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Uma concisa abordagem histórica e conceitual da luz e de algumas de suas aplicações: Apresentação de artigos convidados na edição comemorativa do Ano Internacional da Luz

(A concise historical and conceptual approach to light an some of its applications: Presentation of invited articles in the special issue to commemorate the International Year of Light)

Nesse número especial da RBEF em comemoração ao Ano Internacional da Luz e tecnologias baseadas na luz, buscamos apresentar aos leitores uma abordagem histórica e conceitual da concepção da luz desde as ideias de Newton e contemporâneos até a concepção atual construída a partir de ideias brilhantes e experimentos sofisticados, realizados em vários laboratórios, que permitem a manipulação e controle de fótons individuais. Uma breve discussão sobre algumas de suas aplicações, notadamente no campo da biofotônica, é apresentada.

A edição começa com o artigo de Roberto Martins e Cibelle Silva que analisam os trabalhos de Newton sobre óptica. Para entender melhor a visão de Newton sobre a luz e cores, os autores consideram o contexto científico da época. Assim, o artigo desperta o interesse do leitor para as contribuições importantes dos nomes mais famosos de Descartes, Huygens, Boyle e Hooke e dos menos conhecidos Barrow e Charleton, cujo livro, no entanto, motivou Newton a escrever suas hipóteses e observações no memorável manuscrito Quaestiones quaedam philosophicae. Este trabalho é analisado pormenorizadamente pelos autores, comparando as considerações de Newton sobre a luz e cores com as de seus conterrâneos. O artigo passa, então, a abordar “os anos maravilhosos” de Newton em que ele chegou à sua “teoria das cores” em um ensaio que trata de uma síntese e complementação dos estudos sobre a luz e as cores presentes no Quaestiones. A seguir, são discutidas as contribuições de Newton à óptica já como professor Lucasiano de Cambridge: os desdobramentos da construção do telescópio refletor; seu primeiro artigo publicado Nova teoria sobre luz e cores; o modelo corpuscular apresentada nos Principia; culminando com a preparação e publicação de sua magistral obra Opticks em várias edições. Embora tenha sido alvo de críticas e enfrentado dificuldades conceituais, a maioria dos filósofos naturais durante o século XVIII aceitava a teoria corpuscular da luz proposta por Newton. Ao final, os autores afirmam que “A situação só começou a mudar no início do século XIX, após a publicação de importantes estudos de Thomas Young e, depois, de Augustin Fresnel. Principalmente através de suas pesquisas sobre difração e interferência, esses pesquisadores lideraram a defesa de uma nova teoria ondulatória da luz - bem diferente da que havia sido proposta por Huygens - que passou a ser aceita por praticamente todos os físicos em torno de 1830 - um século após a morte de Newton.”

A citação acima sugere, nessa edição comemorativa, a discussão da concepção alternativa ao modelo corpuscular da luz evidenciada no experimento crucial de Thomas Young. O experimento da dupla-fenda, como ficou conhecido, conquistou o quinto lugar na lista top ten dos mais bonitos experimentos da física numa enquete promovida pela Physics World.2 2 Curiosamente, em primeiro lugar está o experimento da dupla-fenda para elétrons, possivelmente um resultado influenciado pela descrição detalhada de Feynman em suas Lectures on Physics do experimento da dupla-fenda com balas, ondas de água e elétrons. Young realizou seu experimento da dupla-fenda original com luz em 1801 mostrando que, ao passar pelas duas fendas, um feixe luminoso produz um padrão de franjas de interferência sobre um aparato de modo similar ao obtido com ondas de água, por exemplo. O artigo On the theory of light and colours de Thomas Young publicado no Philosophical Transactions da Royal Society de Londres em 1802, foi traduzido e comentado por Breno Moura e Sérgio Boss. Os autores não se limitam a traduzir e comentar, por meio de notas de rodapé, o artigo em si, mas apresentam uma discussão interessante sobre o contexto da época, as influências das ideias anteriores, a preocupação de Young com a provável oposição dos adeptos de Newton e as várias reformulações do seu pensamento ao analisar os resultados obtidos. Esse tipo de abordagem histórica contribui para melhor compreensão da natureza e progresso da ciência.

