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Uma abordagem geométrica ao problema da braquistócrona

(A geometric approach to the brachistochrone problem)

Resumos

Apresentamos uma abordagem essencialmente geométrica do problema da braquistócrona. Utilizamos conceitos de trigonometria básica, acessíveis a estudantes de Física Geral e Experimental I e II, de modo a permitir que o problema já seja apresentado num primeiro momento ainda no primeiro ano de um curso de física ou engenharia. Mostramos que a aceleração resultante sobre uma partícula descrevendo uma braquistócrona tem módulo g da aceleração gravitacional e aponta na direção do centro do círculo que gera a cicloide. Apresentamos um método geométrico que permite deduzir a equação diferencial da cicloide sem lançar mão do cálculo variacional. Mostramos que o tempo de descida ao longo desta trajetória é sempre o mesmo, independentemente da posição inicial.

braquistócrona; cicloide; geometria


We present an essentially geometric approach to the brachistochrone problem. We apply basic knowledge of trigonometry, accessible to the students in a one or two semester basic physics program, in such a way to allow the problem to be introduced at the beginning of an undergraduate course of Physics or Engineering. We show that the resulting acceleration on a particle describing a brachistochrone has gravitational acceleration of magnitude gand points towards the center of the circle that generates the cycloid. We present a geometrical method to deduce the differential equation for the cycloid, without using variational calculus. We show that the descending time along this trajectory is always the same, independently of the starting point.

brachistochrone; cycloid; geometry


1. Introdução

Em Junho de 1696, na revista Acta Eruditorum, fundada por Gottfried Wilhelm Leibniz [1[1] http://www-math.ucdenver.edu/~wcherowi/courses/m4010/s08/csbernoulli.pdf
http://www-math.ucdenver.edu/~wcherowi/c...
], o matemático suíço Jean Bernoulli publicou um problema que chamou a atenção dos maiores matemáticos e físicos da época. O problema consistia em encontrar a forma que deveria ter uma trajetória sobre a qual uma partícula deslizaria, partindo do repouso e sob ação apenas da gravidade, levando o menor tempo possível para atingir um outro ponto mais abaixo nessa trajetória. Nas palavras de Bernoulli: “Dados dois pontos A e B em níveis diferentes e não sobre a mesma vertical, determinar o caminho em que uma partícula móvel vai de A até B em tempo mínimo, assumindo que sua aceleração é apenas devida à gravidade” (Jean Bernoulli, 1696) [2[2] J.D Struik (ed.), A Source Book in Mathematics 1200–1800 (Harvard University Press, Cambridge, 1969) [Versão inglesa do enunciado publicado em latim na Acta Eruditorum, Leipzig, June, 1696, p. 269.].]. Leibniz enviou o problema por carta aos maiores matemáticos da época. A solução foi rapidamente encontrada por vários deles, inclusive o próprio Leibniz, além de Isaac Newton e os irmãos Jacques e Jean Bernoulli. Nesta solução, todos indicaram que a curva mais rápida era uma cicloide, também denominada braquistócrona. A palavra Braquistócrona é composta por dois radicais gregos, brakhisto, que significa o menor e chronus que significa tempo, e se refere à curva que une dois pontos A e B, que pertencem ao mesmo plano vertical, onde o ponto A está acima do ponto B, sobre a qual uma partícula partindo do repouso desliza apenas sob a ação da gravidade, com o menor tempo. Para além de apenas solucionar este problema, no processo, o trabalho desses matemáticos redundou também na criação do cálculo de variações ou cálculo variacional. Esta ferramenta matemática poderosa está no fundamento da formulação Lagrangiana da mecânica clássica, também denominada mecânica analítica [3[3] C. Lanczos, The Variational Principles Of Mechanics(Dover Publications Inc., New York, 1986), 4th. ed.,4[4] J. Barcelos Neto, Mecanica Newtoniana, Lagrangiana e Hamiltoniana (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2004), 1a ed.], e consequentemente fundamenta toda a revolução cientifica ocorrida na virada do Século. XIX para o Século. XX, com a formulação da mecânica quântica e da mecânica relativística. Nós revisitamos o problema da braquistócrona utilizando uma abordagem essencialmente geométrica. Mostramos que o vetor aceleração resultante sobre uma partícula descrevendo esta trajetória, tem módulo igual a aceleração da gravidade g e aponta na direção do centro da circunferência que gera a cicloide. Deduzimos a equação diferencial da cicloide utilizando conceitos básicos de trigonometria, acessíveis a estudantes em um curso de Física Geral e Experimental I. Apresentamos também um método, acessível a estudantes do ciclo básico de um curso de física ou engenharia, para demonstrar que o tempo transcorrido ao longo da cicloide independe do ponto de partida.

