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Levitação acústica

(Acoustic levitation)

Resumos

A levitação acústica pode ser uma ferramenta valiosa para auxiliar estudantes de graduação a aprender conceitos básicos de física, tais como movimento harmônico simples, ondas acústicas estacionárias, e energia potencial. Neste artigo, apresentamos o princípio de funcionamento de um levitador acústico e explicamos como aplicar as equações básicas da acústica para determinar a força de radiação acústica que atua numa esfera em uma onda estacionária.

levitação acústica; ultrassom; acústica; ondas estacionárias


Acoustic levitation can be a valuable tool to assist undergraduate students in learning basic concepts of physics, such as harmonic motion, acoustic standing waves and potential energy. In this paper, we present the working principle of an acoustic levitator and we explain how to apply basic equations of acoustics to determine the acoustic radiation force that acts on a small sphere in a standing wave field.

acoustic levitation; ultrasound; acoustics; standing waves


1. Introdução

A levitação de objetos em ar é tão interessante que muitos mágicos apresentam este truque em seus espetáculos, mas infelizmente, os mágicos guardam seus segredos a sete chaves. Então, em vez de tentar explicar os truques utilizados pelos mágicos, vamos nos ater a outros tipos de levitação, que podem ser explicados a partir de princípios básicos de física. A ideia básica para suspender partículas e objetos em ar é aplicar algum tipo de força de tal forma a contrabalancear a força gravitacional [1[1] E.H. Brandt, Science 243, 349 (1989).]. Existem diversas formas de levitar uma partícula, tais como utilizar campos magnéticos [2[2] F.L. Silveira e R. Axt, Revista Brasileira de Ensino de Física 25, 81 (2003).], campos eletrostáticos [3[3] A.J. Rulison, J.L. Watkins and B. Zambrano, Review of Scientific Instruments 69, 2856 (1997).], feixes de laser [4[4] A. Ashkin and J.M. Dziedzic, Applied Physics Letters 19, 283 (1971)., 5[5] D. McGloin, Transactions of the Royal Society A: Mathematical, Physical and Engineering Sciences 364, 3521 (2006).], ou através de ondas acústicas [6[6] R.R. Whymark, Ultrasonics 13, 251 (1975)., 7[7] W.J. Xie, C.D. Cao, Y.J. Lü, Z. Y. Hong and B. Wei, Applied Physics Letters 89, 214102 (2006).].

Um dos métodos de levitação mais conhecidos é a levitação magnética [2[2] F.L. Silveira e R. Axt, Revista Brasileira de Ensino de Física 25, 81 (2003)., 8[8] F.S. Rocha e H.A. Fraquelli, Revista Brasileira de Ensino de Física 26, 11 (2004).]. Na maioria dos casos, campos magnéticos são utilizados para levitar objetos metálicos, mas campos magnéticos intensos também podem ser utilizados para levitar materiais não magnéticos, como gotas de água por exemplo. Um experimento clássico de levitação magnética foi realizado pelo físico Andre Geim, que utilizou um campo magnético de aproximadamente 16 T para levitar um sapo [9[9] M.V. Berry and A.K. Geim, European Journal of Physics 18, 307 (1997)., 10[10] A. Geim, Physics Today 51, 36 (1998).]. Devido a este experimento, Andre Geim recebeu o prêmio Ig Nobel em 2000. Dez anos mais tarde, recebeu o prêmio Nobel em física por ter realizado estudos com o grafeno [11[11] K.S. Novoselov, A.K. Geim, S.V. Morozov, D. Jian, Y. Zhang, S.V. Dubonos, I. V. Grigorieva and A.A. Firsov, Science 306, 666 (2004).], tornando-se a única pessoa no mundo a ter conseguido ganhar um prêmio Ig Nobel e um prêmio Nobel.

