Acessibilidade / Reportar erro

Lei de indução de Faraday: Uma verificação experimental

Faraday’s law of induction: an experimental verification

Resumos

Embora existam inúmeras demonstrações relativamente simples para ilustrar a lei de indução de Faraday, experimentos quantitativos são menos comuns. Neste trabalho descrevemos um procedimento experimental para investigar a validade da lei de Faraday e adequado para ser utilizado em um laboratório de física básica. A montagem descrita permite registrar a força eletromotriz induzida numa bobina graças à passagem de um imã de neodímio em queda livre através dela. A partir da análise dos pulsos induzidos em função da velocidade do imã ao passar pelo centro da bobina mostramos que os resultados obtidos são consistentes com a lei de Faraday. Além disso, mostramos também que a distância entre os picos de tensão induzida numa bobina suficientemente chata é igual ao comprimento do imã.

lei de indução de Faraday; força eletromotriz; laboratório de física básica


Although there are many relatively simple demonstrations to illustrate Faraday’s law of induction, quantitative experiments on this subject are less common. This paper describes an experimental procedure suitable for use in a basic physics laboratory for investigating the validity of Faraday’s law. The described setup allows recording the electromotive force induced in a coil due to the passage of a neodymium magnet in free fall through it. The analysis of the induced pulses as a function of the speed of the magnet measured on the center of the coil show that the results are consistent with Faraday’s law. We also show that the distance between the voltage peaks induced in the coil is equal to the length of the magnet.

Faraday’s law of induction; electromotive force; basic physics laboratory


1.

Introdução

Em 1831, Faraday observou que o movimento de um imã nas proximidades de uma bobina condutora provocava o aparecimento de uma corrente na bobina. Se surge uma corrente na bobina, é porque existe uma força eletromotriz (fem) responsável por ela. Essa fem é denominada fem induzida.

Faraday não chegou a formular equações para explicar seus resultados, mas percebeu que a intensidade da fem induzida dependia da rapidez com que movimentava o imã [1[1] J. Roche, Phys. Ed. 22, 91 (1987).]. Medidas dessa fem induzida mostram que, na verdade, ela depende da taxa de variação do fluxo magnético ϕ através da bobina com o tempo, /dt, um resultado postulado originalmente por Neumann em 1847 e conhecido por alguns como “lei de Neumann” ou “lei de Faraday-Neumann” [1[1] J. Roche, Phys. Ed. 22, 91 (1987).3[3] G. Sengberg, Eletricidade: Eletromagnetismo (Nobel, São Paulo, 1971), 5a ed., cap. III.].

Mas Faraday observou também que existem outras situações nas quais se observa o aparecimento de uma fem induzida. Se, por exemplo, uma barra metálica de comprimento l se desloca com velocidade v paralelamente a si mesma e perpendicularmente às linhas de indução de um campo magnético uniforme de intensidade B, haverá, devido à ação de forças magnéticas, uma separação de cargas, de modo que uma das extremidades da barra ficará eletrizada positivamente e a outra negativamente. Existe, portanto, uma diferença de potencial entre suas extremidades que será mantida enquanto a barra permanecer em movimento. Ou seja, a barra comporta-se como um gerador de força eletromotriz. Neste caso, mostra-se que a fem induzida é dada por Blv [2[2] G.A G. Bennet, Electricity and Modern Physics (Edward Arnold, London, 1974), p. 62–87.4[4] M. Alonso & E.J. Finn, Física: Um Curso Universitário (Editora Edgard Blücher, São Paulo, 1972), v. 2, p.188–197.]. Embora, nesta situação, não haja uma área bem definida através da qual se possa calcular o fluxo, ainda assim é possível se utilizar a expressão dϕdt como uma forma alternativa para se descrever o mesmo resultado. Para isso, costuma-se introduzir o conceito de “área varrida” pelo condutor enquanto se desloca no campo magnético. Se A = lx é a área varrida pela barra durante um certo intervalo de tempo, então dA/dt = ldx/dt = lv e Blv = BdA/dt = d(BA)/dt. Como o produto BA é o fluxo magnético ϕ através da área A, resulta Blv = /dt. Conclui-se, portanto, que a fem induzida resultante do movimento da barra também pode ser calculada aplicando-se a expressão /dt [4[4] M. Alonso & E.J. Finn, Física: Um Curso Universitário (Editora Edgard Blücher, São Paulo, 1972), v. 2, p.188–197.6[6] F.W. Sears, M.W. Zemansky and H. D. Young, College Physics (Addison-Wesley Publishing Company, Massachusetts, 1991), 7a ed., Example 32–3 e Example 32–6.]. No entanto, é importante destacar que na primeira situação a fem induzida resulta de uma variação do fluxo através da bobina enquanto na segunda deve-se ao movimento de um condutor cortando linhas de campo, sem que necessariamente o campo varie com o tempo.

