamente diferente das antecedentes que não estava fundamentada completamente na teoria clássica, mas apoiada também na teoria quântica. Ele supôs que:

[...] cada elétron quando espalha recebe dos raios X todo um quantum de energia e re-irradia todo o quantum em uma direção definida. O momento que o elétron espalhado recebe da radiação será, então, hv/c, em que h é a constante de Planck, v a frequência e c a velocidade da luz. Isto resultará em uma velocidade para frente que produzirá um efeito Doppler quando os raios espalhados são observados em diferentes direções. Além disso, como os elétrons irradiam um quantum de energia na direção do observador, o princípio de conservação do momento demanda que os elétrons recuariam com um momento hv'/c, em que v' é a frequência média da radiação espalhada. Para os casos em que a velocidade resultante do elétron é menor comparada com a rapidez da luz, pode ser mostrado sob essa base que a relação entre a frequência média dos raios espalhados em 90 e os raios incidentes deveria ser 1-h/mcλ. No caso da linha de molibdênio Kα(λ = 0,708 E), essa relação é 0,966, enquanto que o valor obtido dos experimentos mostrado na [Fig. 11] é 0,969. Essa concordância numérica sugere que deveríamos considerar o espalhamento como um fenômeno quântico ao invés de obedecer as leis clássicas de eletricidade [8, p. 18-19].

Analisemos, então, tal hipótese semiclássica proposta por Compton.5 5 Essa análise foi realizada a partir da demonstração matemática feita por Stuewer (1975, p. 205-206). Para explicar o porquê da modificação no comprimento de onda da radiação secundária, Compton sugeriu que cada elétron recebia do feixe de raios X todo um quantum de energia, transferindo, assim, para o elétron um momento hν/c [5, p. 205]. Isso causaria um movimento do elétron na direção da radiação incidente, assim, por meio da conservação do momento

Em seguida, Compton considerou que a radiação secundária era proveniente dos elétrons que se moviam em alta velocidade, assim sendo, o efeito Doppler poderia ser utilizado para determinar a sua frequência ou o seu comprimento de onda [5, p. 205]. De acordo com a fórmula do efeito Doppler escrita por Compton, tem-se que

Nessa expressão β = v/c. Novamente, considerando estes dados experimentais reduz-se a

Substituindo o valor da velocidade da expressão (5) na expressão (?), obtém-se

a qual representa a equação mencionada por Compton tanto na citação anterior quanto no lado direito da Fig. 2.

No seu trabalho anterior, Compton havia utilizado a conservação da energia para determinar a velocidade do elétron, e encontrou um aumento de 35% no comprimento de onda dos raios secundários em relação aos incidentes. Nesse artigo, Compton determinou a velocidade do elétron a partir da conservação do momento, e obteve

O valor dessa razão observado experimentalmente por Compton foi de . Essa forte concordância entre o resultado experimental e o teórico levou Compton a concluir que "a modificação no comprimento de onda dos raios quando eles são transformados de raios X primários para secundários parece estar mais de acordo com os princípios quânticos". Além disto, ele também destacou que um estudo relacionado ao modo como tanto a teoria clássica quanto os princípios quânticos explicavam esse fenômeno se mostrava "um campo muito proveitoso no estudo da conexão entre estes dois pontos de vista" [8, p. 20]. Talvez, essa percepção de Compton sobre a necessidade de mais estudos comparativos, teoria clássica vis-à-vis teoria quântica, o tenha conduzido a uma reanálise da sua explicação quântica.

Compton mencionou duas evidências a favor da sua hipótese. Ele afirmou ter observado que, quando se utilizavam raios γ duros de RaC, os raios secundários, em 135 com o feixe primário, possuíam um comprimento de onda de 0,08 Å, já os raios que formavam ângulos menores do que 20 eram muito mais moles do que os raios incidentes.6 6 RaC é a abreviação do termo Radium C, nome histórico de um dos produtos de decaimento do rádio. Hoje, esse produto é conhecido como o isótopo 214 do bismuto. O valor do comprimento de onda dos raios γ de RaC primαrios era de 0,025 Å, e o comprimento de onda encontrado para os raios secundários em 20 era de aproximadamente 0,03 Å. Compton destacou que, ao considerar o ângulo de 20 e o de 135 , se obtinha um valor para a velocidade da fonte de 52% do valor da luz. E se fosse assumido, assim como fizera Rutherford, que os raios β secundários, isto é, elétrons, eram ejetados inicialmente para frente, isso explicaria o fato de que a energia radiante era maior para frente do que para trás, uma vez que o movimento do radiador era muito rápido. Essa estimativa de Compton do valor de β concordava tanto com as observações da dissimetria dos raios γ secundários quanto com as observações realizadas por A.S. Eve, para quem a velocidade dos raios β secundαrios, quando excitados por raios γ duros, era maior do que metade da velocidade da luz [8, p. 19-20].

A outra evidência referia-se à confirmação experimental do amolecimento dos raios secundários. Segundo Compton, a ideia de que os raios secundários eram efetivamente espalhados poderia ser corroborada por estudos sobre polarização [8, p. 20]. Em estudos anteriores, Compton e Hagenow haviam encontrado que 70% da radiação secundária total em 90 era um tipo geral de fluorescente, isso significava que tanto os raios fluorescentes quanto os espalhados eram completamente polarizados [9, p. 98]. Ou seja, os raios X secundários não eram fluorescentes, mas, sim, raios X espalhados [5, p. 206].

Surgem alguns argumentos contrários à explicação proposta por Compton para o espalhamento da radiação pela matéria. De acordo com J.A. Gray, alguns experimentos mostravam que a intensidade dos raios X não era capaz de determinar o número de partículas β que eram liberadas. Logo, a mudança observada na frequência e, consequentemente, no amolecimento dos raios X secundários não decorreria da formação desses raios β secundários. Outro aspecto suscetível a crítica era o fato de que as medições espectroscópicas de Compton pareciam ser "inconclusivas", já que a margem de erro subjacente a cada medida era tão grande quanto a mudança no comprimento de onda (0,03 Å). Stuewer também destacou que o fato de Compton ter identificado uma pequena mudança no comprimento de onda não queria dizer que ele havia utilizado de modo adequado a teoria quântica para o processo de espalhamento. Foi, neste sentido, que Compton recebera críticas de W. Duane [5, p. 207]

3 A natureza da radiação X: ondas ou corpúsculos?

Nesse período, o universo clássico de Compton já não era mais o mesmo. As suas conjecturas estavam mescladas com ideias clássicas e quânticas. A sua explicação para o processo de espalhamento estava na interface entre o velho e o novo. A teoria clássica, para ele, já não era o bastante para explicar tal fenômeno. O final do seu artigo foi dedicado à discussão de uma indagação que há tempos fazia parte dos estudos relativos aos raios X - qual era mesmo a natureza da radiação? Discutiremos a maneira como Compton tentou responder a esse questionamento, que, na concepção de Stuewer, "constitui uma das mais fascinantes discussões na literatura da física" [5, p. 208-209].