Outra maneira de levitar partículas é através da levitação ótica [4[4] A. Ashkin and J.M. Dziedzic, Applied Physics Letters 19, 283 (1971).]. A levitação ótica é baseada no fato de que uma onda eletromagnética pode exercer uma pressão de radiação em uma superfície. Como a luz é uma onda eletromagnética, ela também exerce uma pressão de radiação ao atingir uma superfície. Apesar de a força exercida pela luz ser desprezível na grande maioria dos casos, ela pode ter importantes consequências práticas. Por exemplo, a força de radiação solar, apesar de ser pequena em relação à força gravitacional, pode ser grande o suficiente para alterar a órbita de um satélite [12[12] R.W. Parkinson, H.M. Jones and I. I. Shapiro, Science 131, 920 (1960). ]. Para levitar e manipular pequenas partículas a partir de ondas eletromagnéticas são empregados feixes de lasers focalizados. Os dispositivos utilizados para levitar e manipular partículas utilizando luz são chamados de pinças óticas [5[5] D. McGloin, Transactions of the Royal Society A: Mathematical, Physical and Engineering Sciences 364, 3521 (2006).]. Numa incrível demonstração da técnica, foi utilizada uma pinça ótica para recriar o jogo Tetris num microscópio [13[13] Real-Life Tetris Under a Microscope, Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=jCdnBmQZ6_s, acesso em 10/09/2014.
https://www.youtube.com/watch?v=jCdnBmQZ...
]. Nesta demonstração, as peças do Tetris são formadas por 42 esferas de vidro de 1 μm de diâmetro, e é utilizado um feixe de laser para movimentar as peças.

Uma terceira possibilidade é levitar partículas utilizando campos eletrostáticos [3[3] A.J. Rulison, J.L. Watkins and B. Zambrano, Review of Scientific Instruments 69, 2856 (1997)., 14[14] W.K. Rhim, S.K. Chung, D. Barber, K.F. Man, G. Gutt, A. Rulison and R.E. Spjut, Review of Scientific Instruments 64, 2961 (1993).]. Na levitação eletrostática, partículas eletricamente carregadas são suspensas pela força eletrostática entre a partícula e os eletrodos do levitador. Um dos experimentos mais famosos envolvendo levitação eletrostática é o da gota de óleo de Millikan [15[15] N. Veissid, L.A. Pereira e A.F.V. Peña, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 1302 (2014).], no qual foi utilizado um par de eletrodos para suspender gotículas de óleo carregadas em ar e, com isso, determinar a carga elementar do elétron.

Além dos métodos descritos anteriormente, também existe a técnica de levitação acústica [16[16] E.H. Brandt, Nature 413, 474 (2001).], na qual uma pequena partícula pode ser suspensa em ar pela força de radiação acústica gerada por uma onda estacionária. Esta técnica pode ser utilizada para levitar tanto partículas sólidas como gotas de líquidos, e não é necessário que a partícula a ser levitada seja magnética ou esteja eletricamente carregada. A Fig. 1 apresenta a levitação acústica de uma esfera de polipropileno de 4 mm de diâmetro. Apesar de a levitação acústica parecer algo mágico, de difícil compreensão, podemos utilizar conceitos básicos de física para explicar o princípio de funcionamento de um levitador acústico. A levitação acústica também pode ser uma ótima ferramenta para motivar estudantes de graduação nas aulas de física.

Figura 1
Levitação acústica de uma esfera de polipropileno de 4 mm de diâmetro.

Neste trabalho é apresentado o princípio de funcionamento de um levitador acústico e são utilizados conhecimentos básicos de física para determinar a força de radiação acústica que atua numa partícula esférica. Para finalizar, abordaremos uma questão bastante intrigante: É possível levitar uma pessoa utilizando levitação acústica?

