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Partículas e antipartículas no cone de luz

(Particles and antiparticles in the light cone)

Resumos

Na teoria quântica de campos usual, descrita no espaço-tempo de Minkowski, os conceitos de partícula e antipartícula surgem associados aos estados de energia positiva e negativa respectivamente. Nesse artigo focando como público alvo alunos de pós-graduação em Física, discutimos de maneira pedagógica como esses conceitos podem ser ou não transferidos quando fazemos uma mudança de coordenadas, do espaço-tempo de Minkowski para as coordenadas do cone de luz. Concluímos que nessas novas coordenadas temos uma arbitrariedade na escolha, uma vez que o sinal da energia fica atrelado ao sinal da componente longitudinal do momento no cone de luz. Embora haja essa arbitrariedade, a correlação de sinal que existe entre a energia e o momento longitudinal implica profundas consequencias físicas. Momentos positivos implicam energias positivas e momentos negativos implicam energias negativas. Isso significa, por exemplo, que no vácuo quântico da frente de luz não pode haver produção de pares partículas e antipartículas, ao contrário do que ocorre no espaço de Minkowski usual.

Palavras-chave:
teoria quântica de campos; espaço de Minkowski; cone de luz; antipartículas


In the usual quantum theory of fields, as described in the Minkowski space-time, the concepts of particle and antiparticle appear associated with positive and negative energy states respectively. In this article, which is directed to graduate students in physics, we discussed in a pedagogical way how these concepts can be transferred when we make a change of coordinates, from the Minkowski space-time to the coordinates of the light cone. We conclude that these new coordinates have an arbitrary choice, once the sign of the energy is coupled to the sign of the longitudinal component of the momentum in the light cone. Although there is this arbitrariness, the sign correlation between the energy and the longitudinal momentum implies profound physical consequences. Positive momenta imply positive energy, and negative momenta imply negative energies. This means, for example, that in the quantum vacuum of the light front there cannot be any pair production of particle and antiparticle, unlike what happens in the usual Minkowski space.

Keywords:
quantum theory of fields; Minkowski space; light cone; antiparticles


1. Introdução

No universo material em que estamos inseridos, a matéria que a compõe tem hoje uma formulação matemática muito elegante, baseada nos conceitos da teoria quântica de campos, que utiliza tanto o formalismo da mecânica quântica - fundamental para a descrição dos constituintes do microcosmo - bem como do formalismo da mecânica relativística de Einstein - fundamental para descrever as partículas com velocidades próximas à da luz.

Dentro desse arcabouço teórico, entendemos os princípios de conservação de quantidades físicas como resultante das propriedades de invariância por simetria das equações de movimento que governam certo processo físico. Assim, a invariância por translação de um sistema físico reflete-se na conservação da quantidade de movimento (ou momento linear) desse sistema, enquanto a invariância por transformações de calibre redundam em conservação da carga elétrica.

Um dado experimental que a natureza nos apresenta é que partículas que compõe a matéria podem vir sob duas cargas elétricas distintas: positiva e/ou negativa. Quando todas as demais propriedades de duas partículas, tais como massa, spin, etc. são iguais, mas a carga elétrica delas é diferente, temos aí configurado a partícula e a antipartícula. Por exemplo, o elétron e o pósitron, o próton e o anti-próton, são exemplos desse par partícula-antipartícula: Cada par desses tem a mesma massa, o mesmo spin, mas cargas elétricas opostas. Por convenção, o elétron e o próton são as partículas e o pósitron e o anti-próton são as antipartículas correspondentes ao elétron e ao próton.

A interpretação teórica desse fato experimental, isto é, a maneira de entender a existência dessas antipartículas veio primeiramente com as idéias de P.A.M. Dirac ao tentar resolver o problema das soluções quânticas da equação de Klein-Gordon com energias negativas, possibilitadas na relação relativística de energia-momento:

(1) E = ± k 2 c 2 + m 2 c 4 .