Compton já havia identificado a dificuldade subjacente à teoria quântica. Segundo ele, considerar que cada elétron absorve e emite uma radiação de forma quantizada faz com que o efeito de interferência se torne inexplicável sob a base teórica dos princípios quânticos. Logo, apesar de a teoria quântica conseguir explicar o processo de espalhamento, "o fenômeno de interferência ocorrendo no espalhamento e na reflexão dos raios X é inconsistente com a ideia de que um elétron sempre emite radiação espalhada em quanta" [8, p. 53].

De um lado, portanto, tinha-se o fenômeno de interferência que conduzia à conclusão de que em certas condições a radiação não poderia ser representada por partículas, quanta, propagando-se em uma direção definida. E os experimentos referentes à interferência em cristais "confirmavam a ideia de que a radiação consistia em ondas" em conformidade com a teoria clássica. De outro lado, todavia, experimentos evidenciavam que o comprimento de onda dos raios X espalhados era maior do que aquele do feixe incidente; o que a teoria clássica não conseguia explicar. Neste contexto, Compton não estava totalmente convicto da aplicabilidade da teoria quântica para a explicação do processo de espalhamento já que "o argumento baseado no fenômeno da interferência é tão grande que me parece questionável se a interpretação quântica deste experimento é a correta" [8, p. 54-55].

Compton afirmou que, se em determinadas condições a radiação se comportava como frações infinitesimais de um quantum, e se a absorção era um processo contínuo, neste caso, seria interessante questionar se "a [teoria] quântica teria um real significado para a física". Para responder a essa indagação, Compton inicialmente apontou alguns resultados experimentais. Ele destacou que os resultados experimentais obtidos por M. de Broglie e aqueles obtidos por C.D. Ellis se mostraram favoráveis à ideia de que cada fotoelétron modifica o seu estado fundamental no átomo com uma energia cinética de hν, em que ν se refere à frequência do raio incidente. Já os experimentos feitos por W. Duane e D.L. Hunt evidenciavam que toda a energia cinética de um raio catódico era transformada em radiação, logo, Ecinetica=hν. Compton também afirmou que uma relação similar a essa expressava o valor da frequência dos raios emitidos quando um elétron passa de um nível de energia para outro dentro do átomo. Ele estava se referindo à explicação do átomo de Niels Bohr. Isso mostra, portanto, o seu conhecimento de, pelo menos, parte da velha teoria quântica. Neste sentido, a teoria quântica parecia descrever, para Compton, um "mecanismo reversível no qual a energia pode ser trocada entre a radiação e a energia cinética de um elétron" [8, p. 55].

Portanto, a energia absorvida no processo de absorção fluorescente de raios X apareceria como a energia cinética dos fotoelétrons - uma energia quantizada. No entanto, a energia dissipada no espalhamento não é transformada em fotoelétrons e por essa razão não dependeria da hipótese quântica para a explicação do fenômeno, ela poderia ser descrita como uma energia contínua conforme a eletrodinâmica clássica. Por fim, Compton concluiu que "nesta concepção não há razão para questionar a aplicação da eletrodinâmica clássica para o problema do espalhamento" [ibid.].

Esse argumento de Compton é similar ao que havia sido proposto por Bohr em 1913. No modelo atômico de Bohr, os processos de transição não poderiam ser explicados de acordo com a teoria clássica [10, p. 54]. Deste modo, a emissão e a absorção de energia seriam feitas através de pacotes de energia entre os estados estacionários [11, p. 338]. Contudo, a radiação propagar-se-ia de maneira ondulatória, contínua e não quantizada.

Sintomaticamente no mesmo ano, 1922, depois de elogiar toda a contribuição de Einstein para a teoria quântica, Bohr, no seu discurso do Nobel, pontuou:

Apesar do seu valor heurístico, contudo, a hipótese dos quanta de luz, que é completamente irreconciliável com o assim chamado fenômeno de interferência, não é capaz de lançar luz sobre a natureza da radiação. Eu preciso apenas relembrar que este fenômeno de interferência constitui a única forma de investigação das propriedades da radiação, e, portanto, de atribuir qualquer significado maior para a frequência que na teoria de Einstein estabelece a magnitude do quantum de luz [12, p. 321-322] (grifo nosso).

Portanto, para Compton e Bohr, em 1922, a radiação que incidia na matéria era de natureza ondulatória, conforme descrito na teoria clássica. No entanto, para os processos estritamente atômicos seria necessário considerar que a radiação trocava quanta de energia com a matéria. Mesmo que o seu livro como um todo seja excelente, Stuewer não explorou essa correlação entre o pensamento de Compton e o de Bohr.

4 Enfim, os quanta!

Como era sabido, apesar de a teoria clássica ter sido confirmada pelos primeiros experimentos realizados por C.G. Barkla (1877-1944) e outros, ela não conseguia explicar dois resultados experimentais no que concerne aos estudos sobre o espalhamento dos raios X pela matéria. A teoria desenvolvida por J.J. Thomson (1856-1940) afirmava que a energia espalhada por um elétron, à medida que a radiação X atravessava a matéria, seria a mesma independentemente do comprimento de onda do feixe incidente, e que, quando os raios X atravessavam uma fina placa, a intensidade da radiação espalhada no lado emergente seria similar àquela da radiação espalhada no lado incidente. Essa explicação clássica apenas aplicava-se ao caso em que se utilizavam raios X de moderada dureza, isto é, raios X moles. Todavia, quando eram usados raios X duros e γ espalhados por elementos leves, encontrava-se um resultado fortemente contrário à teoria clássica. De fato, os resultados experimentais mostravam que a intensidade da radiação espalhada era consideravelmente menor do que aquele valor predito pela teoria proposta por Thomson, e era fortemente concentrada sobre o lado emergente de uma placa de espalhamento [13, p. 484].

