Acessibilidade / Reportar erro

As pesquisas de Newton sobre a luz: Uma visão histórica

(Newton's researches on light: A historical overview)

Resumos

Este artigo apresenta uma visão histórica geral sobre o desenvolvimento dos trabalhos de Isaac Newton a respeito da óptica, desde suas primeiras investigações em 1664 até o final de sua vida, quando publicou as várias edições de seu livro Opticks. Para permitir uma compreensão adequada do trabalho de Newton, são também apresentadas as contribuições de outros autores importantes do Século XVII, especialmente René Descartes, Walter Charleton, Robert Boyle, Robert Hooke e Christiaan Huygens. A análise dos trabalhos inéditos e publicados de Newton permite notar que ele jamais chegou a uma teoria definitiva a respeito da luz e das cores, adotando diversas hipóteses diferentes e mutuamente inconsistentes. O estudo aqui apresentado pode contribuir para complementar as visões simplificadas sobre a história da óptica e das contribuições de Newton sobre esse tema, bem como corrigir diversos equívocos presentes em obras didáticas e de divulgação científica sobre o assunto.

Palavras-chave:
Isaac Newton; óptica; história da física


This paper presents a general historical overview of Isaac Newton's contributions to optics, from his first investigations in 1664 to the end of his life, when he published the several editions of his book Opticks. To allow an adequate understanding of Newton's work, the article also presents the contributions of other important 17th Century authors, especially René Descartes, Walter Charleton, Robert Boyle, Robert Hooke and Christiaan Huygens. The analysis of Newton's unpublished and published works shows that he never reached a definitive theory of light and colors, adopting several different and mutually inconsistent hypotheses. This work may contribute to supplement the simplified accounts of the history of optics and of Newton's contributions, as well as amending several mistakes that can be found in didactic works and popular versions of this subject.

Keywords:
Isaac Newton; optics; history of physics


1. A óptica na época de Newton

Este artigo apresentará as principais contribuições de Isaac Newton à óptica, analisando o desenvolvimento histórico de suas ideias. Antes de entrarmos na história do próprio Newton, no entanto, é muito importante saber qual era a situação desse campo de estudos na época.2 2 O livro de Abdelhamid Sabra [1] apresenta uma boa visão histórica geral da história da óptica, até a época de Newton.

Aquilo que costumamos chamar de “óptica geométrica” já estava plenamente desenvolvido: desde a Antiguidade já se conhecia a propagação retilínea da luz (ou da visão), a lei da reflexão em espelhos planos, e o funcionamento de espelhos côncavos e convexos. Já eram também conhecidas as principais leis da perspectiva - que se baseia na propagação retilínea da luz - e da produção de sombras. Também se sabia, pelo menos desde a época dos gregos e dos romanos, que era possível concentrar a luz do Sol utilizando esferas de cristal, bem como ver de forma ampliada olhando através dessas esferas. A refração ou desvio da luz ao passar de um meio transparente para outro era conhecida também desde a Antiguidade, embora não se conhecesse a forma matemática da lei da refração.

Muitos pensadores dessa época - como Platão e Aristóteles - tentaram explicar os fenômenos visuais, através de diversas teorias. Muitos aceitavam que a visão ocorria através de “raios visuais” que saíam dos olhos das pessoas e iam até os objetos. Os atomistas antigos supunham que saíam películas de átomos das superfícies dos corpos que chegavam até nós, transmitindo sua forma e cor. Aristóteles considerava que a visão era transmitida através de algo imaterial que passava instantaneamente pelos meios transparentes, dos objetos até nós. Ele procurou explicar vários fenômenos ópticos, como as cores do arco-íris, desenvolvendo a proposta de que cada cor era produzida por uma mistura de luz e escuridão.

Durante a Idade Média o conhecimento da óptica se ampliou, primeiramente com os estudos de importantes pesquisadores islâmicos (como Ibn al-Haytham, ou Alhazen). A ideia dos raios visuais foi atacada, com a proposta de que a visão ocorre através da luz que vem dos objetos até nossos olhos. O estudo da refração foi aperfeiçoado, chegando-se a resultados equivalentes à nossa lei dos senos. Já se entendia que o arco-íris era produzido por efeitos de reflexão e refração da luz nas gotas de chuva e foram feitos estudos sobre a produção de efeitos semelhantes utilizando bolas de vidro cheias de água. Também nessa época começou o uso popular de óculos com lentes convergentes para correção da presbiopia - e, depois, de lentes divergentes para a miopia.

Durante o Renascimento, na Europa, a análise da perspectiva se desenvolveu de forma extraordinária, fornecendo a base para uma revolução nas artes. O estudo das cores na pintura, bem como do resultado da mistura de tintas, estava muito avançado. Nessa época foi aperfeiçoada a “câmera obscura” (já conhecida no mundo islâmico durante a Idade Média), que projetava imagens invertidas - primeiramente sem lentes, depois com o uso de lentes - e outros dispositivos ópticos simples.

O Século XVII foi um período de intenso desenvolvimento teórico e experimental da óptica. No início do Século XVII foram inventadas as primeiras lunetas e microscópios. O estudo teórico de associações de lentes como essas foi desenvolvido logo em seguida por Kepler, que utilizou os conceitos de imagem real e virtual usados até hoje. A criação dos novos instrumentos ópticos estimulou muito o estudo da óptica. A lei dos senos foi descoberta experimentalmente por Snell (que morreu sem publicar seus resultados) e divulgada depois, com uma justificativa teórica, por Descartes. O funcionamento do olho e de suas principais partes (como o cristalino e a retina) foi pesquisado intensamente, nesse período.

Vários fenômenos importantes sobre cores estavam sendo estudados antes das pesquisas de Newton - como o arco-íris, as cores produzidas por prismas, os fenômenos coloridos produzidos em reações químicas, anéis e faixas coloridas que surgiam em bolhas de sabão e outras películas finas. Em meados do Século XVII muitos autores estavam propondo teorias para explicar todos esses fenômenos luminosos.

Por outro lado, na mesma época em que Newton desenvolvia seus estudos sobre as cores, novos fenômenos estavam sendo descobertos, como a difração da luz (descrita por Francesco Maria Grimaldi, em 1665) e a dupla refração da luz no cristal de calcita (descoberta pelo dinamarquês Rasmus Bartholin em 1669). Todo o Século XVII foi um período de intensa investigação sobre os fenômenos ópticos.

2. Os primeiros contatos de Newton com a óptica

É muito difícil determinar quando Isaac Newton começou a se interessar pelo estudo da luz e de cores, mas há algumas pistas sobre isso.3 3 A melhor biografia de Isaac Newton, até o momento, foi escrita por Richard Westfall [2]. Esse livro apresenta uma ótima visão geral sobre sua vida e o desenvolvimento de suas ideias. Em 1659, quando tinha 16 anos de idade, ele estava morando em Grantham, preparando-se para poder começar seus estudos universitários no Trinity College de Cambridge. Já passara alguns anos antes naquela cidade, estudando na King's School dirigida pelo professor Richard Stokes e morando em um quarto do senhor William Clarke, um farmacêutico, por cuja enteada (Katherine Storer) desenvolveu um grande afeto. Sua curiosidade por vários assuntos, que já era bastante forte nessa época, levou-o a ler um livro chamado The mysteryes of nature and art, de John Bate (primeira edição: 1634). Copiou deste livro, para um pequeno caderno de anotações (atualmente conservado na Pierpont Morgan Library, New York), diversas receitas e indicações práticas a respeito de desenho e pintura, tais como o modo de preparar uma mistura de cores para representar a cor das faces, ou uma pessoa nua, ou um cadáver [3[3] A.R. Hall, Isaac Newton, adventurer in thought (Cambridge University Press, Cambridge, 1996), p. 10.]. Sabe-se que, desde a adolescência, Isaac se interessava por desenhar, assim como pelo trabalho manual com madeira e construção de pequenas máquinas. Não sabemos, porém, se esse antigo interesse por tintas e cores influenciou seus estudos sobre óptica, posteriormente.

Os primeiros registros claros do interesse de Newton a respeito de óptica (no nosso sentido) datam de 1664. O historiador Alfred Rupert Hall sugeriu que uma parte de seu interesse por óptica, nessa época, pode ter sido devida a Isaac Barrow, professor de Cambridge, com quem Newton começou a ter contato no início de 1664 [4[4] A.R. Hall, op. cit., p. 22.]. Nesse ano ele começou a registrar suas leituras e reflexões sobre este e outros assuntos em um caderno de anotações, cuja parte principal intitulou “Algumas questões filosóficas” (Quaestiones quaedam philosophicae; manuscrito conservado na Cambridge University Library). Nesse ano Newton estava para concluir seus estudos na universidade e se dedicava por conta própria ao estudo de diversos livros sobre matemática e filosofia que não eram exigidos dos alunos de Cambridge. Dentre os textos que continham partes importantes sobre óptica, leu nessa época um livro de Walter Charleton sobre atomismo, uma obra de Robert Boyle sobre cores e alguns dos livros de René Descartes [5[5] R.S. Westfall, op. cit., p. 89.]. Foi pela leitura de Charleton e Boyle que Newton foi levado a uma teoria corpuscular da luz e uma teoria atômica da matéria [6[6] H. Guerlac, Journal of the History of Ideas 47 , 18 (1986).]. É importante conhecer um pouco sobre as obras que Newton estudou, para compreendermos as influências que ele sofreu na época.

3. A óptica cartesiana

René Descartes foi um dos mais influentes filósofos do Século XVII, que se dedicou bastante ao estudo da luz e seus fenômenos. Ele desenvolveu suas ideias sobre óptica a partir de 1620, que adquiriram uma primeira versão no seu livro Le monde, completado (mas não publicado) em 1633 [7[7] S. Roux, in: Le siécle de la lumiére, 1600-1715, editado por C. Biet e V. Jullien (Ens Editions, Fontenay-aux-Roses, 1997), p. 49.]. Em 1636 ele completou um conjunto de obras, cuja primeira parte era o seu famoso Discurso do método, acompanhado por três tratados científicos: a Geometria, a Dióptrica e os Meteoros [8[8] R. Descartes, Discours de la méthode pour bien conduire sa raison, & chercher la vérité dans les sciences. Plus la dioptrique, les météores et la géométrie qui sont des essais de cette méthode (De l'imprimérie de Ian Maire, Leyde, 1637).], todos publicados conjuntamente em 1637 [9[9] D. Garber, in The Cambridge companion to Descartes, editado por J. Cottingham (Cambridge University Press, Cambridge, 1992), p. 290.]. Nessas obras Descartes apresentou a lei da refração da luz, justificada através de uma analogia mecânica; o estudo de lentes de várias formas; uma discussão sobre a visão; e sua explicação sobre o arco-íris, que contém sua teoria sobre as cores. A física de Descartes foi apresentada de forma mais completa dos seus Princípios da Filosofia, concluídos em 1643 e publicados em 1644 em latim, com uma tradução para o francês lançada em 1647.

Descartes rejeitava o atomismo, não aceitando nem a existência de espaços vazios (vácuo) nem de átomos [10[10] D. Garber, op. cit., p. 288, p. 300.]. No entanto, sua física tem semelhança com o atomismo, por se basear na tentativa de explicar todos os fenômenos observáveis através de hipóteses a respeito dos movimentos invisíveis das partículas que constituem a matéria. Segundo este pensador, todo o espaço estaria preenchido completamente por uma matéria sutil, infinitamente divisível, formada por partículas que podem se quebrar e se fundir, constituindo diversos tipos de matéria. Essas partículas possuem somente propriedades geométricas (tamanho, forma, movimento); todas as outras propriedades da matéria deveriam ser explicadas pelas combinações e movimentos de tais corpúsculos.

Toda a matéria, para Descartes, é essencialmente do mesmo tipo; ela é simplesmente algo que preenche o espaço. Os tipos de matéria diferem entre si apenas pelos tamanhos e outras características dos seus corpúsculos. O “primeiro elemento”, que constitui os corpos luminosos (como o fogo, o Sol e as estrelas) é formado por partículas muito pequenas e de grande mobilidade; o “segundo elemento”, que existe nos corpos transparentes e preenche todo o espaço celeste, tem partículas redondas, de tamanho médio; o “terceiro elemento”, que forma os corpos macroscópicos opacos, tem partículas maiores, irregulares, com pequena mobilidade [11[11] S. Roux, op. cit., p. 59-60.]. Em uma chama, as partículas do primeiro elemento se agitam com grande rapidez e empurram os corpúsculos redondos do segundo elemento, no ar em volta. Esse empurrão, que se propaga pelo segundo elemento, é a luz, de acordo com Descartes.

Na sua Dióptrica Descartes compara a visão ao tatear de um cego ou de uma pessoa no escuro, utilizando uma bengala [12[12] R. Descartes, op. cit., p. 3.]: esse bastão transmite à mão do cego as pancadas e movimentos de sua outra extremidade, sem que nenhuma matéria vá da extremidade da bengala até a pessoa. Da mesma forma, a luz não supõe qualquer transporte de matéria, mas sua transmissão necessita um suporte material - que é o segundo elemento, na teoria cartesiana [13[13] A.I. Sabra, op. cit., p. 21.]. Segundo esse pensador, a luz não é propriamente um movimento, mas um esforço, uma inclinação ou tendência ao movimento; por isso a luz pode atravessar corpos densos e outros raios de luz, sem qualquer impedimento [14[14] S. Roux, op. cit., p. 55.].

Na época em que Descartes escreveu suas obras, não existia qualquer medida da velocidade da luz. Desde Aristóteles até o Século XVII a maioria dos autores (incluindo Kepler) supunha que a luz se propagava instantaneamente [15[15] V. Ronchi, The Nature of Light: An Historical Survey. Traduzido por V. Barocas (Heinemann, London, 1970), p. 88.]. Descartes também acreditava que ela se propagava de modo instantâneo e apresentou argumentos baseados nos eclipses da Lua para justificar essa velocidade infinita [16[16] A.I. Sabra, op. cit., p. 57-58.]. Um objeto qualquer não pode ter velocidade infinita, pois nesse caso estaria em muitos lugares ao mesmo tempo; mas a luz não é um objeto ou corpo, segundo esse filósofo, não é uma “coisa” que se move e sim uma tendência ao movimento, podendo assim passar instantaneamente de um ponto até o outro [17[17] R. Descartes, op. cit., p. 4.].

Embora em alguns pontos de suas obras Descartes compare a luz a uma pressão, em outros ele indica que ela se comporta como algo em movimento (como um projétil, uma bala ou pedra), afirmando que a tendência ao movimento segue as mesmas leis que o próprio movimento dos corpos [18[18] S. Roux, op. cit., p. 55., 19[19] R. Descartes, op. cit., p. 8.]. Foi através da analogia com o movimento de uma bola de tênis lançada por uma raquete (Fig. 1), utilizando as leis da mecânica, que ele justificou as leis da reflexão e da refração da luz [20[20] R. Descartes, op. cit., p. 10, p. 13-25.].4 4 Ptolomeu, no Século II d.C., já apresentara uma analogia entre a reflexão da luz num espelho e um objeto refletido por uma parede; esse tipo de explicação foi desenvolvido mais detalhadamente na Idade Média por Ibn al-Haytham [21].

Figura 1
Ilustrações da Dióptrica de Descartes, onde o autor compara a reflexão e a refração da luz com o movimento de uma bola lançada por uma raquete.

Após apresentar a lei da refração Descartes explicou o funcionamento do olho e da visão e, depois, analisou geometricamente os efeitos ópticos de lentes de diferentes formas (com superfícies elípticas, parabólicas e hiperbólicas), indicando também o processo de polir lentes com essas formas diferentes [22[22] R. Descartes, op. cit., p. 89-121, p. 137-153.].

