Acessibilidade / Reportar erro

A física no salto recorde de Felix Baumgartner

(Felix Baumgartner’s record jump and the Physics)

Resumos

Em 14/10/2012 Felix Baumgartner fez seu salto recorde na atmosfera. A partir do vídeo que apresenta medidas de tempo, velocidade, altitude e aceleração durante todo o salto recorde são discutidos diversos aspectos da Mecânica envolvida no feito bem com tópicos de física da Atmosfera Terrestre, relevantes para a compreensão do movimento de descida desde a estratosfera. Além dos três recordes mundialmente reconhecidos - maior altitude inicial, maior extensão de queda e obtenção de velocidade supersônica por um paraquedista - demonstra-se quantitativamente que também ocorreu queda livre, com aceleração em acordo com o valor previsto teoricamente pela International Gravity Formula, durante mais de 20 s, por mais de 3 km, constituindo-se certamente em outro recorde. Apresenta-se também um modelo para a velocidade na etapa de descida sem paraquedas que é consistente com os dados do vídeo.

salto recorde; gravidade; atmosfera; resistência do ar


In 14/10/2012 Felix Baumgartner made his record jump into the atmosphere. A video registered measurements of time, speed, altitude and acceleration during all the motion. These data allowed many considerations about Mechanics and Atmosphere Physics related to the event. Beyond the three worldwide known records that were broken with this jump (initial altitude, extensive of the fall, and the first reaching of a supersonic speed in the jump without a parachute), it is demonstrated in this paper that it has also been broken a record of free fall with acceleration, in accordance with the International Gravity Formula, during a time of more than 20 s and along an extension of about 3 km. It is also developed a model for the speed during the jump without parachute, consistent with the data collected in the video.

record jump; gravity; atmosphere; air resistance


1. Introdução

No dia 14 de outubro de 2012, Felix Baumgartner2 2 http://en.wikipedia.org/wiki/Red_Bull_Stratos, http://en.wikipedia.org/wiki/Felix_Baumgartner - Acessados em 05/01/2014. saltou, jogando-se sobre o Novo México3 3 Para subir até o local do início do salto, em aproximadamente 2,5 h, foi utilizado um balão com 850 milhões de metros cúbicos de hélio em uma cápsula pressurizada, sendo a massa total do equipamento 3.200 kg. da altitude de 38,97 km, batendo o recorde4 4 Este artigo se encontrava quase pronto quando surgiu a notícia de uma nova quebra de recorde por Alan Eustace, saltando de 41,5 km de altitude em 24/10/2014 (http://www.nytimes.com/2014/10/25/science/alan-eustace-jumps-from-stratosphere-breaking-felix-baumgartners-world-record.html?_r=0- Acessado em 26/10/2014). em altitude estabelecido em 16 de agosto de 1960 por Joseph Kittinger5 5 http://pt.wikipedia.org/wiki/Joseph_Kittinger-Acessadoem05/01/2014. de 31,30 km.

Outro recorde foi batido por Felix Baumgartner (apelidado de Felix Fearless) durante a queda. Ele foi o primeiro paraquedista a se mover com velocidade supersônica apenas usando a gravidade como propulsora. Atingiu, após uma queda de 11,1 km (a 27,8 km de altitude) em 50 s, a fantástica velocidade supersônica de 1363 km/h (379 m/s).

O terceiro recorde batido neste salto foi o de extensão total de queda. Ele desceu 37,60 km em 9,0 min. O término da descida aconteceu no Novo México a 1,37 km de altitude.

A “queda livre” (entenda-se queda com o paraquedas fechado) durou 4 min 22 s, 17 s inferior à “queda livre” de Joseph Kittinger. Apesar de a duração da “queda livre” de Baumgartner ser 17 s menor do que a duração da “queda livre” do Kittinger, a extensão total de queda foi de 36,40 km, excedendo em muito os 25,80 km de queda de Kittinger.