2. Solução geométrica da braquistócrona

A palavra braquistócrona nos remete à época em que Galileu investigou qual era curva que corresponde à mais rápida descida de um corpo sob ação da gravidade entre dois pontos horizontalmente separados e situados em níveis com alturas diferentes. Galileu erroneamente achava que um quadrante de circunferência ligando os dois pontos era a solução [5[5] P.J. Nahin, When Least is Best (Princeton U.P., Princeton, 2004), 1st. ed.]. A história esperou até Bernoulli encontrar que a solução correta era uma semicicloide ligando os dois pontos.

A cicloide pode ser delineada por um ponto fixado à borda de um círculo, enquanto o círculo rola sem deslizar em uma linha reta. Tomando a linha reta como sendo o eixo-x, considerando que o raio do círculo tenha valor a e escolhendo como parâmetro θ o ângulo (em radianos, medido no centro do círculo) formado pela vertical (orientada para cima) com a linha que se dirige ao ponto P que delineia a cicloide (Fig. 1), podemos inferir desta figura as conhecidas equações paramétricas

(1)x=a(θsenθ),y=a(1cosθ).

Figura 1
A braquistócrona é a cicloide.
Para prosseguir com o tratamento geométrico do problema da cicloide, é mandatório encontrar qual o ponto em que a reta tangente à cicloide corta a horizontal sobre a qual está localizado o ponto mais baixo da cicloide, y = 2a, que de agora em diante chamaremos B. Logo, o próximo passo a ser dado será o cálculo da equação da reta tangente à cicloide no ponto P. Considerando o ângulo φ que a tangente à curva faz com a vertical, a equação da reta tangente vai ser expressa por
(2)yy0=cotgϕ(xx0),
onde P(x0,y0) é um ponto que pertence à reta. O único ponto da reta tangente que está em princípio disponível é justamente o ponto que ela comunga com a cicloide, que com o emprego dos resultados dados na Eq (1), pode ser expresso em termos do parâmetro θ como P (a(θ − senθ), a(1 − cosθ)). Podemos verificar diretamente da Fig. 2 que θ = 2φ. Considerando a fórmula do arco metade da cotangente
(3)cotgϕ=cotg(θ/2)=1+cosθ1cosθ,
a equação da reta tangente expressa completamente em termos do parâmetro θ fica
(4)ya+acosθ=1+cosθ1cosθ(xaθ+asenθ).
A partir desta última equação, após um pouco de álgebra, obtemos que o ponto da reta tangente com ordenada 2a é dado por Q(,2a), que é diametralmente oposto ao ponto de contato do circulo rolante, que chamaremos R(,0). (É importante enfatizar que as posições dos pontos P, Q e Rvariam a medida em que o círculo gerador da cicloide rola). Estes últimos resultados nos remetem a um dos conhecidos teoremas cuja autoria foi atribuída a Tales [6[6] D.E. Smith, History of Mathematics, Vol. I (Dover Publications, INC. New York, 1958), 1st. ed.], que pode ser enunciado como:

O ângulo formado por duas retas que se originam em um ponto da circunferência e atingem pontos do círculo diametralmente separados é reto.

Figura 2
O centro do círculo rolante é o vértice comum aos dois triângulos isósceles, um com base dada pelo segmento de reta r, outro com base dada pelo segmento de reta s.

Este teorema pode ser facilmente verificado a partir da Fig. 2, onde destacamos o triângulo PQRcom P sendo um ponto da circunferência e QR o diâmetro, e além disto observamos dois triângulos isósceles; o primeiro com vértice em C, e tendo como base o segmento de reta s e seus dois ângulos congruentes iguais a φ; o segundo também com vértice em C, porém tendo como base o segmento de reta r e seus dois ângulos congruentes iguais a α. Assim, a soma dos ângulos internos do triângulo PQR é 2φ + 2α, o que demonstra que o ângulo φ + α, é reto e, em consequência, o triângulo PQR é retângulo.

