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Realismo e Localidade em Mecânica Quântica

(Realism and Locality in Quantum Mechanics)

Resumos

Nesse trabalho apresenta-se uma resenha do livro Realismo e Localidade em Mecânica Quântica, editado pela Livraria da Física, São Paulo, SP, em colaboração com a Editora da Universidade Estadual da Paraíba, EDUEPB, João Pessoa, PB, 2013.

Palavras-chave:
mecânica quântica; realismo; localidade


This is a review of the book Realism and Locality in Quantum Mechanics, published as Realismo e Localidade em Mecânica Quântica, edited by Livraria da Física, São Paulo, SP, and Editora da Universidade Estadualda Paraíba, EDUEPB, João Pessoa, PB, 2013.

Keywords:
quantum mechanics; realism; locality


O livro Realismo e Localidade em Mecânica Quântica, de Álvaro Balsas, é baseado em sua tese de doutoramento defendida na Universidade Católica Portuguesa. Trata-se de um texto denso e de interesse para estudantes e pesquisadores de mecânica quântica (MQ) que tenham interesse nas discussões sobre os seus fundamentos, desde os seus primórdios à contemporaneidade. Foi lançado em 2013, em coedição das editoras EDUEPB (ISBN: 978–85–7879–164–3) e Livraria da Física (ISBN: 978–85–7861–239–9); 472 páginas, na coleção “Ciência e Sociedade”, sob a coordenação de Antônio A.P. Videira (UERJ) e Olival Freire Jr. (UFBA).O foco do autor é o estudo dos fundamentos da teoria quântica (TQ) e para isso apresenta um conjunto de tópicos, muitos dos quais, ainda não bem discutidos em textos clássicos sobre esses temas, compondo o seu trabalho com nove capítulos, quatro anexos e uma vasta bibliografia.

O capítulo 1 – “Introdução” – apresenta a motivação e a visão global do trabalho. O autor faz uma discussão sobre alguns aspectos históricos e tenta apresentar a sua visão sobre todo o conteúdo que o leitor terá de enfrentar. Ao contrário do que se espera de uma tese acadêmica, que deve ser lida, principalmente, por especialistas, o texto aqui é para um público mais amplo, e exige certo conhecimento a priori (algo como aprendizagem significativa) em torno de novos tópicos que têm sido desenvolvidos na literatura mais recente da TQ. Poderiam ter sido adicionados alguns esclarecimentos a fim de facilitar e encorajar a leitura de jovens leitores.

A partir de uma breve discussão em torno do argumento EPR (Einstein – Podolsky – Rosen) -, que serve, de fato, como uma motivação histórica dos tópicos que serão discutidos nos capítulos seguintes, nessa introdução, o autor deixa claro que, além de expor vários aspectos dos fundamentos da TQ, o seu alvo é inserir a sua contribuição ao tema, ao defender outro ponto de vista, oposto ao amplamente aceito por boa parte da comunidade dos físicos, que “o realismo local é válido em MQ e não é posto em causa pelo teorema de Bell, quer formulado em termos de desigualdades, quer em termos de igualdades”. Para isso o autor afirma “na demonstração usual da desigualdade de CHSH (“Clauser – Horne – Shimony – Holt”) são utilizados raciocínios contrafatuais que restringem o espaço de amostragem dos resultados medidos em experiências de tipo Aspect, daí decorrendo que essa desigualdade não possa ser diretamente comparada com esses resultados”. A partir daí é afirmado que ao contrário do “que estabelece o teorema de Bell, é possível construir um modelo realista e local, tal como demonstra Jay Christian...”. O fato é que esse livro defende aspectos alternativos que contribuem para o debate sobre os fundamentos da TQ, na atualidade, indicando que nele será estudado não somente o estabelecido na literatura corrente. Ressalte-se que, apesar de editado com bastante cuidado, a atual edição do livro optou por manter a escrita usando o português europeu (fenómenos, riscas espectrais, Copenhaga...).

No capítulo 2 – “Formalismo e interpretação da mecânica quântica” – os tópicos são tradicionais porém necessários para o livro. Apresenta-se uma revisão sobre aspectos básicos da TQ, com ênfase nos formalismos quânticos de Schroedinger (mecânica ondulatória, 1926) e de Heisenberg (mecânica das matrizes, 1926). O formalismo de Dirac e de Jordan (teoria das transformações / álgebra não-comutativa, de 1927) é também citado. O texto omite a contribuição de Eckart (1902–1973) sobre a equivalência entre as duas primeiras formulações. Balsas relembra a contribuição de Von Neumann aos estudos sobre o espaço de Hilbert e os mencionados formalismos. A equação de Schroedinger da MQ não relativística é introduzida com o operador evolução U(t, t’). No restante do capítulo o autor define, em cinco postulados, os principais conceitos básicos da TQ.