Existem muitas demonstrações relativamente simples, que podem ser reproduzidas facilmente numa sala de aula para ilustrar a lei de indução da Faraday [7[7] K.C. Mamola, Apparatus for Teaching Physics (AAPT, College Park, MD, 1998), p. 186–192.12[12] D. Wood and J. Sebranek, Phys. Teacher 51, 344 (2013).], mas experimentos quantitativos e adequados para um laboratório didático são menos comuns. A fem induzida que se deseja medir pode ser obtida tanto por meio de um condutor forçado a se movimentar num campo magnético [13[13] E. Grimsehl, A Texbook of Physics, v. III: Electricity an Magnetism, editado por R. Tomaschek (Blackie & Son Ltd, London, 1933), p. 374–376.16[16] G.S. Smith, Am. J. Phys. 81, 907 (2013).] como por meio da variação do fluxo magnético através de um circuito fechado, deixando, por exemplo, um imã cair através de uma bobina [17[17] R.C. Nicklin, Am. J. Phys. 54, 422 (1986).,18[18] R. Kingman, S.C. Rowland, and S. Popescu, Am. J. Phys. 70, 595 (2002).].

Neste artigo, descrevemos os resultados de um trabalho cujo foco é confirmar a validade da lei de Faraday de maneira simples e convincente. Isto foi feito, essencialmente, deixando-se cair um imã através de uma bobina e mostrando, a partir da lei de Faraday, que existe uma relação simples entre a tensão induzida na bobina e a velocidade do imã. Nosso experimento é conceitualmente similar aos descritos nas Refs. [17[17] R.C. Nicklin, Am. J. Phys. 54, 422 (1986).] e [18[18] R. Kingman, S.C. Rowland, and S. Popescu, Am. J. Phys. 70, 595 (2002).], mas a abordagem aqui apresentada simplifica a análise dos dados e torna o trabalho mais acessível para a maioria dos estudantes com algum conhecimento de física básica. Partindo da descrição do fluxo magnético produzido por um imã permanente em uma bobina, chegamos a uma expressão que relaciona a tensão induzida na bobina com o produto da velocidade do imã com a derivada espacial do fluxo. Em nosso experimento, o imã é deixado cair em queda livre e tem, portanto, velocidade variável no tempo; contudo, mostramos que para velocidades suficientemente elevadas, o valor pico-a-pico da tensão induzida na bobina ao ser atravessada pelo imã pode ser calculado a partir da velocidade do imã quando este passa pelo seu centro. Do ponto de vista didático, essa abordagem traz duas vantagens: i) simplifica a realização do experimento ao dispensar o uso de uma máquina de Atwood para tornar constante a velocidade de queda do imã [18[18] R. Kingman, S.C. Rowland, and S. Popescu, Am. J. Phys. 70, 595 (2002).] e ii) facilita a análise dos dados, uma vez que a velocidade do imã pode ser calculada diretamente a partir da expressão de queda livre de um corpo, para o qual necessitamos conhecer apenas a altura da queda (tomada em relação aos centros do imã e da bobina) e a aceleração devido à gravidade.

2.

Teoria

2.1.

Fluxo magnético através de uma espira produzido por um ímã permanente

Uma espira circular e um ímã cilíndrico permanente são posicionados coaxialmente como mostra a Fig. 1. O eixo z, com origem no centro da espira e apontando no sentido Sul-Norte, coincide com os eixos da espira e do ímã, cujas linhas de indução do campo magnético também estão indicadas na figura.