Para procurar por alguma relação trigonométrica que resulte na equação diferencial da cicloide, vamos destacar na Fig. 3 o triângulo retângulo inscrito no círculo rolante, com hipotenusa coincidente com o diâmetro vertical e com seus catetos coincidentes com os segmentos de reta re s respectivamente normal e tangente à cicloide no ponto P. Com os símbolos indicados no triângulo, podemos obter as relações

(5)senϕ=r2a=nrr2=2an,
(6)cosϕ=s2a=mss2=2am,
(7)cotgϕ=sr=mn.
Com as identificações cotgφ = dy/dx, m = 2ay e n = y, podemos prontamente ler na Eq. (7) a seguinte equação diferencial
(8)dydx=2ayy.
que pode ser reexpressa em um formato mais convencional como
(9)y(1+(y)2)=2a.
A Eq. (8), ou Eq. (9), vale para valores de x no intervalo, com os valores extremos excluídos, 0 < x < 2, onde a derivada y′ não toma valores infinitos. Portanto, podemos verificar diretamente, através das figuras, tanto a equação diferencial da cicloide quanto sua solução paramétrica. A Eq. (9) pode ser também obtida na investigação da curva braquistócrona que pode ser conduzida por meio do princípio de Fermat [5[5] P.J. Nahin, When Least is Best (Princeton U.P., Princeton, 2004), 1st. ed.] ou a partir de métodos baseados no cálculo variacional [4[4] J. Barcelos Neto, Mecanica Newtoniana, Lagrangiana e Hamiltoniana (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2004), 1a ed.]. Esta equação diferencial é separável, porém é mais conveniente substituir a variável x por φ. Temos que dy/dx = cotgφ, logo
(10)2ayy=cos2ϕsen2ϕ,
ou
(11)y=ycos2ϕ+ysen2ϕ=2asen2ϕ.
Diferenciando em relação a φ, encontramos que
(12)dydϕ=4asenϕcosϕ,
e consequentemente
(13)dxdϕ=dxdydydϕ=4asen2ϕ=2a(1cos2ϕ),
onde foi considerado que dx/dy = senφ/cosφ e foi empregada a fórmula do seno do arco metade. (A derivada dx/dy não é definida no ponto mais baixo da cicloide, B, pois neste ponto cosφ se anula. Entretanto, dx/dy não aparece sozinho, e sim no produto dxdydydϕ. Assim, o problemático cosφ é eliminado e no final das contas a Eq. (13) como um todo mantém-se bem definida no ponto B). A Eq. (13) pode ser integrada como
(14)x=2a(1cos2ϕ)dϕ=a(2ϕsen2ϕ).
(Para anular a constante de integração utilizamos o fato de que x = 0 corresponde a y = 0, e portanto a φ = 0, incidentalmente mostrando que a tangente à curva é vertical no ponto inicial.) Para organizar nossa análise vamos reunir a Eq. (11) modificada com o emprego da fórmula do seno do arco metade e a Eq. (14) como
(15)x=a(2ϕsen2ϕ),y=a(1cos2ϕ),
que podem ser interpretadas como o conjunto de equações paramétricas para a curva y(x), com φ sendo evidentemente o parâmetro. Estas equações coincidem com aquelas previamente dispostas na Eq. (1) após a óbvia identificação de parâmetros θ = 2φ.

Figura 3
No triângulo PQR, os catetos de comprimentos r e s são respectivamente normal e tangente à cicloide no ponto P e a hipotenusa de comprimento 2a é o diâmetro vertical do círculo rolante.

