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Modelo para o ensino da oftalmoscopia direta

Model for teaching direct ophthalmoscopy

Resumos

Este trabalho apresenta um modelo de olho humano de simples construção para ser usado no ensino da técnica de oftalmoscopia direta para estudantes de medicina. O modelo facilita o aprendizado e contribui para a formação de médicos adequadamente preparados para diagnosticar problemas que podem levar à cegueira, permitindo o rápido encaminhamento dos pacientes para os serviços especializados. Discutimos aqui alguns aspectos básicos da óptica do olho humano e do oftalmoscópio direto, bem como do seu uso.

óptica; olho humano; oftalmoscópio; oftalmologia


This paper presents a simple construction model of the human eye to be used to teach the technique of direct ophthalmoscopy to medical students. The model facilitates the learning process and contributes to the training of physicians adequately prepared to diagnose problems that can lead to blindness, allowing rapid referral of patients to specialized services. Here we discuss some basic aspects of the human eye optics and direct ophthalmoscope as well as its use.

optics; human eye; ophthalmoscope; ophthalmology


ARTIGOS GERAIS

Modelo para o ensino da oftalmoscopia direta

Model for teaching direct ophthalmoscopy

Thiago Gonçalves dos Santos MartinsI, 1 1 E-mail: thiagogsmartins@yahoo.com.br ; Ana Luiza Fontes de Azevedo CostaII; Ricardo Vieira MartinsIII; Elizabeth Nogueira MartinsIV; Milton Ruiz AlvesV; Otaviano HeleneVI; Paulo SchorIV

IEscola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

IIHospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIIHistória das Ciências e das Técnicas e Epistemologia Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IVDepartamento de Oftalmologia, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

VDepartamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

VIInstituto de Física, Universidade de São Paulo, São Pualo, SP, Brasil

RESUMO

Este trabalho apresenta um modelo de olho humano de simples construção para ser usado no ensino da técnica de oftalmoscopia direta para estudantes de medicina. O modelo facilita o aprendizado e contribui para a formação de médicos adequadamente preparados para diagnosticar problemas que podem levar à cegueira, permitindo o rápido encaminhamento dos pacientes para os serviços especializados. Discutimos aqui alguns aspectos básicos da óptica do olho humano e do oftalmoscópio direto, bem como do seu uso.

Palavras-chave: óptica, olho humano, oftalmoscópio, oftalmologia.

ABSTRACT

This paper presents a simple construction model of the human eye to be used to teach the technique of direct ophthalmoscopy to medical students. The model facilitates the learning process and contributes to the training of physicians adequately prepared to diagnose problems that can lead to blindness, allowing rapid referral of patients to specialized services. Here we discuss some basic aspects of the human eye optics and direct ophthalmoscope as well as its use.

Keywords: optics, human eye, ophthalmoscope, ophthalmology.

1. Introdução

Os primeiros registros históricos do uso de modelos para treinamento datam da era Romana, há mais de dois milênios [1], quando espadas de madeira cobertas com couro e com as pontas protegidas permitiam a simulação de batalhas, evitando maiores danos durante os exercícios para preparação de militares. Na atualidade, há muitos exemplos de treinamentos com o uso de modelos, sendo um dos mais conhecidos o simulador de vôo para o treinamento e aperfeiçoamento de pilotos.

Existem atualmente milhares de artigos relacionados à simulação para ensino em medicina, mostrando que os estudantes melhoram suas performances e conhecimentos na área estudada [2]. O tempo que as faculdades de medicina têm dedicado ao ensino da oftalmologia no último século tem se reduzido cada vez mais [3]. Consequentemente, observa-se com o passar dos anos um maior número de médicos inseguros em lidar com os mais básicos problemas oftalmológicos [4,5], conforme constatado por Lippa e colaboradores em estudo recente[6].