Como essa ideia de antipartículas surgiu na concepção de Dirac? Bem, vimos que a relação entre energia e momento de uma partícula eletricamente carregada como o elétron, é dada pela relação (1). Para Dirac, a possibilidade de se admitir a solução de energia negativa para o elétron implicaria na necessidade de se postular uma antipartícula do elétron da seguinte forma: Como os sistemas físicos tem a tendência de evoluírem para estados de energia mínima, a existencia de estados de energia negativa para os elétrons implicaria que eles tenderiam a ir para os estados cada vez mais negativos, irradiando energia de maneira continua e infinitamente. Mas isso não se verifica experimentalmente. Então Dirac postulou que há um “mar (infinito) de elétrons” de energia negativa, uniforme e por conseguinte não produzindo efeitos observáveis. Devido ao princípio de exclusão de Pauli, os elétrons de estados de energia positiva não poderiam ir para os estados de energia negativa, já todos ocupados por elétrons. Quando um elétron desse “mar de elétrons”, todos de energia negativa, fosse excitado por um fóton e fosse conduzido para um estado de energia positiva, no “mar” ficaria um“buraco” ou uma “bolha”, agora com efeito observável, que se comportaria como partícula de carga positiva e energia positiva. Em outras palavras, como uma antipartícula do elétron. Embora seja uma idéia interessante, ela é instatisfatória na medida em que se associa antipartículas a “buracos” ou “vazios/bolhas”. Além disso, esses “buracos” seriam aqueles deixados num “mar infinito” de elétrons de energia negativa, que carece de uma fundamentação experimental [1[1] W. Greiner and J. Reinhardt, Quantum Electrodynamics (Springer, New York, 1996).].

Mais tarde, na década de 1940, R.P. Feynman deu a interpretação que atualmente se aceita como sendo a explicação mais plausível para os estados quânticos de energia negativa que seriam então os estados quânticos associados às antipartículas. A idéia de Feynman foi interpretar, na solução da função de onda expressa em termos de ondas planas, de energia negativa, (-E), a propagação da partícula para o passado, (-t), o qual agora seria interpretado como sendo antipartículas de energia positiva, (+E), progapagndo-se para o futuro, (+t),

ψ ( x , t ) = A e i ( k x - ( - E ) ( - t ) ) = A e i ( k x - ( + E ) ( + t ) ) .

Vamos a seguir ver o que ocorre com essa ideia de Feynman aos transferirmos para as coordenadas do cone de luz.

Nas coordenadas usuais do espaço de Minkowski, temos os quadrivetores espaço definidos por

x = ( c t , x ) = ( c t , x , y , z ) = ( x 0 , x 1 , x 2 , x 3 ) ,

que, expressos nas coordenadas do cone de luz ficam

x = ( x + , x 1 , x 2 , x - ) = ( x + , x , x - ) ,

em que x+e x-são definidos por

x ± = x 0 ± x 3 2 , x = ( x 1 , x 2 ) .

Analogamente para os quadrivetores momento, temos

k ± = k 0 ± k 3 2 , k = ( k 1 , k 2 ) .

Do produto escalar entre eles, kx=k0x0-kx=k0x0-k1x1-k2x2-k3x3, expresso em termos dessas novas coordenadas da frente de luz, kx=k-x+-kx+k+x-=k-x+-k1x1-k2x2+k+x-notamos dois pontos importantes: a) Podemos associar a coordenada k-como a energia na frente de luz e a coordenada x+como o tempo na frente de luz, em analogia à energia k0e ao tempo x0usuais; e b) o produto do momento longitudinal k+e a coordenada longitudinal x-é positivo, diferentemente do caso usual, onde o sinal de k3x3é sempre negativo.

Que interesse físico haveria para se fazer uma simples mudança de coordenadas e quais consequencias há para tal mudança? Evidentemente que a física permanece a mesma, porém, assim como mudar de coordenadas cartesianas para coordenadas polares ou esféricas pode facilitar a descrição de sistemas com simetria esférica, utilizamos a mudança de coordenadas para a frente de luz para facilitar a descrição analítica de um fenômeno onde as variáveis envolvidas sejam tais que envolvam grandes momentos (momento “infinito”). O formalismo da frente de luz é bastante útil então na descrição de espalhamentos em altas energias que ocorrem nas colisões entre hádrons ou entre léptons e hádrons realizadas nos grandes aceleradores de partículas, uma vez que nessas experiências, as partículas interagentes são ultra-relativísticas e ocorrem ao longo de um eixo preferencial que é o eixo da colisão [2[2] S.D. Drell, D.J. Levy and J.-M. Yan, Phys. Rev. D 1, 1035 (1970).