2. Onda estacionária em um tubo fechado em ambas as extremidades

A levitação acústica de partículas ocorre por causa da força de radiação acústica produzida por uma onda estacionária. Ondas estacionárias podem ser observadas em uma corda de violão [17[17] E.M. Santos, C. Molina e A.P.B. Tufaile, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 2507 (2013).19[19] A. Kandus, F.W. Gutmann e C.M.C. Castilho, Revista Brasileira de Ensino de Física 28, 427 (2006).] ou em um tubo ressonante [20[20] L.P. Vieira, D.F. Amaral e V.O.M. Lara, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 1504 (2014).]. Em uma corda de violão, a onda é transversal, enquanto que no tubo ressonante, a onda é do tipo longitudinal. Assim como num tubo ressonante, a onda estacionária em um levitador acústico também é do tipo longitudinal, e seu comportamento pode ser descrito pelas mesmas equações que descrevem uma onda estacionária num tubo com ambas as extremidades fechadas. A Fig. 2 apresenta 3 tubos de diferentes comprimentos. Para que ocorra uma onda estacionária no interior do tubo fechado é necessário que o comprimento L do tubo seja múltiplo de meio comprimento de onda, ou seja

(1)L=nλ2=nc2f,
onde n = 1, 2, 3 ... é um número inteiro, c é a velocidade de propagação da onda, f é a frequência e λ é o comprimento de onda. Nas extremidades do tubo, a amplitude de pressão é máxima e a velocidade das partículas é zero.

Figura 2
Onda estacionária em tubos com as extremidades fechadas.

Considerando a hipótese de onda plana, a onda estacionária pode ser descrita pela pressão acústica, dada por

(2)p(z,t)=Acos(ωt)cos(kz),
onde ω = 2πf é a frequência angular, k = ω/c é o número de onda e A é a amplitude de pressão da onda. Devido à hipótese de onda plana, a pressão acústica depende somente da posição axial z e do tempo t. A onda estacionária descrita pela Eq. (2) também pode ser obtida através da superposição de duas ondas progressivas de amplitude A/2 que se propagam em sentidos opostos.

Além de utilizar a pressão acústica para descrever a onda, podemos também descrever a onda estacionária através da velocidade das partículas do meio. Conhecendo a pressão acústica p é possível obter o vetor velocidade uatravés da equação de Euler linearizada [21[21] L.E. Kinsler, A.R. Frey, A.B. Coppens and J.V. Sanders, Fundamentals of Acoustics, (John Widely & Sons, New Jersey, 1982).]

(3)ρut=p,
onde ρ é a densidade do meio. Para o caso da onda estacionária descrita pela Eq. (2), as partículas do meio só apresentam movimento na direção z. Assim, substituindo a pressão p, dada pela Eq. (2), na Eq. (3), obtém-se a velocidade das partículas uz na direção z
(4)uz(z,t)=Aρcsen(ωt)sen(kz).

Comparando-se as Eqs. (2) e (4) é possível observar que, para as posições onde a pressão acústica é máxima, a velocidade das partículas é zero. Analogamente, nota-se que, para as posições onde a velocidade das partículas é máxima, a pressão é mínima. Isso mostra que os nós de pressão da onda estacionária aparecem nas mesmas posições que os anti-nós de velocidade, e vice-versa, como mostrado na Fig. 2.

3. Levitador acústico de um único eixo

A maioria dos levitadores acústicos consiste basicamente de um transdutor de ultrassom e de um refletor, que são separados por uma distância L. Esse tipo de levitador é chamado de levitador de único eixo (single-axis levitator) [22[22] W.J. Xie and B. Wei, Physical Review E 66, 026605 (2002)., 23[23] M.A.B. Andrade, F. Buiochi and J.C. Adamowski, IEEE Transactions on Ultrasonics, Ferroelectrics, and Frequency Control 57, 469 (2010).] e está ilustrado na Fig. 3. O transdutor é responsável pela geração da onda acústica e seu funcionamento é parecido com o de um autofalante. Quando um sinal elétrico senoidal é aplicado ao transdutor, sua face vibra também de forma senoidal, empurrando as moléculas de ar para frente e para trás. Este movimento faz com que seja produzida uma onda acústica, que se propaga no meio com uma velocidade de propagação c. A principal diferença entre um transdutor de ultrassom e um autofalante é que este último foi projetado para operar na faixa de frequência audível (entre 20 Hz e 20 kHz), enquanto que um transdutor de ultrassom é projetado para operar em frequências superiores a 20 kHz. Apesar de ser possível construir um levitador acústico que opere na faixa audível, a intensidade do som necessária para levitar a partícula é tão alta, que pode danificar o ouvido humano. Por essa razão, os levitadores acústicos costumam ser projetados para operar numa frequência superior a 20 kHz.