Diversos artigos em língua inglesa sobre o salto do Felix Baumgartner foram publicados recentemente [1[1] J.M. Colino and A.J. Barbero, Eur. J. Phys. 34, 841 (2013).3[3] J.M. Colino, A.J. Barbero and F.J. Tapiador, Phys. Tod. 67, 64 (2014).], entretanto em português não temos conhecimento. O objetivo deste artigo é discutir alguns temas da física envolvida no salto recorde, analisando também dados reais sobre a queda a partir de um vídeo oficial do projeto Red Bull Stratos. Na última seção apresentamos um modelo quantitativo para a etapa de queda com o paraquedas fechado, posterior ao momento em que a máxima velocidade foi atingida. Mostramos, com auxílio do Método dos Mínimos Quadrados (MMQ), que o modelo adere razoavelmente aos dados obtidos do vídeo.

2. Pressão atmosférica, densidade e temperatura do ar são dependentes da altitude

A pressão atmosférica diminui com o aumento da altitude em relação ao nível do mar. Essa diminuição era uma previsão de Pascal (1623–1662) a partir da sua hipótese do “oceano de ar”: assim como a pressão no interior de uma piscina diminui conforme se sobe dentro da água, assim também a pressão atmosférica deve diminuir ao aumentar a altitude. O célebre experimento na montanha de Puy de Dôme na França em 1647, onde um primo de Pascal realizou cuidadosas medidas da pressão atmosférica enquanto subia pela montanha, corroboraram a previsão e permitiram observar uma variação de cerca de 8 cm na coluna de mercúrio do barômetro ao passar do pé para o topo da montanha (a altura da montanha é de cerca 1,5 km).

A diminuição da pressão atmosférica é concomitante com a diminuição da densidade do ar. Entretanto estas variações também dependem da temperatura do ar. A Fig. 1 apresenta as curvas que relacionam a pressão atmosférica e a densidade do ar com a altitude. Os estudos promovidos pela United States Air Force sobre a atmosfera nos anos 70 culminaram na obra U.S. Standard Atmosphere 1976.6 6 https://docs.google.com/file/d/0B2UKsBO-ZMVgQV83S2loaGs4dnc/edit- Acessado em 05/01/2014. Tabelas com os valores numéricos para as três variáveis são encontradas em diversos endereços, por exemplo http://www.braeunig.us/space/atmos.htm - Acessado em 05/01/2014 que fornece dados padrão sobre diversas variáveis. Foi a partir desses dados que os gráficos da Fig. 1 foram construídos.

Figura 1
Densidade do ar e pressão atmosférica em função da altitude.

As expressões que seguem, obtidas por regressão (MMQ), reproduzem, com coeficiente de determinação superior a 0,99, as medidas de densidade d (em kg/m3) e de pressão atmosférica p (em Pa) em função da altitude (h em km) a partir dos quais as curvas da Fig. 1 foram construídas.

(1)d=1,225eh/8,882,
(2)p=1.0113×105eh/7,502.

Para a altitude de onde se iniciou o salto (39 km), de acordo com a Fig. 1, os valores da pressão atmosférica e da densidade do ar são inferiores a 1% dos valores que elas apresentam ao nível do mar.

Como é bem sabida, a sobrevivência de um homem em altitudes elevadas somente é possível se ele estiver em um ambiente que mantém a pressão em níveis compatíveis com a perfeita oxigenação, prevenindo a hipóxia e anóxia devidas à baixa pressão parcial de oxigênio. Assim o traje de astronauta usado por Felix, pressurizado e isolado termicamente, com massa de 17 kg, o protegeu contra as baixas pressões e temperaturas enfrentadas durante a descida. A Fig. 2 representa, a partir dos dados U.S. Standard Atmosphere 1976, a variação da temperatura padrão na atmosfera com a altitude.

Figura 2
Temperatura atmosférica padrão em função da altitude.

Nota-se no gráfico da Fig. 2 que a temperatura na atmosfera não varia de maneira monotônica com a altitude, encontrando-se na maior parte da descida de Felix em valores incompatíveis com a sobrevivência humana. Observa-se que logo no início da queda (39 km de altitude) a temperatura é próxima de 250 K, mas atinge menos de 220 K entre 20 km e 11 km de altitude.