[3] S.-J. Chang, R.G. Root and T.-M. Yan, Phys. Rev. D 7, 1133 (1973).

[4] J.B. Kogut and D.E. Soper, Phys. Rev. D 1, 2901 (1970).

[5] S.-J. Chang and T.-M. Yan, Phys. Rev. D 7, 1147 (1973); T.-M. Yan, Phys. Rev. D 7, 1780 (1973).

[6] N.E. Ligterink and B.L.G. Bakker, Phys. Rev. D 52, 5917 (1995) 5917; Phys. Rev. D, 52 5954 (1995).

[7] N.C.J. Schoonderwoerd and B.L.G. Bakker, Phys. Rev. D 57, 4965 (1998); Phys. Rev. D 58, 025013 (1998).

[8] S.J. Brodsky, H.-C. Pauli and S. Pinski, Phys. Rep. 301, 299 (1998).
-9[9] A.T. Suzuki and J.H.O. Sales, Nucl. Phys. A 725, 139 (2003); A.T. Suzuki and J.H.O. Sales, Mod. Phys. Lett. A 19, 2831 (2004).].

Além disso, observando a Eq. (1), observamos que a relação entre a energia e o momento no espaço usual de Minkowski é quadrático, de modo que a energia, em função do momento se torna uma relação irracional de grandezas. Como no processo de quantização, as variáveis numéricas se tornam operadores lineares, fica difícil interpretar o que seria a raiz quadrada de um operador quântico. Por outro lado, a mesma relação de energia e momento expressa nas coordenadas da frente de luz se torna:

(2) k - = k 2 + m 2 c 2 2 k + ,

que mostra ser uma relação racional linear entre energia e momento. Além do mais, a Eq. (2) mostra que existe uma correlação do sinal da energia com o sinal do momento longitudinal k+: Quando k+é positivo, a energia é positiva e vice-versa. Esta correlação, entre outras coisas, proíbe a manifestação da criação de pares no vácuo quântico da frente de luz, o que fisicamente interpretamos como sendo um vácuo de estrutura mais simples que no caso covariante.

Uma outra consequencia importante do uso das coordenadas da frente de luz tem a ver com o que chamamos de maximização do grupo de estabilidade dos geradores da álgebra de Poincarè. Sistemas relativísticos podem ser descritos pelo grupo de transformações de Lorentz juntamente com as translações - que compõem o que denominamos de grupo das transformações de Poincarè. No espaço de Minkowski usual, os dez geradores do grupo de Poincarè se subdividem em seis geradores cinemáticos e quatro dinâmicos. Nas coordenadas do cone de luz, os dez geradores de Poincarè se subdividem em sete cinemáticos (máximo possível) e três dinâmicos, o que representa uma vantagem na descrição analítica das equações do movimento. Mais especificamente, “boosts” (“empurrões”) ao longo do eixo transversal são puramente cinemáticos, conservando o momento longitudinal ao longo desse eixo. Em tese, portanto, a física na frente de luz deveria ser mais simples de ser tratada. Em tese, porque como diz o ditado chinês, “não há almoço grátis”. A vantagem auferida por uma lado, acarreta desvantagens de outro lado! Notamos que na expressão da Eq. (2) temos o denominador k+que quando se anula se torna numa singularidade para a energia k-. Essa singularidade é conhecida pelo nome de “modo zero”, que intervém em muitos processos e requer um ferramental especializado para se tratar.

Neste trabalho mostramos como no formalismo da Mecânica Quântica no cone de luz (ou como aparece algumas vezes na literatura, formalismo do plano-nulo) definimos a propagação de partículas ou antipartículas. Isso pode ser observado pela Mecânica Quântica no cone de luz que nos indica para x+>0e k+>0temos a partícula se propagando para frente no tempo no plano-nulo (x+=0). Caso contrário, para x+<0e k+<0teremos a partícula propagando-se para o passado, o que corresponde a uma antipartícula avançando para frente no tempo do cone de luz.