Compton afirmou que inicialmente, em 1919, ele havia sugerido que essa redução no espalhamento dos raios X muito curtos seria decorrente da interferência dos raios X espalhados pelas diferentes partes do elétron desde que o tamanho do elétron fosse comparável em magnitude com o comprimento de onda do feixe incidente. No entanto, a hipótese de um grande elétron "cujo tamanho aumenta com o comprimento de onda dos raios incidentes era difícil de defender" [3, 13, p. 484].

Outra dificuldade associada às predições da teoria clássica referia-se ao fato de que tanto os raios γ quanto os raios X secundários7 7 "Pelo termo raios [X ou γ] 'secundários' era entendido qualquer radiação do tipo X excitado pela passagem através da matéria dos raios X primários" [6, p. 331]. eram mais moles do que os raios incidentes que atravessavam a matéria. Compton ressaltou que, a partir de uma análise espectroscópica dos raios X secundários de grafite, ele seria capaz de mostrar que esses raios não possuiriam o mesmo comprimento de onda dos raios incidentes. A ideia de que haveria uma modificação no comprimento de onda do feixe incidente, em virtude do espalhamento, era completamente destoante da teoria do espalhamento desenvolvida por Thomson. Compton, então, declarou que "nenhuma mudança da teoria [clássica] tal como a hipótese do grande elétron sugere um caminho fora da dificuldade". Deste modo, a teoria clássica não poderia ser utilizada para explicar o espalhamento dos raios X pela matéria [13, p. 484-485].

Conforme a teoria clássica, à medida que um feixe de raios X atravessava a substância, todos os elétrons participariam efetivamente do processo de espalhamento, e o resultado final seria ponto de vista da teoria quântica, podemos supor que ocasionado pelo efeito conjunto de todos os elétrons [ibid.]. Não obstante, Compton propôs uma conjectura completamente antagônica à teoria clássica, ao afirmar que:

Do qualquer quantum particular de raio X não é espalhado por todos os elétrons do irradiador, mas gasta toda a sua energia sobre algum elétron particular. Esse elétron desviará os raios em alguma direção definida, em um determinado ângulo com o feixe incidente. Tal desvio da trajetória do quantum de radiação resulta em uma mudança em seu momento. Como consequência, o elétron espalhado recuará com um momento igual à mudança de momento do raio X. A energia do raio espalhado será igual à do raio incidente menos a energia cinética de recuo do elétron espalhado. E como o raio espalhado deve ser um quantum completo, a frequência será reduzida na mesma proporção que a sua energia. Assim, na teoria quântica, deveríamos esperar que o comprimento de onda dos raios X espalhados seja maior do que o dos raios incidentes [13, p. 485].

O momento do quantum de raio X faz com que o elétron adquira velocidade, e seja espalhado em um ângulo menor do que 90 com o feixe primário. Era sabido que qualquer corpo eletrizado, assim como o elétron, ao ser acelerado irradiava uma energia maior na direção do seu movimento. Então, Compton afirmou que "a intensidade da radiação espalhada deveria ser maior na direção geral do feixe primário de raios X do que na direção inversa" [13, p. 485-486].

Compton sugeriu o seguinte diagrama, Figs. 1A e 1B, para representar o processo de espalhamento entre um quantum de raio X e um elétron. Ele considerou que o quantum de raio X de frequência é espalhado por um elétron de massa m. O momento do raio incidente será dado por ; nessa expressão, c é a velocidade da luz e h é a constante de Planck, e o raio espalhado tem momento , e forma um ângulo com o momento inicial [13, p. 486].

O princípio da conservação do momento conduz ao seguinte resultado: o momento de recuo do elétron espalhado será igual à diferença entre o momento do quantum incidente e o do quantum espalhado, ver Fig. 1B. A partir disso e do princípio da relatividade restrita, Compton encontrou esta relação

nessa expressão, β é a razão entre a velocidade de recuo do elétron e a velocidade da luz, β = v/c, m é a massa de repouso do elétron, e v representa a frequência observada na direção Ө.

Considerando também o princípio da conservação da energia, a qual demanda que a energia do quantum espalhado seja igual à do quantum incidente menos a energia cinética de recuo do elétron, hvө = hv0 - Ee, então [13, p. 486]

Compton, então, resolveu as Eqs. (9) e (10) para β e vө, encontrando que

em que α = hv0 / mc2 = h / mcλ0. Expressando a Eq. (12) em termos do comprimento de onda, tem-se que

Compton demonstrou, então, através da Eq. (13), que haveria um acréscimo no comprimento de onda devido ao espalhamento.

Ademais, ele calculou a razão entre a intensidade, ou a energia por unidade de área, dos raios X espalhados em um ângulo Ө a uma distβncia R e a intensidade da radiação espalhada para frente, onde Ө = 0, encontrando [13, p. 493]

Compton considerou a hipótese do recuo do elétron, segundo a qual, "para um raio espalhando diretamente para frente, a velocidade de recuo é zero [Eq. (11)]". Logo, devido ao fato de estar o elétron em repouso, a intensidade do feixe espalhado deveria ser determinada sob o alicerce da teoria clássica

em que I é a intensidade do feixe primário ao atravessar N elétrons os quais são efetivos no espalhamento.

Substituindo o valor de I0 na Eq. (14), obtém-se que a intensidade do feixe de raios X espalhados em um ângulo Ө com o feixe incidente é

O coeficiente de absorção de espalhamento é definido como sendo "a fração da energia do feixe primário perdida pelo processo de espalhamento por unidade de comprimento" cuja intensidade é

em que nhv0 representa a energia retirada do feixe primário por segundo.

Ao comparar a equação que descrevia a intensidade da radiação espalhada para frente com a Eq. (15), Compton verificou que o número de quanta espalhado por segundo, n, era descrito por

Deste modo, o coeficiente de absorção de espalhamento tornava-se

nessa expressão, N é o número de elétrons no espalhamento por unidade de volume, e σ0, o coeficiente de absorção de espalhamento obtido através da teoria clássica [13, p. 493].