Em 1951, em carta a Michele Besso, seu confidente de muitos anos, Einstein escreveu: “Cinquenta anos de ruminações conscientes não me trouxeram mais próximo de uma resposta para a pergunta: ‘O que são quanta de luz?’ Hoje em dia qualquer pé-de-chinelo pode achar que sabe, mas engana-se.”3 3 Christoph Lehner: O realismo de Einstein e sua crítica da mecânica quântica. In: Teoria Quântica: Estudos Históricos e Implicações Culturais. Olival Freire Jr., Osvaldo Pessoa Jr. e Joan Lisa Bromberg (orgs.). Eduepb. 2011. p. 181. Coincidentemente, Indianara Silva no artigo sobre a história do fóton nos conta que, somente após a década de 50, o velho conceito dos quanta de luz como partículas individuais que colidem como bolas de bilhar começou a ser revisto. Segundo ela, o disparo de partida para o interesse renovado no fóton emergiu do trabalho experimental de interferometria de Hanbury Brown e Twiss (1954), conhecido como experimento HBT, que gerou uma enorme controvérsia na comunidade. Em sua biografia, Brown afirma que “nosso trabalho realmente colocou o gato no meio dos pombos”. Alain Aspect, que produziu trabalhos experimentais relevantes sobre os fundamentos da mecânica quântica, em particular, testes das famosas desigualdades de Bell, assim se manifestou: “em minha opinião, HBT é mais um precursor dos efeitos da óptica quântica, envolvendo as correlações de fótons”.4 4 Comunicação particular de Aspect a Olival Freire Jr. e Indianara Silva (2009). O artigo de Silva traz uma síntese de seu trabalho anterior sobre essa famosa controvérsia que iniciou uma ruptura no conceito original do quantum de luz de Einstein e que conduziu a estudos subsequentes sobre os fundamentos da teoria quântica.5 5 Indianara Silva e Olival Freire Jr., The concept of the photon in question: The controversy surrounding the HBT Effect circa 1956-1958. Historical Studies in the Natural Sciences 43 , 453 (2013). Silva ressalta, a partir de contato pessoal com Roy Glauber, a sua relevante contribuição ao estabelecer o conceito de estados coerentes, em 1964, baseado em trabalho de George Sudarshan, e que lhe valeu o Prêmio Nobel de 2005. Uma descrição dos trabalhos experimentais mais relevantes que conduziram à necessidade de uma concepção estritamente quântica da luz é ainda apresentada em seu artigo.

Respostas à indagação de Einstein continuam intrigantes:6 6 Para outras análises sobre a natureza quântica da luz, veja OPN Trends, suppl. Optics & Photonics News, 14 , no. 10 (2003). o fóton é a excitação de um estado quântico, segundo Roy Glauber,7 7 “Para mim, é principalmente apenas uma excitação de um estado quântico […] Não posso facilmente construir imagens deles, mas sei fazer matemática utilizando os operadores criação e aniquilação.” Referência [63] do artigo de Indianara Silva nesse número. ou um clique no detector, na visão pragmática de Anton Zeilinger8 8 “One might be tempted, as was Einstein, to consider the photon as being localized at some place with us just not knowing that place. But, whenever we talk about a particle, or more specifically a photon, we should only mean that which a ‘click in the detector’ refers to.” Anton Zeilinger, Gregor Weihs, Thomas Jennewein and Markus Aspelmeyer. Happy centenary, photon. Nature 443 , 230 (2005). e de A. Muthukrishnan, M.O. Scully, e M.S. Zubairy, parafraseando o próprio Glauber?9 9 “A photon is what a photodetector detects.” Ashok Muthukrishnan, Marlan O. Scully and M. Suhail Zubairy. The concept of the photon-revisited. In: nota 4 acima.

Luiz Davidovich, a partir de um enfoque histórico sobre as antigas concepções sobre a luz na velha teoria quântica, aborda a evolução do conceito de estados emaranhados, proposto pelo próprio Einstein no trabalho de EPR, até a atual revolução conceitual da mecânica quântica promovida pela introdução de novos conceitos que formam o arcabouço da moderna informação quântica. Como ressalta Davidovich, “Estados emaranhados desempenham um papel importante nos computadores quânticos.” Em seu artigo, Davidovich discute a relevância da fabricação do maser e laser para a construção da óptica quântica. Davidovich ressalta que o advento do laser provocou “uma importante revolução conceitual no que se refere às propriedades da luz, não tão visível quanto o grande leque de aplicações, mas com desdobramentos que ainda se multiplicam nos tempos atuais.”