Qual a velocidade angular que o círculo rolante deve possuir para que o ponto fixado na sua borda tenha movimento equivalente ao da descida sob a gravidade? A resposta desta pergunta pode ser facilmente obtida com o seguinte procedimento: a velocidade angular é definida pela diferencial em relação ao tempo ω = /dt. Então, podemos diferenciar as equações paramétricas em θ no tempo para encontrar as equações paramétricas da velocidade, que podem ser lidas como

(16)vx=aω(1cosθ),vy=aωsenθ.
No ponto mais baixo da trajetória, onde θ = π, obtemos que
(17)v=vx2+vy2=2aω.
Por outro lado, uma vez que a energia total de um corpo de massa m no ponto mais baixo e no ponto mais alto da trajetória têm o mesmo valor, ou seja
(18)mv22=mg(2a),
segue que
(19)v=2ag.
Comparando as velocidades na Eq. (17) e na Eq. (19), que devem ser idênticas, obtém-se o seguinte valor para a velocidade angular do círculo
(20)ω=ga.
Usamos que a força gravitacional é conservativa e está associada a energia potencial U = mgh, sendo h a distância vertical entre os dois pontos. Podemos então calcular o tempo de descida T como a metade do período correspondente a uma volta completa do círculo
(21)T=πω=πag.

Qual a velocidade do corpo que desce? Sem particularizar θ, encontramos das equações paramétricas da velocidade que

(22)v=vx2+vy2=2aωsen(θ/2).
Considerando o valor de ω encontrado, a velocidade pode ser lida como
(23)v=2agsen(θ/2).
Convém observar na Fig. 4 que
(24)r=2asen(θ/2),s=2acos(θ/2);
o cateto de comprimento r coincide com o raio vetor no círculo rolante que liga o eixo instantâneo de rotação (situado no ponto de contato R) ao ponto P que traça a cicloide. Com base no estudo da rotação de um corpo rígido, sabemos que a partir do eixo instantâneo de rotação o movimento deve ser tratado como uma rotação pura e segue que a velocidade do ponto P deve ser perpendicular a este raio vetor, ou seja, coincidente com a direção do outro cateto que é tangente à cicloide, e deve ter módulo igual a ωr, onde r é dado na Eq. (24), o que confirma o valor da velocidade dado na Eq. (22).

Figura 4
As projeções da aceleração do corpo na braquistócrona são lidas como v2/ρ = g sen φ e dv/dt = g cos φ. O raio de curvatura ρ no ponto P da cicloide tem a direção do segmento de reta r e pode ser facilmente visualizado pois seu comprimento tem valor 2r. A aceleração do corpo a e a aceleração do campo gravitacional g possuem o mesmo módulo.

Qual a aceleração do corpo que desce? Qualquer movimento no plano pode ser representado de uma maneira que independe do sistema de referência. A velocidade vai ser sempre tangente à trajetória e a aceleração pode ser decomposta nas componentes tangencial as=dvdte normal ar = v2/ρ, onde ρ é o raio de curvatura local (ou instantâneo) definido por ρ=|dsdϕ|[7[7] M. Alonso e E.J. Finn, Física (Editora Addison-Wesley, São Paulo, 1999), 1a ed.,8[8] A.P. Arya Introduction to Classical Mechanics(Allyn and Bacon, Massachusets, 1990), 1st. ed.]. Podemos interpretar como o ângulo infinitesimal em radianos subtendido pelo elemento de arco ds da trajetória, enfatizando que ds não tem relação aparente com o segmento de reta s definido na Eq. (24). Em coordenadas cartesianas o raio de curvatura fica expresso como