Existe uma necessidade de melhorar o ensino da oftalmologia para alunos da graduação [6,7]. Para promover esta realidade, os departamentos de oftalmologia devem desenvolver novos métodos de ensino que consigam transmitir ao aluno, de maneira didática, o conhecimento básico que todo médico generalista necessita ter para lidar com as questões mais simples do cotidiano oftalmológico.

Objetivando colaborar com essa tarefa, apresentamos um modelo simples e de baixo custo para preparar e treinar estudantes de medicina na prática da oftalmoscopia direta. O modelo inclui vários aspectos de óptica, sendo pertinente, então, um breve estudo da óptica aplicada ao olho humano, assunto do qual muitos estudantes encontram dificuldades no entendimento dos princípios básicos.

1.1. Oftalmoscopia direta

Em 1847, Charles Babbage, utilizando um espelho côncavo para fazer incidir luz sobre o fundo do olho, pôde observá-lo através do orifício que existia no centro do espelho. Com esta técnica, Babbage acreditou haver descoberto o oftalmoscópio. Durante o século XIX, Brücke, Purkinge e Kussmal trabalharam intensamente procurando desenvolver um oftalmoscópio. Entretanto, coube a Hermann von Helmholtz, em 17 de dezembro de 1850, comunicar a sua invenção em carta ao seu pai.

Este novo método de exame tornou-se rapidamente popular. Albrecht von Graaf, um dos fundadores da oftalmologia moderna, afirmou: "Isso abriu um novo mundo". Isso ajudou não apenas na fundação e extensão da oftalmologia, como é hoje ainda a mais importante conexão entre a oftalmologia e outras especialidades médicas [8].

Com o exame do fundo de olho, o médico avalia a forma, cor, tamanho e escavação do nervo óptico, que possui em média 1,5 a 2,0 mm de diâmetro[9]. Durante o exame, o escurecimento do ambiente promove dilatação da pupila, que facilita a observação. A oftalmoscopia direta (Fig. 1) permite observar a superfície interior do olho com magnificação de 15 vezes em um campo de visão restrito a aproximadamente 10 a 15 graus, não sendo adequado para avaliar a periferia da retina [10]. No entanto, a área oferece boa visão da papila, região da retina onde se encontra o nervo óptico e cujo exame é fundamental para o diagnóstico de afecções visuais [8,9]. Durante o exame, o médico usa apenas um olho para observar, o que impossibilita perceber a profundidade de uma eventual lesão.


O princípio básico do oftalmoscópio direto consiste em raios que originam-se da retina de um paciente emétrope2 2 Um olho emétrope é aquele no qual a imagem de um objeto distante é formada sobre a retina; quando há perda de nitidez da imagem, por causa da miopia, hipermetropia, astigmatismo ou outro problema de refração, o olho é dito amétrope. e focam-se sobre os olhos do observador também emétrope. Neste caso, o oftalmoscópio direto só requer uma fonte de luz apropriada para a iluminação da retina, e de lentes para corrigir possíveis condições de ametropia. O alinhamento da fonte de luz é critico, porque a retina só é vista quando a área iluminada e a área observada do fundo de olho coincidem. Esse alinhamento pode ser feito por meio de um divisor de feixe, espelho ou prisma. Na maioria dos oftalmoscópios diretos, a metade inferior da pupila do paciente é iluminada por reflexão de luz pelo prisma ou espelho e a metade superior da pupila é usada para observação (Fig. 2).


Quando paciente e observador são emétropes, a magnificação obtida com o oftalmoscópio direto é de aproximadamente 15 vezes. Esse aumento deve-se ao fato do poder focal do olho do paciente ser de 60 dioptrias, o que corresponde a uma lupa com distância focal de aproximadamente 1,7 cm. (A distância focal de uma lente, em metros, é igual ao inverso de sua vergência quando esta é medida em dioptrias.) Assim, é como se o observador estivesse examinando a retina do paciente com o auxílio de uma lupa (Fig. 3), cujo aumento angular é igual a razão entre a distância de visão mais nítida, da ordem de 25 cm para uma pessoa emétrope, e a distância focal da lente [11].


