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Costa Ribeiro: Ensino, pesquisa e desenvolvimento da física no Brasil

Costa Ribeiro: Teaching, research and development of Physics in Brazil

Resenha do livro Costa Ribeiro: Ensino, Pesquisa e Desenvolvimento da Física no Brasil, por . (Editora da Universidade Estadual da Paraíba / Livraria da Física, Campina Grande / São Paulo, 2013), 288 p.

Escrito a partir da pesquisa que deu origem à dissertação de mestrado defendida recentemente pelo autor, em um programa de Ensino, Filosofia e História das Ciências, o livro Costa Ribeiro: Ensino, Pesquisa e Desenvolvimento da Física no Brasil retrata a trajetória acadêmica de um ilustre desconhecido da história da ciência e da tecnologia produzida em nosso país.

Pertencente à primeira geração de físicos formados em solo brasileiro, Joaquim da Costa Ribeiro (1906–1960) é um exemplo emblemático de cientista que na atualidade não goza da mesma fama e reconhecimento alcançados por alguns de seus pares.

Se nas últimas décadas o campo preferencial das pesquisas realizadas por Costa Ribeiro - a Física da Matéria Condensada (ou Física do Estado Sólido) - co-optou diversos adeptos e expressivo reconhecimento, fato refletido na quantidade de prêmios Nobel a ela atribuídos nesse período, as décadas de 1930 e 1940 foram testemunhas de uma profusão de trabalhos em Física Nuclear e Física de Partículas, campos em que José Leite Lopes (1918–2006), Cesar Lattes (1924–2005) e Mario Schenberg (1914–1990), por exemplo, escreveram boa parte das histórias pelas quais são até hoje reverenciados.

Assim sendo, o resgate e o registro conciso dos trabalhos realizados por personalidades como Costa Ribeiro merecem ser enaltecidos, pois contam as “histórias por trás da História”’, indo ao encontro de uma forma mais contemporânea e dinâmica de se retratar a história da ciência, contrapondo-se ao registro exclusivo da vida e das atividades realizadas por um seleto e reconhecido grupo de cientistas.

Outro ponto a ser destacado é a preocupação em abordar uma temática relacionada à história da ciência nacional, tão comumente esquecida ou negligenciada nas pesquisas que retratam as inter-relações entre a ciência e a tecnologia, realidade refletida, por exemplo, nos livros didáticos e aplicações trabalhadas nas aulas de física no Ensino Médio, que em geral destacam feitos e realizações de cientistas sem qualquer relação ou identidade com nosso país.

Na “Introdução”, o livro apresenta um breve relato dos caminhos seguidos e recursos utilizados pelo autor na pesquisa, evidenciando sua preocupação em reunir um material suficientemente rico e diversificado para compor o trabalho. No caso, além do uso fontes bibliográficas diversas, o autor lançou mão, inclusive, do uso de depoimentos (via história oral) de personalidades ligadas ao recorte temporal realizado.

Devido ao fato de apresentar um longo e detalhado histórico do surgimento das universidades brasileiras - com ênfase especial para a Universidade do Brasil (UB) que, após passar por uma série de reformulações, acabaria por dar origemà Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) -, o “Capítulo 1” causa certa estranheza ao leitor, ao promover poucas alusões ao nome de Costa Ribeiro durante sua maior parte.

Contudo, trata-se de uma oportunidade para o leitor entender o entorno sócio-político que determinou a constituição de uma parcela significativa das instituições de ensino e pesquisa em nível superior do Rio de Janeiro, capital do Brasil até o ano de 1960. Nesse contexto, são apresentadas as contribuições de diversas personalidades, não necessariamente acadêmicas, tais como Pedro Ernesto Batista, Anísio Teixeira, Afrânio Peixoto e Bernhard Gross. No caso, Gross é destacado como fonte de inspiração e influência para boa parte das pesquisas desenvolvidas por Costa Ribeiro.