Com o intuito de calcular a energia total verdadeiramente espalhada, Compton afirmou que seria necessário integrar a intensidade da energia espalhada sobre a superfície de uma esfera em torno do material de espalhamento, ou seja,

substituindo o valor de Iө dado pela Eq. (16) e integrando, encontra-se que

Deste modo, o coeficiente de espalhamento verdadeiro é dado por

Compton destacou que "a diferença entre a energia total retirada do feixe primário e aquela que reaparece como radiação espalhada é a energia de recuo dos elétrons no espalhamento". Portanto, o coeficiente de absorção verdadeiro devido ao processo de espalhamento é descrito por [13, p. 494]

A segunda parte do artigo escrito por Compton foi dedicada ao "teste experimental". O objetivo dessa seção era "investigar a concordância dessas várias fórmulas com os experimentos sobre a mudança no comprimento de onda devido ao espalhamento e sobre a magnitude do espalhamento dos raios X e raios γ por elementos leves" [ibid.].

Quanto ao comprimento de onda dos raios espalhados, Compton substituiu os valores das constantes h, m, e c da Eq. (13), encontrando

em que a unidade de λ é Angstrom.

A fim de realizar um teste quantitativo da Eq. (21), Compton estabeleceu uma análise comparativa entre o espectro dos raios X espalhados por grafite em ângulos retos e o espectro dos raios X primários, quando o grafite era atravessado pelos raios X de um alvo de molibdênio, conforme o gráfico a seguir. Nele, observa-se que Compton esboçou a intensidade dos raios X espalhados e daqueles primários em função do ângulo de espalhamento. A linha sólida refere-se ao espectro dos raios X de molibdênio espalhados por grafite em um ângulo de 90, já a linha pontilhada representa o espectro dos raios X primários de molibdênio [13, p. 494].

Segundo Compton, era inquestionável o fato de que o comprimento de onda dos raios espalhados era maior do que aquele dos raios primários que os excitavam. Para ele, a linha Kα de molibdênio possuía um comprimento de onda de 0,708 Å. Tomando por base a Fig. 4, Compton obteve os valores experimentais para a intensidade da radiação espalhada, e, ao substituí-los na Eq. (8), ele encontrou o comprimento de onda da linha Kα de molibdênio, que era de 0,730 Å após o espalhamento [13, p. 495]. Portanto,


A partir da Eq. (21), tem-se que

Diante de tais resultados, Compton ressaltou que eles apresentavam "uma concordância muito satisfatória" [13, p. 495].

Após o seu teste experimental, no intuito de verificar a correspondência entre a teoria quântica e os resultados experimentais, Compton constatou a notável concordância entre as suas fórmulas e a experimentação, o que não deixava dúvida de que o espalhamento dos raios X era um fenômeno quântico [ibid., p. 501]. Quanto à hipótese do grande elétron, defendida em 1919, Compton mencionou que:

A hipótese de um grande elétron para explicar esses efeitos é consequentemente supérflua, pois todos os experimentos sobre o espalhamento dos raios X, para os quais essa hipótese tem sido aplicada, são agora vistos ser explicáveis a partir do ponto de vista da teoria quântica sem introduzir quaisquer novas hipóteses ou constantes. Além disso, a presente teoria descreve satisfatoriamente a mudança no comprimento de onda devido ao espalhamento, o qual era inexplicável sob a hipótese do grande elétron. Do ponto de vista do espalhamento de raios-X e raios-γ, portanto, já não existe qualquer suporte para a hipótese de um elétron cujo diâmetro é comparável com o comprimento de onda dos raios-X duros [ibid.].

Compton destacou que a sua teoria dependia de duas conjecturas. A ideia de que cada elétron que participava efetivamente do processo de espalhamento espalhava um quantum singular, e a hipótese de que os quanta de radiação eram recebidos de direções definidas e espalhados em direções definidas. Outro aspecto interessante era o fato de que os resultados experimentais concordavam com a hipótese de que o quantum de radiação possuía momento e energia [ibid.].

De acordo com Compton, o fenômeno de interferência dos raios X, conforme demonstrado por von Laue, ainda não era inteligível quando associado à teoria quântica. No entanto, ele tentou explicá-lo supondo que os elétrons estariam tão firmemente ligados ao átomo que os mesmos não recuariam. Logo, o quantum de radiação poderia espalhar-se ao longo de um grande número de elétrons, distribuindo, assim, a sua energia e o seu momento entre eles. Por fim, Compton afirmou que "o problema do espalhamento está tão interligado com aqueles da reflexão e da interferência que um estudo do problema poderia possivelmente lançar alguma luz sobre a difícil questão da relação entre a interferência e a teoria quântica" [13, p. 502].

4.1 A contribuição "esquecida" de Jauncey para a descoberta do efeito Compton

No final do seu artigo de 1923, Compton [13, p. 502] fez um agradecimento que nos chamou a atenção: "Muitas das ideias envolvidas neste trabalho têm sido desenvolvidas com o Professor G.E.M. Jauncey deste departamento". Isto nos fez refletir: Por que ele havia agradecido ao seu colega de departamento? Qual teria sido, então, a contribuição de Jauncey? A nossa inquietação foi respondida quando descobrimos um artigo recente, G.E.M. Jauncey and the Compton Effect, publicado por John Jenkin na Physics in Perspective em 2002, baseado no qual realizamos a nossa discussão.

Jenkin enfatizou, através das palavras de Bruce Wheaton, a relevância da Ref. [5] e o fato de que "a história de sucesso de Compton foi inicialmente inserida na extensa literatura da física experimental, e Stuewer meticulosamente a desenterrou". A mudança significativa no programa de pesquisa desenvolvido por Compton ocorreu no final de 1922, quando ele "finalmente rejeitou uma explicação clássica a favor de uma quântica" para o processo de espalhamento dos raios X pela matéria. No entanto, conforme Wheaton, "Stuewer dedicou pouca razão a essa mudança abrupta na atitude de Compton" [23]. O argumento do historiador australiano Jenkin é o de que há uma razão para isso, e "ela parece residir no papel do indivíduo George Eric Macdonell Jauncey (1888-1947)". Deste modo, Jenkin sugere que Jauncey "ajudou materialmente a persuadi-lo [Compton] a aceitar a interpretação quântica de seus experimentos sobre o espalhamento de raios X" [14, p. 320].

Em seu livro, Stuewer afirmou que

Um dos aspectos mais intrigantes do programa de pesquisa de Compton, quando visto na sua integridade, foi a sua relativa autonomia. Os seus maiores insights teóricos dependeram em grande parte da sua própria habilidade concebida com os experimentos na Universidade de Minnesota, no laboratório Cavendish e na Universidade de Washington [5, p. 217].

Há, portanto, uma nuance na história do efeito Compton. Enquanto Stuewer defende uma "relativa autonomia" do programa de pesquisa de Compton quanto às questões teóricas, Jenkin almeja destacar o papel de Jauncey na descoberta do efeito Compton [14, p. 324].

