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Ciclos de aprendizagem no ensino de física para deficientes visuais

Learning cycles in physics teaching for visually impaired students

Resumos

Professores encaram o grande desafio de ensinar física para alunos portadores de deficiência visual. A principal razão para esta dificuldade é a falta de preparo do professor para lidar com a inclusão. Estudos sinalizam o papel dos processos cognitivos, notadamente pensamento e linguagem, na construção de modelos. Nesse sentido, o ensino de conceitos para alunos cegos não difere daquele utilizado para alunos videntes. A especificidade situase na elaboração de materiais e métodos auxiliares para a formação dos conceitos. Assim, o tato constitui um recurso importante, bem como a ideia de representação dos conceitos no processo de aprendizagem. Os métodos de engajamento interativos encontram-se entre os métodos de ensino mais significativos. Um modo de fazer com que os alunos participem ativamente é a adoção do aprendizado mediado, ou seja, através de uma interação intensa entre o aluno e o mediador. Um tipo de aprendizado mediado são os ciclos de aprendizagem, que fazem com que os alunos se engajem na construção de um modelo de acordo com as regras da pesquisa científica. O conceito de ciclo de aprendizagem como forma de aprendizagem estruturada e mediada foi inicialmente introduzido por Karplus em 1962 para o ensino de conceitos de ciências em escolas do ensino fundamental, dentro do referencial da teoria de Piaget do desenvolvimento intelectual.

ciclos de aprendizagem; deficientes visuais; ensino de física


Teachers face the challenge of teaching physics to students with visual impairments. The main reason for this difficulty is the lack of preparation for dealing with inclusion. Studies indicate the role of cognitive processes, notably thought and language, on building models. In this sense, the teaching of concepts for blind students does not differ from that used to non-blind ones. The specificity lies in the preparation of materials and auxiliary methods for the formation of concepts. Thus, touch is an important resource, as well as the idea of representation of concepts in the learning process. Interactive engagement methods are among the most significant teaching methods. One way to make students actively participate is the adoption of mediated learning, i.e., through intensive interaction between the learner and the mediator. A type of mediated learning is the technique of Learning Cycles, which induces students to engage in the construction of a model according to the rules of scientific research. The concept of the learning cycle as a form of structured and mediated learning was initially introduced by Karplus in 1962 for teaching science concepts in elementary schools, within the framework of Piaget's theory of intellectual development.

learning cycles; visually impaired; teaching physics


PESQUISA EM ENSINO DE FÍSICA

Ciclos de aprendizagem no ensino de física para deficientes visuais

Learning cycles in physics teaching for visually impaired students

A.C. AzevedoI; A.C.F. SantosII,1 1 E-mail: toni@if.ufrj.br.

IColégio Pedro II, Unidade Escolar Realengo 2, Rio de Janeiro, RJ, Brazil

IIInstituto de Física, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brazil

RESUMO

Professores encaram o grande desafio de ensinar física para alunos portadores de deficiência visual. A principal razão para esta dificuldade é a falta de preparo do professor para lidar com a inclusão. Estudos sinalizam o papel dos processos cognitivos, notadamente pensamento e linguagem, na construção de modelos. Nesse sentido, o ensino de conceitos para alunos cegos não difere daquele utilizado para alunos videntes. A especificidade situase na elaboração de materiais e métodos auxiliares para a formação dos conceitos. Assim, o tato constitui um recurso importante, bem como a ideia de representação dos conceitos no processo de aprendizagem. Os métodos de engajamento interativos encontram-se entre os métodos de ensino mais significativos. Um modo de fazer com que os alunos participem ativamente é a adoção do aprendizado mediado, ou seja, através de uma interação intensa entre o aluno e o mediador. Um tipo de aprendizado mediado são os ciclos de aprendizagem, que fazem com que os alunos se engajem na construção de um modelo de acordo com as regras da pesquisa científica. O conceito de ciclo de aprendizagem como forma de aprendizagem estruturada e mediada foi inicialmente introduzido por Karplus em 1962 para o ensino de conceitos de ciências em escolas do ensino fundamental, dentro do referencial da teoria de Piaget do desenvolvimento intelectual.