Figura 3
Levitador acústico de um único-eixo. A distância de separação entre o transdutor e o refletor deve ser aproximadamente igual a um múltiplo inteiro de meio comprimento de onda.

Da mesma forma que num tubo de extremidades fechadas, a ressonância é obtida quando a distância L entre o transdutor e o refletor é ajustada para um múltiplo de meio comprimento de onda. Apesar de a face do transdutor apresentar um comportamento oscilatório, a hipótese de deslocamento nulo na face do transdutor é uma excelente aproximação, permitindo determinar corretamente as posições dos nós e dos anti-nós da onda estacionária. Na ressonância, é produzida uma onda estacionária de elevada amplitude de pressão, que é capaz de empurrar pequenas partículas para os nós de pressão da onda estacionária. A Fig. 3apresenta uma ilustração da onda estacionária no interior do levitador acústico. Nesta figura, a distância de separação entre o transdutor e o refletor corresponde a 3/2 de λ, o que produz três nós de pressão entre o transdutor e o refletor.

4. Força de radiação acústica em uma esfera

Para levitar uma partícula usando ondas estacionárias, é necessário que a força de radiação acústica que atua na partícula seja suficientemente elevada para compensar a força gravitacional. A força que uma onda estacionária exerce em uma partícula esférica de raio muito menor do que o comprimento de onda pode ser calculada a partir da teoria de Gor’kov [24[24] L.P. Gor'kov, Soviet Physics Doklady 6, 773 (1962)., 25[25] M. Barmatz and P. Collas, Journal of the Acoustical Society of America 77, 928 (1985).]. De acordo com esta teoria, a força que uma onda estacionária exerce em uma partícula esférica de raio R é conservativa e pode ser calculada a partir do potencial U, dado por [24[24] L.P. Gor'kov, Soviet Physics Doklady 6, 773 (1962)., 25[25] M. Barmatz and P. Collas, Journal of the Acoustical Society of America 77, 928 (1985).]

(5)U=2πR3[p23ρc2ρu22],
onde o símbolo 〈〉 representa a média temporal. A força de radiação acústica produzida por uma onda estacionária empurra a partícula para as regiões de mínimo potencial U. Isso significa que a onda empurra a partícula para as posições de mínima amplitude de pressão acústica e para as posições de máxima amplitude de velocidade (princípio de Bernoulli). A Eq. (5) é válida quando a densidade da esfera é muito maior do que a do fluido ao redor da esfera, e também é considerado que a compressibilidade da esfera é muito menor do que a do fluido. Para o caso de partículas sólidas em ar, estas duas condições são quase sempre satisfeitas. Dado o potencial U, a força de radiação acústica F que atua na partícula esférica é dada por
(6)F=U.

Na Eq. (5), o símbolo 〉 〈representa a média temporal. Como as funções p2 e u2 são funções periódicas, podemos calcular a média temporal através da integração ao longo de um período T. Dessa foma,

(7)p2=1T0Tp2dt=1T0T[Acos(ωt)cos(kz)]2dt=12[Acos(kz)]2,
(8)u2=1T0Tuz2dt=1T0T[Aρcsen(ωt)sen(kz)]2dt=12[Aρcsen(kz)]2.

