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Um enfoque didático às equações de Maxwell

(A pedagogical approach to Maxwell’s Equations)

Resumos

Mostra-se como encarar as equaçõe de Maxwell, tanto para fenômenos periódicos, reunindo emissão e o campo de radiação, como para o caso geral, mais interessante, dos aperiódicos, com as equações dependentes do tempo, e, em especial, sobre o significado daquelas independentes do tempo. Comenta-se a diferença do enfoque propiciado pela aproximação de estados quase-permanentes, em que as fontes, cargas e correntes atuais determinam completamente os campos, e o das equações exatas, em que isto, “stricto sensu”, já ocorre.

equações de Maxwell; estados quase-permanentes; fenômenos periódicos; fenômenos aperiódicos


It is shown how to regard Maxwell’s equations for both periodic, putting together emission and radiation fields, and non-periodic phenomena, discussing both the time dependent equations as well as the role played by the time-independent ones. The difference in approach resulting from the quasi-permanent approximation, in which the sources feed the fields, and that of the exact equations, in which, strictly speaking, that is no longer true, is commented.

Maxwell’s equation; quasi-permanent states; periodic phenomena; aperiodic phenomena


1. Introdução

No ensino do eletromagnetismo, grande parte do tempo é dedicada aos aspectos estáticos, tanto na eletrostática e como na magnetostática: isso permite ao aluno familiarizar-se com os entes, campo elétrico e campo magnético [1[1] J.B. Marion, Classical Eletromagnetic Radiation(Academic Press, New York, 1965).] (um bi-vetor na compacta linguagem da álgebra geométrica [2[2] J. Vaz, Revista Brasileira de Ensino de Física 19, 234 (1997).]). Os fenômenos dependentes do tempo aparecem na lei da indução de Faraday, abordando-se então, usualmente, os fenômenos quase-permanentes de indução e mesmo os de carga de condensadores, estes envolvendo correntes ’abertas’. Mas estas abordagens são realizadas na linguagem de circuitos elétricos e fluxos magnéticos e não na de campos. Quando retornamos a estes, verifica-se, como Maxwell fez, que para se obter compatibilidade entre as equações dos campos, e a equação da continuidade (conservação da carga elétrica), deve-se introduzir na equação do rotacional do campo magnético, ao lado das correntes reais, a corrente de deslocamento, alcançando-se assim o sistema completo das equações de Maxwell. Mas neste ponto, não há usualmente a preocupação de se procurar estabelecer o conjunto de equações que cobrem aqueles importantes estados quase-permanentes antes estudados. Relembraremos aqui (ver Seção 5) que nesta aproximação, construída a partir de emenda às equações estáticas, a corrente de deslocamento envolve o campo eletrostático e não o campo elétrico total [3[3] G.F. Leal Ferreira, Revista Brasileira de Ensino de Física 23, 395 (2001).]. Isto cinge as soluções à região próxima das cargas, omitindo a descrição de emissão de ondas eletromagnéticas. Neste trabalho, trataremos de alguns pontos relativos à apresentação didática das equações de Maxwell. De posse do seu arcabouço completo, a primeira abordagem é feita num caso muito particular, o das ondas eletromagnéticas livres, em que as fontes são ignoradas. Embora cubra o aspecto importante da transmissão, gostaríamos de mostrar que nesse tipo de problema, envolvendo soluções periódicas no tempo, as fontes podem ser mantidas sem onerar de forma significativa o cálculo, permitindo expor, em princípio, não só a transmissão como a criação de ondas eletromagnéticas pelas suas fontes. A nossa análise irá adiante, abordando o caso geral não-periódico — certamente o mais interessante —, onde, seguindo L. Jánossy [4[4] L. Jánossy, Theory of Relativity based on Physical Reality (Akadémiai Kiadó, Budapest, 1971).], verificar-se-á na Seção 4 que duas são efetivamente as equações de Maxwell — somente aquelas envolvendo o tempo —, as outras duas sendo apenas equações acessórias, de definição de grandezas. Aí veremos que os campos elétrico e magnético são determinados a partir de seus valores iniciais e da densidade de corrente como fonte e gozam em relação a esta última de uma certa autonomia que viola a estreita correlação entre fontes e campos presumida da conceituação vinda da apresentação inicial da estática. Mas aquela correlação de fato existe na aproximação dos estados quase-permanentes quando cargas e correntes determinam os campos, como será examinado na Seção 5.