O“Capítulo 1” é finalizado com uma caracterização da trajetória e do legado de Costa Ribeiro enquanto docente e pesquisador, a partir de depoimentos de Jaime Tiomno, que foi seu auxiliar técnico, e Elisa Frota-Pessoa, sua aluna na graduação.

A ressalva em termos de organização da obra em referência está na apresentação do seu segundo - eúltimo - capítulo: ao tomar para si cerca de 60% do livro, o “Capítulo 2” mereceria ser desmembrado, pois apresenta, em longas subdivisões, a trajetória e os principais resultados das pesquisas realizadas por Costa Ribeiro. Esse procedimento acaba por dificultar o ritmo de leitura e, principalmente, o encadeamento das ideias apresentadas.

Por exemplo, a descrição das pesquisas realizadas com os chamados “minerais radioativos” ocupa cerca de 30 páginas, e seria de extremo interesse para quem busca compreender o posterior processo de exploração venal do território brasileiro pelo governo norte-americano no contexto inaugural da Guerra Fria. Contudo, a apresentação do mais notório legado de Costa Ribeiro - a descoberta do “Efeito Termodielétrico” - chega a um nível de detalhamento que, por si, mereceria um único capítulo para ser devidamente investigado e compreendido, deixando o leitor sem fôlego ao acompanhar sua exposição ao longo de ininterruptas 90 páginas.

Mais adiante, nesse mesmo capítulo, cabe destaque para uma carta escrita por Costa Ribeiro a Cesar Lattes, no final de 1948, informando à personalidade da Física brasileira de maior reconhecimento internacional daquele momento sobre a possibilidade de criação de uma cátedra para recebê-lo em seu retorno ao Brasil, enquanto professor da Faculdade Nacional de Filosofia da UB. Costa Ribeiro cristaliza sua crença no potencial do país em produzir ciência de ponta ao declarar: “Espero que homens responsáveis pelas coisas públicas no Brasil acabem se convencendo que não nos falta o melhor material humano e intelectual para fazer progredir este grande país, o que nos falta é, sobretudo, visão dos problemas a atacar com energia e coragem para resolvê-los”.

Ainda que sem uma manifesta intenção, essa afirmação acaba por prenunciar, assim como de certa forma vivenciou Lattes na descoberta do píon, a controvérsia que envolve o reconhecimento internacional dos trabalhos de Costa Ribeiro acerca do Efeito Termodielétrico. Entre 1948 e 1950, os físicos norte-americanos E.J. Workman e S.E, Reynolds publicam no renomado periódico Physical Review artigos abarcando resultados de experimentos que descreveriam esse mesmo fenômeno, tomando como ponto de partida a transição de fase entre a água e o gelo.

Tal abordagem permitiu a Workman e Reynolds alegarem posteriormente desconhecimento dos trabalhos de Costa Ribeiro, realizados cerca de quatro anos antes e com outros materiais (parafina, por exemplo). Esse fato deu origem a acaloradas discussões envolvendo a primazia da descoberta do citado fenômeno, que em determinado momento passou a ser denominado “Efeito Workman - Reynolds - Ribeiro”.

A possibilidade de comparação e compreensão dos detalhes relacionados aos trabalhos de Costa Ribeiro e dos citados norte-americanos, desenvolvidos em circunstâncias e com propósitos distintos, valeria, por si, a leitura do livro em referência por todos aqueles que buscam uma melhor compreensão dos meandros e nuances da história da ciência. No caso, torna-se evidente a controvérsia como marca característica do empreendimento científico, em contraposição aos tradicionais relatos de seu progresso ocorrendo de maneira linear, atemporal e acrítica.

Em suma, o panorama traçado pelo autor confere à obra características capazes de contemplar os interesses de estudantes, pesquisadores e professores interessados em uma leitura útil e confiável do histórico do desenvolvimento da ciência brasileira, tendo como pano de fundo um episódio envolvendo os trabalhos de um personagem desconhecido do público geral.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2014
  • Aceito
    14 Nov 2014
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