Na Dióptrica, Descartes não analisou a natureza das cores. Ele abordou esse assunto, no entanto, nos Meteoros, onde tentou explicar o arco-íris [23[23] R. Descartes, op. cit., p. 250-271.] e outros fenômenos semelhantes (Fig. 2). Nessa obra ele apresentou um estudo experimental do arco-íris utilizando uma esfera de vidro cheia de água - método já utilizado no Século XIV pelo persa Kamal al-Din al-Farisi e pelo dominicano Theodoric de Freiberg [24[24] A.I. Sabra, op. cit., p. 63., 25[25] M.J. Osler, in: A Companion to Descartes, editado por J. Broughton e J. Carriero (Blackwell, Malden, 2008), p. 137.]. Como, no entanto, esse fenômeno era bastante complexo, envolvendo diversas reflexões e refrações da luz, o pesquisador resolveu analisar um dispositivo mais simples que também produzia as mesmas cores: um prisma de cristal [26[26] R. Descartes, op. cit., p. 254.]. Embora tal fenômeno já fosse bem conhecido e popular na época, Descartes parece ter sido o primeiro a publicar um experimento com prisma [27[27] H. Guerlac, op. cit., p. 14.]. No seu experimento (Fig. 3), Descartes fazia com que a luz atingisse perpendicularmente uma das faces do prisma, de tal modo que ela só era desviada ao sair pela outra face; esta, por sua vez, era coberta por um corpo opaco, com uma pequena abertura. O feixe luminoso que saía por ela produzia, a uma certa distância, as cores do arco-íris. Descartes concluiu imediatamente que não era necessário haver nenhuma superfície curva para produzir as cores; que não precisa haver nenhuma reflexão; e que uma única refração era suficiente para criar esse fenômeno [28[28] H. Guerlac, op. cit., p. 255., 29[29] A.I. Sabra, op. cit., p. 65.].

Figura 2
Ilustração dos Meteoros de Descartes, mostrando algumas das características geométricas de um arco-íris.
Figura 3
Esquema dos Meteorosde Descartes, mostrando seu experimento com um prisma de cristal.

Como outros autores da época, Descartes supôs que as cores eram produzidas através de modificações da luz branca [30[30] M.J. Osler, op. cit., p. 138.]. Para explicar as cores assim produzidas, Descartes precisou modificar sua teoria sobre a luz. Agora, em vez de falar sobre uma tendência ao movimento, ele supôs que as partículas redondas do segundo elemento tinham um movimento na direção de propagação da luz e, além disso, podiam ter um movimento de rotação. Essa rotação dos glóbulos era modificada quando a luz era desviada, ao ser refratada pelo prisma, e também por influência do limite entre luz e escuridão, na borda do feixe luminoso. O movimento de rotação dessas partículas redondas seria acelerado no lado vermelho e retardado no lado azul. Para as outras cores, os movimentos de rotação seriam intermediários entre esses dois extremos [31[31] R. Descartes, op. cit., p. 256-259., 32[32] M. J. Osler, op. cit., p. 138-139.]. O autor supõe também que, nos corpos opacos coloridos, a forma, a posição e o movimento das partículas de sua superfície podem aumentar ou diminuir a rotação das partículas da matéria sutil, produzindo assim as cores que observamos [27[27] H. Guerlac, op. cit., p. 14.].

4. Luz e cores no atomismo de Walter Charleton

A obra de Charleton, intitulada Physiologia Epicuro-Gassendo-Charltoniana [33[33] W. Charleton, Physiologia Epicuro-Gassendo-Charltoniana: Or a Fabrick of Science Natural, Upon the Hypothesis of Atoms, Founded by Epicurus, Repaired by Petrus Gassendus, Augmented by Walter Charleton (Thomas Heath, London, 1654).], também influenciou fortemente o pensamento de Isaac Newton, sob vários aspectos. O livro de Charleton foi uma das principais fontes de Newton para a elaboração de suas Quaestiones quaedam philosophicae [34[34] J. E. McGuire e M. Tamny, Certain Philosophical Questions: Newton's Trinity Notebook (Cambridge University Press, Cambridge, 1983), p. 20.]. Trata-se de um livro que apresentava o pensamento atomístico grego de Epicuro, que havia sido retomado e atualizado no Século XVII por Pierre Gassendi, astrônomo e filósofo francês. Este pensador desenvolveu uma teoria atomística detalhada e bastante coerente, para a explicação de fenômenos físicos, em uma época em que tal abordagem estava sujeita a acusações de ateísmo [35[35] L.S. Joy, Gassendi the atomist. Advocate of History in an Age of Science (Cambridge University Press, Cambridge, 1987), p. 4.]. Gassendi se envolveu bastante em discussões sobre problemas ópticos na década de 1630, quando percebeu as dificuldades experimentais de determinar o tamanho aparente dos planetas e do Sol através de medidas com telescópios ou com a câmera obscura [36[36] L.S. Joy, op. cit., p. 106-107.].

Muitas sugestões do livro de Charleton, a respeito de átomos, vácuo, movimentos, gravidade e outros assuntos, tiveram forte impacto sobre o jovem Newton. Quatro capítulos da obra (capítulos 2, 3, 4 e 5 do Livro III) falavam sobre visão, cores e fenômenos luminosos, expondo uma visão atomística ou corpuscular da luz. Charleton, como muitos autores da época, dedicou grande parte desses capítulos aos aspectos fisiológicos da visão, bem como a tópicos relacionados com perspectiva, que não mencionaremos aqui.

Seguindo a teoria atomística grega de Epicuro, Charleton expõe que os átomos possuem três propriedades essenciais: tamanho, forma e movimento; e são também caracterizados por suas relações geométricas com outros átomos, como união e separação, ordem e posição [37[37] W. Charleton, op. cit., p. 130.]. Eles não possuem qualquer qualidade que atribuímos aos corpos sensíveis, como cor, odor, sabor etc. Se os átomos tivessem qualidades como essas, elas seriam imutáveis como os próprios átomos; porém, Charleton comenta que a cor dos objetos pode ser alterada. Quando se pulveriza vidro colorido (ou pedras preciosas), o pó é branco, o que mostra que a cor não está presente nas menores partículas do vidro. Inversamente, como Charleton argumenta, é possível produzir cores a partir de substâncias incolores: a partir de uma infusão transparente da planta cassia, pingando algumas gotas de “óleo de tártaro” (bitartarato de potássio), a solução se torna vermelha [38[38] W. Charleton, op. cit., p. 132.]. Ele também indica que as penas do pescoço de um pombo ou da cauda de um pavão adquirem diferentes cores, conforme a incidência da luz sobre elas - um exemplo que já era utilizado pelo atomista romano Lucretius [39[39] H. Guerlac, op. cit., p. 10.].

Aristóteles considerava que a visão é produzida sem a transmissão de qualquer tipo de substância ou matéria, através de formas imateriais que atravessam os corpos transparentes e atingem o olho. Seguindo a doutrina atomística, Charleton adotou a opinião contrária, de que a visão é produzida seja por sucessivas camadas de átomos que se desprendem da superfície dos corpos atingidos pela luz, ou pela própria luz (que também seria constituída por átomos) que atinge os objetos. Assim, nos dois casos, existiria um tipo de matéria muito sutil que produz a visão [40[40] W. Charleton, op. cit., p. 137-138.]. Quando a luz atinge um objeto, segundo Charleton, ela arranca dele uma camada que se espalha em volta, e por isso a aparência de uma pessoa que passa perto de uma cortina colorida, atingida pelo Sol, adquire a tonalidade da cortina. Existiriam, portanto, dois tipos de raios que chegam aos nossos olhos: os raios de luz e os raios que possuem as propriedades dos objetos iluminados. Os dois tipos de raios são considerados por ele como semelhantes, e fluem juntos [41[41] W. Charleton, op. cit., p. 171.].

Charleton supõe que todos os átomos que se desprendem de um objeto adquirem imediatamente uma velocidade que lhes é própria, igual para todos os átomos, com a qual se movem pelo espaço; essa velocidade dos átomos não seria infinita ou instantânea, mas insuperável [42[42] W. Charleton, op. cit., p. 143-144.]. Mesmo quando a luz é refletida por um objeto, sua velocidade não mudaria [43[43] W. Charleton, op. cit., p. 199.].

O capítulo 4 do terceiro livro trata sobre a natureza das cores [44[44] W. Charleton, op. cit., p. 182-197.]. O autor reconhece que a natureza das cores é um dos problemas mais difíceis, não tendo sido resolvido por nenhum autor. Supõe que as superfícies dos corpos visíveis têm certas disposições de suas partículas ou átomos que produz a exibição de cores, quando são atingidas pela luz, modificando os seus raios. As partículas que constituem a luz sofreriam a adição de partículas superficiais dos corpos, que transmitiriam a cor e outras propriedades. Os vários tipos de cores dependem das diversas maneiras pelas quais as partículas minúsculas da luz atingem e afetam a retina. Os corpos opacos, ao refletirem a luz, produzem cores apenas por certa modificação da luz refletida.

Charleton mostra um bom conhecimento das propriedades dos prismas e das cores produzidas pelos mesmos, tanto no caso em que são atravessados pela luz quanto no caso em que uma pessoa olha para uma fonte luminosa ou para um objeto através do prisma. Descreve, por exemplo, que ao olharmos para um corpo através de um prisma, a borda desse objeto que fica mais próxima da base do prisma aparece com as cores vermelha e amarela; e a borda que fica mais próxima do vértice do prisma aparece com as cores violeta, azul e verde. Se a superfície observada for muito pequena e as extremidades estiverem próximas, as cores mais internas (amarelo e verde) se conectarão, sendo visíveis quatro cores, sempre nesta ordem, a partir da base do prisma: vermelho, amarelo, verde, violeta - além de uma variedade indefinida de outras cores intermediárias [45[45] W. Charleton, op. cit., p. 188-189.]. É provável que as descrições de Charleton a respeito de experimentos nos quais se olha através do prisma tenham motivado as primeiras observações de Newton utilizando a mesma situação.

Como outros autores da época, seguindo a antiga teoria de Aristóteles [46[46] H. Guerlac, op. cit., p. 6.], Charleton acreditava que as diversas cores são produzidas por uma mistura de branco e preto ou de luz e sombra, em várias proporções [47[47] W. Charleton, op. cit., p. 192.]. O azul ou violeta teria a maior proporção de sombra, e o vermelho teria uma pequena proporção. Segundo esse autor, pode-se produzir uma cor verde misturando amarelo com azul porque todas elas são diferentes misturas de luz e sombra. De acordo com Charleton, as cores extremas seriam simples; e as demais, intermediárias ou compostas [48[48] W. Charleton, op. cit., p. 196.].

Segundo Charleton, os raios de luz são correntes muito tênues de “partículas ígneas” (átomos do fogo), em um fluxo contínuo, como um jato de água que jorra de uma fonte ou tubo [49[49] W. Charleton, op. cit., p. 198.]. A diferença entre o fogo e a luz seria semelhante à diferença entre a água e o vapor: possuem a mesma natureza, mas um é mais condensado do que o outro [50[50] W. Charleton, op. cit., p. 204-205.].

5. A obra de Robert Boyle sobre cores

O terceiro autor que tratava sobre luz e cores que Newton estudou em 1664 foi Robert Boyle. O livro de Boyle, intitulado Experiments and considerations touching colours [51[51] R. Boyle, Experiments and Considerations Touching Colours (Henry Herringman, London, 1664).] havia sido publicado no início deste mesmo ano e o jovem Newton começou imediatamente a lê-lo [52[52] H. Guerlac, op. cit., p. 18.]. Esta obra não é um tratado sobre óptica, no nosso sentido; estuda fenômenos de muitos tipos, com grande ênfase em química e na análise de pigmentos usados por pintores. Devemos recordar que Newton, durante sua adolescência, havia se encantado com a obra de John Bate, The mysteryes of nature and art, que continha muitas descrições a respeito de tintas e corantes. Boyle deu bastante atenção às mudanças de coloração de substâncias sob a ação de ácidos e álcalis (bases) - um fenômeno que adquiriu, depois, grande importância na química [53[53] W. Eamon, Ambix, 27, 204 (1980).]. Descreveu a luz esverdeada que atravessa folhas de ouro muito finas e as propriedades curiosas da infusão do lignum nephriticum (uma planta indiana, Pterocarpus indicus, utilizada para tratamento dos rins), cuja cor dependia da direção de que era observada - fenômenos que foram depois registrados por Newton [54[54] H. Guerlac, op. cit., p. 19.]. Boyle elogiou no seu livro o uso do prisma para tentar compreender as cores e indicou que ele deveria ser usado no escuro, e não em uma sala clara - ao contrário do que se fazia na época.

Este livro de Boyle é, à primeira vista, desprovido de interesse sob o ponto de vista da física. Seu subtítulo, “O início de uma história experimental das cores”, é bastante significativo. É um texto que se enquadra na tradição baconiana existente no Século XVII de obras sobre “história” de certo assunto, no sentido de um conjunto de descrições de fatos, sem desenvolvimento teórico.5 5 Este uso da palavra “história”, que nada tem a ver com tempo ou cronologia, remonta a Aristóteles, que utilizou o título História dos animais para sua principal obra zoológica puramente descritiva, reservando a discussão teórica sobre os seres vivos a outras obras, tais como a Geração dos animais (sobre os processos reprodutivos) e Partes dos animais (sobre os órgãos e a fisiologia). Thomas Sprat, em sua História da Royal Society de Londres, indicou que os membros da Royal Society se empenhavam na coleta de informações sobre muitos assuntos a respeito da natureza e das artes (ou seja, técnicas), tomando como ponto de partida o conhecimento de pessoas que tinham experiência prática sobre esses temas e depois coletando novas informações através de observações e experimentos [55[55] T. Sprat, The history of the Royal Society of London, for the Improving of Natural Knowledge (J. Martyn, London, 1667), p. 257.]. Dentre os exemplos que ele forneceu, podemos ressaltar as “histórias” do salitre, do açafrão, da fabricação do papel, da pólvora, produção do milho, propriedades das ostras etc. Sprat transcreveu em seu livro a “Uma coleção para a história das práticas comuns de tingimento”, por William Petty [56[56] T. Sprat, op. cit., p. 284-306.] que contém muitas curiosidades, como o tingimento de couro e de prata, dando-lhes uma aparência dourada, através do uso de verniz, urina e enxofre.

Nesse pequeno ensaio, Petty enfatiza que há três corantes básicos: azul, amarelo e vermelho - a partir dos quais as outras cores podem ser produzidas [57[57] T. Sprat, op. cit., p. 295, p. 302.]. Descreve o uso do pau-brasil (Caesalpinia echinata) no tingimento de tecidos, informando que o pó da madeira (triturada como farinha) era fervido longamente com galhas e o líquido obtido era misturado com alúmen para ser utilizado como tintura vermelha, ou com cinzas para produzir a cor púrpura. A tintura vermelha, quando tratada com algumas gotas de limão ou vinagre, tornava-se amarela; e sob a ação do “espírito de vitríolo” (ácido sulfúrico) adquiria uma coloração violeta [58[58] T. Sprat, op. cit., p. 297-298.].

É bem possível que o estudo de Boyle a respeito de cores tenha se inspirado em “histórias” como esta, já existentes, pois contém um grande número de descrições de substâncias coloridas e suas mudanças de coloração em várias circunstâncias. Porém, nota-se que, ao contrário do que era comum nas “histórias”, Boyle procura não apenas descrever fenômenos isolados, mas compará-los, procurar obter generalizações e, em certos casos, oferecer tentativas de explicações para os mesmos.

No Prefácio de sua obra, Boyle comentou que não possui nenhuma teoria sobre as cores e que isso pode produzir estranheza; mas indica que o propósito explícito do seu tratado é oferecer uma “história” e não uma visão teórica sobre o assunto, embora apresentando diversas considerações especulativas que podem contribuir para o desenvolvimento de uma hipótese mais ampla [59[59] R. Boyle, op. cit., p. (iii)-(iv).].