O uso do oftalmoscópio é de grande importância na medicina moderna. No entanto, seu aprendizado nem sempre se faz com facilidade. Um fator simplificador do ensino poderia ser obtido substituindo-se o olho do paciente por um instrumento didático, que permitisse àquele que aprende observar demoradamente diferentes imagens de retinas. O principal objetivo deste trabalho foi o desenvolvimento de tal instrumento didático, eficiente e de baixo custo.

2. Desenvolvimento do modelo

Com este modelo, remontamos o objetivo básico da criação de qualquer modelo, que pretende demonstrar uma situação sem a necessidade de atuar sobre a complexidade do real e suas consequencias inerentes à curva de aprendizado. O modelo de olho humano proposto neste trabalho consiste de uma esfera transparente contida no interior de uma câmara escura com uma única abertura para a entrada e saída da luz, a pupila. A esfera, como uma lupa, permitirá a observação de imagens ampliadas de fotografias de retinas que podem ser modificadas para representar diversas alterações.

A pequena abertura pupilar, como no olho humano, limitará a aberração esférica no nosso modelo, o que nos possibilitará obter praticamente um único ponto imagem, o foco imagem, de um conjunto de raios paralelos que penetram a câmara escura através do orifício pupilar. Como veremos a seguir, não será possível obter um ponto focal sobre a superfície da esfera, como ocorre no olho. O Princípio do Caminho Inverso3 3 A óptica geométrica é uma teoria construída sobre três princípios (propagação retilínea; independência dos caminhos; caminho inverso) e duas leis (reflexão; refração). da luz nos permite afirmar que, de um ponto objeto localizado no foco imagem da esfera, obteremos um feixe de raios paralelos emergentes pelo orifício pupilar, Fig. 4. Desta forma, poderemos construir o modelo colocando o objeto da observação, uma foto da retina, sobre o plano focal da esfera. Portanto, na construção do modelo é necessário determinar a posição do plano focal do sistema óptico, considerando a esfera escolhida para construir o modelo.


No olho que produz visão com nitidez, a imagem de um objeto é formada sobre a retina. Neste caso, para cada ponto do objeto, o sistema óptico do olho fará corresponder um único ponto imagem. Tal correspondência biunívoca caracteriza um sistema óptico estigmata. Assim sendo, considerando o princípio do caminho inverso da luz, também o olho estigmata deverá fornecer uma imagem nítida da retina iluminada. Essa deverá ser a principal característica do modelo desenvolvido, fornecer uma imagem de uma foto que simula a retina de um paciente examinado através do oftalmoscópio, em condições que valorizem o aprendizado do ato do exame.

Como o modelo didático deve ser simples e de fácil reprodução, optamos por um sistema óptico formado por uma simples esfera. No entanto, para avaliar em que condições a esfera poderá satisfazer o que se espera do sistema óptico do modelo, precisamos estudar a óptica de uma interface esférica.

2.1. Interface esférica

A luz que se propaga no ar e penetra uma esfera de raio R, sofre refração em uma interface esférica. Todo raio incidente terá sua direção original modificada com a exceção daquele que se propaga sobre uma reta que passa pelo centro de curvatura da esfera, o eixo óptico do sistema. O ponto objeto real é o local de onde diverge uma infinidade de raios luminosos, enquanto que um ponto imagem real é o lugar para onde convergem os raios luminosos provenientes do ponto objeto. Para estudar um dioptro esférico, consideramos um ponto objeto real e seu correspondente ponto imagem real, ambos localizados sobre o eixo principal, como mostra a Fig. 5.


Embora a óptica de um dióptro esférico seja tratada nos livros de física básica [11], desenvolveremos aqui as principais equações, tanto para facilitar o entendimento do que seguirá, bem como para usar algumas das passagens intermediárias da dedução. O artigo da Ref. [12] aborda alguns pontos complementares da óptica do olho humano, e pode ser lido por aqueles que desejarem complementar alguns aspectos considerados no presente trabalho.