(25)ρ=|(1+y2)3/2y|,
o que pode ser verificado em [9[9] L. Leithold, O Cálculo com Geometria Analítica, Vol. 2, (Editora HARBRA Ltda. São Paulo, 1994), 3aed.,10[10] Eric W. Weisstein, “Curvature” From MathWorld - A Wolfram Web Resource. Disponível em http://mathworld.wolfram.com/Curvature.html.
http://mathworld.wolfram.com/Curvature.h...
]. Da equação diferencial expressa pela Eq. (9) obtemos os seguintes resultados
(26)1+(y)2=2ayey=ay2.
Assim, podemos facilmente calcular o raio de curvatura da cicloide como
(27)ρ=22y=2a22cosθ=4asen(θ/2),
onde foram empregadas a equação paramétrica de y dada na Eq. (1), e na última igualdade a fórmula do arco metade do seno. Com o uso de ar = v2/ρ, as=dvdt, da Eq. (22) e considerando que 2 = g, segue então que
(28)ar=gsen(θ/2),as=gcos(θ/2).
Considerando o vetor r com módulo r apontando de Ppara o ponto de contato R do círculo rolante e o vetor s com módulo s apontando de Ppara o ponto Q diametralmente oposto ao ponto contato. Comparando a Eq. (28) com a Eq. (24) segue que
(29)ar=gr2a,as=gs2a.
Por outro lado, diferenciando em relação ao tempo as equações paramétricas da velocidade expressas na Eq. (16) e considerando que 2 = g, encontramos que
(30)ax=gsenθ,ay=gcosθ.
O que resulta em uma aceleração a de módulo g apontando para o centro do círculo rolante, cujas projeções na linha normal à curva é dada por ar e na linha tangente à curva é as, como pode ser verificado das relações
(31)a=ar2+as2=ax2+ay2=g,tg(θ/2)=aras,tgθ=axay.
Lembrando que φ = θ/2, a direção de a pode ser verificada através de uma análise gráfica dos valores das tangentes expressas nas relações dadas logo acima, que pode ser efetuada com o auxílio da Fig. 4.

Em seguida vamos calcular a reação normal da pista em forma de braquistócrona em um corpo de massa m. O diagrama de forças do caso onde o atrito é desprezível pode ser visualizado na Fig. 5 e pela segunda lei de Newton na direção r de P até o ponto de contato R

(32)mar=Nmgsenϕ
i.e.
(33)N=mar+mgsenϕ=mgsen(θ/2)+mgsen(θ/2),
pois valem a Eq. (29) e θ = 2φ. Pela Eq. (24), r2a=sen(θ/2), então
(34)N=2mg(r2a).
Multiplicando pelo versor definido por r^=rr, e empregando que N = Nr̂, obtemos
(35)N=mgra.
No ponto mais alto em forma de braquistócrona, θ = 0, então r = 2a sen(0) = 0 (vide a Eq. (24)) e, consequentemente, N = 0. No ponto mais baixo da pista, θ = 180°, então r = 2a sen(90°) = 2a e N = 2mg.

Figura 5
Diagramas de forças que atuam sobre um corpo de massa msituado na pista sobre o ponto P considerando que o atrito entre a pista e o corpo seja desprezível. As duas forças que atuam sobre a massa m são o peso mg e a reação normal da pista N. Também é indicada na figura a força resultante F = mg + N que tem o mesmo módulo do peso.

Não se pode finalizar esta discussão sem mencionar a seguinte propriedade notável desta “curva de tempo mínimo”: se você soltar sua bilha de aço (ou carrinho de montanha russa, ou skate, faça sua escolha) do repouso em qualquer ponto da pista, o tempo de descida até o ponto mais baixo será o mesmo, não importando de onde na pista você soltá-lo.

Isto parece ser impossível? Eis então a prova de que este resultado se verifica. O tempo de descida pode ser obtido com a integração de dT = ds/v, onde ds é o elemento de deslocamento do objeto na braquistócrona e v é o módulo da velocidade do objeto. Expressando ds em termos dos infinitésimos cartesianos,

(36)ds=dx2+dy2=(1+y2)dx.
Considerações a respeito de energia idênticas àquelas que nos conduziram à Eq. (19), porém com a distância vertical entre dois pontos dadas por yy0, refletindo que o objeto desce a partir do repouso de um ponto cuja altura é y0 e não mais da origem [11[11] S.T. Thornton e J.B. Marion, Dinâmica Clássica de Partículas e Sistemas (CENGAGE, São Paulo, 2011), 5aed.], resultam em
(37)v=2g(yy0).
Portanto, se o objeto parte de A(x0,y0), em B(πa,0) este tempo vai ser dado por
(38)T=ABdsv=x0πa1+(y)22g(yy0)dx.
Da equação diferencial da braquistócrona dada na Eq. (9) e das equações paramétricas em θ, podemos obter respectivamente que
(39)1+(y)2=2ayedxdθ=y,
logo
(40)1+(y)22g(yy0)dx=agy(yy0)dθ.
Com o emprego das equações paramétricas em θ, encontramos que
(41)T=ag=θ0π1+cosθcosθ0cosθdθ.
Então podemos empregar a fórmula do arco metade, cosθ = 2cos2(θ/2) − 1, no numerador e denominador e prosseguir com a mudança de variável: cosβ = cos(θ/2)/cos(θ0/2) e a diferencial desta, senβdβ = sen(θ/2)/2cos(θ0/2), para rexpressar a integral como
(42)T=2ag0π/2dβ.
Portanto, o tempo de descida a partir do repouso e de qualquer ponto (ou de qualquer θ0) é πa/g.