Imaginemos agora um experimento em que medimos o fluxo ϕ do campo magnético através da espira para diferentes posições z do centro de massa do imã. O fluxo ϕ depende, naturalmente, da posição do ímã em relação à espira; ϕ é pequeno quando o ímã está afastado da espira e assume seu valor máximo quando está no seu centro, pois nessa posição a densidade de linhas de campo é máxima. Isto pode ser visualizado qualitativamente por meio de um gráfico do fluxo através da espira em função da posição z do imã em relação à espira, como mostra a linha cheia na Fig. 2. Por razões que ficarão claras mais adiante, uma grandeza de interesse é a derivada espacial dϕdz, ilustrada pela linha tracejada na figura.

2.2.

Força eletromotriz induzida na espira

Suponhamos, em seguida, o imã da Fig. 1 movimentando-se ao longo do eixo z em direção à espira. A variação do fluxo através da espira quando imã passa de uma posição z1 para z1 + Δz independe do fato do imã passar mais ou menos rapidamente por essa posição. No entanto, a fem induzida na espira depende, segundo Faraday, da velocidade com que o imã passa por essa posição. Isto sugere escrever a fem (ε) correspondente à passagem do imã por z = z1 no tempo t = t1, comoε ∝ (dϕ/dt)t=t1 = (dϕ/dz)z=z1 × (dz/dt)z=z1 = (dϕ/dz)z=z1 × vz=z1, onde vz=z1 é a velocidade do imã ao passar em z = z1 e a quantidade (dϕ/dz)z=z1 independe de v. Em outras palavras: para uma dada posição z1 do imã em relação à espira, a fem induzida na espira é proporcional à velocidade v do imã ao passar por z1.

3.

A experiência

3.1.

A montagem experimental

A Fig. 3A mostra, esquematicamente, a montagem utilizada em nossos experimentos. Ela consiste essencialmente em um tubo de acrílico de 21 mm de diâmetro externo, 16 mm de diâmetro interno e 50 cm de comprimento, através do qual o imã em queda livre atravessa a bobina. O tubo é mantido em posição vertical por meio de uma estrutura de madeira, cuja base se apóia em 3 parafusos de ajuste por meio dos quais podemos nivelar a estrutura. A bobina chata, encaixada no tubo, é enrolada num carretel com um furo central de diâmetro pouco maior que o diâmetro externo do tubo. A bobina está apoiada num suporte de madeira a uma distância h da extremidade superior do tubo; esse suporte dispõe de um furo, com diâmetro idêntico ao do tubo, que pode ser alargado ligeiramente graças à abertura mostrada na Fig. 3B. Com isso, uma vez introduzido no tubo, o suporte pode ser facilmente ajustado e mantido, sob pressão, na posição desejada.

Para realização do experimento enrolamos duas bobinas: uma delas tem diâmetro interno de 24 mm, espessura de 5 mm e 20 espiras distribuídas em uma única camada; a outra, com as mesmas dimensões geométricas, tem 40 espiras distribuídas em duas camadas. Ambas foram enroladas com fio número 32 em carretéis de PVC. Para medida da fem induzida na bobina pela passagem do imã, conectamos os terminais da bobina à entrada de um amplificador operacional (LM741) na configuração seguidor-emissor [19[19] R. Hessel e A.C. Perinotto, Revista Brasileira de Ensino de Física 33, 4502 (2011).]. Nessa configuração, o operacional funciona como um isolador, cuja impedância de entrada (vista da bobina) é virtualmente infinita. Assim, a bobina comporta-se praticamente como circuito aberto, de modo que a corrente nela induzida pela passagem do imã e seu correspondente campo magnético são desprezíveis. Forças retardadoras de origem magnética são, portanto, também desprezíveis e não afetam de maneira mensurável o movimento do imã ao passar através da bobina [20[20] L.T. Wood, R.M. Rottmann, and R. Barrera, Am. J. Phys. 72, 376 (2004).]. O circuito contendo o amplificador operacional foi montado em uma placa colocada imediatamente ao lado da bobina. A visualização e medida da fem induzida é feita conectando-se a saída do amplificador operacional a um osciloscópio digital.

3.2.