Um raio que parte do ponto objeto O e incide no dioptro no ponto B, estará a uma distância h do eixo principal. Quando o ponto B está próximo do eixo principal, denominamos o raio incidente de paraxial. Para raios paraxiais, o ponto V estará muito próximo do ponto V'.

Em nossa análise de uma interface esférica, só consideraremos os raios provenientes do ponto objeto que são paraxiais, como ocorre com um olho real. Assim sendo, os ângulos mostrados na figura serão menores que 10° (0,17 rad), o que nos permitirá constatar, com boa precisão, que o valor dos ângulos, medidos em radiano, se confundirá com os valores do seno e da tangente do ângulo, isto é:

O raio que incide em B, passando do meio de índice de refração n1 para o meio de índice de refração n2, terá suas direções de incidência e refração medidas em relação à normal N ao ponto de incidência B. As direções de incidência e de refração do raio luminoso poderão ser comparadas pela lei da refração

Como o raio incidente é paraxial, poderemos escrever

Na geometria euclidiana, a soma dos ângulos internos de um triângulo é igual a π radianos (180∘). Logo, comparando os ângulos que determinam o triângulo OBC, poderemos dizer que

Ao substituir os valores de β e u, obtidos nas Eqs. (1) e (3), na Eq. (5), teremos

Da mesma forma, comparando os ângulos no triângulo IBC, diremos sobre o ângulo β

Ao substituir na Eq. (7) os valores de β, α e u', fornecidos pelas Eqs. (3), (4) e (2), respectivamente, teremos

Ao substituir o valor de ϕ, fornecido pela Eq. (6) na Eq. (8), obteremos

A Eq. (9) poderá ser apresentada em sua forma mais conhecida

A Eq. (10) nos mostra que, de um ponto objeto real localizado sobre o eixo principal, a uma distância p do ponto V, o dioptro esférico produzirá um ponto imagem real, também localizado sobre o eixo principal, a uma distância de V igual a q. Esta equação, conhecida como Equação dos Pontos Conjugados, também mostra que, se o objeto for colocado na posição da imagem, a uma distância q de V, a sua correspondente imagem estará localizada onde antes estava o objeto, a uma distância p de V.

2.2. Qual deverá ser a medida do diâmetro do orifício pupilar do modelo?

A Eq. (10) nos certifica de que todos os raios paraxiais provenientes de um ponto objeto localizado sobre o eixo principal do sistema óptico irão praticamente convergir em um único ponto, a imagem do ponto objeto. Portanto, um dioptro esférico apenas poderá ser considerado um sistema óptico estigmata para raios paraxias, o que limita os ângulos da Fig. 5 a valores relativamente pequenos e que consideraremos menores que 0,17 radiano. Tal fato nos obrigará a usar uma superfície opaca com um orifício pupilar para que apenas raios paraxiais incidam sobre a superfície da esfera (Fig. 4). Tratando-se de raios paraxiais, os pontos V e V' são praticamente coincidentes. Por isso, no triângulo CVB da Fig. 6, a tangente do ângulo β será


O valor máximo de β deverá ser tal que ainda permita afirmar, com boa precisão, que o valor do ângulo, em radiano, se iguale ao valor da tangente, que consideramos 0,17. Assim sendo, da Eq. (11) poderemos determinar, com o valor máximo de β (0,17), o valor máximo do raio r, raio do orifício pupilar do modelo

Como o diâmetro é o dobro do valor do raio, o diâmetro máximo D da pupila do modelo deverá ser

No caso de usarmos uma esfera de raio R igual a 1,1 cm, o diâmetro da pupila ideal deverá limitar-se ao valor máximo de 3,74 milímetros, afim de que não comprometa a qualidade do sistema óptico pela aberração esférica. Como no olho humano a forma da pupila normal é circular, com diâmetro entre 3 mm e 5 mm na luz ambiente, o uso de uma esfera de raio 1,1cm parece ser uma boa escolha para a confecção do modelo, considerando o diâmetro da pupila do olho humano em luz ambiente.4 4 As pupilas com menos de 3 mm de diâmetro são denominadas mióticas e aquelas com mais de 7 mm midriáticas [13].