Jenkin ressaltou, entretanto, que não estava defendendo a tese de que o efeito Compton teria sido uma ideia de Jauncey, e nem que este deveria ter compartilhado o Prêmio Nobel de Física de 1927 com Compton. Segundo ele, Compton já se tinha preparado para a sua descoberta, e o seu próprio artigo, Secondary radiation produced by X-Ray, "já havia preparado a sua mente para a mudança drástica na sua interpretação dos seus experimentos sobre o espalhamento dos raios X". Todavia, em outubro de 1922, Compton relutou em incorporá-la. Para tal mudança, foi preciso que "alguém ou alguma coisa o encorajasse a ponto de considerar a interpretação quântica" na explicação dos seus excelentes resultados experimentais [14, p. 328]. Recentemente, Stuewer também concordou com Jenkin quanto à contribuição de Jauncey ao trabalho de Compton publicado em 1923 [15, p. 524].

Até mesmo antes de iniciar as suas atividades na University of Washington, Compton já consultava os colegas sobre possíveis nomes para ajudá-lo como professor assistente, que tivessem interesse voltado para a pesquisa em raios X. Foi, então, que o nome de Jauncey surgiu como uma possibilidade, e ele foi contratado por Compton para juntos trabalharem no laboratório da universidade. Jauncey e Compton trabalharam próximos por dois anos. Os seus agradecimentos mútuos no final de seus primeiros trabalhos, antes da descoberta do efeito Compton, "são claras evidências da forte influência de um sobre o outro". Carl H. Eckart (1902-1973), enquanto era estudante de pós-graduação da Universidade de Washington nos anos de 1922 e 1923, ressaltou que, durante as discussões de Jauncey e Compton sobre os estudos do espalhamento dos raios X, se percebia que "o trabalho experimental era [...] inteiramente de Compton", e, de fato, "a construção do equipamento era feita por ele com as suas próprias mãos". Contudo, Eckart afirmou que "um estímulo particular" foi a discussão do trabalho de E. Schrödinger realizada por Compton e Jauncey. Em uma tarde de novembro de 1922, Compton e Jauncey perceberam que o ponto essencial desse trabalho era o fato de que Schrödinger havia considerado que um quantum de luz possuía momento [14, p. 329].

Numa certa manhã, após alguns dias, Compton apresentou, pela primeira vez, a sua derivação das equações do efeito Compton a Jauncey e a Eckart. Anos depois, Jauncey disse a Eckart que na tarde anterior ele havia prometido levar a sua esposa ao cinema, e ele "se perguntou, muitas vezes, se Compton tivesse ido ao cinema e ele [Jauncey] tivesse ficado em casa, se ele teria derivado aquelas equações". Eckart estava, assim, convencido de que as discussões preliminares entre Compton e Jauncey foram importantes para a derivação daquelas fórmulas [14, p. 329-330].

Jauncey faleceu em 19 de maio de 1947, e foi velado pelos seus muitos amigos e colegas. Foi realizada uma cerimônia na Wilson Hall, da Universidade de Washington, em 23 de maio daquele ano, na qual quatro acadêmicos importantes da universidade se dirigiram ao público. Entre eles estava Compton, que se havia tornado reitor da Universidade de Washington em Saint Louis [ibid., p. 330].

O discurso de Compton foi comovente e este parágrafo é especialmente revelador:

Ele [Jauncey] tinha estudado com o senhor William Bragg, na Inglaterra, quando Bragg havia declarado que, enquanto na segunda, quarta e sexta-feira, nós considerávamos os raios X como ondas, na terça, quinta e sábado, nós os utilizávamos como partículas. Ele trouxe essas ideias para o ensino de física da Universidade de Washington em 1920 quando em outros lugares de nosso país o problema parecia ser de pouca importância. Fruto das discussões e experimentos, para as quais ele contribuiu, surgiu a primeira clara evidência de que os raios X têm, ao mesmo tempo, as propriedades de onda e partículas. Se os raios X, logo, também a luz. Portanto, foi estabelecida a base para [...] talvez a mais dramática mudança no pensamento científico [...] desde a época de Newton [ibid.].

Jenkin destacou dois pontos relevantes nesse comentário de Compton. De um lado, percebe-se uma clara linha intelectual de origem em Bragg, passando por Jauncey, até a abordagem quântica utilizada por Compton para explicar o espalhamento dos raios X pela matéria. Por outro lado, a considerável dívida pessoal de Compton pela contribuição de Jauncey na descoberta do efeito Compton [14, p. 330].

4.2 A repercussão

Compton havia demonstrado que os raios X poderiam ser refletidos totalmente por uma fina placa de espelho. Logo, "o que poderia ser mais como onda do que a reflexão interna total? ". A descoberta do efeito Compton, não obstante, foi uma forte evidência experimental de que era preciso considerar as propriedades corpusculares para a radiação X. Neste caso, "o que poderia ser mais partícula do que uma colisão tipo bola de bilhar? ". Deste modo, Compton havia encontrado evidências experimentais tanto da natureza corpuscular quanto da ondulatória dos raios X. "Nada pode simbolizar melhor o profundo dilema da onda-partícula que os físicos enfrentaram com a descoberta do efeito Compton" já que, enquanto os fenômenos de interferência, difração e reflexão eram explicados pela teoria eletromagnética clássica, o processo de espalhamento dos raios X pela matéria era explicado pela hipótese do quantum de radiação [7, p. 987].

4.2.1 Nos Estados Unidos: uma controvérsia

O crítico da teoria quântica proposta por Compton, nos Estados Unidos, foi William Duane (1872-1935).8 8 O doutorado de Duane foi realizado em Göttingen e em Berlim (1897). Ele foi inicialmente professor de física da Universidade do Colorado (1898-1907), e assistente de Marie Curie (1907-1913). Depois, Duane foi professor assistente de física da Universidade de Harvard em 1913, ele rapidamente obteve a primeira posição de professor de biofísica dos Estados Unidos [5, p. 249]. Duane realizou importantes contribuições para a física em toda a sua carreira, por exemplo, os seus estudos sobre as aplicações terapêuticas e médicas da radiação de alta frequência [17, p. 162]. Isso decorria da "forte resistência de Duane em aceitar uma teoria quântica para o espalhamento". É interessante destacar que Duane já havia utilizado anteriormente a teoria do quantum para estabelecer a relação entre a energia cinética do elétron e a frequência máxima do bremsstrahlung. Todavia, Duane tinha resistido ao primeiro pronunciamento de Compton, e escreveu para Arnold Sommerfeld (1868-1951), que estava nos Estados Unidos naquele período, descrevendo "as suas dúvidas e a sua explicação alternativa". Na sua resposta, Sommerfeld afirmou que, após visitar Compton no seu novo laboratório em Chicago, para o qual ele se havia transferido, Sommerfeld havia se "convencido da importância fundamental da descoberta de Compton" [16, p. 794-195].

