Resumos
Nesse trabalho estudamos a resolução de um caso particular da equação hipergeométrica confluente, a equação de Bessel de ordem p, utilizando a teoria do cálculo de ordem não inteira. Em particular, a fim de comparar com a literatura existente, expomos os resultados da nossa investigação sob o rigor do formalismo matemático e levantamos alguns questionamentos a respeito da interpretação dos operadores de Riemann-Liouville quando agindo em certas funções. Para tanto, introduzimos as principais formulações dos operadores fracionários (Riemann-Liouville), assim como o operador de integrodiferenciação fracionária que é a tentativa de se expressar ambos operadores de integração e diferenciação fracionárias de forma unificada.
Palavras-chave:
cálculo fracionário; equações diferenciais fracionárias; equação de Bessel
In this work we discuss the solvability of Bessel's differential equation of order p, which is a particular case of the confluent hypergeometric equation, from the perspective of the theory of calculus of arbitrary order, also usually known as fractional calculus. In particular, in order to compare our method with the formulations in the literature, we raise some questions about interpretations of the Riemann-Liouville operators when acting on certain types of functions. In order to do so, we present the main fractional operators (Riemann-Liouville) as well as the fractional integrodifferential operator, which is a unified view of both integration and differentiation under a single operator.
Keywords:
fractional calculus; fractional differential equations; Bessel equation
1. Introdução
Uma das maiores motivações no desenvolvimento de uma nova teoria matemática é a busca por novos métodos e aplicações nos diversos problemas práticos e teóricos, sejam estes provenientes de novos desafios matemáticos da ciência contemporânea ou mesmo provenientes de ”problemas clássicos”, i.e., aqueles problemas que já foram profundamente estudados sob a ótica das diversas teorias até então difundidas e aceitas. Com o intuito de tentar agregar valor ao uso do cálculo de ordem arbitrária,2 2 Ao longo deste trabalho iremos denotar, indiferentemente, cálculo de ordem arbitrária, cálculo de ordem não inteiria ou cálculo fracionário, como a teoria dos operadores de diferenciação e integração de ordem ν∈K, onde K=. este trabalho propõe uma abordagem relativamente simples do uso do cálculo fracionário para abordar equações diferenciais clássicas, tomando como exemplo a conhecida equação de Bessel, frequentemente encontrada no estudo dos fenômenos de propagação de ondas, de condução de calor e de equilíbrio eletrostático de domínios cilíndricos
onde e p é um parâmetro. A metodologia abordada neste trabalho, baseia-se no trabalho de Oldham & Spanier [1[1] K.B. Oldham and J. Spanier, The Fractional Calculus, Theory and Applications of Differentiation and Integration to Arbitrary Order, (Dover Publications, Inc., New York, 2002).], que por sua vez, se baseia na formulação dos operadores fracionários segundo Riemann-Liouville, porém no desenvolvimento do método, observamos o que parece ser uma limitação desta particular formulação quando buscamos uma segunda solução linearmente independente para este tipo de problema. Convém ressaltar que o formalismo de Riemann-Liouville é mais apropriado para estudos envolvendo distribuições (funções generalizadas) enquanto que o chamado formalismo de Caputo é mais conveniente para as funções ”classicamente diferenciáveis” visto que a derivada de uma constante no formalismo de Caputo é nula (coincidindo com o cálculo de ordem inteira usual) enquanto não o é para as derivadas de Riemann-Liouville.3 3 Este fato pode ser comprovado através da transformada de Laplace, pois a relação envolve o valor da função na origem, ou seja, existe sua relação entre estas transformadas (Caputo e Riemann-Liouville) diferindo apenas pelo valor da função na origem.
Para podermos apresentar o problema, nos organizamos do seguinte modo. Inicialmente, introduzimos os conceitos de integração e derivação fracionárias segundo Riemann-Liouville, assim como algumas dos seus principais resultados. Na seção dois, introduzimos o conceito de integral fracionária de Riemann-Liouville, sua natu-ral generalização das integrais iteradas, para depois apresentar as derivadas fracionárias de Riemann-Liouville. Nesta mesma seção, apresentamos alguns dos principais resultados que serão necessários no desenvolvimento da seção três. Finalizamos a seção dois com a apresentação do ope-rador de integrodiferenciação fracionária, que é a tentativa de unificar os operadores de diferenciação e integração sob um único operador fracionário. Na seção três discutimos a solução da clássica equação de Bessel de ordem p usando os conceitos e propriedades da seção dois bem como discutimos a segunda solução linearmente independente e comparamos os nossos resultados e observações com os encontrados na Ref. [1[1] K.B. Oldham and J. Spanier, The Fractional Calculus, Theory and Applications of Differentiation and Integration to Arbitrary Order, (Dover Publications, Inc., New York, 2002).].
2. Operadores de integração e diferenciação fracionários
Dentre as diversas formalizações para os ope-radores fracionários de integração e diferenciação [2[2] E. C. de Oliveira and J.A. Tenreiro Machado, Math. Prob. Eng., ID 238459 (2014).
[3] R. Garra et al., Appl. Math. & Comp., 242, 576 (2014).
[4] U.N. Katugampola, A new fractional derivative with classical properties, ArXiv: 1410.6535v2 [math.CA] (2014).
[5] R. Khalil et al., J. Comput. & Appl. Math., 264, 65 (2014).
[6] M.D. Ortigueira and J.A. Tenreiro Machado, J. Comp. Phys. (2014). http://dx.doi.org/10.1016/j.jcp.2014.07.019
http://dx.doi.org/10.1016/j.jcp.2014.07....
[7] J.A. Tenreiro Machado, A.M.S.F. Galhano and J.J. Trujillo, Scientometrics 98 577 (2014). DOI 10.1007/s11192-013-1032-6.
https://doi.org/10.1007/s11192-013-1032-...
[8] X. Wang, On the Leibniz rule and fractional derivative for differentiable and non-differentiable functions, viXra.org:1404.0072 (2014). http://vixra.org/pdf/1404.0072v1.pdf
http://vixra.org/pdf/1404.0072v1.pdf...
[9] B.J. West, Colloquium: Fractional calculus view of complexity: A tutorial, Rev. Mod. Phys., 8, 1169 (2014).
[10] J.A. Tenreiro Machado, A.M.S.F. Galhano and J.J. Trujillo, Fract. Cal. & App. Anal., 16(2), 479 (2013).