Palavras-chave: ciclos de aprendizagem, deficientes visuais, ensino de física.

ABSTRACT

Teachers face the challenge of teaching physics to students with visual impairments. The main reason for this difficulty is the lack of preparation for dealing with inclusion. Studies indicate the role of cognitive processes, notably thought and language, on building models. In this sense, the teaching of concepts for blind students does not differ from that used to non-blind ones. The specificity lies in the preparation of materials and auxiliary methods for the formation of concepts. Thus, touch is an important resource, as well as the idea of representation of concepts in the learning process. Interactive engagement methods are among the most significant teaching methods. One way to make students actively participate is the adoption of mediated learning, i.e., through intensive interaction between the learner and the mediator. A type of mediated learning is the technique of Learning Cycles, which induces students to engage in the construction of a model according to the rules of scientific research. The concept of the learning cycle as a form of structured and mediated learning was initially introduced by Karplus in 1962 for teaching science concepts in elementary schools, within the framework of Piaget's theory of intellectual development.

Keywords: learning cycles, visually impaired, teaching physics.

1. Introdução

Uma das inquietações manifestadas por professores do ensino regular ao lidar com deficientes visuais em suas classes está associada ao caráter da instrução do aluno e, aos recursos disponíveis para essa aprendizagem [1]. As tendências educacionais modernas sugerem uma forma de ensino onde o estudante tem uma efetiva participação na aprendizagem. Todas reconhecem a grande importância do conhecimento inicial do aluno, isto é, o conhecimento que o aluno traz consigo, e a necessidade da autoavaliação por parte dos estudantes. Entretanto, os diversos referenciais teóricos divergem de forma muito significativa sobre as suas expectativas acerca do conhecimento prévio do estudante. Alguns acreditam que se deva deixar os estudantes totalmente livres durante o processo de aprendizagem, enquanto outros acreditam que esta estratégia é pouco eficiente [2].

Uma alternativa é o aprendizado mediado, uma forma de instrução centrada no estudante que não permite que eles vaguem sozinhos no processo de aprendizagem, mas introduz certa estrutura no processo. Neste trabalho, adotaremos os Ciclos de Aprendizagem (CA) que engajam os estudantes na construção e desenvolvimento de um modelo e na formação de conceitos de acordo com as normas da pesquisa científica. Entendese por conceito a "representação de um objeto pelo pensamento, por meio de suas características gerais" [3] e por modelo uma visão abstrata e simplificada de uma realidade complexa. O termo modelo conceituai pode ser utilizado para se referir a modelos que são representados por conceitos ou conceitos relacionados que são formados após um processo de concepção na mente. Um modelo mental pode ser entendido como uma representação de algo na mente.

Os métodos de engajamento interativos encontramse entre os métodos de ensino mais significativos. Um modo de fazer com que os alunos participem ativamente é a adoção do aprendizado mediado, ou seja, através de uma interação intensa entre o aluno e o professor, ou mediador. Um tipo de aprendizado mediado são os ciclos de aprendizagem (CA). Acredita-se que os CA fazem com que os alunos se engajem na construção de um modelo de acordo com as regras da pesquisa científica.

Por uma questão de adaptação, nossas impressões acerca do mundo ao nosso redor se manifestam de modo majoritariamente visual. A visão é responsável por pelo menos 80% das informações adquiridas pelo ser humano [4]. Assim, no caso de alunos deficientes visuais, surgem várias questões: Como o aluno entenderá os conceitos apresentados em aula? Como vai compreender o conceito de luz? Como descrever os fenômenos de refração e reflexão da luz ?