Análise dos dados

O experimento consiste em soltar um ímã cilíndrico de neodímio a partir da borda superior do tubo de acrílico e medir a fem induzida na bobina, mantida a uma distância h da borda do tubo (Fig. 3A). O ímã cilíndrico tem um comprimento de 15 mm e diâmetro também de 15 mm. Como esse diâmetro é um pouco menor que o diâmetro interno do tubo (16 mm), ele pode cair praticamente em queda livre, isto é, sem encontrar resistência significativa. Assim, desprezando possíveis atritos, a velocidade do ímã ao passar pelo centro da bobina é dada por v=2gh. Por outro lado, a passagem do ímã através da bobina induz nela uma fem proporcional a /dt, como previsto pela lei de Faraday.

O campo magnético produzido por um ímã uniformemente magnetizado é equivalente ao campo produzido por um solenóide com as mesmas dimensões características do ímã. Por isso, o campo magnético do ímã no entorno de sua região central é uniforme e máximo e varia rapidamente à medida que nos aproximamos das extremidades. Nas extremidades, a intensidade do campo ao longo do seu eixo cai para a metade e externamente ao ímã tende rapidamente para zero quando nos afastamos delas [21[21] F.L. da Silveira & outros, Cad. Brasileiro de Ensino de Física 24, 295 (2007).]. A Fig. 4 mostra o aspecto da fem induzida na bobina em função do tempo. Como os ímãs de neodímio têm uma magnetização bastante uniforme [22[22] B. Irvine, M. Kemnetz, A. Gangopadhyaya, and T. Ruubel, Am. J. Phys. 82, 273 (2014).], a fem induzida se anula quando o centro do ímã passa pelo centro da bobina, seja porque nesse momento a variação do fluxo é praticamente nula [20[20] L.T. Wood, R.M. Rottmann, and R. Barrera, Am. J. Phys. 72, 376 (2004).,21[21] F.L. da Silveira & outros, Cad. Brasileiro de Ensino de Física 24, 295 (2007).], seja por uma questão de simetria. O segundo pico é pouco maior que o primeiro porque a rapidez com que o ímã se afasta da bobina é pouco maior do que a rapidez com que se aproxima. Os valores máximo e mínimo de tensão foram medidos utilizando os cursores horizontais do osciloscópio digital, fornecendo respectivamente 307 mV e −320 mV; o valor pico-a-pico (εpp) da oscilação é então de 627 mV para o exemplo ilustrado. Uma observação prática importante refere-se ao tipo de acoplamento de entrada utilizado no osciloscópio, que deve estar selecionado em CC. Isso porque o acoplamento CA embute um filtro passa-alta (cuja frequência de corte é tipicamente da ordem de 10 Hz) que provoca atenuação da amplitude dos pulsos produzidos.

A partir da Fig. 4 (ver também Tabela 1), podemos concluir que o intervalo de tempo Δt decorrido entre a geração dos picos de tensão é aproximadamente igual a 8,2 ms (medido através dos cursores verticais do osciloscópio). Já a distância entre os picos, definida como δ, é dada por Δt, onde é a velocidade média do ímã entre os instantes em que os picos foram gerados. Considerando que 8,2 ms é muito menor que 202 ms (correspondente ao tempo de queda do ímã para o exemplo em questão), vale a aproximação v¯=2gh, de modo que δ = 1,6 cm (g = 976 cm/s2); vale notar que esse valor é praticamente igual ao comprimento do ímã (1,5 cm).

É possível mostrar também que a tensão pico-a-pico εpp está relacionada com a velocidade do ímã ao passar pelo centro da bobina. Imaginemos o ímã em queda livre passando pelas posições z1 e z2 = −z1, como mostra a Fig. 5. Considerando a magnetização do ímã uniforme, podemos afirmar que a derivada espacial do fluxo através da bobina quando o ímã passa por z1 é, a menos do sinal, igual à derivada do fluxo quando passa por z2 = −z1, ou seja, |(dϕ/dz)z=z1| = |(dϕ/dz)z = −z1| ≡ κ. Isto significa que os valores absolutos das forças eletromotrizes induzidas, ε1 e ε2, quando o ímã passa respectivamente pelas posições z1 (com velocidade v1) e z2 = −z1 (com velocidade de v2) são dados por |ε1| = κv1 e |ε2| = κv2 (ver item 2.2). Se ε1 e ε2 são os valores de pico da fem induzida, a tensão pico-a-pico é então dada por

(1) εpp=|ε1|+|ε2|=κ(v1+v2).