[11] V.E. Tarasov, Comm. Nonlinear Science and Num. Sim. 18(11), 2945 (2013).
[12] V.V. Kobelev, On a Leibniz-type fractional derivative, ArXiv: 1202.2714 [math-ph] (2012).-13[13] F.G. Rodrigues e E.C. de Oliveira, Introdução ao Cálculo Fracionário (a ser submetido para publicação), (2015).], uma das mais conhecidas certamente é a definição segundo Riemann-Liouville e neste trabalho faremos uso justamente desta formalização.
Definição 1Sejaum intervalo finito. Considere umano espaço das funções integráveis segundo Lebesgue. As expressõese conforme as igualdades
com, e
com, , ondeé a função gama, definem as integrais fracionárias de Riemann-Liouville (IFRL) de ordem num intervalo real finito. As integrais em Eq. (2) e Eq. (3) são chamadas de integrais fracionárias à esquerda e à direita, respectivamente.
Enquanto para as derivadas fracionárias de Riemann-Liouville(DFRL) de ordem , , num intervalo real finito, temos a seguinte definição.
Definição 2Sejaum intervalo finito. Considere umano espaço das funções absolutamente contínuas até ordem. As expressões parae abaixo
come
com, ondeé a parte inteira dee, definem as (DFRL) de ordem , à esquerda e à direita, respectivamente.
Observa-se que tanto nas definições para as IFRL quanto para as DFRL, a escolha de uma ordem , reduz as expressões das Eq. (2)- Eq. (5) às definições clássicas de ordem inteira, sendo que no caso em que , temos simplesmente o operador de identidade, i.e., e .
É possível mostrar que os operadores fracionários de Riemann-Liouville podem ser obtidos formalmente através de distintas abordagens [13[13] F.G. Rodrigues e E.C. de Oliveira, Introdução ao Cálculo Fracionário (a ser submetido para publicação), (2015).]. Em particular, para referência futura, mencionamos o seguinte caso.
Em homenagem aos autores da Ref. [14[14] I.M. Gelf'and and G.E. Shilov, Generalized Functions, (Academic Press, Inc., New York, 1964).], as funções do tipo
com são usualmente denotadas funções de Gelf'and-Shilov. Assim, dada uma suficientemente bem comportada e causal4 4 Isto significa que fx=0para x<a. para podemos considerar o produto de convolução (entre funções)
e a expressão obtida nada mais é do que .
Analogamente, assim como no caso da IFRL, podemos usar as funções de Gelf'and-Shilov Eq. (6) e seguindo os passos conforme a Eq. (7)para chegarmos à definição da DFRL. De fato, ao tomarmos segue que
onde a integral na Eq. (8) claramente converge quando . Já no caso em que , as funções de Gelf'and-Shilov precisam ser interpretadas como funções generalizadas. Sabemos que dentre as propriedades investigadas na Ref. [14[14] I.M. Gelf'and and G.E. Shilov, Generalized Functions, (Academic Press, Inc., New York, 1964).], temos o seguinte resultado
onde é a -ésima derivada (no sentido distribucional) da função generalizada -Dirac. Neste caso, a expressão da Eq. (8) deve ser reinterpretada como um produto de convolução entre funções ge-neralizadas, sendo que neste caso é a respectiva função generalizada (regular) associada à função .
2.1. Propriedades das IFRL e DFRL
Dentre as diversas propriedades dos operadores de IFRL e DFRL [13[13] F.G. Rodrigues e E.C. de Oliveira, Introdução ao Cálculo Fracionário (a ser submetido para publicação), (2015).,15[15] A.A. Kilbas, H.M. Srivastava and J.J. Trujillo, Theory and Applications of Fractional Differential Equations, (Elsevier B. V., Amsterdam, 2006).,16[16] S.G. Samko, A.A. Kilbas and O.I. Marichev, Fractional Integrals and Derivatives, Theory and Applications, (Gordon and Breach Science Publishers, Amsterdam, 1993).], listamos as seguintes para nossa referência futura.
Teorema 3Sejam, e a IFRL de ordem . Se e , então a igualdade
onde
vale em quase todos os pontos de. Em particular, se, então
Teorema 4Sejatal que , . (a) Se, então
vale em quase todos os pontos de. (b) Por outro lado, seentão
vale em quase todos os pontos de.
Teorema 5Sejam, come . (a) Se, então a relação
ondevale em quase todos os pontos de. (b) Por outro lado, invertendo a ordem das derivadas, se, então a relação
vale em quase todos os pontos de. Portanto, os operadores comutam se, e somente se,
Teorema 6Sejame , comee, então
Além disso, listamos as regras de integração e diferenciação fracionárias para funções do tipo potência [13[13] F.G. Rodrigues e E.C. de Oliveira, Introdução ao Cálculo Fracionário (a ser submetido para publicação), (2015).,15[15] A.A. Kilbas, H.M. Srivastava and J.J. Trujillo, Theory and Applications of Fractional Differential Equations, (Elsevier B. V., Amsterdam, 2006).,16[16] S.G. Samko, A.A. Kilbas and O.I. Marichev, Fractional Integrals and Derivatives, Theory and Applications, (Gordon and Breach Science Publishers, Amsterdam, 1993).]. Logo, se e , , então
Convém mencionarmos que como muitas das aplicações práticas no estudo de equações diferenciais fazem uso de funções que possuem representação em série de potências, então se for analítica no intervalo , para algum pequeno o suficiente, vale a seguinte representação para
onde são constantes e, neste caso, podemos aplicar as Eq. (16a) e Eq. (16b) para integrar ou diferenciar fracionariamente a série da Eq. (17) termo a termo [1[1] K.B. Oldham and J. Spanier, The Fractional Calculus, Theory and Applications of Differentiation and Integration to Arbitrary Order, (Dover Publications, Inc., New York, 2002).,16[16] S.G. Samko, A.A. Kilbas and O.I. Marichev, Fractional Integrals and Derivatives, Theory and Applications, (Gordon and Breach Science Publishers, Amsterdam, 1993).,17[17] K. Diethelm, The Analysis of Fractional Differential Equations, (Springer-Verlag, Berlin, 2010).], i.e.