Desde o início do seu tratado, percebe-se que Boyle assume, sem discutir, a ideia de que as cores são modificações da luz [60[60] R. Boyle, op. cit., p. 9-10.].

Pode-se considerar Cor seja como uma qualidade que reside no corpo que se diz ser colorido, ou que modifica a luz de tal ou tal maneira; ou então como a própria Luz que, assim modificada, atinge o órgão da visão e desse modo causa a sensação que chamamos de Cor; e essa última pode ser considerada como a acepção mais própria, embora não a mais usual, da palavra Cor […]; e realmente é a própria Luz que, de certa maneira, ou misturada com sombras, ou perturbada de algum outro modo, atinge nossos olhos, que produz mais imediatamente aquele movimento no órgão, através do qual as pessoas dizem que veem tal ou tal cor no objeto; no entanto, porque existe no corpo que é dito colorido uma certa disposição das partículas superficiais pelas quais ele envia a Luz refletida, ou refratada, aos nossos olhos assim alterada, e não de outra forma, pode-se também dizer em algum sentido que a Cor depende do corpo visível; e portanto não ficaremos contra o modo de falar sobre Cores que é mais usado entre os Naturalistas Modernos […]. [60[60] R. Boyle, op. cit., p. 9-10.]

Logo em seguida, Boyle indica que a causa imediata da cor é a própria luz modificada [61[61] R. Boyle, op. cit., p. 11, p. 21.]. É importante prestarmos atenção a esse conceito, já que a teoria desenvolvida posteriormente por Newton não aceitava que a luz fosse modificada ao ser refletida ou refratada pelos corpos.

Adotando um ponto de vista atomista, Boyle considera que a luz produz algum tipo de movimento especial na retina, que é conduzido ao cérebro; e que movimentos análogos podem ser produzidos sem luz, gerando sensações luminosas e de cores, em diversas circunstâncias - por exemplo, quando sonhamos. Ele adiciona outros casos, como o de uma pessoa cujo olho é atingido por uma pancada, ou de alguém afetado por uma doença [62[62] R. Boyle, op. cit., p. 11-12.].

Boyle aceitou a opinião de diversos autores - desde os antigos atomistas até pensadores mais recentes - que associavam as cores dos corpos opacos com as formas de suas partículas superficiais. Além das formas, Boyle supunha que os tamanhos dessas partículas também podem influenciar suas cores, assim como as distâncias entre as partículas, as misturas de diversos tipos de corpúsculos na superfície do corpo, bem como a presença de poros ou cavidades entre as partículas [63[63] R. Boyle, op. cit., p. 26-30.]. A direção de incidência da luz sobre a superfície também pode mudar sua cor, o que indicaria que há outras circunstâncias importantes [64[64] R. Boyle, op. cit., p. 33.]. Em outro ponto do livro ele se refere às cores produzidas em bolhas de água com sabão ou de outros líquidos, bem como películas extremamente finas de vidro; comentando que as cores observadas em cada ponto, nesses casos, dependem da direção de incidência da luz e da direção de observação [65[65] R. Boyle, op. cit., p. 242-244.].

Quando a luz atinge as partículas da superfície, ela seria refletida com maior ou menor quantidade de sombra, ou com uma sequência de luz e sombra, ou com alguma outra modificação que Boyle se sente incapaz de determinar; mas parece acreditar que a luz, ao atingir as protuberâncias e cavidades microscópicas das superfícies dos corpos, se mistura com uma multidão de pequenos intervalos de sombra; e que essa mistura produz as cores [66[66] R. Boyle, op. cit., p. 41, p. 68.]. Em outros pontos o autor sugere que os feixes de luz, que seriam compostos por minúsculas partículas, poderiam produzir diferentes efeitos no olho dependendo da forma e tamanho desses corpúsculos, sua velocidade, sua rotação (como na explicação que Descartes apresentou) e seu movimento direto ou ondulante [67[67] R. Boyle, op. cit., p. 88, p. 91, p. 131-132.].

O autor especula que talvez entre as menores partículas materiais na superfície dos corpos haja passagens ou canais pelos quais possam passar os “corpúsculos incrivelmente sutis que constituem os raios de luz”; sendo, por isso, diáfanos ou translúcidos; se assim for, a refração pode contribuir para a cor da superfície dos corpos [68[68] R. Boyle, op. cit., p. 69.]. Comenta que muitos tipos de substâncias aparentemente opacas são translúcidas, quando finas; e passa, então, a se referir aos fenômenos de cores que envolvem refração em corpos transparentes, como no arco-íris e em prismas. As cores produzidas pelos corpos transparentes, principalmente por refração, mas às vezes com a ajuda de reflexões e outros fenômenos, eram denominadas na época “cores enfáticas” e consideradas como menos importantes do que as cores “verdadeiras” da superfície dos corpos opacos [69[69] R. Boyle, op. cit., p. 76.]. Boyle rejeitou essa distinção, considerando que as cores são simplesmente luz modificada; seja qual for o processo pelo qual se dá essa modificação, as cores são igualmente verdadeiras.

Em outro ponto, Boyle se referiu a várias opiniões a respeito das cores, indicando que os “modernos” adotam, com pequenas variações, a opinião de Platão de que a cor é um tipo de chama constituída por corpúsculos diminutos que são lançados pelo objeto contra o olho; e que a maioria dos “filósofos modernos” aceita que as cores provêm da mistura de luz e escuridão, ou de luz e sombra [70[70] R. Boyle, op. cit., p. 84-85.]. Também descreve outras teorias, como a aristotélica, a dos alquimistas e a de Descartes. Embora afirme várias vezes que não defende nenhuma teoria, Boyle criticou a ideia de que as cores possam ser produzidas por uma mistura de luz com sombra, afirmando que nunca conseguiu notar o aparecimento de qualquer cor (como azul, amarelo, vermelho) pela mistura de branco e preto [71[71] R. Boyle, op. cit., p. 87.]; mas que estas e outras cores podem ser produzidas pelos prismas e outros corpos transparentes; sendo necessário, portanto, compreender a produção de cores pela refração.

6. Os experimentos de Boyle com o prisma

Apenas uma pequena parcela do livro de Robert Boyle menciona as cores produzidas por refração, através de prismas. No entanto, essa parte tem grande importância por causa de sua influência sobre Newton.

Já foram mencionados diversos pontos nos quais Boyle se referiu às cores produzidas por refração, de um modo vago, sem apresentar detalhes. Suas observações e experimentos são apresentados na terceira parte do livro, em que descreve os fenômenos associados às cores e suas combinações.

O primeiro experimento descrito por Boyle [72[72] R. Boyle, op. cit., p. 191-192.] consiste em colocar o prisma em uma sala escura, recebendo a luz do Sol em um dos seus vértices (Fig. 4). Nessa posição, o prisma produz quatro espectros, em diferentes direções. O nome “espectro”, introduzido depois por Newton e empregado até hoje, não era utilizado por Boyle, que se referia às faixas coloridas utilizando o nome “íris” ou “íris prismática”. Boyle distinguiu cinco cores nessas faixas luminosas: vermelho, amarelo, verde, azul e púrpura.

Figura 4
Experimento de Boyle utilizando um prisma.

Boyle observou que as cores não eram alteradas quando a faixa luminosa era refletida por um espelho plano ou côncavo, ou na superfície da água. Também afirmou que não era alterada por refração: quando uma parte do feixe colorido era desviado e concentrado por uma lente convergente, sua cor não era alterada; além disso, projetando as cores em um papel branco e observando alguma dessas cores com um microscópio, a cor se mantinha a mesma [73[73] R. Boyle, op. cit., p. 193.].

Alguns experimentos de Boyle tinham o objetivo de analisar a combinação de diferentes cores - tanto as produzidas por prismas, como as de outros tipos. A combinação de tintas utilizadas pelos pintores já era bem conhecida. O autor comenta que basta utilizar pigmentos branco, preto, vermelho, azul e amarelo para produzir todas as cores desejadas; por isso, ele chama essas “cores” (nós não descrevemos, atualmente, o branco e o preto como cores) de simples ou primárias. Pela combinação do branco com o preto, em diferentes proporções, ele obteve uma variedade de tons de cinza. A combinação de pigmentos azul e amarelo produz a cor verde; vermelho e amarelo produzem laranja; vermelho com um pouco de branco produz rosa; e vermelho com um pouco de azul produz púrpura [74[74] R. Boyle, op. cit., p. 219-221.]. Um dos experimentos de combinação de cores que ele realizou consistiu em misturar pigmentos azul e amarelo em pó, produzindo uma cor verde; no entanto, ao olhar para essa mistura com um microscópio, foi capaz de ver que ela não consistia em grãos verdes e sim em grãos azuis e amarelos misturados; ou seja: cada grão do pigmento manteve sua própria cor e, portanto, enviava para o olho do observador aquela mesma cor. Assim, a sensação de verde era produzida no próprio olho, pela combinação dos raios azuis e amarelos que chegavam praticamente juntos à retina [75[75] R. Boyle, op. cit., p. 236-240.].

Em outros experimentos Boyle utilizou vidros coloridos, fazendo a luz passar por dois deles colocados um sobre o outro, concentrando a luz com uma lente e projetando o feixe resultante sobre papel branco. Descreve que a luz do Sol, atravessando vidros azul e amarelo produziu um verde; com vidros vermelho e amarelo, o resultado foi cor de açafrão e laranja; verde e azul produziram uma cor intermediária entre eles; vermelho e azul produziram púrpura [76[76] R. Boyle, op. cit., p. 222-224.].

Boyle experimentou também alterar as cores produzidas pelo prisma, através de vários processos. Fez a luz solar passar por um prisma e projetou no chão a faixa colorida; então, colocando um vidro azul entre o prisma e o chão, afirmou que a parte da faixa que antes era amarela havia se tornado verde [77[77] R. Boyle, op. cit., p. 225.]. Em outro experimento, projetou a parte azul da “íris prismática” sobre uma superfície vermelha brilhante, obtendo uma aparência púrpura. Projetando toda a “íris prismática” sobre uma superfície azul viva, a parte que seria amarela apareceu verde. Utilizando dois prismas [78[78] R. Boyle, op. cit., p. 226-227.] Boyle projetou as cores produzidas por um deles sobre a faixa colorida produzida pelo outro; e descreveu ter produzido também desta forma um verde pela combinação do amarelo com azul, e púrpura com a composição do azul com vermelho.

Outro experimento interessante realizado por Boyle consistiu em recobrir as faces do prisma com verniz colorido (amarelo ou vermelho). Ele afirma que, quando o prisma estava recoberto com amarelo, os lugares que deveriam aparecer azuis se tornavam verdes, não fornecendo mais detalhes - talvez porque os efeitos fossem inesperados ou irregulares [79[79] R. Boyle, op. cit., p. 227-229.].

Pode-se perceber que Boyle considerava que a composição de feixes luminosos coloridos tinha as mesmas propriedades que a composição de tintas ou pigmentos - o que não é aceito atualmente; e também que as cores produzidas pelo prisma podiam sofrer mudanças e combinações.

Newton estudou cuidadosamente esse livro Boyle sobre as cores, que também defendia que a filosofia natural deveria ser construída a partir de uma série de experimentos cuidadosamente planejados e repetidos, com seus resultados meticulosamente anotados. Para Boyle a experimentação não deveria se restringir a construção de listas de fatos experimentais ou a testes de ideias teóricas; mas, sobretudo para expandir ideias teóricas [80[80] A.R. Hall, op. cit., p. 13.]. Neste sentido, o programa de Boyle foi usado por Newton para estruturar a maneira como apresentou suas ideias sobre luz e cores, nos trabalhos que serão descritos mais adiante, como o ensaio Of Colours (1665) e, posteriormente, de forma mais aprofundada, no livro Opticks(1704).

Newton aprendeu com Boyle que as cores dos corpos não eram qualidades no sentido aristotélico, mas sim características da luz refletida ou refratada pelas superfícies dos corpos; e que branco e preto são efeitos de grande reflexão e absorção da luz pelos corpos. Inspirou-se, também, em diversos dos experimentos descritos por Boyle. Do ponto de vista teórico, como veremos a seguir, Newton discordou de Boyle que considerava que a luz colorida era a luz branca modificada.

7. As anotações de Newton em 1664-1665

Já mencionamos o caderno de anotações de Newton no qual ele registrou suas considerações a respeito da luz e outros assuntos (Quaestiones quaedam philosophicae), em 1664 e 1665. De acordo com Martin Tamny e James McGuire, o manuscrito poderia ter sido iniciado em meados de 1663 - porém, mais provavelmente, no início de 1664; a motivação imediata para a redação desses comentários foi a leitura do livro de Charleton, Physiologia Epicuro-Gassendo-Charltoniana [81[81] J. E. McGuire e M. Tamny, op. cit., p. 6.]. A cronologia detalhada dos experimentos ópticos de Newton é muito confusa [82[82] H. Guerlac, Isis, 74 , 74 (1983).]. Há pistas contraditórias fornecidas em diferentes escritos do próprio Newton, bem como em informações de fontes independentes. Vamos agora descrever alguns pontos importantes desse manuscrito relacionados com luz e cores6 6 O caderno original está atualmente guardado na Biblioteca da Universidade de Cambridge, Inglaterra: Manuscrito MS Add. 3996, Cambridge University Library. Uma versão desse manuscrito, em PDF, está disponível na Internet: http://cudl.lib.cam.ac.uk/view/MS-_ADD-_03996/, acesso em 27/07/2014. A parte do caderno que contém as “Quaestiones quaedam philosophicae” foi publicada, com comentários [83]. .

Um dos primeiros temas que Newton abordou nas Quaestiones quaedam philosophicae foi a constituição da matéria, adotando um ponto de vista atomista [84[84] I. Newton, Quaestiones Quaedam Philosophicae (1664-1665), Manuscrito MS Add. 3996, Cambridge University Library. Disponível em http://cudl.lib.cam.ac.uk/view/MS-_ADD-_03996/, acesso em 27/7/2014, fol. 89r. Este manuscrito de Newton será citado, neste artigo, indicando a respectiva folha (fol.) do caderno (numerada apenas de um lado) com a adição da letra “r” quando se trata da página anterior da folha (“recto”, em latim) e com a letra “v” quando se trata da página posterior da folha (“verso”, em latim).
http://cudl.lib.cam.ac.uk/view/MS-_ADD-_...
]. A primeira passagem das “Questões” em que Newton se refere aos fenômenos luminosos é intitulada Sobre reflexão, ondulação e refração. Lá, ele questiona se a superfície de um vidro reflete luz no vácuo, e se a refração produzida pelo vidro é igual no ar e no vácuo produzido pela aparelhagem que havia sido desenvolvida por Robert Boyle [85[85] I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 99r.].

A seção das “Questões” intitulada “Sobre a luz” começa com considerações a respeito das diferenças entre branco e preto, muito semelhantes às que aparecem no livro de Boyle. Logo em seguida, no entanto, Newton registrou uma crítica à teoria cartesiana da luz (embora não indique o nome do autor da teoria). Como foi indicado, Descartes supunha (exceto na sua explicação do arco-íris) que a luz era uma pressão ou tendência ao movimento. Descartes também considerava que a gravidade era produzida por uma pressão para baixo, exercida pelo “segundo elemento”, que tem um movimento circular em torno da Terra, do Sol e de todos os corpos celestes. A gravidade terrestre corresponderia, assim, a uma pressão para baixo exercida pelo segundo elemento - que é o mesmo que transmite a luz, segundo Descartes. Além disso, a própria Terra é mantida a uma certa distância do Sol porque é empurrada em sua direção. Se assim fosse, comentou Newton, “deveríamos ver durante a noite tão bem ou melhor do que durante o dia: deveríamos ver uma luz brilhante em torno de nós, porque somos pressionados para baixo”. Além disso, “um homem andando ou correndo veria durante a noite”, já que ele estaria se movendo em relação ao “segundo elemento” e sofreria uma pressão por parte dele. “Quando um fogo ou vela se extingue, deveríamos ver uma luz olhando para o lado oposto”, pois a cessação da pressão produzida pela luz que vem da vela deveria ser seguida por uma pressão oposta, vinda do outro lado. “Todo o leste brilharia durante o dia e o oeste durante a noite, por causa do fluxo que nos carrega”, pois o movimento da Terra pelo espaço também produziria uma pressão. “Um pequeno corpo interposto não poderia nos impedir de ver; a pressão não poderia proporcionar formas tão distintas”, já que a pressão não se propaga em retas e sim se espalha para todos os lados [86[86] I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 103v.].