2. Os ciclos de aprendizagem de Karplus

O conceito de ciclo de aprendizagem como forma de aprendizagem estruturada e mediada foi inicialmente introduzida por Karplus em 1962 [5] para o ensino de conceitos de ciência em escolas do ensino fundamental, dentro do referencial da teoria de Piaget do desenvolvimento intelectual. Assim, as bases deste referencial estão enraizadas nas teorias de aprendizagem de Piaget. Piaget caracterizou o desenvolvimento intelectual humano em termos de quatro estágios, ou seja, patamares de desenvolvimento que se dão por sucessão: a) sensório-motor (de 0-2 anos de idade); b) pré-operacional (de 1-8 anos de idade); c) concreto (a partir dos 8 anos de idade) e d) pensamento formal (a partir dos 11 anos de idade). Piaget também identificou os quatro fatores principais que ele acreditava serem relevantes para o desenvolvimento das habilidades de raciocínio cognitivo [2], ou seja, os fatores que permitem ao indivíduo de avançar de um estágio para o outro. Estes fatores são: Iº) Maturação: os estudantes devem ser biologicamente maduros e fisicamente desenvolvidos e consequentemente capazes de operar fisicamente no ambiente; 2º) Experiência com o ambiente físico: as experiências concretas anteriores e a habilidade de recordar estas experiências são fundamentais para o aprendizado. Piaget descreve dois tipos de experiência: Experiência Física, é aquela obtida diretamente dos objetos e a Experiência Lógico-Matemática, é aquela obtida por ações que afetam os objetos; 3º) Comunicação ou transmissão social: aquelas onde os alunos devem ser capazes de comunicar informação nas formas oral e escrita; 4º) Equilíbrio: Este estágio designa um processo mental interno no qual novas experiências são combinadas com expectativas anteriores e dão origem a novas operações lógicas, ou seja, devido ao crescimento cognitivo, os estudantes devem ser expostos à situações cognitivamente desafiantes, onde as suas condições de operação mental não são adequadas. O processo de acomodação, ou seja, de reestruturação dos esquemas de assimilação, também chamado de equilíbrio, é o processo pelo qual os estudantes lidam com esta nova informação resultando no crescimento cognitivo. O novo conhecimento representa a acomodação. Entende-se por cognição o ato ou processo de conhecer, envolvendo atenção, percepção, memória, raciocínio, juízo, imaginação, pensamento e linguagem.

A partir dos trabalhos de Piaget, foram formuladas algumas regras que identificam os padrões de raciocínio como pertencentes ao pensamento concreto ou ao pensamento formal [6].

A transposição da teoria de Piaget em um modelo aplicável para o processo de aprendizagem deve incorporar os quatro fatores acima citados. Piaget afirmava que a maturação e a comunicação social não são tão importantes quanto a experiência e o equilíbrio, no caso de alunos adolescentes. Embora ressalte a interdependência dos quatro fatores, a teoria de Piaget sugere que a experiência aliada ao fator equilíbrio é fundamental para o aprendizado e desenvolvimento. As principais implicações para o ensino de física são: i) o raciocínio é um processo ativo de construção que deve engajar os alunos no desenvolvimento de esquemas mais adequados; ii) alguns dos alunos podem predominantemente utilizar esquemas concretos de raciocínio; iii) muitos dos tópicos e conceitos que ensinamos exigem raciocínio formal; iv) o professor deve arranjar os tópicos de modo a seguir uma progressão que vai do familiar, concreto e real ao menos familiar, menos concreto, e mais teórico; v) devemos demonstrar aos nossos alunos uma atitude questionadora, dinâmica, e ativa para com a disciplina, gerando hipóteses, discutindo explicações alternativas. Transformar a sala de aula em um laboratório onde problemas reais são investigados, onde o conhecimento é obtido a partir das evidências produzidas [5].

A nossa percepção do mundo depende da nossa capacidade de conceitualização concreta e/ou abstrata (formal). Pessoas não cegas criam conceitos abstratos pelo agrupamento de várias características concretas. Este conceito abstrato pode ser utilizado para a compreensão de objetos novos. Por exemplo, os automóveis possuem várias cores e formatos. Porém, podemos classsificá-los como automóvel porque possuímos um conceito abstrato de automóvel. Este conceito abstrato constitui um modelo em nossa mente.

O aluno cego ou com deficiência visual possui um conceito concreto do mundo, porque conceitos abstratos estão quase sempre baseados em informações visuais. A habilidade de um aluno em formar estes conceitos abstratos depende de sua visão residual.