e
Em particular, se f for representável por uma série de Frobenius
então
2.2. Operador fracionário de integrodiferenciação
O intuito desta seção é discutir a possibilidade de unificação dos operadores fracionários de integração e diferenciação sob um único operador (para este trabalho, no sentido de Riemann-Liouville definidos em intervalos finitos ). O que queremos afirmar com isso é que formalmente os operadores de IFRL () e DFRL () são operadores distintos, cada um com o seu domínio e imagem, mas veremos logo mais, que há a possibilidade de identificarmos a IFRL e a DFRL como casos particulares de um único operador que denotaremos por integrodife-renciação (fracionária) de ordem , isto é,
Claramente a maior preocupação é identificar corretamente, quando é possível (e se é que faz sentido) escrever para
e,
Para respondermos a esta pergunta, iniciamos com a seguinte investigação. Considere a função , com , definida num intervalo . Sabemos integrar e diferenciar tais funções pelos resultados das Eq. (16a) e Eq. (16b) e, claramente, ambas as expressões podem ser convertidas uma na outra simplesmente fazendo . Ou seja, pelo menos para este caso as relações das Eq. (21) e Eq. (22) parecem ser verdadeiras. Esta singela afirmação, no entanto, esconde um problema mais relevante a res-peito da legalidade de tal abordagem, em específico quando é feita a conversão diretamente nas definições da IFRL e DFRL segundo as Eq. (2) e Eq. (4). Ora, visto que a DFRL foi definida a partir da IFRL, convém analisar o que acontece quando usamos no lugar de na Eq. (2). Ou seja, se , então
resulta numa integral que, em geral, diverge mesmo se . No caso da DFRL a situação parece ainda pior, pois a expressão resultante parece inapropriada e inconsistente5 5 No mínimo teríamos um pequeno ajuste a fazer na Eq. (4), a saber: n=v+1→-n=-v+1=-ν-1.
Mesmo que a integral convergisse, qual seria a interpretação para o operador ? O próximo teorema elucida esta questão, fornecendo uma expressão alternativa para a DFRL, mas antes de enunciarmos este resultado, lembramos rapidamente de alguns fatos sobre o conceito de integral de Hadamard ou ainda parte finita de Hadamard que é um método de regularização de integrais divergentes.
Integrais do tipo
divergem sempre que , mesmo assim, em geral, é interessante associar a esta integral um valor finito. Isso pode ser feito, segundo su-gestão do matemático francês Jacques Hadamard (1865-1963) [18[18] J. Hadamard, Lectures on Cauchy's Problem in Linear Partial Differential Equations, (Yale Univ. Press, New Haven, 1923, (Dover NY, 1952)).] descartando-se certos termos que causariam a divergência. Por exemplo, se a integral
é claramente convergente para qualquer . No entanto, se tomarmos o limite quando , a integral divergirá por causa do termo . Sendo assim, Hadamard propõe que seja ignorada a contribuição deste termo e designarmos a expressão restante, que é finita, ao resultado da integral, i.e.,
sendo o símbolo justaposto à esquerda ao símbolo da integral para designar justamente o resultado da integral denotado por parte finita de Hadamard.
Um modo preciso de definirmos a integral de Hadamard (quando ) é
onde e
é o resto do -ésimo polinômio de Taylor da f centrado no ponto . Uma condição suficiente para a existência da integral da Eq. (25) é exigirmos que com , visto que nesse caso o resto do polinômio de Taylor possui um zero no ponto cuja ordem é grande o suficiente para praticamente anular o efeito da singularidade do termo , tornando a expressão integrável6 6 No sentido impróprio segundo Riemann, ou em quase todos os pontos segundo Lebesgue. .
Apresentamos a seguir uma representação alternativa (via Teorema 7) para a definição da integral de Hadamard, segundo proposto por [19[19] D. Elliot, IMA J. Numer. Anal., 13, 445 (1993).], logo em seguida, uma representação alternativa (via Teorema 8) para a DFRL [17[17] K. Diethelm, The Analysis of Fractional Differential Equations, (Springer-Verlag, Berlin, 2010).].
Teorema 7Sejame. Se , então
Teorema 8Sejame . Suponha quee , então
Aproveitamos para mencionar que dentre as propriedades da integral de Hadamard (vide, e.g., [17[17] K. Diethelm, The Analysis of Fractional Differential Equations, (Springer-Verlag, Berlin, 2010).,18[18] J. Hadamard, Lectures on Cauchy's Problem in Linear Partial Differential Equations, (Yale Univ. Press, New Haven, 1923, (Dover NY, 1952)).]) está o fato de que ela é uma extensão consistente do conceito de integral regular, i.e., sempre que existir no sentido clássico, então também existirá e ambas terão o mesmo valor. Sendo assim, podemos dizer que formalmente devemos escrever
ou ainda
para , mas que por motivos de simplicidade na notação, sempre que for necessário, usaremos a identificação feita pelas Eq. (21) e Eq. (22) tendo o sentido formal segundo as Eq. (26) e Eq. (27) como estabelecido pelo Teorema 8.
A representação da DFRL segundo o Teorema 8 nos elucida um outro aspecto deste operador. Em contrapartida aos operadores de diferenciação de ordem inteira que são operadores locais, i.e., para calcularmos
é suficiente conhecermos o comportamento da f apenas numa vizinhança ao redor do ponto , para calcularmos a DFRL , , no entanto, é necessário que saibamos sobre o comportamento da f ao longo de todo o intervalo .
Portanto, sob esta ótica a unificação como proposta pela Eq. (20) parece plausível (pelo menos para funções da classe ) e os resultados listados na Seção 2.1. podem ser reescritos em termos do operador que denotamos por integrodiferenciação fracionária , de ordem .
Por exemplo, listando alguns deles, o resultado do Teorema 4 fica enunciado da seguinte forma7 7 Resultado demonstrado em [20] e válido para p≥q≥0ou q≥p≥0.
onde e .
Já o resultado do Teorema 5 fica descrito para e como
e
E o resultado do Teorema 6 que fica gene-ralizado para a forma8 8 Também verificada na Ref. [20]. (desde que as derivadas em questão existam)
onde e e .
Observe, portanto, que a igualdade entre a Eq. (31) e a Eq. (32) ocorre se, e somente se, os somatórios nos lados da direita das equações forem nulos, ou equivalentemente,
O autor na Ref. [20[20] I. Podlubny, Fractional Differential Equations, (Academic Press, San Diego, 1999).] demonstra na seção 2.3.7 do seu livro que se possuir quantidade suficiente de derivadas contínuas, então as condições Eq. (33) e Eq. (34) são equivalentes, respectivamente, a
Logo, se , , onde , então podemos afirmar que
Mencionamos ainda o resultado9 9 O autor na Ref. [20], mostra a validade desta propriedade para os casos p>q≥0e q≥p≥0.
desde que seja, no mínimo, contínua e quando que a derivada exista.