Essas críticas são inteligentes e, aparentemente, originais. Mostram que Newton preferia outro tipo de explicação completamente diferente sobre a luz - a hipótese atomista, ou corpuscular. Inicialmente, Newton adotou um ponto de vista corpuscular bastante curioso. Supôs que havia partículas redondas ou glóbulos de luz que se moviam em meio ao éter - em vez de átomos que se movem no espaço vazio, como no caso dos atomistas [87[87] I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 104v.].

Sua explicação inicial para as cores era vaga, como a de Boyle: “As cores surgem ou por sombras intercaladas com luz, ou reflexão mais forte e mais fraca, ou partes do corpo misturadas e levadas pela luz” [88[88] I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 105v.]. Logo em seguida, no entanto, na mesma página do caderno, ele apresentou críticas à hipótese da mistura de luz e sombra: “Nenhuma cor surgirá da mistura de branco com negro puro, pois [em caso contrário] as figuras desenhadas com tinta [preta] seriam coloridas e o que fosse impresso pareceria colorido à distância, e as bordas das sombras seriam coloridas, e o preto da fuligem e o branco espanhol produziriam cores; portanto, elas [as cores] não podem surgir de uma reflexão maior ou menor da luz, ou de sombras misturadas com a luz” [88[88] I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 105v.]. A crítica é válida e inteligente. O último exemplo estava presente no livro de Boyle sobre cores; os outros, não.

Inspirando-se, provavelmente, nos experimentos de Boyle com prismas, Newton registrou no seu caderno: “Experimentar se dois prismas, um lançando azul sobre o vermelho do outro, não produzem um branco” [89[89] I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 122r.]. Boyle descreveu experimentos desse tipo, com dois prismas, como vimos; mas não indicou qualquer resultado que pudesse inspirar tal conjetura por parte do jovem Newton. Por outro lado, segundo a teoria de Descartes a respeito das cores, os glóbulos do segundo elemento cuja rotação é acelerada produzem o vermelho e aqueles cuja rotação seja reduzida produzem o azul; seria razoável supor que uma mistura de vermelho com azul neutralizasse essas duas modificações, produzindo o branco. Robert Hooke, em sua Micrographia (publicada em 1665) também considerava que a combinação de luz azul com vermelha produziria o branco; mas Newton provavelmente ainda não havia lido essa obra quando escreveu o comentário acima. Note-se, também, que Newton não realizou tal experimento, apenas pensou sobre ele - o que provavelmente indica que, nessa época, apenas possuía um único prisma, cujo uso descreveu logo em seguida.

Nos primeiros experimentos que registrou no seu caderno [89[89] I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 122r.], Newton não projetou a luz do Sol através de um prisma e sim olhou para uma superfície iluminada, através do prisma - como as observações que Charleton havia descrito (Fig. 5). Ás vezes, tal tipo de experimento é chamado “subjetivo”, em contraste com os experimentos de projeção utilizando o prisma, chamados “objetivos”, embora tal terminologia não seja muito adequada.

Figura 5
Experimento de Newton observando através de um prisma um objeto com metades diferentes.

Se o vértice do prisma estiver para cima (como na Fig. 5) e a superfície observada através do prisma tiver sua metade superior branca e a metade inferior negra, então o observador verá uma faixa vermelha separando as partes branca e preta, e essa faixa estará acima da divisão entre as duas metades. Se a superfície observada for invertida, ficando com a parte negra acima e a branca abaixo, mantendo a posição do prisma, então aparecerá uma faixa azul separando as partes branca e negra, e essa faixa aparecerá acima da linha de separação [89[89] I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 122r.].

Devemos notar que Newton não descreveu o aparecimento de outras cores; porém, em experimentos como esses, a faixa vermelha não é de uma cor uniforme e sim acompanhada por laranja e, muitas vezes, amarelo; e a faixa azul também não é de uma cor uniforme e sim acompanhada por violeta e, muitas vezes, verde. Assim, a descrição que Newton apresentou era simplificada, provavelmente sob a influência da ideia de que as cores principais produzidas pelo prisma são os extremos, vermelho e azul (ou violeta).

Alterando as cores das duas metades da superfície, Newton obteve os seguintes resultados [89[89] I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 122r.], que incluem os dois resultados já descritos:

metade superior: metade inferior: faixa acima da separação: branco negro vermelho negro branco azul azul branco azul mais forte branco azul vermelho negro azul azul mais forte azul negro verde, ou vermelho negro vermelho azul vermelho negro vermelho mais forte vermelho branco azul branco vermelho vermelho mais forte branco branco mais forte azul branco mais forte branco vermelho preto preto mais forte verde ou vermelho escuro preto mais forte preto azul

Pode-se notar que o resultado principal obtido nesses experimentos foi o de que aparecia uma faixa vermelha quando a parte superior do objeto observado era mais clara, e uma faixa azul quando a parte superior era mais escura (com o vértice do prisma para cima, sempre).

Logo depois de descrever esses experimentos, Newton registrou um comentário que certamente não é consequência dos mesmos: “Quanto mais uniformemente os glóbulos movem os nervos ópticos, mais os corpos parecem ser coloridos vermelho, amarelo, azul, verde etc.; mas quanto mais diversamente eles os movem, mais os corpos aparecem branco, negro ou cinza” [89[89] I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 122r.]. Percebe-se que Newton estava tanto realizando experimentos quanto tentando compreender a natureza microscópica da luz e das cores.

Na página seguinte do caderno de anotações Newton registrou, sob a forma de tópicos numerados, um primeiro esboço da teoria sobre as cores [90[90] I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 122v.]. A ideia principal dessa teoria (que depois foi abandonada por ele) era que os raios luminosos eram constituídos por partículas (glóbulos) que atingem os olhos, produzindo as diversas sensações de cores; haveria raios luminosos de diferentes velocidades; e os mais lentos seriam mais facilmente desviados (refratados) do que os mais rápidos. Relacionando essa proposta teórica com as observações feitas com o prisma, utilizando a hipótese de que os raios mais lentos sofrem maiores refrações, Newton concluiu que os raios mais lentos são os que produzem as cores azul, cor celeste e púrpura; os mais rápidos, vermelho e amarelo; e os de velocidade intermediária produzem o verde. Supôs também que uma mistura de raios rápidos e lentos produz branco, cinza e preto.

Essa hipótese de Newton é corpuscular e inspirada nas ideias expostas por Charleton; porém, nenhuma teoria atomística da luz supunha a existência de diferentes velocidades associadas às cores. Por outro lado, de Aristóteles até Descartes, quase todos os autores supunham que a velocidade da luz (ou da visão) era infinita, não podendo haver, portanto, raios mais lentos ou mais rápidos. Nos Meteoros, Descartes havia suposto que a velocidade de rotação dos glóbulos do segundo elemento variava e produzia as cores; talvez Newton tenha se inspirado nessa ideia, modificando-a e propondo uma associação entre as cores e as velocidades dos corpúsculos que constituem a luz. Notemos, também, que nesse momento Newton já começou a pensar sobre a luz branca como uma mistura de cores - uma ideia que não era encontrada nos autores que ele estudou.

A relação entre cor e diferença de refração foi reforçada por Newton, logo em seguida, através de um novo experimento [90[90] I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 122v.]. Amarrando um pedaço de linha azul a outro pedaço de linha vermelha; esticando a linha assim produzida na direção horizontal; colocando um objeto preto atrás; e observando a linha através do prisma, “uma metade do fio aparecerá mais alta do que a outra e não ambas em uma linha reta, por causa das refrações desiguais nas duas cores diferentes” [90[90] I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 122v.]. A linguagem utilizada por Newton em sua descrição não permite concluir se ele realmente fez esse experimento ou se apenas o imaginou, prevendo seu resultado. Muitos anos depois, no início da sua Óptica (proposição 1, teorema 1), Newton apresentou um experimento semelhante - utilizando uma faixa de papel com duas metades coloridas, em vez de dois pedaços de linha - como a primeira evidência de que diferentes cores estão associadas a refrações diferentes [91[91] I. Newton, Opticks: Or a Treatise of the Reflexions, Refractions, Inflexions and Colours of Light. Also two treatises of the species and magnitude of curvilinear figures (Samuel Smith and Benjamin Walford, London, 1704), p. 13-17.]. Antes de Newton, outros autores - como Thomas Harriot - já haviam descoberto a diferença de refração entre o vermelho e o azul [92[92] J.A. Lohne, Centaurus, 6 , 113 (1959).], mas isso não era conhecido pela maior parte dos pesquisadores.

Partindo dessa interpretação dos fenômenos de refração no prisma, Newton procurou também interpretar as cores de corpos opacos [90[90] I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 122v.]. Se a luz branca é uma mistura de raios com várias velocidades, o que acontece quando essa luz atinge um corpo que nos parece vermelho? Segundo Newton, a aparência vermelha ou amarela surge nos corpos que “param” (interrompem, absorvem) os raios que se movem mais lentamente (associados ao azul e violeta) sem impedir muito o movimento dos raios mais rápidos (associados ao vermelho e amarelo). Trata-se, nesse caso, de uma separação dos raios que já existiam na luz branca, alguns sendo absorvidos e outros sendo refletidos ou difundidos pela superfície colorida. No entanto, Newton ainda não parece muito seguro sobre essa interpretação, propondo outra diferente: um corpo colorido poderia diminuir a velocidade de alguns raios da luz que o atinge, e não de outros; ou diminuir a velocidade de todos eles de acordo com uma certa proporção. Isso poderia ocorrer se as partículas do corpo não possuírem uma elasticidade tão grande que possa refletir as partículas dos raios com seu movimento inicial [93[93] I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 123r.]. Newton não parece ter percebido que, de acordo com essa nova hipótese, somente seria possível explicar o surgimento de cores que tendem ao azul e ao violeta (associadas a movimentos mais lentos).

Em vez de se prender a uma explicação única, Newton estava explorando diversas hipóteses. Ele comentou que os raios poderiam ter velocidades iguais, mas diferirem no tamanho de seus corpúsculos: “Embora dois raios sejam igualmente rápidos, no entanto, se um raio for menor do que o outro, esse raio terá um efeito muito menor no órgão sensorial, pois ele tem menor movimento do que o outro” [93[93] I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 123r.]. Neste ponto, Newton estava provavelmente pensando no conceito de quantidade de movimento desenvolvido por Descartes, que dependia da velocidade e do tamanho das partículas; nessa época, ainda não se utilizava o conceito de “massa”, que foi depois introduzido pelo próprio Newton. Logo em seguida, Newton registrou uma série de estimativas quantitativas sobre colisões de partículas, com várias suposições sobre os tamanhos dos glóbulos dos raios luminosos e dos que existiriam na superfície de um objeto atingido pela luz, procurando analisar em que condições a luz refletida seria azul ou vermelha.

A parte seguinte do manuscrito registra uma série de experimentos fisiológicos sobre cores. Newton olhava para um ponto à sua direita, virando o olho (sem girar a cabeça) nessa direção; e então pressionava com o dedo a parte esquerda do olho, que ficava exposta. Observou o surgimento de cores nos pontos pressionados. Não contente com esses testes, enfiou um objeto de latão entre o olho e o osso que o cerca, para atingir pontos que não conseguia pressionar com o dedo, anotando os efeitos coloridos que surgiam [94[94] I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 124r.]. Obviamente, não recomendamos que alguém siga o exemplo de Newton, pois tais experimentos podem produzir danos nos olhos da pessoa.

Os trechos seguintes do caderno de anotações [95[95] I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 124v.] trazem várias descrições a respeito de cores adquiridas pelo aço temperado, sobre luz refletida de superfícies coloridas ou atravessando papéis e vidros coloridos, cores que surgem na superfície do chumbo derretido, efeitos coloridos que surgem em reações químicas etc. Muitas dessas descrições, assim como outras que registrou em outra parte do seu caderno [96[96] I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 133r-135r.] parecem ter sido tiradas do livro de Boyle, mas pode ser que Newton tivesse também feito experimentos sobre esses fenômenos. Ele descreveu que a luz amarela produzida por um prisma, lançada sobre um objeto azul, produz a cor verde; e que o azul prismático atingindo um objeto vermelho também produz a cor verde. Comentou que “deveria ser tentado que cores seriam feitas pela mistura de cores que saem de dois prismas” [95[95] I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 124v.], o que reforça o comentário que já apresentamos de que, nessa época, ele só possuía um prisma. Posteriormente, em 1666, ele realizou experimentos com dois prismas [97[97] R.S. Westfall, op. cit., p. 213.]. Devemos notar, também, que no período em que redigiu suas anotações sobre luz e cores das Quaestiones quaedam philosophicae, o estudo da “íris prismática” (posteriormente chamada de “espectro luminoso”) ainda não tinha adquirido grande importância, para Newton.

8. O livro de Hooke, Micrographia

Quando Newton escreveu suas anotações, em 1665, ele ainda não havia estudado outra importante obra publicada naquele mesmo ano: a Micrographia, de Robert Hooke, publicada em janeiro desse ano. O livro de Hooke contém principalmente descrições de diversos materiais, animais e plantas feitas com um microscópio por ele aperfeiçoado, acompanhadas por extraordinários desenhos de suas observações. Essa obra teve um enorme impacto sobre os estudos biológicos, na época [98[98] R.A. Martins, Filosofia e História da Biologia, 6 , 105 (2011).].

Além desse aspecto da Micrographia, Hooke descreveu vários fenômenos ópticos nesse livro, apresentando também sua interpretação teórica sobre os mesmos [99[99] C.C. Silva, in: Atas do V Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia (Sociedade Brasileira de História da Ciência, São Paulo, 1996)., 100[100] C.C. Silva e R.A. Martins, in: Atas do V Encontro de Pesquisadores em Ensino de Física (UFMG/CECIMIG/FAE, Belo Horizonte, 1996).].

O fenômeno de cores em corpos transparentes finos foi descrito por Hooke, inicialmente, ao estudar a mica [101[101] R. Hooke, Micrographia or Some Physiological Descriptions of Minute Bodies Made by Magnifing Glasses. With Observations and Inquires Thereupon (J. Martyn and J. Allestry, London, 1665), p. 47. Existe uma reimpressão fac-similar (Dover, New York, 1961).]. Essa substância mineral pode ser dividida em camadas finíssimas, transparentes; e essas placas apresentam fenômenos de cores, tanto ao olho nu quanto ao serem observadas ao microscópio. Cortando uma placa de mica, Hooke observou que alguns lugares se mostravam transparentes (brancos), enquanto em outros próximos apareciam as cores do arco-íris. Separando cuidadosamente algumas placas finas de mica, de espessura uniforme, Hooke notou que elas apresentavam uma única cor em toda a sua superfície; e a superposição de duas dessas placas proporcionava novas cores, diferentes [102[102] R. Hooke, op. cit., p. 48, p. 50.]. Além disso, Hooke notou que, ao começar a separar as camadas de um pedaço mais grosso de mica, a parte entre as duas placas, que estavam unidas de um lado e separadas do outro, mostrava várias linhas coloridas.

