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A técnica da escrita científica

Cientistas precisam se comunicar com a sociedade, o que se dá principalmente através de artigos científicos, e em alguns casos de divulgação. Estes últimos podem ser mais difíceis de produzir, pois o cientista precisa manter a precisão da informação ao mesmo tempo em que tem que tornar o texto acessível a um público não especializado. A escrita de um artigo científico, em particular, deve obedecer a critérios semelhantes àqueles do método científico, uma vez que a publicação só é justificável se houver contribuições relevantes. Ou seja, o artigo deve ser resultado de um trabalho de pesquisa sistemático, criteriosamente planejado para resolver problemas científico-tecnológicos que tragam avanços significativos ao campo de pesquisa. O conhecimento da literatura e o domínio da metodologia apropriada são essenciais para atingir tal objetivo.

Um artigo científico deve conter novas ideias, conceitos, interpretações, modelos teóricos, e não apenas um relato de resultados. Obviamente que em áreas como a física, não se concebe publicação de ideias que não sejam consubstanciadas por resultados, experimentais ou teóricos. Entretanto, o que deve ser enfatizado são os conceitos, as ideias inovadoras; os resultados servem para comprovar essas ideias e conceitos [1[1] Osvaldo N. Oliveira Jr., As Linguagens do Conhecimento (Editora Cubo, São Carlos, 2014).].

O estudo e a aprendizagem da escrita científica são hoje baseados numa área denominada linguística de corpus, em que fenômenos linguísticos são estudados a partir da análise de grande volume de textos. Um corpus é uma coleção de textos – falados ou escritos – organizados ou indexados para um propósito específico. São exemplos os corpus com textos traduzidos de uma língua para outra usados no desenvolvimento de tradutores automáticos.

A aplicação de metodologias de linguística de corpus levou a observações importantes. O texto científico é altamente estereotipado, e um artigo tem uma estrutura praticamente fixa. Deve conter as seguintes seções: Título, Resumo, Introdução, Materiais e Métodos, Resultados, Discussão, Conclusão, Agradecimentos e Referências, nessa ordem. Há áreas com alguma variação, por exemplo incluindo uma seção para destacar trabalhos relacionados na literatura ou detalhamento de uma teoria. Mas a estrutura principal é mantida. Além disso, o fluxo de texto num artigo científico deve obedecer a um movimento bem definido. A Introdução começa do tema mais geral, e afunila para mencionar a contribuição do artigo, num movimento do geral para o específico. A Conclusão, ao contrário, deve ter o movimento oposto, iniciando-se com o retomar dos principais resultados do artigo e terminar com as implicações das contribuições para uma área mais geral ou mesmo para a sociedade, dependendo do tipo de trabalho.

O Resumo é o componente mais importante do artigo, por vários motivos. Em muitas bases de dados científicas, apenas o título e resumos são fornecidos, de forma que um artigo só será lido se o leitor julgar relevante a partir do resumo. Este deve trazer a síntese das ideias e concepções inovadoras do trabalho. Há dois estilos principais de resumo: os descritivos e os informativos. Para um artigo que traz resultados originais, o resumo deve ser obrigatoriamente informativo, e conter as principais contribuições do trabalho. Sua estrutura também é relativamente fixa, tendo como componentes: Contextualização, Lacuna, Propósito, Metodologia, Resultados e Discussão, e Conclusão e Perspectivas. Quando a revista limita o tamanho do Resumo, normalmente os dois primeiros componentes são eliminados, iniciando-se com o Propósito.

Na Contextualização, menciona-se o tópico geral de que trata o artigo, particularizando para a pesquisa em questão. Limitações ou restrições da área são mencionadas na Lacuna, que será preenchida com o trabalho cujo Propósito vem logo a seguir. Este último é obrigatório, pois informa os objetivos principais da pesquisa. Os meios para atingir esses objetivos constituem a Metodologia, podendo incluir procedimentos experimentais, análises teóricas ou estatísticas. As principais contribuições do trabalho devem estar contidas no componente Resultados e Discussão, inclusive com dados quantitativos se for o caso, e com a interpretação dos resultados mais relevantes. Ressalte-se que o resumo, assim como o artigo científico, deve ter o material organizado de forma lógica, privilegiando a transformação dos resultados em ideias e conceitos. A ordem lógica pode não coincidir com a cronológica em que a pesquisa foi realizada. O componente Conclusões e Perspectivas encerra o resumo, colocando-se as principais contribuições do artigo no contexto mais abrangente do tópico de pesquisa e apontando-se suas implicações.