Para finalizarmos esta seção, apresentamos a generalização da famosa regra de Leibniz para a diferenciação do produto de duas funções para os operadores , .
Teorema 9 (Regra de Leibniz Fracionária) Sejam f e g analíticas no intervalo , então
onde são os coeficientes binomiais generalizados descritos em termos da função gama.
3. Equação de Bessel via cálculo fracionário
Esta seção é dedicada ao estudo da equação de Bessel (vide Eq. (1)) utilizando a metodologia do cálculo fracionário. Como mencionado na introdução deste trabalho, “novas” teorias são sempre bem vindas mesmo quando aplicada a “ve-lhos” problemas, pois em geral nos fornecem um entendimento mais profundo sobre certas propriedades e relações (pré-)existentes, ou ainda, eventualmente nos fornecem “insights” sobre novas relações e propriedades ainda desconhecidas ou pouco compreendidas. Assim, nas seções a seguir, investigando a equação de Bessel pela metodologia do cálculo fracionário como proposta pelos autores da Ref. [1[1] K.B. Oldham and J. Spanier, The Fractional Calculus, Theory and Applications of Differentiation and Integration to Arbitrary Order, (Dover Publications, Inc., New York, 2002).], apontamos a limitação não apontada pelos autores supracitados, ao tentarem obter uma das soluções e formalizamos através de uma discussão detalhada as devidas limitações ao método empregado.
3.1. Resolução da equação de Bessel
Discutimos agora a solução geral da equação de Bessel de ordem p, caso particular da equação hipergeométrica confluente.
Se introduzirmos a mudança de variável na Eq. (1) obtemos uma variante da equação de Bessel, a saber
com , e p é um parâmetro.
Como sabemos da teoria das equações diferenciais lineares ordinárias, a solução geral é dada pela combinação linear de duas soluções e linearmente independentes, cada qual dependentes do parâmetro p e que podem ser obtidas classicamente aplicando-se o método de Frobenius10 10 Lembremos que o método de Frobenius, consiste em procurar uma solução da EDO através de uma série de potências ∑k=0∞ak(x-x0)k+sconvergente na vizinhança do ponto x0, partindo-se da suposição de que a0≠0arbitrário e s sendo um parâmetro a ser determinado. [21[21] T. Myint-U and L. Debnath, Linear Partial Differential Equations for Scientists and Engineers, (Birkhäuser Boston, 2007).], resultando em
onde as soluções Eq. (40) e Eq. (41)convergem para valores finitos11 11 Em particular, Jp(0)é finito para p≥0, enquanto que J-p(0)é infinito para 0<p≠1,2,…. quando e são linearmente independentes (LI) desde que . Se , então é linearmente dependente (LD) com e precisamos encontrar uma segunda solução por algum outro método; e.g., via redução de ordem [22[22] E.C. de Oliveira e J.E. Maiorino, Introdução aos Métodos da Matemática Aplicada, (Editora Unicamp, Campinas, 2010), 3a Edição.].
Por outro lado, investigamos em que condições os operadores fracionários de IFRL e DFRL também podem ser aplicados para obtermos uma solução da Eq. (39) em termos de funções elementares. Para isso, considere a seguinte mudança de variável dependente , onde p é a raiz quadrada não negativa de . Então, calculando as derivadas e simplificando obtemos a seguinte equação diferencial
com .
Suponha agora que para cada função que satisfaça a Eq. (42), exista uma função integrodife-renciável tal que
onde é o chamado operador de integrodiferenciação de Riemann-Liouville de ordem (vide Seção 2.2.).
Podemos combinar as Eq. (42) e Eq. (43) para escrever
e ainda mais, usando o Teorema 5 ou a Eq. (37),12 12 Dependendo se D0+12±prepresentar a DFRL ou a IFRL. podemos escrever a Eq. (44) na seguinte forma
Agora, fazendo uso da regra de Leibniz (Teorema 9) para o operador de integrodiferenciação fracionária de um produto de duas funções, podemos verificar que
que rearranjando toma a forma
donde segue, a partir da Eq. (45), que a nova equação diferencial fracionária é
a qual não mais apresenta o parâmetro p como coeficiente. Em particular, supondo que podemos decompor os operadores da Eq. (48) como
então pela ação direta do operador à esquerda, esta última converte-se na equação
As Eq. (48) e Eq. (49) são equivalentes se, e somente se, forem satisfeitas as condições
sendo que estas aparecem quando aplicamos13 13 Tomando o cuidado de aplicar cada caso dependendo se D0+52±p, D0+32±pe D0+12±prepresentarem uma DFRL ou uma IFRL. os Teoremas 4 ou 5 ou suas versões integrodiferenciáveis descritas pelas Eq. (28) - Eq. (30).
Já as Eq. (49) e Eq. (50) são equivalentes se, e somente se
para
Introduzindo-se a seguinte mudança de variável (i.e., ) a Eq. (50) é conduzida na forma
cujas soluções LI sabemos ser e , ou seja, voltando na variável ,
4. Soluções da equação de Bessel
Aqui, como já nos referimos, vamos analisar as duas soluções obtidas, i.e., verificamos se as funções e , candidatas à solução do nosso problema realmente satisfazem as condições listadas pelas Eq. (51) - Eq. (55) e Eq. (56) - Eq. (57).
Claramente, não satisfaz as condições Eq. (52) e Eq. (53), pois e . Por outro lado, verifica-se que satisfaz Eq. (51) - Eq. (55). Logo, vejamos o comportamento de , com respeito as condições em Eq. (56), destacando dois casos:
Caso 1 (): Se , temos o operador identidade e a igualdade verifica-se. Se , então e, portanto, o ope-rador mais à esquerda em Eq. (56) é a DFRL que sabemos ser a inversa à esquerda da IFRL. Por outro lado, se , então o operador mais à esquerda é a IFRL e neste caso podemos verificar a igualdade aplicando as regras de integrodiferenciação fracionária na re-presentação em série de potências das funções na Eq. (57)
onde .
Por outro lado, temos
onde .