2.3. Qual deverá ser o índice de refração do meio que constitui a esfera do modelo?

No olho humano emétrope, de um ponto objeto distante obtém-se um ponto imagem real localizado na retina. Para que a esfera reproduza esta condição, devemos verificar na Eq. (10) qual deverá ser o índice de refração da substância que constituirá a esfera (Fig. 7).


De um ponto objeto localizado a uma distância p muito maior que R, a esfera fará corresponder um ponto imagem localizado a uma distância q = 2R do ponto V (Fig. 5).

Na Eq. (10), se considerarmos o meio externo, o ar, com índice de refração n1 = 1,0, e o meio interno com índice de refração n2, para um valor em que p é muito maior que R (e tendendo a infinito), teremos

ou

o que leva a

O resultado nos leva a concluir que, no modelo ideal, deve-se empregar uma esfera de índice de refração igual a 2,0, um valor muito alto, considerando o que a tecnologia atual permite produzir. O vidro óptico do tipo Crown tem índice de refração 1,53. O polimetilmetacrilato (PMMA), uma substância com excelentes propriedades ópticas, com índice de refração 1,49, poderá ser a substância mais adequada para compor as esferas empregadas no modelo didático, considerando seu baixo custo e sua resistência mecânica.

O índice de refração de uma esfera composta por PMMA é inferior a 2,0, o que significa que fornecerá uma imagem maior que 2R de um objeto situado a uma distância V. Portanto, o modelo real se afastará da condição ideal, que corresponderia ao olho emétrope, e irá corresponder a um olho hipermétrope (Fig. 8). Poderíamos corrigir este problema aumentando a vergência do sistema óptico do modelo, justapondo-se uma lente de contato convergente à esfera de PMMA (Fig. 9). No entanto, o uso de lentes de contato rígidas no projeto aumentaria seu custo e a dificuldade de construção do modelo. A pretensão com o sistema óptico do modelo é obter uma superfície que represente a retina, o que dispensa, a princípio, a utilização da lente até que seja analisada a eficiência do modelo construído apenas com a esfera de PMMA de raio 1,1 cm.



A impossibilidade de se conseguir uma esfera com índice de refração suficientemente alto para que a imagem seja projetada a uma distância 2R de sua superfície, nos motiva a uma pequena digressão sobre a razão para a existência da córnea e do cristalino. O índice de refração da água é, aproximadamente, 1,3. Não é estranho, portanto, que os índices de refração das substâncias transparentes do nosso corpo sejam da mesma ordem, nem muito maiores, nem muito menores do que 1,3, e bem abaixo do valor 2,0, que seria necessário para que a imagem de um objeto distante fosse projetada na retina de um olho esférico ou quase esférico. Portanto, para que a imagem de um objeto que observamos seja formada no lugar correto, a retina, ou o olho deve ser mais longo, elipsoidal, ou a curvatura de sua parte frontal - a córnea - deve ser maior que a do olho. É isto o que ocorre no olho humano: enquanto o raio do olho de um adulto é da ordem de 11 a 12 mm, o raio de curvatura da superfície frontal da córnea é da ordem de 8 mm. Além disso, o cristalino complementa a necessidade de convergência da luz na retina por meio da acomodação, a partir da alteração de sua curvatura pelo músculo ciliar.

2.4. Qual deverá ser a posição da superfície que observaremos através da esfera?

Um objeto plano, como a palavra RETINA, poderá ser impresso sobre uma superfície de papel e observado através de uma esfera.