Os objetos que são explorados e identificados através do tato terão um significado. No entanto, não será necessariamente possível identificar uma imagem do mesmo objeto. Por exemplo, uma pessoa que enxerga consegue identificar uma foto de um automóvel, mas uma pessoa cega que explora um diagrama em alto relevo não necessariamente identifica-o como representando um automóvel.

O ciclo de aprendizagem de Karplus consiste de três fases instrucionais que combinam experiência com transmissão social e encorajam a auto-regulação. Estas três fases são: Exploração; Introdução do Conceito e Aplicação do Conceito (Fig. 1).


Na primeira fase, após uma breve explicação sobre o tópico em questão, os estudantes são convidados a explorar uma situação não familiar de forma empírica de modo a gerar questões ou complexidades que eles não possam resolver com os padrões de raciocínio ao qual estão acostumados. As atividades podem ser fornecidas pelo professor que auxiliará o estudante a recordar e compartilhar experiências concretas do passado e assimilar novas experiências que ajudarão o aprendizado nas fases seguintes. Durante essas atividades, os alunos recebem somente instrução mínima e devem explorar as novas ideias espontaneamente. Nesta fase, o ciclo de aprendizagem fornece ao estudante um reforço das experiências concretas prévias e/ou introduz novas experiências concretas relacionadas com o assunto estudado. Durante a primeira fase de exploração, o professor encoraja o aluno, dando dicas e/ou sugestões de modo a manter um nível de desequilíbrio adequado. Esta atividade permite ao aluno evocar ideias não concretas como fatores relevantes, fornecendo ao professor informações sobre as habilidades do aluno em lidar com os conceitos e/ou habilidades introduzidos. Como resultado, um desequilíbrio mental ocorre e os estudantes estarão prontos para a autoregulação. A autoregulação da aprendizagem é a capacidade do aluno para gerir ele próprio seus projetos, progressos, estratégias diante das tarefas e obstáculos.

Um novo conceito ou princípio é introduzido na segunda fase para resolver o problema. Os estudantes ficam mais receptivos para compreensão de um novo conceito se inicialmente forem envolvidos em um nível concreto. Nesta fase, a experiência concreta obtida na fase anterior é utilizada como base PclXcl cl generalização do conceito. Aqui também o professor tem a oportunidade de introduzir um princípio, ou estender as habilidades e raciocínio do estudante. Os papéis do professor e estudante nesta fase podem variar dependendo da natureza do conteúdo. Geralmente, os alunos devem ser solicitados a "inventar" parte ou integralmente as relações por si só, cabendo ao professor fornecer apoio e conduzindo conforme a necessidade. Isto permite aos estudantes se autoregularem e irem de encontro ao equilíbrio com os conceitos introduzidos. Durante a atividade, os estudantes são encorajados a formular relações que generalizem as suas ideias e experiências concretas. O professor atua como mediador auxiliando os estudantes a formularem estas relações de modo a serem consistentes com os objetivos.

Na terceira fase o conceito é aplicado. Nesta fase ocorre também a familiarização, enquanto o estudante aplica o novo conceito ou novo padrão de raciocínio. A transmissão social, ou seja, uma aula para transferência de conhecimento, que é reduzida na primeira fase, é máxima na segunda fase onde o professor desempenha, o seu papel tradicional de aula e demonstração e diminui na terceira fase onde, a experiência física com materiais e interações sociais com o professor e outros estudantes ocorre. A fase de aplicação do conceito fornece ao estudante uma oportunidade de aplicar diretamente o conceito ou habilidade aprendida durante a fase anterior. Esta atividade permite um tempo adicional para a acomodação necessária aos estudantes, que precisam de mais tempo, para atingirem o equilíbrio. Também fornece experiências equilibrantes para os estudantes que já acomodaram os conceitos introduzidos. No início da atividade de extensão ou aplicação, professor e estudantes interagem no planejamento de uma atividade para aplicar o conceito "inventado" e/ou habilidade adquirida em uma situação relevante para os objetivos de aprendizagem. Os estudantes são solicitados a completar a atividade planejada de acordo com as exigências do professor. Além de permitir ao aluno a possibilidade de aplicar diretamente o novo conceito ou situação, esta atividade fornece mais equilíbrio das novas habilidades cognitivas.