Mas será possível descrever um sistema físico em qualquer hipersuperfície do espaço-tempo com condições iniciais definidas em uma hipersuperfície diferente de t=0? Em 1949 Dirac [10[10] P.A.M. Dirac, Rev. Mod. Phys. 21, 392 (1949).] publicou uma comparação entre três distintas formas que poderiam descrever a dinâmica de sistemas relativísticos. A motivação estava em que duas dessas formas não usam o tempo usual t para descrever a dinâmica das propriedades do sistema. Em outras palavras, a escolha de qual forma utilizamos para descrever a dinâmica relativística é uma questão de convenção, a escolha sendo a princípio arbitrária. Portanto, Dirac propõe, dessa maneira, diferentes formas de dinâmica relativística. Estas formas de dinâmica são identificadas, como sendo a forma instantânea (ou instante), que corresponde à teoria relativística quântica com as condições de contorno definidas em t=0; a forma frente de luz (ou cone de luz), onde as condições iniciais são dadas em um hiperplano do espaço de Minkowski que contém a trajetória da luz, e a forma pontual, a qual não trataremos neste trabalho.

Neste artigo vamos explorar o conceito que garante ao propagador quântico no cone de luz a sua correspondente evolução do estado de partícula para um tempo futuro no cone de luz x+c=(t+zc)2, tempo definido no cone de luz). Em princípio, isto é equivalente à quantização canônica no cone de luz [2[2] S.D. Drell, D.J. Levy and J.-M. Yan, Phys. Rev. D 1, 1035 (1970).

[3] S.-J. Chang, R.G. Root and T.-M. Yan, Phys. Rev. D 7, 1133 (1973).

[4] J.B. Kogut and D.E. Soper, Phys. Rev. D 1, 2901 (1970).

[5] S.-J. Chang and T.-M. Yan, Phys. Rev. D 7, 1147 (1973); T.-M. Yan, Phys. Rev. D 7, 1780 (1973).

[6] N.E. Ligterink and B.L.G. Bakker, Phys. Rev. D 52, 5917 (1995) 5917; Phys. Rev. D, 52 5954 (1995).

[7] N.C.J. Schoonderwoerd and B.L.G. Bakker, Phys. Rev. D 57, 4965 (1998); Phys. Rev. D 58, 025013 (1998).

[8] S.J. Brodsky, H.-C. Pauli and S. Pinski, Phys. Rep. 301, 299 (1998).
-9[9] A.T. Suzuki and J.H.O. Sales, Nucl. Phys. A 725, 139 (2003); A.T. Suzuki and J.H.O. Sales, Mod. Phys. Lett. A 19, 2831 (2004).,11[11] S.J. Brodsky, Ralph Roskies and Roberto Suaya, Phys. Rev. D 8, 4574 (1973).

[12] E. Tomboulis, Phys. Rev. D 8, 2736 (1973).
-13[13] P.P. Srivastava and S.J. Brodsky, Phys. Rev. D 64, 045006 (2001).]. Kogut e Soper [4[4] J.B. Kogut and D.E. Soper, Phys. Rev. D 1, 2901 (1970).] também utilizam esta maneira de construir quantidades no cone de luz: partem de amplitudes ou equações 4-dimensionais e realizam a integração em k-=(k0+k3)2, equivalente à energia da partícula no cone de luz), com a definição k+>0 (k+=(k0+k3)2), o que corresponde à representação dos processos descritos por tais amplitudes ou equações no tempo x+c. Com isto o tempo relativo entre as partículas desaparece e apenas a propagação global do sistema intermediário é permitida. A propagação global do sistema intermediário é a translação temporal do sistema físico entre dois instantes x+c[14[14] J.H.O. Sales, T. Frederico, B.V. Carlson and P.U. Sauer, Phys. Rev. C 61, 044003 (2000).,15[15] J.H.O. Sales, T. Frederico, B.V. Carlson and P.U. Sauer, Phys. Rev. C 63, 064003 (2001).].