Na reunião da American Physical Society, em dezembro de 1923, aconteceu o primeiro debate entre Compton e Duane. Sobre esse debate, Compton relembrou, após trinta e oito anos, que, apesar de ter refeito os experimentos várias vezes, o que lhe deixou mais confiante para esse debate foi saber que ele tinha o apoio de P.A. Ross e de M. de Broglie, os quais haviam encontrado espectros similares ao dele. Ao contrário de Duane e seus estudantes, que não haviam encontrado o mesmo espectro dos raios espalhados obtido por Compton. Duane encontrou outro espectro, designado de pico terciário, que corresponderia aos raios X excitados por fotoelétron no material. Compton afirmou que ele "poderia ter criticado a interpretação dos resultados [de Duane e seus estudantes] por fundamentos bastante óbvios", mas achou "que seria mais sábio deixar o próprio Duane encontrar a resposta" [17, p. 162].

Esse debate resultou na visita de Compton ao laboratório de Duane, em Harvard, e na de Duane ao laboratório de Compton, em Chicago. Segundo Compton, eles não haviam encontrado a razão pela qual os seus resultados eram diferentes, mas ambos observaram que o equipamento que Compton estava utilizando "era mais sensível e melhor adaptado do que aquele de Duane para o estudo do fenômeno em questão" [ibid.].

O segundo debate entre Compton e Duane ocorreu durante a reunião da British Association for the Advancement of Science (BAAS), em Toronto. Foi destinada a tarde do dia 8 de agosto de 1924 para as discussões acerca do espalhamento dos raios X pela matéria. Duane declarou que não havia encontrado os efeitos observados por Compton, e que a única diferença entre os seus aparatos experimentais estava no fato de que o tubo de raios X de Compton era cercado por uma caixa rígida de chumbo, e o seu não. Conforme Duane, "parecia improvável que essa diferença pudesse explicar a diferença dos resultados experimentais" [5, p. 268].

Ao retornar para Harvard, Duane pediu a S.K. Allison para modificar os experimentos. Ao fazer isso, Allison começou a obter indícios de que os dados experimentais concordavam com a teoria de Compton. Allison e Duane analisaram o espectro dos raios X quando tais raios atravessavam várias substâncias em diferentes ângulos de espalhamento. Eles concluíram, então, que os seus resultados corroboravam os experimentos de Compton, Ross e Webster, M. de Broglie, e outros [ibid., p. 272]

4.2.2 Na Europa: uma explicação semiclássica para o efeito Compton

O principal aspecto de hostilidade à descoberta de Compton por alguns físicos estava relacionado a "como unificar as teorias de partículas e de ondas" [5, p. 191]. Isto é, se a luz é constituída de quanta de energia, então, como explicar os fenômenos de interferência e de difração com base na hipótese da quantização da radiação? Essa aparente contradição entre a teoria ondulatória e a teoria corpuscular culminou no surgimento de teorias semiclássicas para explicar o efeito Compton. Foi o caso da teoria semiclássica desenvolvida pelo físico dinamarquês N. Bohr (1885-1962), pelo físico holandês H.A. Kramers (1894-1952) e pelo físico norte-americano J.C. Slater (1900-1976). Esses cientistas, que estavam trabalhando no Instituto de Física Teórica dirigido por Bohr em Copenhague, dedicaram-se ao desenvolvimento da teoria quântica. Neste sentido, é importante ressaltar que tais personagens estavam inseridos em uma tradição científica diferente tanto daquela da física norte-americana quanto daquela dedicada aos estudos dos raios X.

Bohr, que ainda não aceitava a hipótese do quantum de luz de Einstein, tentou resolver aquele dilema com o abandono das leis de conservação da energia e do momento. Slater, um recente doutor pela Universidade de Harvard, chegou a Copenhagen no final de 1923, almejando desenvolver a sua ideia de um "campo virtual de radiação" [7, p. 987]. Slater afirmou, muitos anos depois, que, ao apresentar a proposta para Bohr e Kramers, eles afirmaram que a parte essencial da sua conjectura seria preservada, mas a hipótese corpuscular deveria ser refutada [18, p. 84-85].

Em janeiro de 1924, Bohr, Kramers e Slater publicaram um artigo, intitulado The quantum theory of radiation, no qual eles unificaram a ideia de Slater sobre o campo virtual de radiação, e a conjectura de Bohr de que, em processos atômicos, a energia e o momento apenas seriam conservados estatisticamente. O objetivo era obter uma descrição consistente dos fenômenos contínuos e daqueles descontínuos que aconteciam na escala microscópica. A teoria Bohr-Kramers-Slater (BKS) estava baseada na hipótese de que os átomos poderiam interagir com outros átomos através de um campo virtual de radiação "que era virtualmente equivalente ao campo de radiação que na teoria clássica se originaria dos osciladores harmônicos virtuais" [19, p. 164-165], e a combinação entre esse campo virtual e os átomos emitindo e absorvendo radiação era de natureza estatística [7, p. 987].

Quanto ao espalhamento da luz por elétrons livres, Bohr, Kramers e Slater afirmaram que "Compton tinha encontrado uma interpretação formal desse efeito através da teoria dos quanta de luz ao assumir que o elétron pode colidir com um quantum de luz incidente e simultaneamente reemitir um quantum de luz em outra direção". No entanto, na teoria BKS, o espalhamento era considerado um processo estritamente contínuo, no qual cada elétron iluminado emite uma onda secundária [19, p. 173]. Essa onda secundária formaria uma radiação virtual, com velocidade diferente daquela inicial, que reagiria com outro elétron. Haveria, então, uma diferença temporal entre a detecção de um quantum e um elétron emitido, que não estava incluída no experimento de Compton. Com esse mecanismo, Bohr, Kramers e Slater não apenas explicaram a diferença espacial encontrada no efeito Compton, mas, também, introduziram a ideia de que "os processos de radiação não poderiam ser descritos causalmente no espaço e no tempo" [10, p. 161].