3. Aceleração de queda livre durante o salto

Uma questão relevante, relacionada ao salto de Felix Baumgartner, diz respeito ao valor da aceleração de queda livre g (aceleração gravitacional) ao iniciar-se a descida. Uma das versões da International Gravity Formula7 7 6http://en.wikipedia.org/wiki/Gravity_of_Earth- Acessado em 04/01/2014. de 1967 nos permite obter o valor8 8 O leitor interessado em uma discussão detalhada e didática sobre o cálculo da aceleração da gravidade deve consultar o artigo da Ref. [4]. de g em m/s2, a partir da latitude λem graus e da altitude h em metros do ponto considerado na Terra, pela expressão

(3)g=9,780327.(1+0,0053024.sen2λ0,0000058.sen22λ)3,086.106h.

De acordo com o verbete da Wikipedia, intitulado Red Bull Stratos,9 9 http://en.wikipedia.org/wiki/Red_Bull_Stratos- Acessado em 06/01/2014. o salto aconteceu sobre o Novo México (EUA) na latitude 33,3°. A Eq. (4) com λ = 33,3 fornece ao nível do mar (h = 0) uma aceleração de queda livre de 9,795 m/s2 e na altitude em que se iniciou o salto (h = 38970 m) 9,675 m/s2. Na altitude onde o salto terminou (h = 1397 m) encontra-se 9,791 m/s2.

Desta forma durante todo o salto a aceleração gravitacional varia cerca de 1% apenas.

4. O vídeo sobre o salto

Existe um vídeo, realizado a partir das três filmagens feitas pelas câmeras que Felix Baumgartner levou durante o salto, intitulado Red Bull Stratos FULL POV - Multi-Angle + Mission Data,10 10 http://www.youtube.com/watch?v=raiFrxbHxV0 - Acessado em 24/10/2013. apresentando também, de maneira contínua, os valores em diversos instrumentos de medida utilizados no salto. O vídeo informa durante todo o salto o tempo de queda, a velocidade em relação ao ar, a altitude e as leituras em um acelerômetro, além de outros dados, inclusive pressão arterial e freqüência cardíaca do paraquedista.

Este vídeo teve todos os seus quadros separados em 16902 imagens, possibilitando assim a visualização de qualquer quadro em um editor de imagens. A partir dessas imagens foi possível a apropriação das informações como variáveis em uma planilha de dados do pacote estatístico IBM SPSS 20.0. As diversas análises de regressão apresentadas nas seções seguintes - bem como as equações de regressão (MMQ) da seção II e todos os gráficos - foram efetivadas com o referido pacote estatístico.

5. A queda livre de Felix Baumgartner

Conforme notado anteriormente o conceito de “queda livre” dos paraquedistas é diverso do conceito usualmente atribuído pelos físicos. Os paraquedistas designam por “queda livre” a etapa do salto na qual o paraquedas ainda não foi acionado. No jargão da física a queda livre designa que as forças de resistência no corpo cadente podem ser desprezadas e que, portanto, a aceleração que o corpo sofre é a aceleração gravitacional (no caso de corpos próximos à superfície da Terra tal aceleração tem o valor calculado pela Eq. (3)) com excelente aproximação.

Entre os dispositivos carregados no traje de Felix havia acelerômetros e as medidas do acelerômetro (denominadas g vertical, g laterale g longituginal) estão disponíveis nas informações do vídeo sobre o salto. Nos segundos que antecedem o instante t = 0 no vídeo (em t = 0 se inicia o salto) as medidas do acelerômetro são g vertical = 1 e as outras duas nulas, isto é, elas indicam que no sistema de referência do próprio acelerômetro é detectável a gravidade. Um pouco depois do início do salto (t = 1 s) as três medidas são nulas e assim permanecem até cerca de t = 26 s.

A interpretação destas medidas é de que, no sistema de referência dos acelerômetros, não são detectáveis forças, isto é, o paraquedista se encontra em situação de imponderabilidade pois está caindo e sofrendo, no sistema de referência da Terra, uma aceleração que é, dentro dos limites de sensibilidade do acelerômetro, igual à aceleração de queda livre. Como já calculado pela Eq. (3) este valor no início do salto é 9,675 m/s2. A partir de t = 26 s as medidas nos acelerômetros são diferentes de zero, indicando que, no sistema de referência do paraquedista, a situação de imponderabilidade terminou, significando que a aceleração de queda do Felix no sistema de referência da Terra não é mais igual à aceleração da gravidade local. Até t = 26 s o paraquedista caiu cerca de 3,3 km e a Eq. (3), para a altitude de 35,7 km (altitude em t = 26 s), fornece 9,685 m/s2. Ou seja, durante esta etapa da queda a aceleração da gravidade é cerca de 9,68 m/s2.