Embora o CA permita ao aluno a oportunidade de pensar por si só, o professor deve estar sempre presente para fazer o acompanhamento da atividade, fornecendo questões, dicas e encorajando os estudantes. O professor pode ainda manter o seu papel tradicional de fonte de conhecimento, mas procurando agir como facilitador e encorajador ao invés de ser uma figura de autoridade.

Quando o estudante tem a oportunidade de construir o modelo, ele passa a ter uma maior probabilidade de lembrar, posteriormente, o que aprendeu.

O CA de K ar plus foi reconhecido por vários educadores da area de ciências, não somente como método de ensino, mas também como um princípio de organização de currículo. O ciclo foi implementado de formas variadas através dos anos com relativo sucesso em várias disciplinas científicas e em vários níveis de instrução [6].

3. Construindo modelos sobre a luz utilizando os ciclos de aprendizagem

O objetivo desta seção é sugerir a utilização dos ciclos de aprendizagem (CA) de Karplus em conjunção com os materiais tatilmente adaptados para o ensino de física a estudantes portadores de deficiência visual. Embora os exemplos que apresentamos são essencialmente dedicados à ótica geométrica, a idéia pode ser facilmente adotada para outros temas como mecânica, cinemática, matemática, etc... .

É fundamental ressaltar que uma das formas de interação do aluno cego com o mundo é através do tato. O tato é a principal fonte de informação sobre a representação mental de um objeto para aqueles sem estimulação visual. Há diferenças entre a percepção e o processamento da informação adquirida pelo tato daquela adquirida pela visão. A aquisição da informação através do tato é mais demorada em comparação com aquela adquirida pela visão, além de ter um cunho sequencial, gerando uma maior carga na memória de trabalho [7]. Deve-se entretanto diferenciar o tato ativo do tato passivo. No tato passivo, a informação é recebida de forma não intensional. Por outro lado, no tato ativo ou háptico, a informação é buscada de forma intencional pelo sujeito [7]. A pessoa visualmente deficiente tem que enfrentar muitos obstáculos quase insuperáveis ??no aprendizado em ciências, especialmente em física. Uma das principais razões é a ausência de material adaptado para uso em classes de física.

Em uma aula convencional, os estudantes são levados a assimilar prontamente tudo que o professor diz. Eles devem ser capazes de decifrar e organizar, de modo coerente e por si mesmos, qualquer informação a eles apresentada, seja qual for a forma na qual seja apresentada.

Os professores muitas vezes oferecem aos estudantes imagens mentais simplificadas para sistemas físicos sob estudo, por exemplo, uma aceleração da gravidade constante nas vizinhanças da superfície da Terra. Estas imagens são chamadas de modelos funcionais para o sistema. Um modelo funcional é uma abstração da realidade [5]. A mente humana não é capaz de entender toda a complexidade de todos os detalhes de um sistema real. Um modelo funcional constitui um retrato idealizado. Nenhum modelo corresponde à realidade totalmente, e não conhecemos a priori os limites de um modelo. Na verdade, os conceitos de certo e errado não se aplicam aos modelos. Podemos no máximo classificar um modelo como adequado ou não adequado. O professor deve verificar se um determinado modelo é adequado para seu objetivo.

Uma aula típica de física geralmente exige o uso de diagramas e gráficos. Mas como devemos fazer o desenho para que o aluno deficiente visual possa sentir de forma tátil? Alguns critérios devem ser seguidos: o material deverá ser obtido facilmente [8-16], as linhas, diagramas e desenhos devem ser facilmente apagados ou removidos, e permitir a sua duplicação rápida por parte do aluno. A Fig. 2 ilustra um quadro magnéticos e imãs utilizados na instrução.


Embora vários dispositivos eletrônicos que auxiliam o cego a fazer atividades como leitura foram desenvolvidos por décadas, um grande número de estudantes de todo o mundo, ainda não têm acesso a este tipo de material.