Do ponto de vista de uma verificação experimental, é conveniente escrever a Eq. (1) como

(2) εpp=κv22v12v2v1=2gkΔzΔv.

Mas Δv = v2v1 = gΔt, de modo que

(3) εpp=2κΔzΔt.

Se o intervalo de tempo Δt é muito menor que o tempo total de queda tt << t), o fator Δzt é igual à velocidade v=2gh do ímã ao passar pelo centro da bobina. De fato, usando a diferencial da equação horária do movimento de queda livre do ímã (z = gt2/2), resulta ΔzgtΔt ou Δzt = gt = v, expressão válida para Δt << t. Desse modo, a Eq. (3) pode ser escrita como εpp = 2κv, ou seja εppv; para verificar esta relação, basta portanto levantar o gráfico de εpp vs. v.

3.3.

Resultados

Os dados constantes da Tabela 1 foram gerados a partir de um conjunto de figuras semelhantes àquela mostrada na Fig. 4. Para obtê-los, o ímã de neodímio, inicialmente em repouso na borda do tubo da Fig. 3A, foi liberado de alturas h variando desde 10 cm até 45 cm.

Os dados experimentais da velocidade v e da tensão pico-a-pico εpp estão mostrados na Fig. 6. Nessa figura, os pontos correspondem aos dados experimentais e as linhas sólidas à curvas de ajuste linear, do tipo εpp = av. Os gráficos mostram, primeiramente, que εpp é realmente proporcional à v, como se esperava (item 3.2). Além disso, mostram também que para uma dada velocidade v a tensão εpp é proporcional ao número N de espiras (como previsto pela lei de Faraday) uma vez que a inclinação da reta para a bobina de 40 espiras (a = 0.647 V·s/m) é, dentro do erro experimental, o dobro daquela correspondente à bobina de 20 espiras (a = 0.320 V·s/m). Neste ponto, é importante observar que, para testar a dependência entre a fem induzida e o número de espiras é necessário escolher bobinas de raios idênticos ou muito próximos, pois a tensão εpp para uma dada velocidade do ímã, depende também do raio da bobina [17[17] R.C. Nicklin, Am. J. Phys. 54, 422 (1986).,18[18] R. Kingman, S.C. Rowland, and S. Popescu, Am. J. Phys. 70, 595 (2002).]. Por isso construímos uma bobina com uma única camada de fio e a outra com duas, utilizando em ambas um fio bastante fino (diâmetro de 0,25 mm).

Da Tabela 1 podemos concluir também que o valor médio da distância entre os picos (δ = 1,6 cm) é aproximadamente igual ao comprimento do ímã (1,5 cm). Para verificar se esse resultado não é mera coincidência, unimos (com os pólos invertidos) primeiramente 2 e depois 3 ímãs idênticos ao primeiro, formando assim um ímã com comprimento de 3,00 cm e o outro com 4,50 cm. O experimento foi então repetido e os resultados obtidos para δ foram, respectivamente, 3,00 cm e 4,53 cm, evidenciando portanto que não se trata de coincidência; vale dizer que no caso de um único ímã, a concordância parece não ser tão satisfatória (diferença da ordem de 1 mm) como o foi para o conjunto de 2 e 3 ímãs. Isto pode ser atribuído ao fato de que, no primeiro caso, a bobina não ser chata o suficiente (quando comparada ao comprimento do imã) para ser considerada como um anel, que seria o ideal. Qualitativamente, isso pode ser entendido recorrendo-se ao modelo utilizado por B. Irvine e cols. [22[22] B. Irvine, M. Kemnetz, A. Gangopadhyaya, and T. Ruubel, Am. J. Phys. 82, 273 (2014).] para determinar analiticamente o fluxo através de um anel num esquema semelhante ao ilustrado na Fig. 1. Segundo esses autores, como o ímã cilíndrico de neodímio tem uma magnetização muito uniforme, podemos aproximar o campo B do ímã como se fosse produzido por dois discos com densidades superficiais de carga magnética ±σm, onde σm é igual ao módulo da magnetização M do ímã. Nesse modelo, os discos estão localizados nas faces do ímã e, portanto, separados por uma distância igual ao seu comprimento (Veja, também, as Refs. [24[24] E.V. Bohn, Introduction to Electromagnetic Fields and Waves (Addison-Wesley Pub. Company, Reading, 1968), p. 177.] e [25[25] P. Lorrain, D.R. Corson and F. Lorrain, Electromagnetic Fields and Waves (W.H. Freeman and Company, New York, 1988), p. 379–380.].) Por esse modelo, os valores máximos das tensões induzidas na bobina correspondem às passagens dos discos por ela, de modo que a distância entre os picos deve ser igual ao comprimento do ímã. Embora esses autores não estivessem preocupados com esta questão em particular, os resultados obtidos por eles confirmam essa idéia (ver Fig. 7 na Ref. [22[22] B. Irvine, M. Kemnetz, A. Gangopadhyaya, and T. Ruubel, Am. J. Phys. 82, 273 (2014).]).