A partir dos registros nos quadros do vídeo foram obtidas as medidas de velocidade na queda desde t = 0 até t = 58 s, representadas no gráfico da Fig. 3. Em t = 50 s aconteceu a máxima velocidade de queda, portanto neste momento foi batido o recorde de velocidade, sendo o seu valor 1363 km/h (379 m/s). Este recorde será discutido em outra seção.

Figura 3
Velocidade em função do tempo de queda e reta dos mínimos quadrados até t = 25 s.

Para fazer uma estimativa da aceleração de queda livre, a partir das informações representadas no gráfico da Fig. 3, procedeu-se o ajuste de uma reta para os pontos representados entre t = 1,0 s e t = 25 s. Os primeiros dois pontos foram ignorados pois até 1,0 s as medidas do acelerômetro ainda não se encontravam zeradas. Como em t = 26 s o acelerômetro apresentava novamente medidas não nulas, resolveu-se considerar neste ajuste os pontos experimentais até 25 s (a sensibilidade do acelerômetro era 0,1 g).

A equação da reta MMQ para os pontos em questão apresentou um coeficiente de determinação de 0,9995 e resultou em

(4)v=9,65t+1,0.

A incerteza no parâmetro que representa a aceleração (9,65 m/s2) resultou em 0,03 m/s2. A incerteza no parâmetro independente, representando a velocidade em t = 0 s (1,0 m/s) resultou em 0,5 m/s.

Desta forma a aceleração obtida dos dados de velocidade e tempo (9,65 m/s2) está, dentro dos limites de incerteza experimental, em acordo com a Eq. (3) pois esta fornece uma aceleração de queda livre com valor de cerca de 9,68 m/s2 no início da queda (conforme discutido anteriormente).

Outro recorde que certamente foi batido por Felix Baumgartner, não mencionado nas publicações da internet sobre a façanha, é o de queda livre. A queda vertical de um paraquedista durando mais de 20 s e por mais de 3 km, com a aceleração de queda coincidindo com a aceleração gravitacional, somente foi possível na circunstância excepcional deste salto. O ar naquela altitude de 39 km é extremamente rarefeito, conforme indica o gráfico da figura, sendo a sua densidade menor do que 1% da densidade ao nível do mar. Este recorde de queda livre real não pode ser confundido com o recorde de “queda livre” (queda com o paraquedas fechado) de 4 min 49 s ainda detido por Joseph Kittinger desde 1960 pois, conforme destacado na introdução, faltaram para Felix Baumgartner batê-lo mais 17 s de queda.

6. O recorde de velocidade supersônica

Transcorridos 50 s de queda, já tendo descido 11,12 km, portanto na altitude de 27,85 km, Felix Baumgartner quebrou mais um recorde, atingindo a fantástica velocidade supersônica de 1363 km/h (379 m/s).

Dali para diante a velocidade começou a se reduzir lentamente como vemos no gráfico da Fig. 4, representando a velocidade em função do tempo até um pouco depois da abertura do paraquedas, cerca de 4 min 22 s (262 s) de “queda livre”.

Figura 4
Velocidade em função do tempo desde o início da queda até um pouco depois da abertura do paraquedas.

Um aspecto relevante sobre o recorde de velocidade diz respeito à velocidade do som naquelas grandes altitudes.

O valor da velocidade de propagação de ondas sonoras (vS) depende de duas propriedades do meio onde elas acontecem, da densidade do meio (d) e do módulo de elasticidade volumétrica do meio (K), sendo expressa por

(5)vS=Kd.