2. Partícula e antipartícula na relatividade

A mecânica ondulatória de Schrödinger não previa o spin do elétron, e a equação de onda definia a função Ψ como quantidade escalar. Pauli tentou introduzir o spin na mecânica ondulatória. Para isso, construiu uma função de onda Ψ de duas componentes, correspondente a duas orientações possíveis do spin. Era um progresso em relação a teoria de Schrödinger, mas a teoria não se apresentava como relativística. Dirac, depois de ter estabelecido a forma relativística da equação de Schrödinger, mostrou que a função de onda Ψ era uma grandeza de quatro componentes e que as equações assim obtidas eram invariantes sob a transformação de Lorentz.

Na equação de propagação de Schrödinger temos, com a função de onda associado ao elétron, a energia E. Se na mecânica não relativística, a energia E de uma partícula de massa m é dada em função da velocidade v ou da sua quantidade de movimento k temos

E = 1 2 m v 2 = 1 2 m k 2 ,

o que corresponde a um valor de E sempre positivo na mecânica clássica. Na mecânica relativística, por outro lado, a energia total é dada pela Eq. (1), que reescreveremos agora de maneira um pouco diferente

(3) E = ± c m 0 2 c 2 + k 2 ,

em que introduzimos a notação para a massa de repouso como m0, para distingui-la da massa relativística que muitas vezes encontramos na literatura. Vemos que a Eq. (3)permite que a energia seja positiva ou negativa, numa relação irracional com os quadrados do momento e da massa de repouso.

Este ponto é de grande importancia para a teoria das antipartículas no cone de luz, e é por isso que vamos insistir na análise via teoria da relatividade restrita. A relação (3) é equivalente a

(4) E = m 0 c 2 ± 1 - v 2 c 2 .

A partir da Eq. (3), criou-se a definição de massa relativística, mrel, para simplificar a notação,

(5) m r e l = m 0 ± 1 - v 2 c 2 = γ m 0 ,

em que γ=±11-v2c2e então a famosa fórmula de Einstein poderia ser escrita genericamente também para corpos em movimento

(6) E = m r e l c 2 .

A relação dada pela Eq. (3), rigorosamente falando, deveria ser sempre escrita com um sinal ± antes da raiz como fizemos explicitamente. Foi assim que Dirac conectou as anti-partículas da teoria de campos com a relatividade especial.

Um outro modo de analisar a questão é através do sinal do intervalo invariante. O quadrado do intervalo invariante do espaço-tempo de Minkowski é dado por

(7) d s 2 = c 2 d t 2 - d x 2 - d y 2 - d z 2 .

Manipulando o quadrado do intervalo invariante e dividindo por dt2, obtemos o fator γ da seguinte maneira

(8) d s 2 c 2 d t 2 = 1 - 1 c 2 v x 2 - v y 2 - v z 2 = 1 - v 2 c 2 = 1 γ 2 d s d t = ± c γ .

Usando este resultado na Eq. (5), permite reescrever a massa relativística como

m r e l = c m 0 ± d s d t .

Se tomarmos o sinal +, mrelserá também positiva e a energia E=mrelc2será positiva. Consequentemente, a escolha do sinal negativo - para o valor da massa relativística implica um valor negativo para a energia E.

Vemos então que o sinal da massa relativística - e consequentemente o aparecimento de anti-partículas - está relacionado com a escolha dos valores ±dsdtvistos na Eq. (8).

3. Partícula e antipartícula no cone de luz

Podemos fazer algo semelhante no cone de luz. Usando as transformações de coordenadas do espaço de Minkowski para as coordenadas do cone de luz, temos

(9) x + = 1 2 x 0 + x 3 x - = 1 2 x 0 - x 3 x = x 1 i + x 2 j ,

em que x0=cté a componente temporal, x1, x2e x3são as componentes espaciais x,y,zrespectivamente. O vetor xestá contido no plano x,ye é transversal às compontentes x+,x-.

Os momentos canonicamente conjugados às coordenadas x+,x-e xsão, respectivamente dados por

(10) k - = 1 2 k 0 - k 3 , k + = 1 2 k 0 + k 3 , k = k 1 , k 2 .