Em seguida, Hooke descreveu que, pressionando fortemente duas pequenas lentes convexas uma contra a outra, apareciam círculos coloridos cuja posição mudava conforme a pressão aplicada; e essas linhas surgiam também quando se colocava água ou algum outro líquido transparente entre as lentes [103[103] R. Hooke, op. cit., p. 50.]. Esse fenômeno, que atualmente é descrito como “anéis de Newton”, foi depois estudado por Newton, como veremos.

Estudando vários outros fenômenos semelhantes, como as bolhas de sabão, Hooke concluiu que qualquer substância transparente muito fina, colocada entre duas superfícies com índices de refração diferentes, ou sobre uma superfície refletora, produz cores [104[104] R. Hooke, op. cit., p. 53.]. No caso desses fenômenos, não é necessária a presença de bordas escuras ou sombras, pois toda a superfície do corpo transparente pode estar iluminada. Por isso, Hooke considerou que esse era um experimento crucial (ele utilizou a expressão “experimentum crucis”, em latim) que permitia rejeitar a necessidade de luz e sombras para a produção de cores, que era aceita por diversos autores [105[105] R. Hooke, op. cit., p. 54.]. A expressão “experimentum crucis” foi depois utilizada por Newton, no mesmo sentido, em seus estudos sobre a luz.

Examinando a natureza da luz e se referindo a muitos fenômenos diferentes, Hooke concluiu que ela é produzida pelo movimento muito rápido de partículas dos corpos [106[106] R. Hooke, op. cit., p. 55.] e que a própria luz é um movimento vibratório que se espalha em superfícies esféricas a partir da origem, como as ondas que se formam na superfície na água quando se joga uma pedra nela; e os raios luminosos são como os raios geométricos que vão do centro de uma esfera ou círculo para sua superfície [107[107] R. Hooke, op. cit., p. 57.].

Do ponto de vista teórico, o tratamento dado por Hooke foi o mais coerente e compreensível tratamento mecânico da época. Para Hooke, em um meio homogêneo a luz era constituída por uma série de frentes de onda (que ele chamou de “pulsos orbiculares”) AD, BE, CF perpendiculares à direção ABC de propagação dos raios (Fig. 6). Quando a luz incide obliquamente num meio refringente, segundo Hooke, a frente de onda se torna inclinada em relação à direção de propagação, por causa da diferença entre as velocidades da luz nas duas regiões [108[108] R. Hooke, op. cit., p. 57-58.]. Se o segundo meio MMM for mais refringente do que o primeiro, como na passagem da luz do ar para o vidro, o feixe se aproximará da normal como o raio HK da Fig. 6. Se o meio MMM for menos refringente, o feixe se afastará da normal, como o raio RT da figura. Em ambos os casos, surgiria uma inclinação da frente de onda em relação à direção dos raios. É importante perceber que, pelo contrário, na teoria ondulatória da luz desenvolvida posteriormente por Huygens, a frente de onda continua a ser perpendicular à direção de propagação da luz, mesmo depois de sofrer refração.

Figura 6
Esquema de Hooke mostrando o efeito da refração da luz na frente de onda, que não seria mais perpendicular à direção de propagação da luz.

Os dois lados de um feixe luminoso refratado, ao penetrarem em uma região escura, produziriam diferentes efeitos à sua volta (Fig. 7). Hooke explicou mecanicamente o surgimento das cores atribuindo aos raios refratados uma propriedade mecânica imposta pelo meio refrator [109[109] R. Hooke, op. cit., p. 63.]. O feixe de luz refratado tem dois lados ou duas partes: uma que se propaga na frente e que é enfraquecida (HHH) e outra que se segue e que é fortalecida (AAA). O meio refrator não perturbado é o responsável por esse enfraquecimento dos raios. Os raios nos quais predomina a parte enfraquecida (HHH) são dispostos a exibir o azul, sendo que o azul é mais intenso na região próxima da região PPP escura do meio. Enquanto que os raios nos quais predomina a parte fortalecida (AAA) exibem a cor vermelha, sendo o vermelho próximo da fronteira QQQ do feixe mais intenso. O amarelo e as tonalidades de azul são efeitos da variação de intensidade dos raios vermelho e azul, respectivamente. O resultado da intersecção desses raios azuis e vermelhos com intensidades diferentes são as cores intermediárias, como o verde.

Figura 7
Explicação de Hooke para o surgimento das cores, na refração.

Assim, na teoria de Hooke, as cores não estão relacionadas com frequências ou comprimentos de onda (como na teoria ondulatória da luz desenvolvida no Século XIX por Fresnel e Young) e sim com a presença de pulsos com partes fracas e fortes e (no caso da refração) com a obliquidade da frente de onda:

O azul é uma impressão na retina de um pulso de luz oblíquo e confuso, cuja parte mais fraca está na frente e cuja parte mais forte está depois. E o vermelho é uma impressão na retina de um pulso de luz oblíquo e confuso, cuja parte mais forte está na frente e cujo mais fraco vem depois [110[110] R. Hooke, op. cit., p. 64.].

Sempre que houvesse refração, portanto, haveria aparecimento de cores. As cores aparecem na limitação entre o feixe e o escuro, ou seja, nas bordas do feixe - o lado em que a extremidade da frente de onda está na frente torna-se azul e a outra extremidade vermelha. A teoria de Hooke explica aquilo que se observa em experimentos com prismas, ou seja, um feixe refratado próximo ao prisma aparece branco com bordas azul e vermelha. As outras cores do espectro são observadas à medida que o observador se afasta do prisma e, segundo Hooke, são resultado da mistura entre o azul e o vermelho em diferentes proporções.

Depois de discutir o surgimento das cores na refração, Hooke retornou à discussão das cores das películas transparentes finas. Suponhamos que ABCDHFE (Fig. 8) represente uma lâmina de mica, mais fina na extremidade AE e mais grossa na extremidade DF, que é atingida obliquamente pelos raios do Sol. Hooke supõe que essa luz é constituída por frentes de onda cd igualmente distantes uma da outra, ou seja, que os pulsos luminosos que constituem a luz são periódicos - uma hipótese nova e que, como veremos mais adiante neste artigo, não faz parte da teoria ondulatória proposta por Huygens. Uma parte da luz é refletida pela primeira superfície, produzindo as novas frentes de onda ab, outra parte penetra na mica, sendo refratada. Na segunda superfície (FE), a luz é novamente refletida e refratada. Se a espessura do material transparente for pequena, a superposição dos dois pulsos, refletidos pelas duas superfícies, terá uma parte mais forte na frente (o pulso que foi refletido na primeira superfície) e outra mais fraca atrás. Esse pulso duplo produzirá no olho a sensação de amarelo se a espessura for pequena (como na parte AB da mica), ou vermelho, se ela for maior (como na parte BC da mica) - dependendo da distância entre os dois pulsos. Mas se a espessura da mica for ainda maior (como na parte CD), o pulso mais fraco refletido pela segunda superfície ficará próximo do pulso forte seguinte refletido pela primeira superfície e, nesse caso, produzirá um azul [111[111] R. Hooke, op. cit., p. 65-66.].

Figura 8
Explicação de Hooke para o surgimento das cores, em uma lâmina fina de mica, com diversas espessuras diferentes.

Notemos que a ideia de uma periodicidade dos pulsos que constituem a luz é importante, nesta explicação das cores das películas transparentes finas; porém, a explicação das cores não está associada às ideias de frequência e comprimento de onda.

Newton estudou o Micrographia e podemos perceber em suas cuidadosas anotações que ele imediatamente discordou das suas ideias principais, a saber: que a luz consiste de pulsos e que as cores são modificações mecânicas da luz branca. Esta diferença teórica entre Hooke e Newton foi o ponto de partida de uma inimizade entre eles que durou cerca de 40 anos e que se manifestou em outros temas como, por exemplo, a prioridade sobre a lei do inverso do quadrado da distância em mecânica.

9. Os “anos maravilhosos” de Newton

Newton havia iniciado seus estudos no Trinity College, em Cambridge, em 1661. Obteve o título de “bacharel em artes” em 1665 e permaneceu em Cambridge, para prosseguir seus estudos. No entanto, devido à epidemia mortal que atingiu a Inglaterra entre 1665 e 1667, a Universidade de Cambridge foi fechada e Newton passou vários meses na propriedade rural da família em Woolsthorpe, onde nasceu e foi criado pela avó. Enquanto outros estudantes de Cambridge organizaram grupos de estudo com tutores, Newton continuou sozinho seus estudos. Esse período em que Newton permaneceu em Woolsthorpe (1665-1667) ficou conhecido como anni mirabiles, ou anos maravilhosos, devido à grande produção de Newton em matemática, mecânica, gravitação e seus estudos em óptica, quando muitos resultados importantes foram obtidos. Quase cinquenta anos depois, Newton assim resumiu sua produção durante esse período:

No início do ano de 1665, descobri o método de aproximação a uma série desse tipo e a regra para deduzir qualquer potência de qualquer binômio a tal série. No mesmo ano, em maio, descobri o método das tangentes de Gregory e Slusius e, em novembro, obtive o método direto das fluxões, e no ano seguinte, em janeiro, a teoria das cores, e em maio seguinte desvendei o método inverso das fluxões.7 7 O “método direto das fluxões” e o “método inverso das fluxões” são aquilo que atualmente chamamos de cálculo diferencial e cálculo integral, respectivamente. E no mesmo ano, comecei a pensar na gravidade como se estendendo até a órbita da Lua e (depois de descobrir como calcular a força com que [um] globo girando dentro de uma esfera a pressiona), a partir da regra de Kepler de que os períodos dos planetas estão numa proporção sesquiáltera com suas distâncias do centro de suas órbitas,8 8 Neste ponto, Newton está se referindo à terceira lei de Kepler, que afirma que o quadrado dos períodos dos planetas são proporcionais ao cubo de suas distâncias médias ao Sol. deduzi que as forças que mantêm os planetas em suas órbitas devem [variar], reciprocamente, com o quadrado de sua distância do centro em torno do qual eles giram: e a partir disso, comparei a força necessária para manter a Lua em sua órbita com a força da gravidade na superfície da Terra e descobri que elas se correspondem bem de perto.9 9 A respeito dos estudos iniciais de Newton sobre gravitação, e sobre os resultados que ele obteve no período em que estava na fazenda, pode-se consultar o artigo de Martins [112] sobre a lenda da maçã de Newton. Tudo isso foi nos dois anos da peste, 1665-1666. Pois, nessa época, eu estava no auge de minha fase de invenção e me interessava mais pela matemática e pela filosofia do que em qualquer ocasião posterior. [113[113] R.S. Westfall, op. cit., p. 143.]

Vemos, pela descrição do próprio Newton, que ele teria chegado à sua teoria das cores em janeiro de 1666. Na época, ele não publicou seus resultados, que permaneceram sob forma de manuscrito. Newton escreveu seu primeiro texto sobre óptica de forma consistente, praticamente sem revisões, entre 1665 e 1666, e o intitulou Of Colours.10 10 Este ensaio está contido nas páginas 1-22 do manuscrito MS Add. 3975, Cambridge University Library, disponível em http://www.newtonproject.sussex.ac.uk/view/texts/normalized/NATP00004, acesso em 10/09/2014. Esse ensaio, não publicado na época,11 11 Os cadernos de anotações de Newton e seu ensaio Of Colours foram publicados somente em 1983, juntamente com as Quaestiones [83]. contendo o resultado obtido nos “anos maravilhosos”, é uma sistematização e extensão dos estudos sobre a luz e as cores presentes no “Quaestiones”, inspirando-se particularmente em experimentos e ideias de Boyle, Hooke e seus próprios estudos com prismas [114[114] R.S. Westfall, op. cit., p. 163-164., 115[115] A.R. Hall, op. cit., p. 13-21.]. Além de observações relativas às cores dos objetos podemos encontrar também diversas observações sobre cores de soluções químicas e sobre os mecanismos da visão.

No início do Of Colours, Newton se refere a fenômenos que haviam sido descritos por Boyle, referentes a folhas de ouro finas e à infusão do lignum nephriticum, que apresentavam cores diferentes conforme a luz fosse vista através deles, ou refletida por eles. Não proporciona, porém, nenhuma explicação para esses fatos. Em seguida, apresentou experimentos realizados com um prisma, começando com uma observação que já havia registrado nas “Quaestiones”, de observação de uma linha com uma parte azul e outra vermelha, olhando através de um prisma (Fig. 9); indicou também outra forma de fazer a mesma observação, traçando sobre um papel preto uma linha cuja metade fosse azul e a outra metade vermelha [116[116] I. Newton, Of Colours (1665-1666). Páginas 1-22 do manuscrito MS Add. 3975, Cambridge University Library. Disponível em http://www.newtonproject.sussex.ac.uk/view/texts/normalized/NATP00004, acesso em 10/09/2014, p. 2.
http://www.newtonproject.sussex.ac.uk/vi...
].

Figura 9
Experimento de Newton de observação de uma linha vermelha e azul através do prisma.

Nesses experimentos, Newton observou que a emenda entre as linhas vermelha e azul aparecia quebrada e que a parte vermelha da linha parecia mais elevada (menos desviada) e a parte azul mais baixa (mais desviada), na situação apresentada na figura - ou seja, com o vértice do prisma para cima. Assim, os raios correspondentes à cor azul sofriam uma refração maior do que os raios correspondentes à cor vermelha.

O ensaio Of Colours contém o primeiro registro das observações de Newton sobre a faixa luminosa produzida pela passagem de luz solar através de um prisma [116[116] I. Newton, Of Colours (1665-1666). Páginas 1-22 do manuscrito MS Add. 3975, Cambridge University Library. Disponível em http://www.newtonproject.sussex.ac.uk/view/texts/normalized/NATP00004, acesso em 10/09/2014, p. 2.
http://www.newtonproject.sussex.ac.uk/vi...
], constituindo uma versão preliminar do experimento apresentado em seu artigo de 1672 (Fig. 10). A luz do Sol penetrava por um pequeno orifício na janela (k); o prisma era colocado perto desse orifício, em uma posição na qual o ângulo de incidência da luz sobre a primeira face era igual ao ângulo de saída dos raios na segunda face. Ao atingir a parede, o feixe luminoso produzia uma faixa luminosa rstv - um fenômeno que já era bem conhecido. Newton comentou que, se todos os raios tivessem sofrido igual refração, a mancha colorida deveria ser circular; mas sua forma era alongada, com seus lados r e s aproximadamente retos. A largura da mancha era de 2 1/3 polegadas e seu comprimento de 7 ou 8 polegadas, sendo a distância do prisma até a parede de 260 polegadas (6,6 metros). Isso só podia ser compreendido se as diferentes cores tivessem sofrido diferentes refrações no prisma. A partir de suas medidas, Newton estimou as diferenças entre os índices de refração do vidro do prisma para o vermelho e para o azul. Note que a descrição apresentada por Newton sobre esse experimento é completamente diferente daquilo que aparece em representações populares do mesmo (Fig. 11).

Figura 10
Primeiro experimento de Newton de observação das cores produzidas pela passagem da luz do Sol por um prisma.
Figura 11
Ilustração popular, do Século XIX sobre o experimento de Newton com o prisma. O desenho é totalmente inadequado, em vários aspectos: (1) o feixe de luz desviado pelo prisma é quase paralelo aos feixes de luz do Sol que entram no quarto sem passar pelo prisma; (2) Newton aparece projetando a mancha colorida a uma pequena distância (menos de 2 metros) do prisma; no seu experimento, ela era projetada numa parede a 6 metros de distância; (3) a altura da mancha colorida, nesta ilustração, seria de cerca de 30 a 40 cm, o que é impossível de ocorrer, a essa distância, pois a abertura vertical do feixe luminoso era de menos de 2°; (4) no fundo da imagem aparece o telescópio refletor de Newton, que não havia ainda sido inventado quando ele fez esse experimento no início de 1666.