3.1. O que é a luz? A fase de exploração

Um fato que deve ser considerado na aprendizagem de um aluno cego ou portador de deficiência visual é o tempo necessário para que o aluno colete e processe a informação. A aquisição visual de um conceito é relativamente rápida quando comparada com outros métodos. Métodos táteis ou audíveis demandam tempo e possuem limitações. Ao aprender sobre algo novo o estudante cego deve ter tempo para explorar todas as partes do objeto.

Depois de uma exposição sucinta sobre o assunto, os alunos são estimulados a aprender através da sua própria experiência. Os alunos cegos e com deficiência visual necessitam de uma descrição verbal sucinta de tudo. O professor deve se referir a tudo e a todos pelo nome ou pela sua descrição e não apontando ou utilizando termos vagos como "isto" ou "aquilo". Durante a exposição, a fala deve ser clara de modo que a minimizar as eventuais dificuldades que os alunos possam ter em acompanhar o raciocínio.

Os alunos que enxergam também podem auxiliar os seus pares deficientes, explicando o que está acontecendo durante a exploração. É altamente recomendável que o aluno cego tenha um parceiro que enxerga no laboratório.

Algumas atividades são sugeridas pelo professor que irão ajudar aos alunos a adquirir novas experiências para atividades de extensão posteriores. Durante esta fase, os alunos recebem apenas um mínimo de tutoria e encoraja-se que o aluno explore novos conceitos por conta própria. Durante a atividade de exploração, o instrutor fornece incentivo, tutoriais e/ou sugestões para manter um nível adequado de desequilíbrio mental. Esta atividade proporciona a informação ao professor quanto à capacidade dos alunos em lidar com os conceitos e/ou habilidades que estão sendo introduzidos. Além disso, os alunos irão lidar com as habilidades de raciocínio que possam conduzí-lo a busca da solução para um problema.

Por exemplo, para introduzir os primeiros conceitos sobre a luz, nesta primeira fase os estudantes são expostos à luz solar. O aluno sente a interação dos raios solares com a sua pele. O tato é uma das principais formas de interação do estudante cego com o mundo. Algumas questões podem ser levantadas pelo professor neste momento: o que você sente? Agora, o aluno é levado a uma sombra, e uma nova questão é levantada: Você percebe a diferença? Alternativamente, o professor pode utilizar um laser de potência razoável [17,18] de modo a sensibilizar a pele e pelo calor gerado o aluno possa sentir a luz. No entanto, é importante ressaltar que lasers de potências moderadas e altas são potencialmente perigosos porque podem queimar a retina, ou mesmo a pele. Para controlar o risco de lesões, foram criadas normas, por exemplo, a ANSI Z136 [19] nos Estados Unidos e a norma internacional IEC 60825 [20]. Estas normas também descrevem medidas de segurança necessárias, tais como a rotulagem lasers com avisos específicos, e usando óculos de segurança quando estiver operando a laser lasers.

A propagação retilínea da luz pode ser facilmente explorada com o auxílio do laser. Sobre a bancada, o professor pode colocar um isopor. O aluno é capaz de identificar o ponto no qual a luz do laser sensibiliza a sua pele. Com o auxilio de um alfinete, o aluno fixa o alfinete no isopor e repetindo este processo várias vezes ele pode verificar que os alfinetes que ele fixou estão alinhados sobre uma mesma linha reta. As leis da reflexão e da refração podem ser facilmente demonstradas [17, 18].

3.2. O que é a luz? Desenvolvendo o conceito

A utilização de exemplos concretos é fundamental para o aprendizado do aluno cego. Descrições unicamente verbais não fornecem a mesma qualidade de informação de quando acompanhadas por objetos tácteis. Para ajudar a compreensão do estudante, o desenvolvimento do conceito deve estar relacionado às experiências diárias dos estudantes. Na segunda fase, a experiência concreta fornecida na etapa anterior é usada como a base para a introdução de um conceito. As funções do aluno e do instrutor nesta atividade podem variar, dependendo da natureza do conteúdo. Geralmente, os alunos devem ser convidados a "inventar"parte ou a totalidade da relação para si. O instrutor fornece incentivo e orientação ao aluno quando necessário. Este procedimento permite aos alunos se autoregularem e, portanto, moverem-se em direção ao equilíbrio com os conceitos apresentados. Durante a atividade de construção do modelo, os estudantes são incentivados a formular relações que generalizem suas idéias e experiências concretas. O professor atua como mediador ajudando aos alunos a formularem essas relações de modo a serem coerentes com os objetivos da instrução.