Substituindo os resultados das Eqs. (7) e (8) na Eq. (5), obtém-se o potencial da força de radiação acústica

(9)U=πR3A2ρc2[cos2(kz)3sen2(kz)2].

Finalmente, a força de radiação acústica que atua numa esfera de raio R é obtida através da substituição da Eq. (9) na Eq. (6)

(10)Fz=Uz=5πR3A2k6ρc2sen(2kz).

Como o potencial dado pela Eq. (9) não depende das posições x e y, a força só depende da coordenada espacial z e a força de radiação acústica só apresenta uma componente não nula na direção z.

A relação entre a pressão acústica p(z), a velocidade das partículas uz(z), o potencial U e a força de radiação acústica Fz(z) que atua numa esfera é ilustrada na Fig. 4. Os gráficos das Figs. 4(a), 4(b), 4(c) e 4(d) foram obtidos a partir das Eqs. (2), (4), (9) e (10), respectivamente. Desprezando a influência da gravidade, pequenas partículas são levitadas nas posições de mínimo potencial U. Essas posições são denominadas pontos de equilíbrio estável, pois a força de radiação acústica é uma força restauradora que empurra a partícula para a posição de equilíbrio. É interessante notar que os mínimos de potencial ocorrem nas mesmas posições que os nós de pressão da onda estacionária e dos anti-nós de velocidade. O gráfico da Fig. 4 também mostra que diferentes partículas podem ser levitadas em diferentes nós de pressão da onda, sendo que os nós estão separados por uma distância de meio comprimento de onda.

Figura 4
Relação entre a pressão acústica, velocidade das partículas e a força de radiação acústica em um levitador acústico: (a) Pressão acústica; (b) Velocidade das partículas na direção z; (c) Potencial da força de radiação acústica; (d) Força de radiação acústica na direção z.

Para levitar uma partícula, é necessário que a amplitude de pressão A da onda estacionária seja suficientemente elevada. Podemos utilizar a Eq. (10) para determinar qual a amplitude de pressão mínima para levitar uma partícula. Para isso, vamos considerar uma partícula esférica de raio R e densidade ρesf. Neste caso, a força gravitacional Fg que atua na esfera é dada por

(11)Fg=mg=43πR3ρesfg.

Desprezando o empuxo e levando em conta as Eqs. (10) e (11), a mínima amplitude de pressão Amin é obtida a partir da relação

(12)5πR3Amin2k6ρc243πR3ρesfg.

Portanto, para levitar uma esfera de densidade ρesf, a amplitude de pressão da onda estacionária deve ser maior do que Amin, ou seja

(13)Amin85ρesfρc2gk.

A Eq. (13) mostra que a amplitude de pressão Amin é independente do raio da esfera. Isto ocorre porque tanto a força gravitacional quanto a força de radiação acústica que atuam na esfera crescem com o cubo do raio. Como exemplo, vamos determinar a mínima amplitude necessária para levitar uma esfera de densidade ρesf = 1000 kg/m3. Considerando um levitador acústico de frequência 20 kHz que opera em ar (ρ = 1,2 kg/m3, c = 340 m/s) e uma aceleração da gravidade g = 9,8 m/s2, a amplitude mínima calculada através da Eq. (13) corresponde a 2426 Pa, ou aproximadamente 158 dB. Essa intensidade é mais elevada do que a produzida pelas turbinas de um avião a jato (em torno de 140 dB). Felizmente, os levitadores acústicos normalmente operam numa frequência acima do limite audível.

5. Analogia de um levitador acústico com um sistema massa mola

Nas Figs. 4(c) e 4(d) é possível observar que na vizinhança de uma posição de mínimo potencial U, a força de radiação acústica Fz se assemelha com a força restauradora de uma mola [25[25] M. Barmatz and P. Collas, Journal of the Acoustical Society of America 77, 928 (1985).]. Por causa disso, podemos fazer uma analogia da levitação acústica com um sistema massa mola. Uma mola ideal obedece à lei de Hooke e seu potencial é dado por

(14)U(z)=Kz22,
onde K é a constante elástica da mola e a posição de equilíbrio ocorre em z = 0. Quando a mola é esticada ou comprimida, a energia potencial armazenada na mola cresce com o quadrado da distância. Conhecendo-se o potencial U, pode-se utilizar a Eq. (6) para calcular a força Fz produzida pela mola
(15)Fz(z)=Uz=Kz.