Entretanto no caso particular de um gás, conforme o gás diminui sua densidade (mantido todo o resto constante), diminui o seu módulo de elasticidade volumétrica (ele se torna mais compressível, isto é, para a mesma variação de pressão sofre uma maior variação de volume). Pode-se demonstrar que a velocidade do som em um gás acaba por depender apenas da temperatura T, da massa molar M e da razão γ entre os calores especνficos molares a pressão e a volume constante do gás de acordo com a expressão

(6)vS=γRTM,
onde R é a constante universal dos gases.

Desta forma a velocidade do som não depende da densidade do gás. Como o ar é em quase sua totalidade uma mistura de gases diatômicos (oxigênio e nitrogênio), sua massa molar é cerca de 28,9 g (0,0289 kg) e a razão entre os calores específicos é 1,4.

Portanto, para se saber se o recorde de velocidade (379 m/s) corresponde a um valor supersônico é necessário apenas o valor da temperatura da atmosfera na altitude onde Felix Baumgartner obteve o recorde (27,85 km de altitude). Do gráfico que representa a temperatura da atmosfera em função da altitude (Fig. 2) facilmente obtém-se o valor de cerca de 225 K que, introduzido na expressão 6, fornece cerca de 300 m/s. Assim sendo, o recorde de velocidade superou a velocidade do som em cerca de 25%, ou seja, Felix Baumgartner atingiu uma velocidade cerca de 1,25 vezes a velocidade do som, portanto 1,25 mach (1 mach é o valor da velocidade que corresponde à velocidade do som).

7. O restante da descida até a abertura do paraquedas

O restante da descida, até a abertura do paraquedas, se deu com velocidade decrescente em valor conforme se observa no gráfico da Fig. 4. Enquanto o paraquedista desce, vai passando através de uma atmosfera cada vez mais densa, em acordo com o que está representado no gráfico da densidade do ar em função da altitude na Fig. 1.

A força de resistência que o ar oferece a um corpo com as dimensões e a velocidade de um paraquedista é preponderantemente a força de arrasto inercial conforme a Ref. [5[5] F.L. Silveira, Cad. Bras. Ens. Fís. 30, 156 (2013).]. Esta força (Farrasto) tem valor que em módulo cresce conforme aumenta a densidade do ar d, dependendo também da área A que o paraquedista oferece ao ar transversalmente à direção do seu movimento, do quadrado da velocidade v do paraquedista em relação ao ar e de um coeficiente aerodinâmico C adimensional, este último dependente da geometria do paraquedista e da velocidade em relação ao ar. O módulo da força de arrasto é

(7)|Farrasto|=12CdAv2.

Se o paraquedista atinge a velocidade terminal vT, a resultante das forças sobre ele é nula e, portanto, o módulo do seu peso é igual ao módulo da força de arrasto conforme a expressão

(8)mg=12CdAvT2,
onde m é massa do paraquedista e g é a aceleração da gravidade local.

Da expressão (8) se obtém que

(9)vT=2mgCAd.

Depois que Felix Baumgartner atingiu a velocidade máxima de 379 m/s, continuou sempre com velocidade próxima, entretanto superior, ao valor da velocidade terminal para aquela altitude. O valor velocidade deve ser superior ao valor da velocidade terminal para aquela altitude pois ele continua com velocidade decrescente enquanto avança através de ar cada vez mais denso. A velocidade terminal, de acordo com a expressão (9), também diminui ao aumentar a densidade.

A expressão (9) pode ser reescrita como

(10)vT=cd,
onde c vale
(11)c=2mgCA.

Conforme já discutido na seção 3 a aceleração da gravidade pouco varia ao longo de toda a queda. Se adicionalmente for presumido que o produto do coeficiente C pela a área A não muda durante a queda então c é aproximadamente uma constante durante a queda com o paraquedas fechado. A presunção de que tal produto não mude durante a queda é uma grande simplificação pois conforme [4[4] W. Lopes, Cad. Bras. Ens. Fís. 25, 561 (2008).] certamente há mudanças importantes em C quando o Felix passa do regime supersônico para o subsônico; adicionalmente a orientação do corpo do Felix em relação à direção de seu movimento em relação ao ar também se altera durante a queda. Entretanto em nosso modelo assumiremos tal presunção extremamente simplificadora.