3. Conclusão e comentários finais

Nós apresentamos uma alternativa à tradicional forma analítica de introduzir o problema da braquistócrona, contornando assim a necessidade de utilização de ferramentas do cálculo variacional, em geral muito avançado e ainda desconhecido por estudantes de primeiro ano de um curso de física ou engenharias. Certamente não é possível prescindir do cálculo variacional para demonstrar que a cicloide é a braquistócrona, vale dizer, que a cicloide é a solução do problema como originalmente enunciado por Bernoulli. Nós assumimos essa solução sem demonstra-la. A partir desta suposição e usando apenas conceitos básicos de trigonometria, provavelmente já dominados por estes estudantes, introduzimos uma dedução para a equação diferencial da cicloide. Apresentamos a solução desta equação diferencial em duas formas distintas, a padrão baseada em inferências gráficas e a algébrica voltada para os estudantes de primeiro ano já mencionados. Estudamos em detalhes a cinemática de uma partícula descendo a braquistócrona sob a ação da gravidade e desta análise destacamos o resultado bastante interessante, que é a demonstração, utilizando-se apenas de conceitos geométricos, que a aceleração resultante sobre uma partícula descrevendo a braquistócrona tem magnitude igual a g e aponta na direção do centro da circunferência geratriz da cicloide.

O nosso desejo é que com esta nova apresentação, o problema clássico da braquistócrona possa ser absorvido por uma maior audiência e como trata-se de um problema inspirador, este conhecimento apresentado em um primeiro momento, possa motivar o estudante a prosseguir no estudo das ciências físicas que tem como base o cálculo integral e diferencial e também no estudo do cálculo variacional e mecânica analítica, para que ele possa contar com estas ferramentas tão poderosas em seus futuros projetos.

Referências

  • [1]
    http://www-math.ucdenver.edu/~wcherowi/courses/m4010/s08/csbernoulli.pdf
    » http://www-math.ucdenver.edu/~wcherowi/courses/m4010/s08/csbernoulli.pdf
  • [2]
    J.D Struik (ed.), A Source Book in Mathematics 1200–1800 (Harvard University Press, Cambridge, 1969) [Versão inglesa do enunciado publicado em latim na Acta Eruditorum, Leipzig, June, 1696, p. 269.].
  • [3]
    C. Lanczos, The Variational Principles Of Mechanics(Dover Publications Inc., New York, 1986), 4th. ed.
  • [4]
    J. Barcelos Neto, Mecanica Newtoniana, Lagrangiana e Hamiltoniana (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2004), 1a ed.
  • [5]
    P.J. Nahin, When Least is Best (Princeton U.P., Princeton, 2004), 1st. ed.
  • [6]
    D.E. Smith, History of Mathematics, Vol. I (Dover Publications, INC. New York, 1958), 1st. ed.
  • [7]
    M. Alonso e E.J. Finn, Física (Editora Addison-Wesley, São Paulo, 1999), 1a ed.
  • [8]
    A.P. Arya Introduction to Classical Mechanics(Allyn and Bacon, Massachusets, 1990), 1st. ed.
  • [9]
    L. Leithold, O Cálculo com Geometria Analítica, Vol. 2, (Editora HARBRA Ltda. São Paulo, 1994), 3aed.
  • [10]
    Eric W. Weisstein, “Curvature” From MathWorld - A Wolfram Web Resource Disponível em http://mathworld.wolfram.com/Curvature.html
    » http://mathworld.wolfram.com/Curvature.html
  • [11]
    S.T. Thornton e J.B. Marion, Dinâmica Clássica de Partículas e Sistemas (CENGAGE, São Paulo, 2011), 5aed.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    09 Jan 2015
  • Aceito
    16 Fev 2015
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