Em 1924, existiam duas teorias distintas para explicar o processo de espalhamento. De um lado, a explicação de Compton segundo a qual, no processo de espalhamento, a radiação se comportava como pequenos corpúsculos - o quantum de luz - e as leis de conservação da energia e do momento eram conservadas na escala microscópica. De outro lado, a teoria BKS, que defendia a conjectura de que, em processos atômicos, as leis de conservação apenas seriam válidas estatisticamente. Uma forma de "testar" as duas abordagens seria pela detecção de um par formado por um elétron individual espalhado e um quantum individual de raios X espalhado. Para a hipótese quântica, os raios X espalhados e os elétrons recuados seriam detectados no mesmo instante de tempo, enquanto, para a conjectura estatística, não existiria uma correlação entre o tempo de detecção dos elétrons espalhados e a radiação espalhada [20, p. 222]. Os primeiros experimentalistas a realizar tal experimento, em 1925, foram Walther Bothe (1891-1957) e Hans Geiger (1882-1945), no Physikalisch-Technische Reichsanstalt em Berlim.9 9 Em 1925, enquanto Bothe e Geiger estavam realizando o experimento que resolveria o problema da causalidade das leis de conservação, Albert Einstein estava no Rio de Janeiro, Brasil. Em uma comunicação realizada na Academia Brasileira de Ciências, Einstein discutiu sobre a sua hipótese dos quanta de luz e a teoria BKS. Sobre este fato histórico, ver Um manuscrito de Einstein no Brasil, publicado por Alfredo Tolmasquim e Ildeu de Castro Moreira na Revista Ciência Hoje (v. 21, n 124, setembro/outubro de 1996).

Bothe declarou, muito tempo depois, que, para ele e Geiger, a questão da validação das leis de conservação apenas poderia ser esclarecida através de fatos experimentais. Foi, então, que eles decidiram realizar um experimento capaz de "testar" a conjectura teórica desenvolvida por BKS. O objetivo desse experimento era responder à seguinte indagação: "No processo elementar cada vez que o quantum é espalhado e um elétron recua, são os dois simultâneos ou existe apenas um acoplamento estatístico entre os dois? " [21, p. 861]. Mas como isso seria possível? Bothe e Geiger afirmaram que, analisando o modelo de espalhamento de Compton para o hidrogênio, e o método da coincidência, que consistia na utilização de contadores tipo agulha, juntamente com o registro dos pulsos elétricos sobre filmes em movimento, seria possível constatar ou não a validade das ideias propostas pelo trabalho BKS [22, p. 401].

Em cinco horas foram observadas 66 coincidências, "O montante do filme utilizado foi tão grande que, quando os filmes foram pendurados para secar, o nosso laboratório deu a impressão de ser uma lavanderia comercial gigante" [21, p. 861]. Com base nas suas observações, Bothe e Geiger mencionaram que a chance de ocorrência da teoria estatística de Bohr, Kramers e Slater era apenas 1 em 400.000 [20, p. 223-224].

Logo, eles concluíram que a teoria BKS era incompatível com o experimento, já que a lei de conservação da energia e do momento tinha sido corroborada em cada espalhamento singular:

O resultado final foi que realmente as coincidências sistemáticas apareceram com uma frequência que poderia ser esperada a partir da geometria experimental e a detecção eficiente dos contadores, assumindo que, em cada processo elementar, o processo Compton, um quantum espalhado e um elétron recuado são produzidos simultaneamente. A estrita validade da lei da conservação de energia, mesmo no processo elementar foi, assim, provada, e a ideia genial para resolver o problema de onda-corpúsculo, como discutida por Bohr, Kramers e Slater, foi demonstrado que era incompatível com o experimento [21, p. 861-862].

Com esse método, Bothe foi o precursor do método de coincidência que Bruno Rossi utilizaria em torno de 1930 para o estudo dos raios cósmicos. Rossi desenvolveu uma técnica, baseada na combinação dos contadores Geiger-Müller e do "circuito de coincidência", capaz de obter um registro do caminho pelo qual as partículas atravessaram todos os contadores [10 p. 194]. Em 1955, Bothe ganhou o Prêmio Nobel de Física pelo desenvolvimento do método de coincidência.10 10 Para maiores detalhes, ver http://nobelprize.org/nobel_prizes/physics/laureates/1954/bothe-bio.html. Em 1925, Compton e o seu estudante Alfred W. Simon também realizaram mais experimentos que reforçaram fortemente os resultados obtidos por Bothe e Geiger [7 p. 988].

5 Considerações finais

Como foi destacado, um dos momentos mais marcantes da trajetória científica de Compton ocorreu quando ele passou a realizar os seus próprios experimentos. Após as suas primeiras observações, o nosso personagem constatou que o comprimento de onda dos raios X secundários havia sofrido, de fato, uma "real" modificação em relação ao dos raios primários. Nesse estágio do programa de pesquisa, abordagem semiclássica, Compton não utilizou a conservação da energia e a do momento juntas, restringindo-se apenas à aplicação da conservação da energia (em um primeiro artigo na Ref. [6]), e à da conservação do momento (em outro na Ref. [8]). Compton também não tinha considerado o fenômeno como um processo de colisão tipo bola de bilhar, ao invés disto, ele descreveu um processo em que o elétron primeiro absorve um momento h↑/c, e depois, reirradia um quantum de radiação em uma direção definida.

Diferentemente do que ocorria na sua abordagem clássica para o problema do espalhamento, Compton baseava-se naquele momento, fins de 1922, na teoria quântica para explicar os seus resultados, e não mais na teoria clássica. Porém, tal redireciomento da pesquisa realizada por ele não significava um total abandono dos pressupostos clássicos. Ainda que a teoria quântica conseguisse explicar o fenômeno do espalhamento, Compton tinha consciência de que a teoria clássica explicava com sucesso as questões relativas a interferência e a difração. Diante de tal dilema, ele concluiu que a teoria quântica poderia ser utilizada quando o processo de trocas de energia no átomo estava em questão. No entanto, a radiação emitida pela matéria seria de natureza ondulatória, contínua. Deste modo, a teoria clássica mostrava-se também aplicável ao problema do espalhamento já que a descontinuidade apenas ocorreria nas transições. Como foi destacado, essa posição era análoga à de físicos como Bohr, embora este lidasse principalmente com a radiação no campo da ótica enquanto Compton lidava com raios X e γ.