Por exemplo, o professor pode ajudar o estudante introduzindo a luz como o agente intermediário na interação à distância entre uma fonte (o sol ou o ponteiro laser) e o receptor (a pele de estudante). Aqui, a definição operacional para a luz como "a radiação detectada pelo olho humano" não faz sentido para o aluno cego. Com base na etapa anterior, sugerimos uma nova definição: "A luz é uma forma de energia radiante que impressiona a sua pele pelo tato". O aluno sente a interação da radiação com a sua pele. Sabemos ser o tato uma das principais formas de interação do estudante cego com o mundo. O tato é um dos cinco sentidos humanos, usualmente divido em quatro sistemas: termocepção (percepção da temperatura), somatosensorial (identificação de texturas), propriocepção ou cinestesia (reconhecimento da localização espacial do corpo) e nocicepção (percepção da dor) [21].

Voltando ao conceito de luz, nenhum de nós tem acesso direto à realidade. O que fazemos é interpretar as experiências que temos com a realidade. Assim, a definição operacional para a luz é tão boa quanto a definição padrão. Como afirma Frish [22]: " ... Não devíamos perguntar o quê a luz é realmente. Partículas e ondas são ambas construções da mente humana, feitas para nos ajudar a falar sobre o comportamento da luz em circunstâncias diferentes. Com Bohr abandonamos o conceito ingênuo de realidade, a idéia que o mundo é feito de coisas, esperando que descubremos a sua natureza. O mundo é feito por nós, pelas nossas experiências e os conceitos que criamos para ligar um ao outro", (tradução livre)

3.3. O modelo de raios. Extensão do conceito

Na terceira etapa do Ciclo de Aprendizagem, ao aluno é permitida uma oportunidade para aplicar diretamente o conceito ou habilidade aprendida durante a atividade de criação do conceito. Esta atividade permite tempo adicional para a acomodação necessária por parte dos estudantes que precisam de mais tempo para o atingir o equilíbrio mental. Ele também fornece informações adicionais na forma de experiências equilibrantes para os alunos que já acomodaram os conceitos apresentados. Para iniciar a atividade de extensão do conceito, alunos e professores interagem no planejamento de uma atividade para aplicar o conceito desenvolvido e/ou habilidade, em uma situação relacionada com os objetivos instrucionais. Embora essa atividade permita aos alunos estenderem o conceito desenvolvido de forma a aplicá-lo diretamente em uma nova situação, a natureza da atividade de ampliação prevê equilíbrio ainda de novas habilidades cognitivas.

4. Conclusões

A discussão do aprendizado de conceitos por deficientes visuais perpassa, em fundamentalmente, tudo o que alude ao aprendizado de conceitos por qualquer pessoa. Vários estudos apontam capacidades cognitivas dos deficientes visuais similares às dos videntes. As diferenças estão associadas aos modos alternativos de processamento cognitivo das informações sensoriais. E fato conhecido que uma das maiores dificuldades encontradas por um estudante de física deficiente visual está relacionada com a realização de experimentos e, no caso particular da ótica, a sua representação mental do que venha a ser a luz. Assim, nesse trabalho, foi dada ênfase à utilização de quadros magnéticos e ímãs pelos alunos portadores de deficiência visual, para que seu aprendizado em matemática e em física se torne mais proveitoso. Durante as instruções foi observado que o aluno deficiente visual estabelece suas relações com o aprendizado de física através de um processo contínuo de superação pessoal. Os ciclos de aprendizagem fornecem uma oportunidade para a argumetação e teste dos conceitos alternativos, tornando-se desequilibrados - no sentido Piagetiano - adquirindo conceitos mais adequados bem como padrões de raciocínio mais elaborados.

Recebido em 25/7/2014

Aceito em 16/9/2014

Publicado em 28/10/2014

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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Nov 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2014

    Histórico

    • Recebido
      25 Jul 2014
    • Aceito
      16 Set 2014
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