Os resumos descritivos são úteis para sumarizar o conteúdo de livros, capítulos de livros e artigos de revisão da literatura, pois nestes casos as contribuições mais relevantes podem não ser originais ou mesmo estar contidas em trabalhos de outros autores, discutidos no texto. O resumo tem o papel de descrever como o tópico em questão será abordado. Para os resumos descritivos, a estrutura é menos fixa do que nos informativos, mas o leitor precisa ser informado de que se trata de revisão da literatura ou dissertação sobre determinado assunto.

Quanto ao texto do artigo propriamente dito, devese buscar concisão e precisão na informação. Precisão é essencial, pois muitos termos têm significados específicos em física (ou em ciência), que podem diferir de seu uso corriqueiro. Por exemplo, a palavra “interferência” é muito empregada em linguagem coloquial para uma diversidade de situações. Mas em física tem significado específico, no fenômeno de interferência de ondas. A busca por concisão, por outro lado, deve ser incansável, especialmente porque autores tendem a exagerar no uso de clichês e em palavras desnecessárias. Há várias recomendações para ganhar concisão: reduzir ao mínimo o número de adjetivos e advérbios, particularmente evitando aqueles que não trazem precisão para a informação. Em física, palavras como grande, pequeno, amplamente, extensamente, extremamente não contribuem para transmitir informação precisa. O mesmo se aplica a expressões como sendo assim, quase sempre dispensável.

Como se pode depreender, os conceitos relevantes da escrita científica são independentes da língua em que o artigo é escrito. Entretanto, como hoje é o inglês a língua franca para a ciência, tecnologia, comércio, turismo e quase qualquer área da atividade humana, existe o desafio adicional de escrever bem numa língua estrangeira para cerca de 90% da população mundial. Para os brasileiros, em particular, apesar de o português e o inglês compartilharem muitas características, as estruturas gramaticais e o uso de coligações podem ser bastante distintos. A propósito, a influência da língua materna é uma das maiores limitações para a escrita de qualidade numa língua estrangeira. Não é incomum que um aprendiz, conhecedor do vocabulário e gramática de uma segunda língua, escreva sentenças gramaticalmente corretas que soam estranhas para um nativo da língua.

Uma possível solução para esta dificuldade em escrever textos com o padrão próximo daquele produzido por escritores nativos e experientes também pode ser encontrada na linguística de corpus. Trata-se de uma estratégia, delineada detalhadamente num livro recente [2[2] Ethel Schuster, Haim Levkowitz and Osvaldo N. Oliveira Jr. (eds) Writing Scientific Papers in English Successfully: Your Complete Roadmap (Gráfica e Editora Compacta, São Carlos, 2014).], que consiste em aprender por exemplos a partir de um corpus montado pelo próprio aprendiz. Inclui treinamento intensivo com leitura de textos científicos em inglês, publicados preferencialmente por nativos da língua, e anotação da função de expressões e sentenças. Para montar o corpus, o pesquisador deve ler cuidadosamente grande quantidade de textos, e anotar como expressões transmitem conceitos e ideias. De fato, é correta a percepção de que para escrever bem é preciso ler muito. Porém, não se trata de leitura qualquer; deve ser sistemática e meticulosa, concentrando-se mais na forma do que no conteúdo do texto.

O estudo sistemático pode ser facilitado se os textos compilados para o corpus forem classificados de acordo com as seções e componentes de um artigo, e se forem anotadas as funções retóricas das expressões. É útil para qualquer escritor em língua estrangeira saber executar funções retóricas como “descrever”, “contrastar”, “definir”, “concluir”, etc, para que possa se expressar com a mesma proficiência que o faz na língua materna. Mencione-se que esse trabalho de identificação de subcomponentes e funções já constitui ótimo exercício de aprendizado em escrita científica, independentemente da língua.

A estratégia inspirada em linguística de corpus só é bem sucedida se o aprendiz já tiver um conhecimento mínimo de inglês, pois caso contrário não será capaz de identificar as expressões e funções relevantes. Além disso, a tarefa de aprender escrita científica em inglês, a partir de um corpus que precisa ser construído, não é simples e nem rápida. Exige dedicação e tempo, pois não há fórmulas mágicas para aprender escrita científica com pouco esforço, como também não as há para aprender física.

Referências

  • [1]
    Osvaldo N. Oliveira Jr., As Linguagens do Conhecimento (Editora Cubo, São Carlos, 2014).
  • [2]
    Ethel Schuster, Haim Levkowitz and Osvaldo N. Oliveira Jr. (eds) Writing Scientific Papers in English Successfully: Your Complete Roadmap (Gráfica e Editora Compacta, São Carlos, 2014).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015
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