Observamos que as passagens em Eq. (59) - Eq. (60) e Eq. (61) - Eq. (62) são lícitas, pois para todos os casos as potências de são maiores que , uma vez que . A verificação para segue da combinação dos casos supracitados.
Também é conveniente citar que pelo Teorema 3 Eq. (11) devemos ter
onde e é possível verificar que este limite de fato é zero e, portanto,
vale para todo .
Caso 2 (): Como , então e , daí seguindo o mesmo raciocínio do caso anterior, temos
onde e .
Chamamos atenção para o fato de que nas passagens Eq. (66) e Eq. (69) se , então os primeiros coeficientes de cada série se anulam (mais precisamente, os p primeiros na Eq. (66) e os primeiros na Eq. (69)) de modo que as potências de dos primeiros coeficientes não nulos são maiores que (i.e., e ), logo podemos realizar a operação sem problemas. No entanto, se , então os primeiros coeficientes de cada série não serão nulos e as potências dos primeiros termos serão menores que (i.e., e ) uma vez que e, portanto, em princípio, não poderíamos aplicar a regra de integração fracionária como listado em Eq. (16a) para calcularmos e .
Observamos que os autores em [1[1] K.B. Oldham and J. Spanier, The Fractional Calculus, Theory and Applications of Differentiation and Integration to Arbitrary Order, (Dover Publications, Inc., New York, 2002).] afirmam que a função satisfaz estas condições para todo , no entanto, a investigação acima nos diz justamente o contrário! O intrigante é que se ignorarmos esta violação da condição exigida sobre os índices e prosseguirmos com a integração, então o resultado final parece indicar a validade da relação e mais adiante isto realmente parece nos levar para uma segunda solução linearmente independente da equação de Bessel como o esperado. Talvez tenha sido por este motivo que os autores não tenham chamado atenção para este fato.
Observamos ainda que o Teorema 3 (vide Eq. (10)) nos diz que
onde e . Logo, é bem claro que a igualdade só ocorre quando o somatório no lado direito da Eq. (71) é zero e uma condição suficiente é que os limites que determinam os coeficientes deste somatório sejam zero. Porém podemos verificar que alguns destes, além de não convergirem para zero, ainda pior, até divergem para .
Feitas estas observações, podemos tirar as seguintes primeiras conclusões: a função
é formalmente uma solução para a Eq. (42) para todo , entretanto a função
nos fornece uma solução consistente para , mas não sabemos se para os demais valores de p temos uma solução válida.
Assim, da Eq. (72) obtemos a seguinte solução para a Eq. (39)
onde foi usada a identidade [1[1] K.B. Oldham and J. Spanier, The Fractional Calculus, Theory and Applications of Differentiation and Integration to Arbitrary Order, (Dover Publications, Inc., New York, 2002).] e a solução fica representada em termos da função de Bessel de ordem .
Curiosamente, ao ignorarmos as inconsistências da Eq. (73) mencionadas acima e desenvolvermos sua representação como feito para acima, obtemos
que sabemos também ser solução da Eq. (39) sendo LI com quando e para
5. Verificação do Caso 2
Visto que o caso não parece ter problema algum, inclusive nos levando, em última instância, à soluçãoque é a função de Bessel de primeira espécie de ordem , nesta seção investigamos de forma direta e mais cautelosamente o outro caso, i.e. , que parece apresentar problemas quando consideramos .
Começamos relembrando que nas etapas Eq. (65) - Eq. (66)já foi calculado que
onde . Chamamos atenção de que, se exigirmos que , então os coeficientes nunca serão nulo (mas serão sempre finitos para todo ). Em particular, a série na Eq. (74) é integrável segundo RL se, e somente se, (para garantir que ), logo o resultado
calculado nas etapas Eq. (65) Eq. (67) só é válido nestas condições!
Agora se exigirmos , então os primeiros coeficientes serão nulos, pois
para . Dessa forma, o correto é reescrevermos a série na Eq. (74) como
que é claramente integrável segundo RL e nos leva ao seguinte resultado
Portanto, concluímos que
Relembramos também que nas etapas Eq. (68) - Eq. (69), foi calculado que
onde e foi observado que se , então a série não é integrodiferenciável, pois os coeficientes nunca se anulam, mas as potências de dos primeiros termos são sempre menores que . Logo, a integração feita nas etapas Eq. (68) Eq. (70) não são lícitas nestas condições.
No entanto, se exigirmos , então os primeiros coeficientes se anulam, pois
para e assim a série na Eq. (76), se reduz a forma
que é integrável e nos leva ao seguinte resultado
Portanto, concluímos que
Em vista dos resultados apresentados acima e observando que
podemos concluir também que
Em particular, usando os resultados de Eq. (75), Eq. (77) e Eq. (78), verifica-se que a Eq. (49) tem solução se aplicarmos (pela esquerda) o operador restringindo , mas no final isto simplesmente nos leva a uma “segunda” solução que é LD com a “primeira” solução .
6. Resultados e considerações finais
Em síntese, os resultados acima (vide Eq. (75), Eq. (77) e Eq. (78)), nos indicam que a condição
tomando-se g segundo a Eq. (57) para não coincide totalmente com a afirmação14 14 Ressaltamos que eles afirmam que a igualdade se verifica para todo 0<p∉ℕ. dos autores de [1[1] K.B. Oldham and J. Spanier, The Fractional Calculus, Theory and Applications of Differentiation and Integration to Arbitrary Order, (Dover Publications, Inc., New York, 2002).]. Entretanto, este resultado não seria tão curioso não fosse o fato de que as investigações feitas na Seção 4. realmente nos indicarem que estas igualdades deveriam ser verdadeiras visto que o método proposto nos leva às duas soluções LI de Bessel (de primeira espécie) conhecidas.
Convém observar que mesmo assim, o método em si é bem sucedido (e formalmente bem des-crito) para se obter ao menos uma das soluções LI da equação de Bessel, a saber, a , para .