Outro experimento extremamente importante deste pequeno ensaio sobre as cores consistiu em projetar as cores produzidas por um prisma sobre papeis pintados com tintas vermelha e azul. Ao contrário do que Boyle havia descrito, Newton indicou, que projetando o azul prismático sobre as cores vermelha e azul, ambas apareciam azuis, porém o vermelho parecia mais escuro; se o vermelho prismático fosse projetado sobre as duas cores, ambas apareciam vermelhas, mas o papel pintado de azul parecia mais escuro [117[117] I. Newton, op. cit., 1665-1666, p. 3.]. Portanto, a tinta do papel não era capaz de modificar a cor da luz - podia apenas absorvê-la ou refleti-la.

Em outro experimento, Newton projetou sobre um papel a cor azul ou vermelha produzida por um prisma, e observou o papel olhando para ele através de um segundo prisma. Notou que somente via a própria cor azul ou vermelha; ou seja, o segundo prisma não alterava as cores, nem produzia novas cores [118[118] I. Newton, op. cit., 1665-1666, p. 4.]. Podemos perceber que, nesta época, Newton já estava convencido de que as cores puras produzidas por um prisma não podiam ser modificadas. Notemos também que nesses experimentos, realizados provavelmente em 1666, Newton estava utilizando um segundo prisma, pela primeira vez [119[119] R.S. Westfall, op. cit., p. 213.].

Além de uma grande variedade de experimentos com prismas, o mesmo manuscrito descreve suas primeiras observações dos “anéis de Newton” e fenômenos semelhantes [120[120] I. Newton, op. cit., 1665-1666, p. 9.], que já haviam sido estudados por Robert Hooke, como foi visto anteriormente. O fenômeno foi observado por ele pressionando uma lente objetiva de um telescópio contra um vidro plano. Sabendo a curvatura da lente, Newton foi capaz de determinar geometricamente as espessuras de ar entre a placa plana de vidro e a lente, em função da distância ao ponto de contato. Analisando os raios dos diferentes círculos coloridos observados, procurou estabelecer a distância entre os pulsos da luz, que seria de aproximadamente uma polegada dividida por 80.000 [121[121] I. Newton, op. cit., 1665-1666, p. 21.]. É possível que Newton estivesse seguindo, neste momento, as ideias de Hooke; neste caso, a distância entre os pulsos corresponderia à variação da distância entre os dois vidros que produzisse o reaparecimento da mesma cor. Não se tratava, portanto, de um conceito semelhante ao de comprimentos de onda diferentes associados às diversas cores.

Fazendo o mesmo experimento em um quarto escuro e projetando sobre a lente e a placa de vidro a luz azul ou vermelha produzida por um prisma, todos os círculos apareciam da mesma cor da luz incidente, ou seja, azul ou vermelha [122[122] I. Newton, op. cit., 1665-1666, p. 11.]. Isso era mais uma indicação de que as cores geradas pelo prisma não podiam ser modificadas. Em outro experimento, utilizando dois prismas, Newton observou que a luz vermelha ou azul produzida pelo primeiro prisma não produzia outras cores ao atravessar o segundo [123[123] I. Newton, op. cit., 1665-1666, p. 12.] - outra evidência da imutabilidade das cores. No Of Colours Newton já havia afirmado que o branco era produzido por uma mistura de todas as cores [124[124] I. Newton, op. cit., 1665-1666, p. 13.], porém sem afirmar que a luz branca do Sol já contém todas as cores.

No final do seu manuscrito, Newton apresentou diversas considerações relacionando a visão com vibrações do éter e, pela primeira vez, começou a associar as diversas cores com diferentes distâncias entre os pulsos da luz. A partir das medidas que realizou nos seus experimentos sobre os anéis coloridos entre a lente e a placa de vidro, Newton estimou que as “espessuras dos pulsos” correspondentes aos raios do extremo vermelho e do extremo azul ou violeta (que ele chamava de púrpura) teriam aproximadamente a razão de 20 para 13; e que as “espessuras dos pulsos” correspondentes às outras cores seriam proporcionais aos seguintes números: 14 para o púrpura intenso, 14 1/2 para o índigo, 15 1/2 para o azul, 16 1/2 para o verde, 17 1/2 para o limite entre verde e amarelo, 18 1/2 para a separação entre amarelo e laranja e 19 para o vermelho [121[121] I. Newton, op. cit., 1665-1666, p. 21.].

Nota-se que, ao redigir esse manuscrito, Newton estava fortemente influenciado pela leitura da obra de Hooke, embora não adotasse exatamente as mesmas ideias. Embora se referisse em alguns pontos aos pulsos luminosos e ao éter, não apresentou uma teoria detalhada que permitisse entender exatamente o que pensava a respeito da natureza da luz e das cores. Parece, no entanto, que no período dos “anos maravilhosos” havia abandonado, temporariamente, a teoria atomística ou corpuscular da luz, bem como a relação entre cores e velocidade dos corpúsculos, que havia considerado nas “Quaestiones”.

10. Os trabalhos de Isaac Barrow sobre óptica

O único professor de Cambridge que teve forte influência sobre Newton e que o apoiou fortemente em sua carreira foi o teólogo e matemático Isaac Barrow (1630-1677). Um dos primeiros trabalhos desse professor foi uma tradução completa dos “Elementos” de Euclides para o latim em 1655, e para o inglês em 1660. Além de matemática e religião, Barrow tinha outros interesses, tendo sido professor de grego em Cambridge [125[125] R.S. Westfall, op. cit., p. 187.]. Isaac Barrow foi o primeiro professor que assumiu a “cátedra Lucasiana” de matemática, fundada em 1663 através de uma doação de Henry Lucas. As conferências Lucasianas de Barrow se iniciaram em março de 1664 e, provavelmente, Newton as assistiu [126[126] R.S. Westfall, op. cit., p. 99.]. A cátedra Lucasiana exigia que o professor apresentasse uma conferência semanal sobre “alguma parte da geometria, astronomia, geografia, óptica, estática, ou alguma outra disciplina matemática” [127[127] R.S. Westfall, op. cit., p. 208.]. Nos primeiros anos (1664-1666), Barrow lecionou sobre os fundamentos da matemática; depois (1667-1669), sobre óptica; e em seguida sobre geometria. No final de 1669 publicou um livro com suas conferências sobre óptica [128[128] A.E. Shapiro, in: Before Newton: The Life and Times of Isaac Barrow, editado por M. Feingold (Cambridge University Press, Cambridge, 1990), p. 111.].

A partir de uma data desconhecida, Barrow começou a se interessar pelo jovem estudante e lhe permitiu utilizar sua ampla biblioteca pessoal [129[129] R.S. Westfall, op. cit., p. 222.]. Barrow o estimulou a desenvolver vários de seus trabalhos, como os sobre séries infinitas [130[130] R.S. Westfall, op. cit., p. 226.]. Foi Barrow quem conseguiu para Newton uma posição remunerada de membro (“fellow”) do Trinity College em 1667 e, dois anos depois, ele lhe transferiu a cátedra Lucasiana [131[131] A.E. Shapiro, in: The Optical Papers of Isaac Newton. Vol 1: The Optical Lectures (1670-1672) (Cambridge University Press, Cambridge, 1984), p. 14.].

Em 1667, Barrow iniciou suas conferências sobre óptica, que foram assistidas por Newton. Nesse momento, como já vimos, Newton já tinha realizado muitas leituras sobre o assunto, além de já haver desenvolvido seu próprio trabalho sobre o assunto. A principal contribuição de Barrow à óptica foi no campo que denominamos “óptica geométrica”, estudando matematicamente a localização de imagens produzidas por reflexão e refração em superfícies de vários tipos. Barrow nunca realizou estudos experimentais sobre óptica. A ideia de imagens reais e virtuais produzidas por lentes e espelhos já havia sido criada e utilizada no início do século por Kepler para o estudo de telescópios e outros instrumentos; mas como naquela época não era conhecida a lei da refração, Kepler não sabia como calcular a posição das imagens a partir do conhecimento das características das lentes. Descartes deu uma grande contribuição para isso; e Barrow completou esse ramo da óptica, estudando também o que ocorre com feixes luminosos oblíquos que atingem uma lente ou espelho curvo. Estudou também problemas matemáticos bastante complexos sobre as cáusticas, relativos aos casos em que uma fonte luminosa pontual não produz uma imagem pontual e sim uma faixa na qual a luz se concentra - por exemplo, no caso de um ponto luminoso dentro de um meio refringente [132[132] A.E. Shapiro, op. cit., 1990, p. 105-106.].

Newton não foi um simples aluno de Barrow. Em 1669, quando este preparava a edição de suas conferências sobre óptica, pediu a Newton que fizesse a revisão do seu texto. Quando o livro foi publicado, na “Carta ao leitor” (Epistola ad lectorem), Barrow indicou que “nosso colega”, o sr. Isaac Newton, “que é considerado um homem de caráter notável e de grande perícia”, revisou o texto original, fazendo algumas correções e diversas sugestões, que o autor inseriu com alegria e louvor em vários pontos de sua obra [133[133] I. Barrow, Lectiones Opticae et Geometricae (William Godbid, London, 1674), p. vi.]. As contribuições de Newton ao livro de Barrow foram essencialmente de natureza geométrica e matemática. O livro não contém qualquer menção às ideias de Newton sobre as cores e não se sabe se Barrow estava ciente das mesmas, nesse momento [134[134] A.E. Shapiro, op. cit., 1990, p. 113.]. Percebe-se, pelo conteúdo da obra, que esse autor não tinha grande interesse sobre as questões relativas à natureza da luz ou das cores.

Na época em que seu livro estava sendo preparado, Barrow resolveu renunciar à cátedra Lucasiana. Há lendas de que ele o teria feito porque reconheceu que Newton era superior a ele; mas não há qualquer evidência documental que fundamente tal interpretação. Possivelmente renunciou a essa posição para se dedicar à religião, como ele próprio afirmou posteriormente; pouco depois, Barrow foi nomeado capelão do Rei [135[135] R.S. Westfall, op. cit., p. 207.].

11. As Lectiones opticae de Newton

Em outubro de 1669, Newton assumiu a cátedra Lucasiana, graças à indicação de Isaac Barrow [136[136] R.S. Westfall, op. cit., p. 206.], ministrando sua primeira aula em janeiro de 1670 e prosseguindo até 1687 [137[137] A.E. Shapiro, op. cit., 1990, p. 112., 138[138] R.S. Westfall, op. cit., p. 211.]. O jovem professor escolheu a óptica como assunto para suas conferências, dando assim continuidade ao trabalho de Barrow e aproveitando a oportunidade para falar sobre um assunto que estava pesquisando na época. Grande parte do tratamento matemático da refração nas lições de óptica do próprio Newton foi baseada no livro de Barrow, cujas contribuições ele citou várias vezes [139[139] A.E. Shapiro, op. cit., 1984, p. 15.].

Antes de ser nomeado professor Lucasiano, Newton havia retomado seus estudos sobre óptica. Alguns de seus experimentos dessa época são bastante complicados e exigiam ajuda de uma outra pessoa. Um dos poucos amigos que Newton teve no Trinity College foi John Wickins, com quem partilhou um quarto até 1683 [140[140] R.S. Westfall, op. cit., p. 194.]. Wickins provavelmente ajudou Newton durante seus experimentos de óptica, em torno de 1668-1670 [141[141] R.S. Westfall, op. cit., p. 212.]. Foi durante esse período que ele desenvolveu mais cuidadosamente seus experimentos com prismas e desenvolveu a teoria de que a luz branca é composta por uma mistura de todas as cores prismáticas; aperfeiçoando também os resultados já indicados, de que as cores prismáticas são imutáveis.

O professor Lucasiano devia ministrar uma aula de cerca de uma hora por semana e depositar anualmente o texto de pelo menos dez dessas aulas na biblioteca da universidade, para uso público. Sabe-se que as aulas de Newton duravam apenas cerca de meia hora e eram ministradas semanalmente em apenas um quadrimestre do ano. Não há registros precisos dos nomes de seus alunos, mas sabe-se que, em geral, poucos alunos em Cambridge as assistiam e menos ainda as compreendiam [142[142] R.S. Westfall, op. cit., p. 209-211.]. Com relação à entrega de suas notas de aula, ele cumpriu suas obrigações com um atraso de cerca de quatro anos: apenas em 1674 entregou à biblioteca um conjunto de trinta e uma aulas com o título Optica. Manteve em seu poder uma versão menor, intitulada Lectiones opticae.12 12 Ambas foram publicadas e traduzidas em 1984 por Alan E. Shapiro [143]. Aparentemente, Newton dividiu aleatoriamente o texto do Opticaem aulas, atribuindo a elas datas fictícias, de modo a cumprir a exigência de ter dez aulas depositadas por ano [144[144] A.E. Shapiro, op. cit., 1984, p. 18.].

Em suas aulas, Newton discutiu com grande aprofundamento geométrico questões como a reflexão e refração da luz por placas paralelas, lentes esféricas e não esféricas, a cor dos objetos, a refrangibilidade dos raios coloridos, a composição da luz branca, a divisão musical do espectro, entre outras. No final de 1671, a primeira versão, as Lectiones opticae, estava completa; Newton a mostrou apenas a Barrow; este aprovou e elogiou as ideias de Newton sobre cores [145[145] A.E. Shapiro, op. cit., 1990, p. 113.].

Depois de redigir essa versão curta, Newton começou a elaborar a versão a ser depositada na biblioteca, a Optica, bem mais extensa, seguindo o costume que ele tinha de aumentar seus textos. Em fevereiro de 1672 essa obra estava essencialmente pronta; foi quando Newton enviou seu artigo sobre luz e cores para a Royal Society(ver mais adiante). Embora inicialmente Newton tivesse planejado publicar suas aulas na forma de livro, as críticas que sua primeira publicação recebeu em 1672, o fizeram mudar de ideia. Elas só foram publicadas postumamente, em 1729.

12. O telescópio refletor de Newton

Um ponto muito importante da carreira de Newton foi o desenvolvimento do seu telescópio refletor. Sob o ponto de vista da óptica, parece uma contribuição pouco importante; no entanto, sob o ponto de vista histórico, foi um divisor de águas na carreira do jovem cientista.

No final de 1665 ou início de 1666, já tendo estudado a Dióptrica de Descartes, que analisava a refração em superfície curvas com diferentes formas geométricas, Newton começou a se dedicar a tentativas de polimento de lentes com formas não esféricas [146[146] R.S. Westfall, op. cit., p. 161.], conforme registrado num caderno de anotações (MS Add. 4000, Cambridge University Library).13 13 Uma versão completa em PDF deste caderno de anotações, conservado na Biblioteca da Universidade de Cambridge, está disponível em http://cudl.lib.cam.ac.uk/view/MS-_ADD-_04000/1, acesso em 27/07/2014. Todas as lentes efetivamente utilizadas para óculos, telescópios e microscópios tinham superfícies esféricas, pois estas são as mais fáceis de produzir. No entanto, elas não produzem imagens pontuais de uma fonte luminosa pontual - uma imperfeição que costuma ser chamada de “aberração esférica”. Utilizando lentes com superfícies parabólicas ou hiperbólicas esse problema poderia ser superado, conforme mostrado por Descartes. No entanto, produzir lentes com superfícies bem polidas e que tivessem exatamente essas formas era um problema técnico dificílimo.

Embora procurasse desenvolver tais lentes não esféricas, Newton percebeu que elas não poderiam produzir telescópios perfeitos, por causa de outro problema [146[146] R.S. Westfall, op. cit., p. 161.]. Já que cada cor estava associada a uma refração diferente, a posição do foco de uma lente dependerá da cor da luz utilizada; nenhuma lente poderá produzir uma imagem pontual se a fonte luminosa emitir luz branca. Esse problema - que costuma ser denominado “aberração cromática” - é independente daquele que Descartes havia tentado resolver.