A hipótese de magnetização uniforme assumida neste trabalho implica também que o imã foi simetricamente magnetizado. Para verificar a simetria de magnetização, basta soltar o ímã de uma mesma altura, ora com um dos pólos voltado para baixo (por exemplo, o pólo norte), ora com o outro pólo (sul). A Fig. 7 mostra um resultado típico obtido a partir de um experimento realizado seguindo esse procedimento. Tomemos por exemplo a curva sólida, que corresponde em nossos experimentos à condição na qual o pólo norte está voltado para baixo. Uma vez que o imã cai em queda livre, sua velocidade aumenta com o tempo e, assim, a tensão do primeiro pico (0.268 V) é, em módulo, menor que a tensão do segundo pico (0.283 V). Quando invertemos os pólos do imã (com o sul voltado para baixo), o resultado obtido, ilustrado pela curva tracejada, é praticamente idêntico ao observado anteriormente a menos de uma inversão no sinal da fem induzida. Se o imã não tivesse sido magnetizado simetricamente, isto não aconteceria [17[17] R.C. Nicklin, Am. J. Phys. 54, 422 (1986).].

4.

Conclusões

Neste artigo, descrevemos uma montagem por meio da qual o estudante pode testar de maneira rápida e convincente aspectos fundamentais da lei de indução de Faraday, analisando a fem induzida numa bobina em função da velocidade de um ímã em queda livre ao passar através dela. A montagem é de fácil construção e utiliza componentes mecânicos que podem ser facilmente encontrados. Para aquisição e medida dos sinais de tensão induzidos na bobina utilizamos um osciloscópio digital de baixo custo, uma vez que os sinais gerados não necessitam grande largura de banda para detecção. Um aspecto importante deste trabalho é que conseguimos relacionar, utilizando apenas princípios básicos da mecânica e com um mínimo de formalismo matemático, a tensão pico-a-pico da fem induzida com a velocidade do ímã ao passar pelo centro da bobina. Isto facilitou enormemente a análise dos dados e tornou o trabalho mais acessível para estudantes com algum conhecimento de física básica, bem como adequado para ser reproduzido em laboratórios de física básica.

Agradecimentos

Os autores agradecem à FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) pelo apoio financeiro para realização deste trabalho.