O terceiro capítulo “Interpretação Ortodoxa da MQ” é o mais longo do livro e introduz uma breve discussão entre formalismo e interpretação, em particular para a TQ. A interpretação de Copenhague (IC) é a mais conhecida da TQ, muitas vezes é também chamada de interpretação ortodoxa. O autor discute as distinções entre a mencionada IC (Bohr, Heisenberg, Pauli, Born, Jordan, Dirac e Von Neumann) e outras versões, seguidas por distintos pesquisadores, a exemplo de Ballentine e Stapp, Dirac e Von Neumann (diferente dos outros cinco físicos citados). Para o autor há uma “atitude explicitamente positivista, a tese de complementaridade de Bohr, o indeterminismo ligado aos fenômenos quânticos básicos, o princípio da correspondência de Bohr, a não possibilidade de uma representação causal de eventos individuais no espaço-tempo considerado como contínuo, a interpretação estatística de Max Born para a função de onda e a completeza da descrição da teoria em termos da função de onda”. Aqui o autor relembra os principais resultados da “velha MQ”.

No capítulo seguinte (4) – “O argumento EPR e a incompletude da mecânica quântica”, Balsas escreve um ensaio em que é sublinhado o fato de o citado argumento introduzir a noção de “elementos de realidade” e de discutir “o problema da interação de dois sistemas descritos por um estado quântico emaranhado”.

No capítulo 5 – “As teorias de variáveis escondidas”, (TVE), são discutidas as variáveis não diretamente medidas ou controladas. O autor faz uma revisão sobre as citadas teorias, iniciando por uma introdução, em que relembra o argumento de EPR, ao indicar as possíveis dificuldades da TQ e, por conseguinte, a sua incompletude, o que fez surgir a possibilidade de completá-la com a ajuda de uma TVE. Parte-se do fato que nessas teorias a função de onda da MQ não encerra a descrição mais completa que é esperada sobre um dado sistema quântico. Para superar tal limitação, o autor relembra o pressuposto que com tais TVE poderia ser superada tal dificuldade com o uso de tais variáveis e, portanto, permitiria obter-se uma informação completa de todas as características dos sistemas individuais. Discute-se o trabalho de de Broglie e a teoria da dupla solução, bem como Von Neumann e a “prova” da impossibilidade da existência de variáveis escondidas. Prossegue com Bell e a questão das variáveis escondidas, em que o autor relembra a crítica e o papel desempenhado por J.S. Bell em seu confronto com a citada “prova” de Von Neumann. São discutidos os teoremas de Gleason e o de Kochen-Specker. Gleason enunciou que “a expressão mais geral, compatível com a estrutura probabilística da MQ, para espaços de Hilbert com dimensão igual ou superior a três, do valor esperado de um operador (e das probabilidades quânticas), passível de ser calculado em termos de operador densidade e de operadores de projeção é dada pela equação < R >= Tr(ρR)”. É também discutido o primeiro teorema de Bell: “Se ψ e Ψ são dois vetores de um espaço de Hilbert de dimensão d ≥ 3, tal que, para um dado estado se verifica: < Pψ >=1, < PΨ >= 0. Então, ψ e Ψ não podem ser arbitrariamente próximos, mas obedecem ao módulo de (Ψ-ψ)>12|ψ>”. Também é discutido o teorema de Kochen-Specker que provava a impossibilidade de TVE.

O capítulo 6 – “Teorema de Bell” -, o autor trabalha com o segundo teorema de Bell, lembrando que o primeiro teorema de Bell estava relacionado com o corolário do teorema de Gleason, o qual é interligado a um conjunto de distintas desigualdades, as denominadas desigualdades de Bell. Partindo do fato que neste teorema é estabelecida a impossibilidade de se ter uma teoria realista local que possa concordar com todas as implicações estatísticas da MQ, e que a expressão “realista local” apresenta distintos significados, de acordo com as diferentes variantes do citado teorema, Balsas relembra que na versão original do mesmo (1964), num artigo de Bell, é que foi lançado pela primeira vez vezeste teorema.

“Localidade, realismo e teorema de Bell” é o título do capitulo 7, em que o autor cita a premissa apoiada por muitos pesquisadores, que “a MQ não é uma teoria realista com causalidade local”. Esse é um dos capítulos centrais desse livro/tese, vez que ao contrário de um texto padrão, o que se lê, aqui, são críticas a certos aspectos discutidos na literatura corrente. Ele sublinha que o teorema de Bell validado na experiência, via a violação da desigualdade CHSH “parece implicar o abandono definitivo do realismo local para a interpretação da MQ”, o que acabaria com a esperança dos autores do argumento EPR que a TQ pudesse vir a ser completada.

No capítulo seguinte (8) – “O realismo local em MQ”, o autor faz uma crítica e uma indagação sobre o porquê de a denominada interpretação instrumentalista usual da MQ, de Niels Bohr e outros pesquisadores, ser ainda tão cultuada e vista como a mais adequada e seguida pela maioria dos físicos. Enfim, neste capítulo é realizada uma revisão histórica e sociológica em torno da interpretação de Copenhague, em que se denota uma forte crítica à mesma.