2. As equações de Maxwell

Tomaremos as equações de Maxwell no CGS gaussiano, com c a velocidade da luz. Elas são, no vácuo,

(1)E=4πρ,
(2)×E=1cBt,
(3)B=0,
(4)×B=4πJc+1cEt,
em que E e B são os campos elétrico e magnético, ρ e J, as densidades de carga e de corrente de condução, todas as grandezas em princípio funções da posição x e do tempo t.

Notemos que se achamos a divergência da Eq. (4), obtemos a equação da continuidade

(5)J+ρt=0,
que não necessita ser considerada como integrante do sistema das equações de Maxwell, mas que desempenhará seu papel na aproximação dos estados quase-permanentes.

3. Fenômenos periódicos

No caso de fenômenos periódicos, de frequência angular ω, a dependência no tempo é do tipo eiωt, e as Eqs. (1)(4) tornam-se em

(6)E=4πρ,
(7)×E=iωcB,
(8)B=0,
(9)×B=4πJc+iωcE,
e
(10)J=iωcρ,
em que, por economia de símbolos, mantivemos as designações das grandezas embora elas agora só dependam da posição x.

Substituindo o valor de B em função de E pela Eq. (7) e desenvolvendo o termo × × E na Eq. (9), vem

(11)E2E=iωc(4πJc+iωcE).

Usando agora a equação de Poisson, Eq. (5), e substituindo ρ em função de J na Eq. (18), vem

(12)2B+ω2c2E=4πiω(ω2c2J+J),
equação que exibirá explicitamente as fontes do campo elétrico ao separarmos J em uma corrente longitudinal JL e outra transversal JT, tais que × JL = 0 e JT = 0.

A corrente longitudinal (irrotacional) contribui em ambos os termos entre parênteses no lado direito da Eq. (12), termo temporal e termo espacial, enquanto que a transversal (solenoidal), apenas no termo temporal, dependente de ω. Pela Eq. (7), B é proporcional ao rotacional de E. Logo, se aplicarmos o rotacional a ambos os membros da Eq. (12), obteremos uma relação mais simples — na verdade uma simples equação de onda inomogênea —, tendo em vista que o rotacional de um gradiente é nulo. Tem-se então

(13)2B+ω2c2B=4πc×JT,
mostrando que as fontes do campo magnético oscilante são exclusivamente as correntes transversais.

No caso de fontes localizadas, como no caso de um fio retilíneo com corrente, B tem origem na descontinuidade transversal da corrente, gerando correntes superficiais azimutais na sua superfície. Levado esse caso ao limite do dipolo oscilante, este fato mostra que o campo magnético irradiado pelo dipolo oscilante faz formalmente papel semelhante ao do potencial vetor no tratamento usual, e é também exclusivamente azimutal.

4. Equações de Maxwell, fenômenos aperiódicos

Como gerar solução de sistema de equações envolvendo o tempo é construir o futuro, dadas as fontes e condicões iniciais adequadas em t = 0 [4], vemos que as equações importantes no sistema da Seção 2 são as Eqs. (2) e (4), envolvendo o tempo, tendo a densidade de corrente J(x, t) como fonte. Mas que papel têm as Eqs. (1) e (3)? Elas são equações acessórias, de definição a Eq. (1), e de condição inicial a Eq. (3). De fato, dados E(x, 0) e B(x, 0), este satisfazendo a condição · B(x, 0) = 0, a Eq. (1) define a densidade inicial de carga, e as Eqs. (2) e (4) geram B(x, Δt) e E(x, Δt) no tempo Δt.

Note-se que em Δt e, ipso facto, em qualquer estágio de uma integração exata, a Eq. (3) continua sendo satisfeita, da mesma forma que a Eq. (1) [ou alternativamente a Eq. (5), a da continuidade] irá determinando a densidade de carga a cada tempo t. Resulta desta análise que a densidade de carga joga papel subsidiário, como grandeza derivada, a reboque da integração. Esta conclusão choca-se com a visão usual, segundo a qual os campos E e B derivam diretamente das cargas e correntes, e que manter-se-á na aproximação dos estados quase-permanentes, que analisaremos na próxima seção.