Então quais conclusões devemos tirar disso tudo? Será que podemos afirmar que o método usado para resolver a equação de Bessel (vide Seção 3.1.) é válido mesmo apresentando tal (aparente?) contradição com o Teorema 3? Sabemos que uma teoria bem descrita não pode levar a inconsistências lógicas, de modo que devemos olhar com cautela para as etapas/cálculos que foram feitos, resultados usados e até mesmo para as definições adotadas! Lembramos ainda ao leitor que as definições e resultados pertinentes a esta análise foram feitas sob a óptica dos ope-radores fracionários de integração e diferenciação segundo Riemann-Liouville formalmente encontrados e demonstrados em diversas fontes literárias (e.g., [1[1] K.B. Oldham and J. Spanier, The Fractional Calculus, Theory and Applications of Differentiation and Integration to Arbitrary Order, (Dover Publications, Inc., New York, 2002).,2[2] E. C. de Oliveira and J.A. Tenreiro Machado, Math. Prob. Eng., ID 238459 (2014).,7[7] J.A. Tenreiro Machado, A.M.S.F. Galhano and J.J. Trujillo, Scientometrics 98 577 (2014). DOI 10.1007/s11192-013-1032-6.
https://doi.org/10.1007/s11192-013-1032-...
,8[8] X. Wang, On the Leibniz rule and fractional derivative for differentiable and non-differentiable functions, viXra.org:1404.0072 (2014). http://vixra.org/pdf/1404.0072v1.pdf
http://vixra.org/pdf/1404.0072v1.pdf...
,17[17] K. Diethelm, The Analysis of Fractional Differential Equations, (Springer-Verlag, Berlin, 2010).,23[23] K.S. Miller and B. Ross, An Introduction to the Fractional Calculus and Fractional Differential Equations, (John Wiley & Sons, Inc., New York, 1993).,24[24] V.E. Tarasov, Fractional Dynamics: Applications of Fractional Calculus to Dynamics of Particles, Fields and Media, (Springer-Verlag, Berlin, 2010).]).
Na tentativa de respondermos a este questionamento e, especificamente, para podermos chegar a uma conclusão a respeito da validade ou não do método que foi proposto por Oldham & Spanier [1[1] K.B. Oldham and J. Spanier, The Fractional Calculus, Theory and Applications of Differentiation and Integration to Arbitrary Order, (Dover Publications, Inc., New York, 2002).] para resolvermos a equação de Bessel como descrito na Seção 3.1., exporemos uma última análise.
Alguns pontos cruciais que julgamos necessário olhar com mais cautela são:
-
Os resultados sobre a integrodiferenciação fracionária de funções do tipo .
-
As definições das IFRL () e DFRL () e do operador de integrodiferenciação fracionária , de ordem .
Comecemos então pelas definições dos opera-dores e apresentadas pelas Eq. (2) e Eq. (4), chamando especial atenção para a regra de integração e diferenciação de funções do tipo potência como exemplificado pelas Eq. (16a) - Eq. (16b). Já foi observado que a condição essencial para podermos calcular as IFRL e DFRL destas funções é requerer que para garantir a convergência das integrais que definem os operadores de Riemann-Liouville. De fato, vejamos o seguinte exemplo.
Exemplo 10Seja, então a primeira observação que temos a fazer é que esta função é definida para todosendo que no pontoa expressão diverge. Assim, usando a definição daIFRL (vide Eq. (2)) e integrarmos por partes, podemos obter as igualdades
onde claramente as expressões que surgem no processo de integração por partes apresentam sempre problemas de convergência no ponto.
Analogamente para a mesma função se usarmos a definição daDFRL (vide Eq. (4)) e integrando por partes, obtemos
e novamente as expressões que surgem no processo de integração por partes apresentam problemas de convergência no ponto.
No entanto, sabemos pelas regras de diferenciação e integração do cálculo de ordem inteira, que para funções do tipo potência valem as seguintes regras:
onde é uma constante de integração e, mais geralmente, para :
onde (I) ou ou e , (II) e e são constantes de integração.
Isto nos diz que as funções do tipo potência , , podem ser diferenciadas e integradas (ordinariamente) um número arbitrário de vezes. Em particular, observamos que ao dife-renciar ou integrar as funções potências , obtemos novamente funções do mesmo tipo (exceto para o caso em que , para o qual surgem logaritmos).
O que acontece é que quando temos , então todas as funções potências , formalmente não são definidas em por causa da singularidade que lá se encontra. Consequentemente, as suas respectivas derivadas (ordinárias) de qualquer ordem também não serão definidas neste ponto,15 15 Basta observar que para esta condição sobre β segue pela Eq. (79) que β-1<0e os coeficientes Γβ+1Γβ+1-nserão sempre finitos. enquanto as integrais (ordinárias) de ordem poderão produzir primitivas que estarão (ou não) definidas no ponto , dependendo da relação de ordem entre e o índice , mas que claramente estarão bem definidas para os demais pontos .
Então como devemos conciliar estes resultados? Ora, se o intuito do chamado “Cálculo Fracionário” é a generalização dos operadores de integração e diferenciação para ordens arbitrárias, então como devemos interpretar a aparente inconsistência de não podermos integrodiferenciar fracionariamente funções do tipo potência com ordem , enquanto o cálculo de ordem inteira nos diz o contrário? Acreditamos que uma generalização sensata deveria, no mínimo, preservar a possibilidade de integrodiferenciarmos fracionariamente estas mesmas funções16 16 Com a possível implicação de termos que expandir o domínio de definição dos operadores de IFRL e DFRL. para quaisquer .
Ainda, sabemos da teoria de integração e dife-renciação clássica, que quando calculamos uma integral indefinida de uma função f contínua num conjunto , o resultado não é a obtenção de uma nova e única função (denotada de primitiva da f), mas sim de uma família (infinita) de primitivas, todas ”iguais” umas das outras a menos de uma constante (chamada de constante de integração) e simbolicamente expressamos este resultado como
Uma das versões do teorema fundamental do cálculo nos permite relacionar as operações de integração e diferenciação e como consequência nos permite calcular integrais definidas de funções f contínuas num dado intervalo fazendo uso de uma primitiva do seguinte modo
e, em particular, se é uma função tal que para todo , então
onde faz o papel da constante de integração. Assim, para cada escolha do limi-te inferior de integração teremos uma constante de integração distinta, sendo que esta escolha deve ser feita obviamente dentro do domínio de definição da função f a ser integrada ou diferenciada.
Agora suponha que f seja contínua em mas ilimitada em , como no caso das funções potências com . Então, formalmente, este ponto não pertence ao domínio de f, mas a função é comportada o suficiente no restante do intervalo para ser integrada e, portanto, as expressões das Eq. (82) e Eq. (83) precisam ser reinterpretadas como
onde as expressões acima são sempre bem definidas para quaisquer , mas os limites quando podem ou não existir.17 17 Quando estes limites existem, as integrais são chamadas de impróprias. Em particular, pode ocorrer que a primitiva seja definida (i.e., finita) em mesmo que não seja (e.g. com ), assim como pode ocorrer que também não seja definida (e.g. com ).