Esse tipo de problema não existe, no entanto, no caso do fenômeno de reflexão da luz. Portanto, se fosse possível construir um telescópio que utilizasse um espelho côncavo, em vez de uma lente objetiva convergente, a aberração cromática poderia ser superada. Essa é a ideia básica subjacente ao telescópio refletor que Newton desenvolveu, cerca de dois anos depois.

A ideia de um telescópio utilizando um espelho côncavo em vez da lente objetiva não foi uma invenção de Newton. Ele encontrou uma descrição de um aparelho desse tipo na obra Optica promota, de James Gregory, publicada em 1663. Sabe-se que a biblioteca de Isaac Barrow continha um exemplar deste livro [147[147] A.E. Shapiro, op. cit., 1990, p. 111.] e é provável que Newton o tenha consultado.

O livro de James Gregory estuda a reflexão e a refração da luz em espelhos e lentes de diferentes tipos, estudando a formação de imagens em sistemas simples e compostos. Apresenta com bastante detalhe os problemas de ampliação de telescópios e outros dispositivos, bem como analisa as questões de nitidez e brilho. Depois de discutir sistemas que utilizam apenas reflexão e outros que utilizam apenas refração (lentes), Gregory se refere a sistemas mistos, e indica como exemplo “um tipo perfeitíssimo de telescópio” [148[148] J. Gregory, Optica Promota, Seu Abdita Radiorum Reflexorum & Refractorum Mysteria, Geometrice Enucleata (J. Hayes, London, 1663), p. 93.], que passa a descrever (Fig. 12). Esse telescópio tem um espelho parabólico côncavo ADE muito bem polido, perto de cujo foco C se coloca um pequeno espelho elíptico côncavo, que tem o mesmo ponto focal e mesmo eixo que o espelho parabólico. No vértice do espelho parabólico há um furo redondo MN, no qual se coloca um tubo que tem o mesmo eixo que o espelho; este tubo recebe os raios refletidos pelo espelho elíptico, que formam uma imagem no ponto F (que é o segundo foco do espelho elíptico), que é também o foco da lente plano-convexa LL, através da qual se faz a observação [148[148] J. Gregory, Optica Promota, Seu Abdita Radiorum Reflexorum & Refractorum Mysteria, Geometrice Enucleata (J. Hayes, London, 1663), p. 93.].

Figura 12
Desenho da proposta de Gregory para a construção de um telescópio refletor.

Gregory nunca chegou a construir tal telescópio, embora um protótipo inicial tenha se mostrado promissor [149[149] A.R. Hall e A. D. C. Simpson, Notes and Records of Royal Society of London 50 , 1 (1996), p. 2.]; e sua descrição mostra que se trata de uma invenção difícil de produzir, na prática. De fato, a construção de espelhos parabólicos e elípticos não é simples; todos os instrumentos ópticos reais, existentes na época, utilizavam espelhos e lentes com superfícies esféricas, que são as mais fáceis de produzir.

Inspirado pela obra de Gregory, que provavelmente leu em 1667 ou 1668 (na época em que Barrow ministrava suas conferências sobre óptica), Newton desenvolveu o projeto de outro tipo de telescópio refletor. A principal motivação de Newton era evitar a aberração cromática produzida pela lente objetiva do telescópio, que prejudicava muito a nitidez das imagens - um problema que não foi discutido por Gregory.

O arranjo desenvolvido por Newton era bem diferente. Desistiu do espelho elíptico, difícil de produzir e que produziria imagens muito fracas, na situação descrita por Gregory. Pensou em utilizar uma lente ocular convergente para observar a imagem produzida pelo espelho côncavo, mas para isso era necessário posicioná-la de um modo especial. Acabou escolhendo a disposição representada na Fig. 13. Há um espelho plano inclinado AB colocado entre a abertura do telescópio e o espelho côncavo CD, que desvia a luz para o lado; a imagem é observada através de um furo lateral no tubo do telescópio, através da lente ocular.

Figura 13
Esquema do telescópio refletor de Newton.

A montagem proposta por Newton produz imagens invertidas e o observador não olha na mesma direção do objeto observado, razões pelas quais a montagem gregoriana tornou-se, depois, a mais popular.

Sob o ponto de vista prático, o espelho refletor CD pode ter uma superfície esférica, embora uma forma parabólica pudesse ser mais conveniente. O espelho plano AB e a lente ocular não apresentavam qualquer dificuldade especial; a única dificuldade na construção de um instrumento desse tipo era produzir um espelho côncavo de excelente qualidade - uma dificuldade técnica e não científica. O espelho não podia ser feito de vidro,14 14 Os atuais telescópios refletores utilizam espelhos feitos de vidro, que são recobertos por uma finíssima camada metálica evaporada no vácuo. Essa técnica não existia, na época de Newton. devia ser feito de metal; sua superfície deveria refletir muito bem a luz (ou seja, com baixa absorção da luz e sem mudar sua cor); não poderia ter bolhas, riscos e outras imperfeições; não deveria se oxidar com facilidade; e deveria ser muito bem polido, com uma forma côncava esférica.

Newton parece ter conseguido construir o seu primeiro telescópio refletor no final de 1668 ou início de 1669. Ele se referiu ao novo instrumento (e também à sua teoria sobre luz e cores) em sua mais antiga carta que foi conservada, de 23 de fevereiro de 1669 [150[150] R.S. Westfall, op. cit., p. 212.].

[…] Sendo persuadido de que a parte prática da óptica poderia ser aperfeiçoada de certo modo, pensei que era melhor avançar gradualmente e fazer primeiramente uma pequena perspectiva [telescópio] para testar se minha conjetura funcionava ou não. O instrumento que fiz tem apenas seis polegadas de comprimento, tem algo mais do que uma polegada de abertura e uma ocular plano-convexa cuja profundidade é 1/6 ou 1/7 de uma polegada, de modo que amplifica cerca de 40 vezes em diâmetro, o que é mais do que qualquer tubo [telescópio refrator] de 6 pés fará. No entanto, penso que ele descobrirá tanto quanto qualquer tubo de 3 ou 4 pés, especialmente se os objetos forem luminosos. Vi com ele Júpiter distintamente redondo e seus satélites, e os chifres de Vênus. Assim, senhor, forneci uma pequena descrição deste pequeno instrumento que, embora seja humilde, pode ser considerado como um prenúncio do que pode ser feito de acordo com este modo, pois não duvido que, com o tempo, possa ser feito de acordo com este método um tubo de seis pés que desempenhe tanto quanto qualquer um de 60 ou 100 pés feito do modo comum; estando eu persuadido de que mesmo se fosse feito um tubo do tipo comum [telescópio refrator] com o vidro mais puro, polido cuidadosamente com a melhor forma que os geômetras (Descartes etc.) planejaram ou possam planejar (que acredito ser tudo o que as pessoas tentaram ou esperaram até agora), tal tubo dificilmente desempenhará tão bem quanto um bom tubo comum do mesmo comprimento; e isso, embora possa parecer uma afirmação paradoxal, é uma consequência necessária de alguns experimentos que eu fiz sobre a natureza da luz. [151[151] H.W. Turnbull, The Correspondence of Isaac Newton. Volume I, 1661-1675 (Royal Society; Cambridge University Press, Cambridge, 1959), p. 3.]

Na descrição de Newton é possível notar alguns aspectos importantes: (a) o pequeno tamanho do seu telescópio; (b) sua comparação vantajosa com telescópios refratores - desde que os objetos fossem luminosos; (c) a falta de detalhes a respeito de sua construção (Newton nem mesmo indica que utilizou um espelho refletor); (d) a ideia de que os telescópios refratores não podem ser aperfeiçoados além de certo limite, por problemas relacionados com a natureza da luz. Este último ponto, que foi posteriormente elaborado por Newton, está associado à aberração cromática, que limitava a resolução dos telescópios, mesmo se a forma e o polimento das lentes fossem perfeitos, como já foi explicado.

Newton gostava de construir dispositivos mecânicos, hidráulicos e de outros tipos, desde sua adolescência. Enfrentou com tenacidade os problemas práticos para criar seu telescópio. Ele próprio criou, por tentativa e erro, a liga metálica utilizada para o espelho; fundiu e poliu a peça manualmente; construiu o tubo, ajustou suas peças e o montou; e criou um suporte que facilitava seu movimento e direcionamento [152[152] R.S. Westfall, op. cit., p. 233.]. O processo de polimento do metal, bastante sofisticado e trabalhoso, foi revelado no Opticks (livro I, proposição 7, teorema 6), muitos anos depois [153[153] I. Newton, op. cit., 1704, p. 75-77.].

Após a carta que Newton enviou em fevereiro de 1669, a um correspondente desconhecido, comentando sobre seu invento, a notícia seguinte sobre seu telescópio surgiu em uma carta escrita pelo matemático John Collins a James Gregory no dia 24 de dezembro de 1670. Collins comentou nessa carta que havia se encontrado apenas duas vezes com Newton, no final de novembro e início de dezembro. Era a época em que, após a renúncia de Isaac Barrow, o jovem Newton havia assumido a cátedra Lucasiana, e Collins lhe perguntou qual seria o assunto abordado em suas conferências. Newton lhe contou que trataria sobre óptica, “continuando do ponto em que o Sr. Barrow havia deixado”, e também o informou sobre seus trabalhos práticos de óptica, contando que “havia polido lentes [Collins não cita espelhos] para um tubo [telescópio] de bolso, com apenas 6 polegadas de comprimento, capaz de ampliar os objetos 150 vezes, com o qual frequentemente observou os satélites de Júpiter, e que esse óculo não era bom para uma pequena distância […]” [154[154] H.W. Turnbull, op. cit., p. 53-54.].

O relato de Collins indica uma ampliação de 150 vezes, enquanto a carta do próprio Newton havia informado que seu telescópio ampliava 40 vezes. Parece que Collins não compreendeu bem a natureza do instrumento, pois se referiu apenas ao polimento de lentes e não ao do espelho côncavo desta luneta. Embora estivesse escrevendo ao próprio Gregory que, alguns anos antes, publicara uma proposta de um telescópio refletor, Collins não estabeleceu nenhuma conexão entre os dois fatos. A resposta de Gregory para Collins, no dia 15 de fevereiro de 1671, também indica uma falta de compreensão sobre a natureza do telescópio [155[155] H.W. Turnbull, op. cit., p. 62.].

Em 1671 Newton construiu um segundo telescópio do mesmo tipo. Ao longo desse ano, o instrumento foi mostrado para algumas pessoas em Cambridge, mas não suscitou grande impressão. Tudo mudou em dezembro de 1671, quando o próprio Isaac Barrow se encarregou de levar o telescópio refletor de Newton para Londres, como um presente para a Royal Society [156[156] A.E. Shapiro, op. cit., 1990, p. 112.].

A repercussão foi entusiástica. Curiosamente, a primeira preocupação dos membros da Royal Society foi com a possibilidade de ocorrer um plágio da invenção. O secretário daquela academia, Henry Oldenburg, foi então encarregado de comunicar oficialmente a descoberta a um respeitado pesquisador estrangeiro - Christian Huygens - para que ficasse registrada a prioridade de Newton. No dia 01 de janeiro de 1672, Oldenburg escreveu uma primeira carta a Huygens:

[…] Ao mesmo tempo, utilizo a ocasião para vos explicar a invenção de um novo tipo de telescópio pelo Senhor Isaac Newton, professor de matemática em Cambridge. Tudo o que vos direi no momento é que pelo primeiro exemplar, que foi visto e examinado aqui, parece que esse telescópio de 6 polegadas apresentou o objeto 9 vezes maior do que um telescópio comum de 25 polegadas, comparando a medida de suas imagens. Isso se faz por duas reflexões, das quais uma reflete o objeto de um [espelho] côncavo metálico a um espelho metálico plano; a outra, desse espelho a um pequeno vidro [lente] ocular plano-convexa, que envia o objeto ao olho e lá o representa sem nenhuma cor [sem aberração cromática] e muito nitidamente em todas suas partes. Vós recebereis sua figura, e uma descrição completa, pelo próximo [correio] ordinário, se Deus quiser. [157[157] H.W. Turnbull, op. cit., p. 72.]

No dia seguinte, Oldenburg escreveu uma carta para Newton enviando-lhe o desenho do instrumento (Fig. 14) e sua descrição, que o próprio secretário da Royal Society havia elaborado, para que o inventor do telescópio a corrigisse e melhorasse, se fosse necessário, antes de remetê-la a Huygens [158[158] H.W. Turnbull, op. cit., p. 73-75.]. Na mesma carta, Oldenburg informou que o matemático e astrônomo Seth Ward havia proposto Newton como candidato a uma posição de membro da Royal Society - tendo sido efetivamente eleito algumas semanas depois. Assim, foi graças à sua habilidade como inventor e não por suas descobertas científicas e matemáticas que Newton foi inicialmente reconhecido.

Figura 14
Desenho produzido em 1672 pela Royal Society, representando o telescópio refletor de Newton.

O estabelecimento dos refletores como única alternativa para a melhora dos telescópios não ocorreu facilmente. Em suas considerações sobre a teoria de Newton sobre luz e cores publicada na forma de artigo em 1672, Hooke censurou Newton por abandonar a melhoria dos telescópios refratores argumentando que a reflexão não seria o único meio de melhorar os telescópios, pois o uso de espelhos causa outro efeito indesejado, a aberração esférica, um defeito na imagem que, segundo Hooke, seria maior que o provocado pela aberração cromática.

Desde seus estudos sobre luz e cores de 1665-1666, Newton assumia que a luz branca era decomposta em raios com cores diferentes quando refratada por um prisma. Nas Lectiones opticae, aprofundou estas ideias concluindo que o uso de lentes sempre produziria o efeito de aberração cromática, tornando impossível construir telescópios refratores perfeitos e que a única maneira de contornar o problema seria substituir a lente por um espelho côncavo. Nessa obra, o matemático inglês calculou que os desvios produzidos por uma superfície esférica refletora côncava e por uma refratora convexa [159[159] I. Newton, op. cit., 1984, p. 575-593.]. Newton utilizou esses cálculos para responder às críticas de Hooke mencionadas acima.

13. O primeiro artigo de Newton (1672)

Até 1672 Newton não havia publicado qualquer de seus trabalhos sobre óptica ou sobre outros assuntos. Newton ficou conhecido no meio científico do Século XVII em fevereiro deste ano com a publicação de seu artigo “Nova teoria sobre luz e cores” nas Philosophical Transactions da Royal Society de Londres.15 15 Há um tradução completa desse artigo para o português, comentada [160]. Nesse artigo, apresentou a ideia de que a luz é “uma mistura heterogênea de raios com diferentes refrangibilidades” - cada cor correspondendo a uma diferente refrangibilidade, apoiado num experimento no qual, um feixe de luz solar passava através de um prisma formando uma mancha em uma parede (Fig. 15). Newton notou que a mancha não era circular como o disco solar, mas sim alongada. Para explicar este efeito, assumiu que a luz branca do sol era composta de muitos raios diferentes. Cada tipo de raio seria refratado em uma direção diferente e seria associado a uma cor diferente: “os Raios menos refrangíveis são dispostos a exibir a cor Vermelha, e […] os Raios mais refrangíveis são todos dispostos a exibir uma Cor Violeta profunda” [161[161] C.C. Silva e R.A. Martins, op. cit., 1996, p. 321.].

Figura 15
Esquema do primeiro experimento descrito por Newton em seu artigo (mas não publicado em 1672), reproduzido a partir das suas Lectiones opticae.