Digno de registro a participação relevante de Luiz Davidovich e Nicim Zagury da UFRJ no desenvolvimento teórico-experimental para a compreensão dos fenômenos quânticos de fótons individuais como reconhecido por Serge Haroche na palestra de recepção do Prêmio Nobel de 2012.10 10 “The way to perform this experiment was initially proposed in a paper written in 1991 together with our Brazilian colleagues Luiz Davidovich and Nicim Zagury…On the theory side, the fruitful collaboration with our Brazilian colleagues Luiz Davidovich and Nicim Zagury has also been important.” Serge Haroche na Palestra Nobel. Disponível em http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/physics/laureates/2012/haroche-_lecture.pdf.

Nessa linha de abordagem moderna da luz, Bagnato e Pratavieira ressaltam a importância da luz, não somente para o avanço do conhecimento, mas também para a vida humana. Discutem de forma coloquial aspectos essenciais da interação da luz com a matéria. Como um dos pioneiros no Brasil do uso de lasers na medicina (tratamento do câncer) e na odontologia, Bagnato, com seu colaborador Pratavieira, aborda aplicações da luz em diversas áreas da saúde considerando a ancestral busca pela compreensão da visão e o uso das tecnologias atuais baseadas na luz em áreas da estética, oncologia e controle ambiental. Ao final, os autores repercutem a criação de nova área interdisciplinar, a biofotônica, que usa as técnicas da óptica (geração de luz, transporte, imageamento) no estudo da interação da luz com moléculas biológicas, células e tecidos, em especial, com vistas ao diagnóstico e tratamento de doenças.

Esperamos que os artigos selecionados possam contribuir para nosso entendimento da evolução das ideias sobre a natureza da luz desde Newton até a sua concepção atual.

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    Curiosamente, em primeiro lugar está o experimento da dupla-fenda para elétrons, possivelmente um resultado influenciado pela descrição detalhada de Feynman em suas Lectures on Physics do experimento da dupla-fenda com balas, ondas de água e elétrons.
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    Christoph Lehner: O realismo de Einstein e sua crítica da mecânica quântica. In: Teoria Quântica: Estudos Históricos e Implicações Culturais. Olival Freire Jr., Osvaldo Pessoa Jr. e Joan Lisa Bromberg (orgs.). Eduepb. 2011. p. 181.
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    Comunicação particular de Aspect a Olival Freire Jr. e Indianara Silva (2009).
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    Indianara Silva e Olival Freire Jr., The concept of the photon in question: The controversy surrounding the HBT Effect circa 1956-1958. Historical Studies in the Natural Sciences 43 , 453 (2013).
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    Para outras análises sobre a natureza quântica da luz, veja OPN Trends, suppl. Optics & Photonics News, 14 , no. 10 (2003).
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    “Para mim, é principalmente apenas uma excitação de um estado quântico […] Não posso facilmente construir imagens deles, mas sei fazer matemática utilizando os operadores criação e aniquilação.” Referência [63] do artigo de Indianara Silva nesse número.
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    “One might be tempted, as was Einstein, to consider the photon as being localized at some place with us just not knowing that place. But, whenever we talk about a particle, or more specifically a photon, we should only mean that which a ‘click in the detector’ refers to.” Anton Zeilinger, Gregor Weihs, Thomas Jennewein and Markus Aspelmeyer. Happy centenary, photon. Nature 443 , 230 (2005).
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    “A photon is what a photodetector detects.” Ashok Muthukrishnan, Marlan O. Scully and M. Suhail Zubairy. The concept of the photon-revisited. In: nota 4 acima.
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    “The way to perform this experiment was initially proposed in a paper written in 1991 together with our Brazilian colleagues Luiz Davidovich and Nicim Zagury…On the theory side, the fruitful collaboration with our Brazilian colleagues Luiz Davidovich and Nicim Zagury has also been important.” Serge Haroche na Palestra Nobel. Disponível em http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/physics/laureates/2012/haroche-_lecture.pdf.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015
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