Concluindo, vê-se que os campos ganham autonomia em relação às fontes atuais, já que não é possível inferi-los diretamente das fontes a partir de um instante inicial: o conhecimento de ρ(x, 0) não permite o cálculo de E(x, 0). E haverá uma dinâmica mesmo que J(x, t) seja nulo para t ≥ 0, devido ao campo eletromagnético livre, agora abrangido na solução (o que não ocorrerá com as equações aproximadas). Note-se também que poderíamos transformar as duas equações, Eqs. (2) e (4), em uma única, de ordem superior, em termos de um dos campos, porém com perda de visão da mecânica da solução.

5. Aproximação de estados quase-permanentes

Na Eletrostática aprendemos a calcular o campo eletrostático h(x) e o campo magnetostático solenoidal B(x) a partir de sua fontes, cargas e correntes. Com a Lei da Indução, os fenômenos e os campos agora dependem do tempo e adicionamos ao campo elétrico a componente solenoidal, S(x, t), regidos, esta e h(x), pelas equações

(14)h=4πρ,×h=0,S=0×S=Bt,
(15)E=h+S,
(16)B=0,×B=4πJc+1cht,
(17)J+ρt=0,
que formam um sistema consistente com a equação da continuidade, Eq. (5), como pode ser visto tomando-se a divergência dos dois lados da segunda das Eqs. (16).

A equação da continuidade, Eq. (17), deve agora ser incorporada ao sistema, o que se justifica pela presença do campo adicional, S. O sistema difere do exato pela presença, no lado direito da segunda das Eqs. (16), do campo eletrostático h no lugar do campo elétrico total E, Eq. (4). Isto confina as soluções do sistema, Eqs. (14)(17), à região próxima às fontes, excluindo a radiação. Mais exatamente, pode-se mostrar que o sistema é correto para velocidade v das cargas tal que v2/c2 ≪ 1, aceleração a até distâncias r tais que ar/c2 ≪ 1 [3[3] G.F. Leal Ferreira, Revista Brasileira de Ensino de Física 23, 395 (2001).].

Vamos ver como a densidade de carga inicial, ρ(x, 0), e a densidade de corrente, J(x, t), determinam os campos h(x, t), S(x, t) e B(x, t). Admite-se que, do conhecimento da densidade de carga, o campo eletrostático fica determinado, ainda que, num procedimento numérico, tal prática introduzisse infindáveis integrações espaciais. Com isto, como temos incorporado a equação da continuidade, Eq. (5), podemos calcular ρ(x, Δt) no instante Δt e daí determinar h(x, Δt), em princípio, pelas primeiras das Eqs. (14). Como conhecemos h(x, 0) isto permite conhecermos também ∂h/∂t, e com isto, B(x, 0) fica determinado pelas Eqs. (16). Repetindo o procedimento para os tempos Δt e 2Δt, determinamos B(x, Δt), permitindo obter-se S(x, 0) pelas últimas das Eqs. (14) e o campo elétrico E(x, 0) pela Eq. (15), e assim para os Δt’s seguintes. Vê-se que são os campos solenoidal S e elétrico E(x, t) que vêm agora a reboque do cálculo. E assim, podemos afirmar que as fontes atuais determinam os campos.

Por outro lado, é fácil de se ver que, para fenômenos periódicos, em lugar da Eq. (13), obtém-se

(18)2B=4πc×JL.

6. Considerações finais

Acreditamos ter apresentado aqui uma forma mais didática de encarar as equações de Maxwell: no caso periódico, reunindo transmissão e criação; no aperiódico, discriminando o papel das equações, e no caso dos quase-permanentes, mostrando sua correlação com a visão estática de vinculação estreita entre fontes e campos.

Agradecimentos

Agradecemos a Luiz Nunes de Oliveira pela leitura crítica e sugestões incorporadas ao texto.

  • Nota do Editor
    Esse artigo já estava praticamente aceito quando recebemos a notícia do falecimento do autor, ocorrido em São Calos, no última dia 10 de janeiro desse ano. Lastimamos a perda do professor Guilherme Fontes Leal Ferreira, que era um colaborador pioneiro e muito constante das publicações da SBF.

Referências

  • [1]
    J.B. Marion, Classical Eletromagnetic Radiation(Academic Press, New York, 1965).
  • [2]
    J. Vaz, Revista Brasileira de Ensino de Física 19, 234 (1997).
  • [3]
    G.F. Leal Ferreira, Revista Brasileira de Ensino de Física 23, 395 (2001).
  • [4]
    L. Jánossy, Theory of Relativity based on Physical Reality (Akadémiai Kiadó, Budapest, 1971).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    04 Set 2014
  • Aceito
    02 Fev 2015
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