Assumindo-se que a velocidade na queda – v – em uma dada altitude seja aproximadamente igual à velocidade terminal para aquela altitude e tomando-se os dados de velocidade, além de t = 50 s (momento da velocidade recorde) até t = 255 s (instante um pouco anterior à abertura do paraquedas), ajustou-se pelo MMQ a seguinte função

(12)v=cd,
onde c e é o parâmetro de ajuste. A densidade do ar foi obtida do U.S. Standard Atmosphere 1976 a partir da altitude em que o Felix se encontrava conforme informado no vídeo.

O valor de c resultou em 66 kg0,5.s−1.m−0,5 e a equação aderiu aos pontos com coeficiente de determinação de 0,96. A Fig. 5 é o gráfico da velocidade em função da densidade, onde em linha contínua está representada a função de ajustamento, ou seja, a função

(13)v=66d.

Figura 5
Velocidade de descida de Felix Baumgartner com o paraquedas fechado após o instante em que aconteceu o recorde de velocidade e a velocidade consistente com o modelo proposto (linha contínua).

A expressão (7) pode ser reescrita facilmente em função de c (expressão (11)) como

(14)|Farrasto|=dv2c2mg.

Desta forma a expressão (14) é válida apenas quando sobre um objeto for exercida, além da força de arrasto, exclusivamente a força da gravidade. Assim o valor da força de arrasto está expresso como um fator adimensional, dependente de d, v e c, multiplicando o valor do peso do objeto.

Quando o recorde de velocidade foi atingido (379 m/s), a 27,8 km de altitude, a densidade do ar era 0,029 kg/m3. A expressão (5) fornece para estes valores de densidade e velocidade 0,96 g e como o acelerômetro indicava 1 g, ambos os valores são aproximadamente iguais.

Desta forma – embora muito simplificado e idealizado – o modelo para a etapa da descida com o paraquedas fechado, que tem entre outros pressupostos que a velocidade se reduz devido exclusivamente ao aumento densidade do meio (expressão (13)), se mostra razoavelmente adequado.

8. Conclusão

O notável salto recorde de Felix Baumgartner (já superado por Alan Eustace em 24/10/2014) envolve muita física interessante para que se possa compreendê-lo com alguma profundidade. Neste artigo discutiram-se alguns aspectos da física da atmosfera terrestre necessários ao entendimento do movimento de descida que o paraquedista realizou até a abertura do paraquedas. Além dos já reconhecidos recordes quebrados neste salto (maior altitude inicial, maior extensão de queda e a ultrapassagem da velocidade do som no ar), argumentou-se que certamente outro recorde foi batido: o de maior tempo ou maior deslocamento vertical em queda livre para um paraquedista. Durante cerca de 25 s o paraquedista se precipitou sofrendo uma aceleração que, dentro dos limites de incerteza das medidas, coincide com a aceleração gravitacional na região do salto fornecida pela International Gravity Formula. Os primeiros 3 km de queda aconteceram em movimento uniformemente variado com a aceleração da gravidade.

O interesse que o salto recorde desperta nos alunos certamente pode ser usado como motivador para a discussão de diversos conteúdos de física, inclusive de um tema pobremente abordado em textos iniciais de mecânica: a queda com força de resistência do ar.

Agradecimentos

Ao Professor Rolando Axt e à Professora Eliane A. Veit agradeço a leitura crítica e as sugestões apresentadas. Ao Professor Carlos E. Aguiar meu reconhecimento pela fecunda discussão sobre o tema.

Referências

  • [1]
    J.M. Colino and A.J. Barbero, Eur. J. Phys. 34, 841 (2013).
  • [2]
    F. Theilmann and M. Apolin, Phys. Educ. 48, 150 (2013).
  • [3]
    J.M. Colino, A.J. Barbero and F.J. Tapiador, Phys. Tod. 67, 64 (2014).
  • [4]
    W. Lopes, Cad. Bras. Ens. Fís. 25, 561 (2008).
  • [5]
    F.L. Silveira, Cad. Bras. Ens. Fís. 30, 156 (2013).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    02 Jan 2015
  • Aceito
    06 Jan 2015
Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: marcio@sbfisica.org.br