Então obviamente a escolha do limite inferior está relacionada com o aparecimento da constante de integração e similarmente ao caso de integração de ordem inteira, isto também ocorre quando integramos segundo RL a função .
Por exemplo, considere a função e considere a IFRL que sabemos existir, pois a condição é satisfeita. E pelo resultado da Eq. (16a)
mas este resultado não está definido no ponto .
Em casos como este, devemos interpretar como limite inferior da IFRL e (e similarmente para a DFRL ) não o ponto , mas sim o ponto , para qualquer , i.e.,
e então, tomarmos os limites
e verificarmos a existência destes limites, assim como quando lidamos com integrais impróprias no caso de ordens inteiras.
Isto é claro, não resolve em si a questão le-vantada no início desta seção sobre a possibilidade de integrodiferenciarmos fracionariamente funções do tipo com ordem , porém nos faz entender que, sempre que as expressões
forem válidas, então
de modo que se (ou ) então quando as funções resultantes da integração (ou diferenciação) estarão definidas no ponto .
Feito estas observações, nos parece claro que os operadores de IFRL e DFRL não generalizam completamente os operadores de diferenciação e integração, visto que, por um lado, podemos dife-renciar e integrar (pelas regras do cálculo de ordem inteira) funções do tipo um número arbitrário de vezes para qualquer valor de , mas por outro, não podemos diferenciar e integrar fracionariamente estas mesmas funções se .
Uma possível solução para este problema é a conjectura de que uma definição mais ampla dos operadores de integração e diferenciação de ordens arbitrárias que possibilite-nos incluir as funções do tipo para deve ser possível se ampliarmos o domínio destes operadores de modo a incluir as funções generalizadas e afirmamos isso baseado no seguinte exemplo.
Exemplo 11Sejadefinida parae suponha que. Então se usarmos o resultado daEq. (16a), teremos
o que é um resultado inesperado, visto que a função é não nula ao longo de e, no entanto, como então a expressão parece ser identicamente zero.
Por outro lado, se lembrarmos que aIFRLpode ser interpretada como o produto de convolução entree (videEq. (7)), i.e.,
e que
então substituindo a Eq. (90) na Eq.(89) obtemos 18 18 Fazendo uso do resultado da Eq. (9).
e este resultado parece bem mais promissor. Aliás, tendo em vista esta linha de raciocínio, podemos rever o resultado da Eq. (88) e perceber que a expressão pode ser reescrita da seguinte forma
que coincide com o resultado daEq. (91).
Este exemplo nos elucida, como mencionado acima, que eventualmente o melhor modo de gene-ralizar os operadores de integração (e consequentemente os de diferenciação) para ordens arbitrárias seja através do uso de funções gene-ralizadas.
Outro motivo que corrobora com esta hipótese aparece quando tentamos unificar os operadores de integração e diferenciação de ordens arbitrárias em um único operador de integrodiferenciação fracionária como discutido na Seção 2.2.. Na ocasião, foi apresentado o operador de integro-diferenciação fracionária (vide Eq. (20)) e foi concluído que
ou seja, que a DFRL pode ser representada pela parte finita de Hadamard da IFRL e uma des-crição destas relações certamente pode ser feita utilizando-se a teoria de distribuições, motivando-nos a continuar os estudos iniciados neste trabalho em futuras investigações.
Obviamente, uma correta descrição dos ope-radores de IFRL e DFRL e como estes agem nas funções do tipo potência para possui influência direta no modo como integro-diferenciamos funções representáveis por séries de potências e isto, por sua vez, tem consequências na metodologia que utilizamos para resolver a equação de Bessel e possivelmente, abre portas para uma explicação mais abrangente (e quem sabe mais elegante) para as inconsistências apontadas na obtenção da segunda solução .
7. Conclusões
Neste trabalho investigamos a equação de Bessel sob a ótica do cálculo fracionário e verificamos que a técnica proposta por Oldham & Spanier [1[1] K.B. Oldham and J. Spanier, The Fractional Calculus, Theory and Applications of Differentiation and Integration to Arbitrary Order, (Dover Publications, Inc., New York, 2002).] de fato é muito promissora e é uma alternativa à abordagem clássica do método de Frobenius para a obtenção de uma solução da equação de Bessel de primeira espécie . Inclusive, motivados pelas investigações feitas para a equação de Bessel, obtivemos por uma metodologia seme-lhante, uma solução da equação hipergeométrica confluente compilado na Ref. [25[25] F.G. Rodrigues e E.C. de Oliveira, Confluent hypergeometric equation by fractional calculus approach, (aceito para publicação no J. Phys. Math.), (2015).]. No entanto, nossa investigação nos levou a certos questionamentos sobre a melhor forma de generalizar os operadores de integração e diferenciação para ordens arbitrárias, uma vez que nos moldes como foram definidos (operando em funções de espaços ) é evidente que não podemos aplicar tais operadores à funções do tipo potência quando , mesmo sabendo que isto é possível quando operamos com ordens inteiras. Como mostrado na Seção 6., verificamos que uma possível descrição mais geral destes operadores eventualmente possa ser realizada com o uso de funções generalizadas e esta conjectura certamente abre caminho para futuros trabalhos.
Mencionamos ainda que, no intuito de verificar as vantagens de aplicações das derivadas fracionárias na formulação de equações diferenciais fracionárias, num recente trabalho (Ref. [26[26] F.G. Rodrigues e E.C. de Oliveira, Introdução às técnicas do cálculo fracionário para estudar modelos da Física-Matemática, (aceito para publicação na RBEF), (2015).]), são apresentadas possíveis generalizações para modelos de viscoelasticidade linear e osciladores harmônicos, sendo que as soluções foram obtidas através da metodologia da transformada de Laplace.
Agradecimentos
FGR agradece a CAPES pela bolsa disponível durante o programa de doutorado. Os autores também são gratos ao árbitro pelos pareceres e sugestões dadas para tornar este trabalho melhor enquadrado ao público alvo.