O método usual de encontrar a relação da energia nas coordenadas do cone de luz é calcular o produto escalar kμkμ=c2m02do quadri-momento nessas coordenadas, com massa de repouso m0, ou seja,

(11) k μ k μ = c 2 m 0 2 E c 2 2 - k x 2 - k y 2 - k z 2 = c 2 m 0 2 2 k + k - - k 2 = c 2 m 0 2 k - = c 2 m 0 2 + k 2 2 k +

Note que a energia de uma partícula livre no espaço-tempo de Minkowski é dada por k0=E=±cm02+k2, o que mostra uma dependência quadrática de k0com k em contraste com a dependência linear entre (k+)-1e k-nas coordenadas do cone de luz. Observe que na energia relativística temos os dois sinais, e na Eq. (11) o sinal de k-está atrelado ao de k+.

O sinal da energia k-depende do sinal de k+. Vamos agora, analisar com ajuda do quadrado do intervalo invariante do espaço-tempo no cone de luz se é possível encontrar uma relação que nos mostre se o sinal da energia no cone de luz está associado ao sinal do quadrado do intervalo invariante. Usando a Eq. (9) para reescrever a Eq. (7), temos

(12) d s 2 = d x + + d x - 2 2 - d x 2 - d y 2 - d x + - d x - 2 2 = 2 d x + d x - - d x 2 .

Não escolheremos, como usualmente se faz, a coordenada x+como o “tempo” no cone de luz, mas usaremos o tempo próprio τ e a massa de repouso m0, pois são invariantes por mudança de referencial. Dessa forma

(13) d s 2 d τ 2 = 2 v + v - - v 2 m 0 2 d s 2 d τ 2 = 2 k + k - - k 2 , m 0 d s d τ 2 = 2 k + k - - k 2 ,

em que usamos v+,-,=dx+,-,dτe k+,-,=m0v+,-,, e sendo dsdτ=±c, teremos

(14) c 2 m 0 2 = 2 k + k - - k 2 k - = c 2 m 0 2 + k 2 2 k + .

Vemos na Eq. (13) que, no cone de luz, não podemos associar o sinal da energia ao quadrado do intervalo invariante como anteriormente. A relação dada pela Eq. (14) é exatamente a que encontramos na Eq. (11). O sinal negativo para a energia - ou seja, a existência de anti-partículas - é arbitrária, através da escolha do sinal de k+. Além disso, nas coordenadas do cone de luz, como os sinais de k-e de k+estão vinculados, não há a possibilidade do aparecimento simultâneo de partículas e antipartículas.

4. Conclusão

Como na dinâmica da partícula no cone de luz o sinal da energia k-está vinculado com o sinal de k+, a escolha do sinal é totalmente arbitrária. Sendo assim, fica claro que não é possível termos partículas e antipartículas simultaneamente, uma vez escolhido o sinal, teremos um ou o outro, mas não os dois o mesmo tempo.

Esse resultado, muitas vezes referido como trivialidade do vácuo, na realidade é apenas um artifício da forma de descrição da dinâmica no cone de luz, nada tendo a ver com a experiência. Os resultados experimentais nos garantem que há partículas e antipartículas subsistindo simultaneamente e que o vácuo quântico não é trivial.

No espaço-tempo da dinâmica na forma instantânea a relação de energia-momento é uma relação quadrática, de onde surge naturalmente os estados com energia positiva e negativa respectivamente interpretados à la Feynman como partículas e antipartículas. Tal não ocorre quando utilizamos o espaço-tempo de Minkowski no cone de luz, onde a relação de Einstein entre energia e momento é linear mas agora os sinais da energia k-e do momento k+estão vinculados. Desta forma, o espaço de Fock dos estados quânticos das partículas contém apenas partículas (ou antipartículas — a escolha é apenas uma questão de convenção). Processos físicos onde antipartículas aparecem, no formalismo do cone de luz estão “camuflados” como efeitos subjacentes do modo zero - a singularidade da energia no limite quando k+0. Este fato introduz muitas sutilezas na forma da dinâmica no cone de luz por ser uma dinâmica singular.

Agradecimentos

L.A. Soriano agradece o apoio financeiro da CAPES. J.H.O. Sales agradece o apoio da FAPESB-Propp 00220.1300.1088 e a hospitalidade do Instituto de Física Teórica, UNESP, onde parte desse trabalho foi desenvolvido.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2015

Histórico

  • Recebido
    23 Fev 2015
  • Aceito
    05 Jul 2015
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