A constante elástica K da mola também pode ser obtida a partir do potencial U, por meio da relação

(16)K=2Uz2.

Utilizando a Eq. (16), é possível associar uma constante elástica K a cada um dos mínimos de potencial do levitador, que é válido para pequenos deslocamentos em torno da posição de equilíbrio. Para isso, devemos substituir o potencial U, dada pela Eq. (9), na Eq. (16). O potencial U(z) dado pela Eq. (9) não é parabólico na vizinhança de um ponto de mínimo, mas podemos aproximá-lo por uma parábola através da aproximação por séries de Taylor. Dessa forma, a constante elástica K, válida em torno das posições de mínimo potencial U, é calculada através de

(17)K=5πR3A2k23ρc2.

A Eq. (17) mostra que a constante elástica efetiva K aumenta com o quadrado da amplitude de pressão A. Na Eq. (17), é preciso tomar cuidado para não confundir a constante elástica Kcom o número de onda k = 2π/λ. A Fig. 5 ilustra a analogia entre a levitação acústica de uma partícula de massa m com um sistema massa mola. Devido à gravidade, a levitação da partícula ocorre numa posição ligeiramente abaixo do nó de pressão da onda estacionária. A distância entre a posição de levitação e a posição do nó de pressão depende da amplitude da onda estacionária, e pode ser calculada facilmente a partir da Eq. (15) e utilizando o valor de K dado pela Eq. (17).

Figura 5
Analogia da levitação acústica com um sistema massa mola.

6. Resultados e discussão

A Fig. 6 apresenta a levitação acústica de pequenas esferas de isopor utilizando um levitador acústico de eixo-simples. O levitador consiste de um transdutor de ultrassom de 24,3 kHz e de um refletor plano. Considerando uma velocidade de propagação da onda em ar de 340 m/s e uma frequência de 24,3 kHz, obtém-se um comprimento de onda de 14,0 mm, e consequentemente, meio comprimento de onda equivale a 7,0 mm. Na Fig. 6, as esferas de isopor estão separadas por uma distância de aproximadamente meio comprimento de onda e estão localizadas próximas aos nós de pressão da onda estacionária.

Figura 6
Levitação acústica de pequenas esferas de isopor utilizando um levitador acústico de 24,3 kHz.

Cada partícula da Fig. 6 está levitando numa posição de mínimo potencial (equilíbrio estável). Se uma perturbação externa alterar a posição de uma partícula, a onda estacionária irá aplicar uma força restauradora de tal forma a reestabelecer a posição original. Como em torno da posição de equilibrio a força restauradora é similar à força restauradora de uma mola, a partícula apresenta um movimento harmônico amortecido após ser deslocada de sua posição de equilíbrio.

A Fig. 7 apresenta o movimento vertical de uma esfera de polipropileno de 1,5 mm de raio em um levitador acústico que opera numa frequência de 20340 Hz. Esse movimento da esfera foi obtido experimentalmente com uma câmera de alta velocidade operando numa taxa de 500 quadros por segundo. Os detalhes do levitador acústico utilizado e o procedimento para adquirir o movimento da esfera foram descritos num estudo anterior [26[26] N. Pérez, M.A.B. Andrade, R. Canetti and J.C. Adamowski, Journal of Applied Physics 116, 184903 (2014).]. A Fig. 7 mostra claramente que a esfera apresenta um movimento harmônico amortecido e a frequência de oscilação da esfera é de aproximadamente 31 Hz. A partir da frequência de oscilação e da massa da esfera (12,2 mg) podemos determinar a constante elástica Katravés de

(18)ω=KmK=m(2πf)2.