O fato de ter recebido o Prêmio Nobel de Física pela descoberta do efeito Compton, e participado da Conferência de Solvay, "em que Bohr, Dirac, Heisenberg, Pauli, Schrödinger, e outros físicos discutiram os fundamentos da mecânica quântica" [10, p. 212, grifo nosso], ambos em 1927, faz com que a figura de Compton sempre esteja associada à criação da teoria quântica. Não obstante, Compton adotou a hipótese quântica apenas em dezembro de 1922 após um longo período, de 1916 a 1922, no qual ele se dedicava à pesquisa em radiação de alta frequência alicerçado na física clássica. Em um curto período de tempo, a explicação quântica do efeito Compton foi apropriada pelos principais centros de pesquisa dos Estados Unidos e da Europa, principalmente Berlim e Copenhague, como fonte de investigação.

Agradecimentos

A realização desta pesquisa apenas foi possível com o auxílio financeiro concedido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Recebido em 22/5/2013

Aceito em 1/7/2013

Publicado em 6/2/2014

  • [1] R.S. Shankland, in Dicionário de Biografias Científicas, editado por C. Benjamin (Contraponto, Rio de Janeiro, 2007), p. 510-516.
  • [2] (1923) Compton effect. Disponível em http://www.nature.com/milestones/milephotons/full/milephotons05.html Acessado em 25/3/2013.
  • [3] I. Silva, O. Freire Jr. and A.P.B. da Silva, Revista Brasileira de Ensino de Física 33, 4601 (2011).
  • [4] I. Silva, Do Grande Elétron aos Quanta de Luz: Arthur Holly Compton e a Física dos Raios X e γ Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Bahia e Universidade Estadual de Feira de Santana, 2009.
  • [5] R.H. Stuewer, The Compton Effect: turning point in physics (Science History Publications, New York, 1975).
  • [6] A.H. Compton, Physical Review 19, 267 (1922).
  • [7] R.H. Stuewer, Annalen Der Physik 9, 9975 (2000).
  • [8] A.H. Compton, Bulletin of the National Research Council 4, 1 (1922).
  • [9] A.H. Compton and C.F. Hagenow, Physical Review Society 18, 97 (1921).
  • [10] H. Kragh, Quantum Generations: A History of Physics in the Twentieth Century (Princeton University Press, Princeton, 1999).
  • [11] O. Darrigol, in The Cambridge History of Science: The Modern Physical and Mathematical Sciences, editado por M.J. Nye (Cambridge University Press, Cambridge, 2003), v. 5, p. 331-339.
  • [12] N. Bohr, in The World of Physics: A Small Library of the Literature of Physics from Antiquity to the Present, editado por J.H. Weaver (Simon and Schuster, New York, 1987), v. 2.
  • [13] A.H. Compton, Physical Review 21, 483 (1923).
  • [14] J. Jenkin, Physics in Perspective 4, 320 (2002).
  • [15] R.H. Stuewer, Science & Education 15, 521 (2006).
  • [16] S.K.S. Allison, Science 138, 794 (1962).
  • [17] M. Jammer, The Conceptual Development of Quantum Mechanics (MacGraw-Hill, New York, 1966).
  • [18] P. Forman, Historical Studies in the Physical Sciences 3, 1 (1971).
  • [19] N. Bohr, H.A. Kramers and J.C. Slater, Philosophical Magazine 47, 159 (1924).
  • [20] A.H. Compton and S. Allison, X- Rays in Theory and Experiment (Van Nostrand Company Inc., New York, 1935).
  • [21] W. Bothe, Science 122, 861 (1955).
  • [22] D. Fick and H. Kant, Studies in History and Philosophy of Science Part B: Studies in History and Philosophy of Modern Physics 40, 395 (2009).
  • [23] B. Wheaton, Book review in Isis 69, 636 (1978).
  • [24] M. Arndt, in Compendium of Quantum Physics: Concepts, Experiments, History and Philosophy, editado por D. Greenberger, K. Hentschel and F. Weinert (Springer, Berlim, 2009).
  • 1
    E-mail:
  • 2
    Para mais detalhes, consultar: L.M. Brown, Studies in History and Philosophy of Modern Physics
    33, 211 (2002).
    Copyright by the Sociedade Brasileira de Física. Printed in Brazil.
  • 3
    Para mais detalhes sobre Compton e as abordagens mencionadas, ver Refs. [3] e [4].
  • 4
    As demonstrações matemáticas ora apresentadas foram extraídas do livro
    The Compton Effect, publicado por Roger H. Stuewer (1975), Ref. [5, p. 189-190].
  • 5
    Essa análise foi realizada a partir da demonstração matemática feita por Stuewer (1975, p. 205-206).
  • 6
    RaC é a abreviação do termo Radium C, nome histórico de um dos produtos de decaimento do rádio. Hoje, esse produto é conhecido como o isótopo 214 do bismuto.
  • 7
    "Pelo termo raios [X ou γ] 'secundários' era entendido qualquer radiação do tipo X excitado pela passagem através da matéria dos raios X primários" [6, p. 331].
  • 8
    O doutorado de Duane foi realizado em Göttingen e em Berlim (1897). Ele foi inicialmente professor de física da Universidade do Colorado (1898-1907), e assistente de Marie Curie (1907-1913). Depois, Duane foi professor assistente de física da Universidade de Harvard em 1913, ele rapidamente obteve a primeira posição de professor de biofísica dos Estados Unidos [5, p. 249]. Duane realizou importantes contribuições para a física em toda a sua carreira, por exemplo, os seus estudos sobre as aplicações terapêuticas e médicas da radiação de alta frequência [17, p. 162].
  • 9
    Em 1925, enquanto Bothe e Geiger estavam realizando o experimento que resolveria o problema da causalidade das leis de conservação, Albert Einstein estava no Rio de Janeiro, Brasil. Em uma comunicação realizada na Academia Brasileira de Ciências, Einstein discutiu sobre a sua hipótese dos quanta de luz e a teoria BKS. Sobre este fato histórico, ver
    Um manuscrito de Einstein no Brasil, publicado por Alfredo Tolmasquim e Ildeu de Castro Moreira na
    Revista Ciência Hoje (v. 21, n 124, setembro/outubro de 1996).
  • 10
    Para maiores detalhes, ver
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Abr 2014
    • Data do Fascículo
      Mar 2014

    Histórico

    • Aceito
      01 Jul 2013
    • Recebido
      22 Maio 2013
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