Referências

  • [1]
    J. Roche, Phys. Ed. 22, 91 (1987).
  • [2]
    G.A G. Bennet, Electricity and Modern Physics (Edward Arnold, London, 1974), p. 62–87.
  • [3]
    G. Sengberg, Eletricidade: Eletromagnetismo (Nobel, São Paulo, 1971), 5a ed., cap. III.
  • [4]
    M. Alonso & E.J. Finn, Física: Um Curso Universitário (Editora Edgard Blücher, São Paulo, 1972), v. 2, p.188–197.
  • [5]
    D. Halliday e R. Resnick, Física (Livros Técnicos e Científicos Editora, Rio de Janeiro, 1981), v. 3, 3a ed., Exemplo 3, p.227.
  • [6]
    F.W. Sears, M.W. Zemansky and H. D. Young, College Physics (Addison-Wesley Publishing Company, Massachusetts, 1991), 7a ed., Example 32–3 e Example 32–6.
  • [7]
    K.C. Mamola, Apparatus for Teaching Physics (AAPT, College Park, MD, 1998), p. 186–192.
  • [8]
    G.D. Freier and F.J. Anderson, A Demonstration Handbook for Physics (AAPT, College Park, MD, 1996), p. E-38–39.
  • [9]
    H.F. Meiners, Physics Demonstration Experiments (The Ronald Press, New York, 1970), v. II, p.932–948.
  • [10]
    R.M. Sutton, Demonstration Experiments in Physics (AAPT, College Park, 2003), p. 339–342.
  • [11]
    R. Hessel, Phys. Teacher 49, 184 (2011).
  • [12]
    D. Wood and J. Sebranek, Phys. Teacher 51, 344 (2013).
  • [13]
    E. Grimsehl, A Texbook of Physics, v. III: Electricity an Magnetism, editado por R. Tomaschek (Blackie & Son Ltd, London, 1933), p. 374–376.
  • [14]
    J.W. Then, Am. J. Phys. 30, 411 (1962).
  • [15]
    R.D. Eagleton, Am. J. Phys. 55, 621 (1987).
  • [16]
    G.S. Smith, Am. J. Phys. 81, 907 (2013).
  • [17]
    R.C. Nicklin, Am. J. Phys. 54, 422 (1986).
  • [18]
    R. Kingman, S.C. Rowland, and S. Popescu, Am. J. Phys. 70, 595 (2002).
  • [19]
    R. Hessel e A.C. Perinotto, Revista Brasileira de Ensino de Física 33, 4502 (2011).
  • [20]
    L.T. Wood, R.M. Rottmann, and R. Barrera, Am. J. Phys. 72, 376 (2004).
  • [21]
    F.L. da Silveira & outros, Cad. Brasileiro de Ensino de Física 24, 295 (2007).
  • [22]
    B. Irvine, M. Kemnetz, A. Gangopadhyaya, and T. Ruubel, Am. J. Phys. 82, 273 (2014).
  • [23]
    P. Carpena, Am. J. Phys. 65, 135 (1997).
  • [24]
    E.V. Bohn, Introduction to Electromagnetic Fields and Waves (Addison-Wesley Pub. Company, Reading, 1968), p. 177.
  • [25]
    P. Lorrain, D.R. Corson and F. Lorrain, Electromagnetic Fields and Waves (W.H. Freeman and Company, New York, 1988), p. 379–380.

Figures and Table

Figura 1
Diagrama esquemático mostrando um imã permanente e uma espira circular alinhados ao longo do eixo z com origem no centro na espira.
Figura 2
Fluxo ϕ e sua derivada espacial /dz em função da posição z do imã em relação à espira.
Figura 3
Esquema da montagem utilizada em nossos experimentos. A bobina é mantida em circuito aberto e o imã é deixado cair em queda livre de uma altura h com relação à bobina.
Figura 4
Curva típica obtida na tela do osciloscópio (Canal 1: eixo vertical em 100 mV/divisão, eixo horizontal em 5 ms/divisão, acoplamento CC). O dado experimental ilustrado refere-se à bobina de 20 espiras, com o imã em queda livre a partir de uma altura h = 20 cm.
Figura 5
Esquema mostrando o imã em duas posições simétricas em relação ao centro da bobina. Nessas posições, o fluxo do campo magnético através da bobina é o mesmo.
Figura 6
Tensão pico-a-pico da fem induzida como uma função da velocidade do imã ao passar pelo centro da bobina. Os pontos correspondem aos dados experimentais da Tabela 1 e as linhas cheias à curvas de ajuste linear.
Figura 7
Pulsos induzidos na bobina para um imã liberado da borda do tubo, ora com o pólo norte voltado para baixo (linha cheia), ora com o pólo sul (linha tracejada).
Tabela 1
Dados experimentais para as bobinas de 20 e 40 espiras, respectivamente. h: distância entre o centro de massa do ímã e o centro da bobina; v = (2gh)1/2: velocidade do ímã no centro da bobina; t = (2h/g)1/2: tempo de queda do imã até o centro da bobina; Δt: tempo decorrido entre a geração dos picos da fem induzida; δ = vΔt: distância entre os picos; εpp: tensão pico-a-pico da fem induzida.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    21 Out 2014
  • Aceito
    19 Dez 2014
Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: marcio@sbfisica.org.br