No último capítulo (9) – “O teorema de Bell não invalida o realismo local”, o autor faz uma síntese e ratifica a sua principal conjectura, do capítulo 7, sobre o mencionado teorema. Em defesa de sua tese ele faz uma discussão, inicialmente, através de desigualdades, inquirindo que as experiências de tipo Aspect, que concordam com as previsões estatísticas da MQ “visam invalidar as desigualdades de Bell” e não o conseguem de fato. Balsas enfatiza que o problema está no processo de dedução das mencionadas desigualdades. No caso da desigualdade CHSH, a demonstração da mesma utiliza os citados raciocínios contrafatuais, que impõem limitações ao espaço de amostragem dos resultados de medição nas citadas experiências tipo Aspect. Enfim, o autor, após discutir e basear-se em resultados introduzidos por outros autores (Khrennikov, Hess) e, principalmente, Joy Christian que, ao apresentar a sua teoria realista local, baseada na álgebra não-comutativa de Clifford, demonstrou que ela concorda com a desigualdade de Tsirelson e, por conseguinte, com os resultados previstos pela MQ e não com o teorema de Bell, ou seja, Joy Christian, ao partir de pressupostos idênticos ao do citado teorema (realismo e localidade) não ratificou a conclusão principal do mencionado teorema e concluiu que ele não decorre do realismo local. Prosseguindo em suas críticas a aspectos não bem estabelecidos na literatura, o autor discute que as 4 igualdades GHZ (Greensberg, Horne e Zeilinger) deduzidas a partir da hipótese do realismo local, indica que “o erro cometido era a de supor que nas citadas igualdades, qualquer valor das variáveis escondidas era sempre o mesmo, independentemente da equação particular (das quatro) em que pudesse ocorrer”. Tal conjectura era necessária para se chegar a uma contradição entre as previsões da MQ e as do realismo local-, pois segundo a argumentação do autor induzia “o mesmo valor individual medido para uma determinada variável escondida, como sendo independente da disposição experimental escolhida numa medição realmente efetuada para os sucessivos termos de fótons emaranhados sobre os quais se realizavam as medidas”. O autor cita o trabalho de Joy Christian baseado, no seu conjunto, sobre seu argumento topológico e no seu modelo de variáveis escondidas realistas locais, construído com base numa álgebra não-comutativa de Clifford, a qual, segundo o autor, demonstra ser possível descrever os estados dos fótons emaranhados usados no teorema de Bell e suas distintas formas de GHZ e de Hardy, em termos realistas locais e que esta descrição realista local faça previsões de resultados experimentais em total acordo com as previsões da MQ, desde que seja identificado, corretamente, o espaço topológico correspondente aos elementos de realidade EPR... Joy Christian demonstrou “que o erro do teorema de Bell e de suas formas distintas se deveu a uma escolha incorreta do espaço topológico para a representação dos elementos de realidade EPR, o qual se supunha ser composto por pontos da reta real, quando, em verdade, os espaços topológicos corretos que deveriam ter sido utilizados, nesses casos, são compostos por pontos de superfícies esféricas unitárias de três e de sete dimensões”. Finalmente, o autor enfatiza que “o teorema de Bell, bem como suas variantes de GHZ e de Hardy não invalidam o realismo local e que as correlações encontradas nas experiências, que visam informar estes teoremas, nada têm a ver com a não-localidade, sendo meramente, correlações realistas locais, perfeitamente explicáveis, tanto quando os argumentos contrafatuais são eliminados dos pressupostos destes teoremas, como em termos de um efeito clássico puramente topológico...”. Reafirma ainda que, “Nem essas experiências, nem os correspondentes teoremas que elas pretendem infirmar, constituem, de fato, prova alguma, experimental ou teórica, a favor da não-localidade ou contra o realismo local em MQ”. Esperemos, portanto, que novas pesquisas e evidências apareçam em breve futuro a fim de ratificar ou não estas últimas asserções do autor.

O livro apresenta ao final uma série de anexos. No Apêndice A – “Formalismo da mecânica quântica”, o autor apresenta os formalismos de Lagrange e de Hamilton da mecânica clássica, e a seguir uma explanação sobre o espaço de Hilbert. No Apêndice B tem-se uma discussão em torno do teorema de Gleason, em que é relembrado o uso do conceito de medida de probabilidade, sobre a rede de projeção de um espaço de Hilbert. No Apêndice C é discutido, qualitativamente, o teorema de Kochen-Specker. No Apêndice D, o autor discute, brevemente, o modelo realista local de Joy Christian, o qual é baseado na álgebra não-comutativa de Clifford Cl3,0 para o espaço de três dimensões, no domínio não relativista, e na álgebra CL1,3 no domínio relativista.

Finalmente, o autor desse livro questiona: “onde está o problema com a pretensa demonstração do teorema de Bell?” e, então, são discutidos outros aspectos que advogam a conjectura desse livro/tese, apesar de a tese não ser seguida pela maioria dos físicos.

Nota do Editor

Lastimamos informar o falecimento do autor dessa revisão, Aurino Ribeiro Filho, professor do Instituto de Física da Universidade Federal da Bahia, ocorrido no último dia 27 de agosto. Aurino era um físico de interesses muito amplos, antigo colaborador da revista.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2015

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2015
  • Aceito
    09 Mar 2015
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