Como podemos observar na Fig. 10, a imagem de pontos que se afastam do ponto onde o plano do papel tangencia a esfera, são degradadas pela aberração esférica. Assim sendo, para solucionar este problema, o objeto de observação deve ter uma superfície que possua a mesma curvatura que a superfície da esfera, e ser justaposta à ela.


Com a própria esfera utilizada no modelo, podemos modelar sobre o gesso uma superfície com a mesma curvatura da esfera. Ao colocar o objeto da observação interposto entre a esfera e a superfície côncava, moldada sobre o gesso, como mostra a Fig. 11, obtém-se melhor resultado. A Fig. 12 mostra o modelo desenvolvido montado dentro de uma caixa opaca, com um pequeno orifício circular simulando a pupila.



Considerando que a observação se fará através desse orifício pupilar, o olho do observador sempre estará localizado próximo do eixo principal da esfera, o que tornará o resultado final ainda mais satisfatório.

Concluímos que a melhor solução a ser empregada na construção do modelo didático para o aprendizado de oftalmoscopia direta são as esferas de PMMA de raio 1,1 cm.

3. Conclusão

O modelo apresentado neste trabalho tem como objetivo ajudar os alunos de medicina a realizarem o importante exame de fundo de olho, o que pode salvar a visão de muitos pacientes quando corretamente realizado. O modelo desenvolvido baseia-se na principal maneira de aprendizado, que constitui-se da prática e repetição [9]. O modelo permite a realização de vários exames repetidos com diferentes níveis de dificuldade. Com isso, pode-se avaliar se o aluno está vendo e interpretando corretamente o fundo de olho proposto, assim como detectar o desenvolvimento da habilidade. Pode-se utilizar, no lugar de imagens, frases, para que o aluno transcreva em seguida.

A possibilidade de utilizar diferentes tamanhos de esferas de vidro, diferentes aberturas pupilares (3 e 8 mm) e a troca de fotos do modelo, permite que obtenhamos diferentes objetivos e níveis de dificuldade no treinamento, reproduzindo algumas dificuldades encontradas na prática. É notório que existem outros modelos mais sofisticados do olho humano, mas a proposta deste trabalho é a junção da simplicidade e baixo custo para atender a necessidade de ensino desse importante exame médico.

O estudo da visão, sua evolução, a existência de diferentes tipos de olhos e células sensíveis à luz é enriquecedora, tanto para profissionais relacionados a essas áreas quanto para as demais, que podem se beneficiar do melhor entendimento da visão humana [14]. Como a visão humana envolve, obviamente, muitos aspectos da óptica geométrica, é uma área na qual físicos podem contribuir significativamente.

O resultado do investimento na educação baseada em simulação com modelos é a formação de médicos mais bem embasados e seguros, que valorizam o exame fundoscópico, entendendo que sua realização pode levar ao correto encaminhamento e diagnóstico precoce de doenças que podem colocar em risco a visão e a vida do paciente. Desta forma, a população será melhor assistida e os pacientes serão encaminhados precocemente para um serviço de oftalmologia.

Agradecimentos

Lincoln Yudi Shigio e Dario Elizardo Seckler pela ajuda na elaboração das figuras.

Recebido em 7/8/2013

Aceito em 6/9/2013

Publicado em 11/5/2014

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    Um olho emétrope é aquele no qual a imagem de um objeto distante é formada sobre a retina; quando há perda de nitidez da imagem, por causa da miopia, hipermetropia, astigmatismo ou outro problema de refração, o olho é dito amétrope.
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    A óptica geométrica é uma teoria construída sobre três princípios (propagação retilínea; independência dos caminhos; caminho inverso) e duas leis (reflexão; refração).
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    As pupilas com menos de 3 mm de diâmetro são denominadas mióticas e aquelas com mais de 7 mm midriáticas [13].
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jul 2014
    • Data do Fascículo
      Jun 2014

    Histórico

    • Recebido
      07 Ago 2013
    • Aceito
      06 Set 2013
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