Figura 7
Movimento harmônico amortecido de uma partícula esférica em um levitador acústico. O gráfico mostra a posição vertical de uma esfera em função do tempo obtido experimentalmente com uma câmera de alta velocidade. O intervalo de tempo entre dois pontos consecutivos é de 2 ms.

Utilizando a frequência f de 31 Hz e uma massa de 12,2 mg, obtemos uma constante elástica K de 0,46 N/m. É importante salientar que a frequência f na Eq. (18) é a frequência de oscilação do centro de massa da esfera e não a frequência da onda ultrassônica.

A partir da constante elástica K, podemos utilizar a Eq. (17) para calcular a amplitude de pressão A da onda estacionária

(19)A=3ρc2K5πR3k2.

Considerando uma velocidade de propagação no ar de 340 m/s, uma densidade do ar de 1,2 kg/m3 e que a frequência da onda ultrassônica é igual a 20340 Hz, obtém-se uma amplitude de pressão de 5055 Pa, que corresponde a uma intensidade sonora de 165 dB. Essa amplitude é bastante elevada e pode provocar o estouro do tímpano se a frequência da onda estivesse na região audível. Na frequência de 20340 Hz, o comprimento de onda no ar é igual a 16,7 mm. Tipicamente, podem ser levitadas partículas com tamanhos de até cerca de um quarto de comprimento de onda, o que limita o tamanho máximo das partículas a serem levitadas a cerca de 4 mm para o levitador de 20340 Hz. Uma forma de levitar objetos maiores é através da diminuição da frequência de operação do levitador, mas isso fará com que o levitador opere na região audível, podendo causar sérios danos ao tímpano, já que para ocorrer levitação acústica é necessário trabalhar com intensidades bem elevadas.

Para finalizar, vamos voltar à pergunta inicial: É possível levitar uma pessoa utilizando a técnica de levitação acústica? Em princípio sim, mas para levitar objetos maiores é necessário que o comprimento de onda seja consideravelmente maior que o tamanho da pessoa, o que faria com que a frequência da onda acústica entrasse na faixa audível. Como as amplitudes envolvidas na levitação são bastante elevadas, isso poderia afetar permanentemente a audição, uma vez que as intensidades envolvidas na levitação costumam ser da ordem de 160 dB. Se fossemos Liliputianos [27[27] L.R.M. Carvalho, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 4304 (2013)., 28[28] J. Swift, As Viagens de Gulliver (Atica, São Paulo, 2003).], talvez tivéssemos a oportunidade de flutuar utilizando levitação acústica, uma vez que é possível levitar pequenos insetos através da técnica de levitação acústica [7[7] W.J. Xie, C.D. Cao, Y.J. Lü, Z. Y. Hong and B. Wei, Applied Physics Letters 89, 214102 (2006).].

7. Considerações finais

Apresentamos o princípio básico de funcionamento de um levitador acústico de um único eixo, onde mostramos como utilizar as equações básicas de acústica para determinar a força de radiação acústica que atua numa esfera rígida de raio muito menor do que o comprimento de onda. Mostramos também que na levitação acústica, a partícula apresenta um comportamento muito similar a um sistema massa-mola, e quando uma partícula é retirada de sua posição de equilíbrio ela pode apresentar um movimento harmônico amortecido. A levitação acústica também pode ser um ótimo exemplo para motivar os estudantes de primeiro ano de graduação em cursos de física, pois é possível aplicar os conceitos de ondas estacionárias, oscilações e energia potencial, para determinar a força de radiação acústica que atua numa partícula esférica em um levitador acústico.

Agradecimentos

Nós gostaríamos de agradecer ao CNPq, FAPESP, CAPES e Petrobras/ANP pelos auxílios à pesquisa.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    24 Nov 2014
  • Aceito
    19 Dez 2014
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