-
2
Ao longo deste trabalho iremos denotar, indiferentemente, cálculo de ordem arbitrária, cálculo de ordem não inteiria ou cálculo fracionário, como a teoria dos operadores de diferenciação e integração de ordem , onde .
-
3
Este fato pode ser comprovado através da transformada de Laplace, pois a relação envolve o valor da função na origem, ou seja, existe sua relação entre estas transformadas (Caputo e Riemann-Liouville) diferindo apenas pelo valor da função na origem.
-
4
Isto significa que para .
-
5
No mínimo teríamos um pequeno ajuste a fazer na Eq. (4), a saber: .
-
6
No sentido impróprio segundo Riemann, ou em quase todos os pontos segundo Lebesgue.
-
7
Resultado demonstrado em [20[20] I. Podlubny, Fractional Differential Equations, (Academic Press, San Diego, 1999).] e válido para ou .
-
8
Também verificada na Ref. [20[20] I. Podlubny, Fractional Differential Equations, (Academic Press, San Diego, 1999).].
-
9
O autor na Ref. [20[20] I. Podlubny, Fractional Differential Equations, (Academic Press, San Diego, 1999).], mostra a validade desta propriedade para os casos e .
-
10
Lembremos que o método de Frobenius, consiste em procurar uma solução da EDO através de uma série de potências convergente na vizinhança do ponto , partindo-se da suposição de que arbitrário e sendo um parâmetro a ser determinado.
-
11
Em particular, é finito para , enquanto que é infinito para .
-
12
Dependendo se representar a DFRL ou a IFRL.
-
13
Tomando o cuidado de aplicar cada caso dependendo se , e representarem uma DFRL ou uma IFRL.
-
14
Ressaltamos que eles afirmam que a igualdade se verifica para todo .
-
15
Basta observar que para esta condição sobre segue pela Eq. (79) que e os coeficientes serão sempre finitos.
-
16
Com a possível implicação de termos que expandir o domínio de definição dos operadores de IFRL e DFRL.
-
17
Quando estes limites existem, as integrais são chamadas de impróprias.
-
18
Fazendo uso do resultado da Eq. (9).
Referências
-
[1]K.B. Oldham and J. Spanier, The Fractional Calculus, Theory and Applications of Differentiation and Integration to Arbitrary Order, (Dover Publications, Inc., New York, 2002).
-
[2]E. C. de Oliveira and J.A. Tenreiro Machado, Math. Prob. Eng., ID 238459 (2014).
-
[3]R. Garra et al., Appl. Math. & Comp., 242, 576 (2014).
-
[4]U.N. Katugampola, A new fractional derivative with classical properties, ArXiv: 1410.6535v2 [math.CA] (2014).
-
[5]R. Khalil et al., J. Comput. & Appl. Math., 264, 65 (2014).
-
[6]M.D. Ortigueira and J.A. Tenreiro Machado, J. Comp. Phys. (2014). http://dx.doi.org/10.1016/j.jcp.2014.07.019
» http://dx.doi.org/10.1016/j.jcp.2014.07.019 -
[7]J.A. Tenreiro Machado, A.M.S.F. Galhano and J.J. Trujillo, Scientometrics 98 577 (2014). DOI 10.1007/s11192-013-1032-6.
» https://doi.org/10.1007/s11192-013-1032-6 -
[8]X. Wang, On the Leibniz rule and fractional derivative for differentiable and non-differentiable functions, viXra.org:1404.0072 (2014). http://vixra.org/pdf/1404.0072v1.pdf
» http://vixra.org/pdf/1404.0072v1.pdf -
[9]B.J. West, Colloquium: Fractional calculus view of complexity: A tutorial, Rev. Mod. Phys., 8, 1169 (2014).
-
[10]J.A. Tenreiro Machado, A.M.S.F. Galhano and J.J. Trujillo, Fract. Cal. & App. Anal., 16(2), 479 (2013).
-
[11]V.E. Tarasov, Comm. Nonlinear Science and Num. Sim. 18(11), 2945 (2013).
-
[12]V.V. Kobelev, On a Leibniz-type fractional derivative, ArXiv: 1202.2714 [math-ph] (2012).
-
[13]F.G. Rodrigues e E.C. de Oliveira, Introdução ao Cálculo Fracionário (a ser submetido para publicação), (2015).
-
[14]I.M. Gelf'and and G.E. Shilov, Generalized Functions, (Academic Press, Inc., New York, 1964).
-
[15]A.A. Kilbas, H.M. Srivastava and J.J. Trujillo, Theory and Applications of Fractional Differential Equations, (Elsevier B. V., Amsterdam, 2006).
-
[16]S.G. Samko, A.A. Kilbas and O.I. Marichev, Fractional Integrals and Derivatives, Theory and Applications, (Gordon and Breach Science Publishers, Amsterdam, 1993).
-
[17]K. Diethelm, The Analysis of Fractional Differential Equations, (Springer-Verlag, Berlin, 2010).
-
[18]J. Hadamard, Lectures on Cauchy's Problem in Linear Partial Differential Equations, (Yale Univ. Press, New Haven, 1923, (Dover NY, 1952)).
-
[19]D. Elliot, IMA J. Numer. Anal., 13, 445 (1993).
-
[20]I. Podlubny, Fractional Differential Equations, (Academic Press, San Diego, 1999).
-
[21]T. Myint-U and L. Debnath, Linear Partial Differential Equations for Scientists and Engineers, (Birkhäuser Boston, 2007).
-
[22]E.C. de Oliveira e J.E. Maiorino, Introdução aos Métodos da Matemática Aplicada, (Editora Unicamp, Campinas, 2010), 3a Edição.
-
[23]K.S. Miller and B. Ross, An Introduction to the Fractional Calculus and Fractional Differential Equations, (John Wiley & Sons, Inc., New York, 1993).
-
[24]V.E. Tarasov, Fractional Dynamics: Applications of Fractional Calculus to Dynamics of Particles, Fields and Media, (Springer-Verlag, Berlin, 2010).
-
[25]F.G. Rodrigues e E.C. de Oliveira, Confluent hypergeometric equation by fractional calculus approach, (aceito para publicação no J. Phys. Math.), (2015).
-
[26]F.G. Rodrigues e E.C. de Oliveira, Introdução às técnicas do cálculo fracionário para estudar modelos da Física-Matemática, (aceito para publicação na RBEF), (2015).
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Set 2015
Histórico
-
Recebido
20 Fev 2015 -
Aceito
05 Jul 2015