Uma evidência importante a favor da teoria newtoniana das cores foi seu experimentum crucis.16 16 O uso da expressão “experimentum crucis” para designar um experimento decisivo é devido à influência da obra Novum Organum de Francis Bacon [162]. Bacon usa a expressão instantiae crucis como uma situação crucial na qual se deve escolher entre dois caminhos diferentes ou entre duas hipóteses distintas. Isso só pode ser feito através de um experimento em que sejam previstos resultados diferentes conforme a hipótese utilizada e cuja realização mostre qual das hipóteses é a correta. Hooke citou Bacon em sua Micrographia [163]. Como provavelmente escrevia de memória, usa uma expressão diferente: experimentum crucis em vez de instantiae crucis. Newton usou o termo empregado por Hooke, influenciado por sua leitura da Micrographia. Sobre o papel do termo experimentum crucis para Bacon, Hooke e Newton veja o artigo de Lohne [164]. Nele, a luz passava através de dois prismas (Fig. 16). O primeiro produzia um espectro colorido e o segundo era usado para estudar o desvio de cada cor. O experimento mostrou que cada cor do espectro não sofria mudança ou divisão no segundo prisma e que cada cor era desviada em um ângulo diferente.

Figura 16
Esquema do experimentum crucis de Newton (não publicado em 1672).

O problema da formação do espectro colorido pode ser resumido da seguinte maneira: ou as cores são produzidas pelo prisma ou são propriedades intrínsecas dos raios, sendo estes apenas separados pelo prisma. Na primeira hipótese considerada, a luz branca é homogênea e as cores são modificações ou perturbações produzidas pela passagem da luz através do prisma. Na segunda (a que atualmente aceitamos), a luz é uma mistura heterogênea de raios coloridos que possuem a propriedade de serem refratados de acordo com sua cor. Segundo Newton, o prisma simplesmente separa a luz branca em seus raios componentes de acordo com suas refrangibilidades17 17 Newton utiliza a palavra “refrangibilidade” para indicar uma propriedade dos raios luminosos: os raios mais refrangíveis são os que são mais desviados na refração. Por outro lado, o termo “refringência” se refere a uma propriedade das substâncias transparentes: uma substância mais refringente é a que produz um maior desvio da luz. sem produzir nenhuma mudança no feixe de luz branca.

A princípio esse argumento pode parecer correto, mas algumas outras perguntas podem ser feitas. Por que o primeiro prisma teria o mesmo efeito na luz branca que o segundo na luz colorida? O que nos garante que o primeiro prisma não produz alterações na luz branca e que estas se conservam nas refrações seguintes?

De fato, tanto Newton quanto seus contemporâneos (o padre francês Ignace Pardies, Robert Hooke, Christiaan Huygens, entre outros) sugeriram várias explicações para o formato alongado do espectro do Sol.18 18 Para um estudo detalhado das críticas sofridas por Newton e da evolução de sua teoria das cores veja a dissertação de Mestrado de C.C. Silva [165]. No artigo de 1672, Newton explorou algumas possibilidades. Ele testou se a forma alongada da mancha poderia ter sido causada pelas diferentes espessuras do prisma, pelo tamanho do buraco da janela, ou pela localização do prisma (dentro ou fora da sala).19 19 Sobre as modificações de Newton do primeiro experimento, veja o livro de Maurizio Mamiani [166]. Em todas essas variações do primeiro experimento, a mancha permanecia alongada.

A relação entre cor e refrangibilidade estabelecida por Newton não causou grande controvérsia. A questão problemática foi a composição da luz branca. Quando Newton publicou seus estudos sobre luz e cores, o livro Micrographia de Hooke era um trabalho influente. Hooke defendia que a luz branca era uma perturbação periódica e que a luz colorida era uma modificação adquirida da luz branca ao ser refratada obliquamente.

No artigo de 1672, Newton descreveu a combinação de cores produzidas pelo prisma com a ajuda de uma lente convergente, produzindo luz branca (Fig. 17).20 20 Além deste experimento, Newton apresentou vários outros para tentar mostrar que a luz branca é uma mistura de raios diferentes, em resposta às críticas de Hooke. A luz branca composta assim produzida era visivelmente igual à luz solar. No entanto, nem este experimento nem o experimentum crucis provaram que esta luz resultante era realmente igual à luz solar. Poderia ser - como Hooke acreditava - que a luz branca do Sol fosse simples, e que as diferentes modificações da luz branca (as diferentes cores) poderiam se combinar pela compensação mútua de suas diferenças para produzir outro tipo de luz branca. Em todos os experimentos de Newton, a luz é refratada ao menos uma vez. Poderia acontecer que o meio refrator agisse sobre a luz mudando-a, de modo que todas as modificações permanecessem imutáveis nas refrações subsequentes.

Figura 17
Experimento de recombinação das cores produzidas pelo prisma ABC utilizando uma lente PR, produzindo luz branca (publicado em 1672).

A escolha entre a teoria de Newton e a “teoria de modificação” não pode ser decidida apenas por experimentos. De fato, é impossível perceber a existência de todas as cores na luz branca antes de ela ser refratada. Portanto, é sempre possível defender - seguindo Hooke - que, antes de qualquer transformação, a luz branca é simples e não composta [167[167] R.A. Martins e C.C. Silva, Science & Education 10 , 287 (2001)., 168[168] C.C. Silva e R.A. Martins, Ciência & Educação 9 , 53 (2003).].

Após as discussões com Hooke e Huygens, Newton percebeu que esta decisão teria que ser feita através de argumentos epistemológicos e não apenas através de experimentos.21 21 Em sua resposta para Hooke, afirmou “não vejo razão para suspeitar que o mesmo Fenômenodeva ter outras causas no Ar Aberto” [169]. Para Newton não havia motivo para introduzir uma distinção entre dois tipos de luz branca se elas exibem as mesmas propriedades em todos os experimentos. Esse argumento epistemológico, conhecido como navalha de Occam, diz que não devemos multiplicar as entidades se isso não for necessário: devemos escolher a teoria mais simples. Newton usou constantemente esse tipo de argumento de simplicidade em seu trabalho. Em seu Principia encontramos um conjunto de regras filosóficas. Duas delas, são: “Regra 1: Não admitimos mais causas para as coisas naturais do que aquelas que são verdadeiras e suficientes para explicar suas aparências. Regra 2: Portanto, para os mesmos efeitos naturais devemos, sempre que possível, atribuir as mesmas causas”.

As críticas e discussões seguintes à publicação do artigo de 1672 foram um dos motivos que fizeram com que Newton adiasse por muito tempo a publicação de sua teoria definitiva em 1704 no livro Opticks.

14. As “hipóteses sobre a luz” de Newton (1675)

Em seu artigo de 1672, Newton procurou defender as ideias de que a luz branca é uma mistura de todas as cores, que cada cor pura está associada a uma refração diferente, e que as cores puras separadas por um prisma não sofrem modificações quando são refratadas, refletidas, espalhadas ou em qualquer outro fenômeno. Não tentou, nesse artigo, apresentar qualquer hipótese a respeito da natureza da luz.

No entanto, após a publicação de seu artigo de 1672, Newton passou a ser identificado como defensor de um modelo corpuscular para a luz. De fato, ele acreditava neste tipo de concepção para a luz e criticou de forma contundente o modelo ondulatório; no entanto, ele considerava em seus escritos públicos a existência de corpúsculos de luz apenas como uma hipótese provável e não como um fato demonstrado cientificamente. Para diferenciar princípios demonstrados experimentalmente de hipóteses, Newton adotou a estratégia de nomear as últimas de forma explícita, como em seu trabalho “An hypothesis explaining the properties of light discoursed of in my several Papers”, apresentado à Royal Society em 1675, ou nas “Queries” que aparecem como apêndice do Opticks, cuja primeira edição foi publicada em 1704.22 22 Para entender melhor a defesa e uso de modelos corpusculares para luz e matéria por de Newton, veja o artigo de Alan Shapiro [170].

Newton parece ter imaginado que classificar o trabalho como uma hipótese lhe permitiria elaborar modelos para a luz e o éter sem entrar em conflito com estudos de outros autores da época que estudavam o mesmo assunto, como havia acontecido em 1672:

[…] por eu haver observado que a cabeça de alguns grandes virtuosos funciona muito com base em hipóteses, como se faltasse a meus discursos uma hipótese para explicá-los, e por haver constatado que alguns, quando eu não conseguia fazê-los apreenderem meu sentido ao falar da natureza da luz e das cores em termos abstratos, apreendiam-na prontamente quando eu ilustrava meu discurso com uma hipótese. […] que nenhum homem confunda esta com minhas outras dissertações, nem avalie a exatidão de uma por outra, nem me considere obrigado a responder a objeções sobre este texto. Pois desejo declinar de ser implicado em disputas muito aborrecidas e insignificantes. [171[171] I. Newton, in: Isaac Newton: Textos, Antecedentes, Comentários, editado por I.B. Cohen e R.S. Westfall, trad. Vera Ribeiro (EdUerj; Contraponto, Rio de Janeiro, 2002), p. 31-32.]

Newton começou a escrever seu texto “An hypothesis explaining the properties of light” como uma resposta às críticas de Hooke ao artigo de 1672. No entanto, percebendo que essa resposta requereria mais tempo e dedicação, decidiu enviá-la a Royal Society na forma de artigo, após várias revisões e desenvolvimentos.

Nesse trabalho, elaborou uma descrição sobre a constituição do éter responsável pelos fenômenos ópticos, elétricos, pela gravitação e outros. O éter seria capaz de sustentar movimentos vibratórios, penetrando nos pequenos poros dos objetos de modo que corpos com menos poros (como o vidro) teriam menos éter em sua composição, sendo um meio mais fortemente refrator que os outros que possuíam mais poros, como o ar. A luz consistiria em raios sucessivos, que diferiam uns dos outros em aspectos como “grandeza, forma ou vigor” e seria capaz de causar vibrações de diversas intensidades no éter, que interfeririam no movimento dos raios de luz, provocando a reflexão ou refração.

Nesse trabalho, Newton discutiu dois modelos diferentes para a refração e a reflexão - uma em termos da pressão exercida pelo éter presente nos meios materiais e outra pelo movimento vibracional do éter. No primeiro modelo, Newton baseou-se na hipótese de que a densidade do éter variava nos diferentes meios materiais, para explicar a refração e a reflexão total de um raio de luz, sendo esta última um caso especial da refração. Um raio de luz se deslocando por um meio de densidade de éter desigual, sofreria uma pressão em direção ao meio etéreo mais rarefeito, sendo assim acelerado ou retardado, dependendo da direção de seu movimento. Esse modelo explica a refração e a reflexão total. No entanto, sempre que um raio de luz atinge uma superfície transparente, parte da luz é refletida e parte é transmitida, o que não é possível explicar por esse modelo. Ciente disso, Newton utilizou um novo modelo considerando vibrações no éter excitadas pela luz incidente capaz de explicar a refração e reflexão parciais, mas que falha em explicar a reflexão total. As vibrações no éter descritas por Newton surgem em decorrência da interação dos raios de luz com o éter presente no meio material - elas não são a própria luz, como é o caso nas teorias ondulatórias da luz [172[172] B.A. Moura e C.C. Silva, Episteme 27 , 15 (2008).].

A intenção de Newton ao supor que a refração e reflexão ocorrem devido ao movimento vibratório do éter era de aliar esses dois fenômenos com os “anéis de Newton”, em que a refração e a reflexão ocorrem alternadamente. A formação de cores em filmes finos era um fenômeno cuja periodicidade já havia sido descrita por Hooke no Micrographia e explicado pela interação da luz refletida pela primeira superfície com a refletida pela superfície interna. Em seus estudos, Newton utilizou uma abordagem experimental diferente da usada por Hooke, realizou medidas bem mais precisas da espessura da camada entre uma placa de vidro convexa e outra plana, relacionado com as cores observadas e calculando o “espaço de um pulso no éter vibrante” [173[173] A.R. Hall, op. cit., p. 69-70.].

Newton supôs que as vibrações excitadas no meio pela luz incidente se moviam mais rapidamente do que os raios de luz que as provocaram. Assim, os raios que atingissem a parte mais densa das vibrações seriam refletidos e os que atingissem a parte mais rarefeita seriam refratados [174[174] I. Newton, op. cit., 2002, p. 48.], como ilustrado na Fig. 18.

Figura 18
Esquema de Newton para ilustrar a formação dos anéis, por luz monocromática.

Para estender este modelo à luz branca, Newton introduziu a ideia de que raios de cores diferentes variavam em “magnitude, força ou vigor”, e assim excitavam no éter vibrações de diferentes intensidades que, em certo momento, transmitiriam raios de uma determinada cor e, em outros, raios de outras cores [175[175] I. Newton, op. cit., 2002, p. 51-52.].

Nesse trabalho de dezembro 1675, Newton não conseguiu construir uma explicação unificada para os principais fenômenos ópticos conhecidos na época: refração, reflexão, reflexão total e formação de cores em filmes finos.

No mesmo mês, Newton elaborou outro trabalho lido diante da Royal Society que não foi publicado na época. Seu texto não tinha título, mas é conhecido atualmente como “Discourse of observations”. Nele há, basicamente, o mesmo conteúdo do Livro II do Óptica - que seria publicado quase trinta anos depois -, exceto por algumas medidas e a parte corresponde à teoria dos estados da luz [176[176] A.R. Hall, op. cit., p. 117.]. Juntos, todos os estudos e trabalhos discutidos acima formam a essência da principal obra de Newton sobre luz e cores, o Óptica, publicado somente em 1704.

15. O modelo corpuscular da luz nos Princípios Matemáticos da Filosofia Natural

Hoje em dia, quase todos associam Newton ao modelo corpuscular da luz. No entanto, ao longo de suas pesquisas ele utilizou diversas hipóteses para tentar compreender os fenômenos ópticos. Newton utilizou inicialmente o modelo corpuscular para a luz para explicar reflexão, refração e dispersão cromática, assumindo que os corpúsculos de luz são defletidos na interface entre dois meios diferentes. Nos casos da reflexão e refração supôs um modelo simples de colisão análogo à reflexão de uma esfera colidindo em uma superfície; e um modelo inspirado no Dioptrique de Descartes no qual a velocidade de uma esfera se altera quando ela muda de meio. No entanto, esses modelos deixam de funcionar quando se assume que a matéria é constituída por átomos e vazios; e também não conseguem explicar a reflexão parcial da luz que ocorre quando ela sai de um meio refringente para o ar (ou para o espaço vazio). Consciente dessas dificuldades, Newton investigou outras possibilidades supondo a existência de éter entre os átomos ou uma força entre a superfície e os corpúsculos de luz.23 23 Sobre os diferentes modelos qualitativos usados por Newton para explicar os fenômenos básicos da ótica veja a dissertação de Mestrado de Breno Moura [177].

A obra fundamental de Newton sobre mecânica e gravitação, intitulada Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, foi publicada em 1687. Há nesse livro (parte I, proposições CXIII-XCVIII) uma explicação corpuscular mecânica sobre a reflexão e a refração da luz [178[178] I. Newton, Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (Royal Society, London, 1687), p. 223-235., 179[179] C. Vilain, Revue d’Histoire des Sciences 40 , 311 (1987).].

Inicialmente, Newton analisou a força que age sobre um corpúsculo que é atraído pelas partículas que formam um sólido que termina, de um lado, por um plano, tendo um tamanho “infinito” do outro lado, sendo também “infinitamente” estendido lateralmente. Provou que se a força entre o corpúsculo e as partículas varia com o inverso da n-ésima potência da distância, com n superior a 3, então a força total que atua sobre o corpúsculo será perpendicular à superfície e variará com o inverso da potência n-3 da distância até a superfície do sólido; e que a mesma lei se aplica quando o corpúsculo estiver dentro do sólido (Principia, livro I, prop. XCIII) [180[180] I. Newton, op. cit., 1687, p. 223-226.]. Esse foi o modelo básico que ele imaginou para a interação entre os corpúsculos de luz e os corpos materiais.

Em seguida, Newton supôs duas regiões homogêneas diferentes entre si nas quais não existem forças agindo, separadas por uma região delimitada por planos paralelos, na qual há forças perpendiculares a esses planos agindo sobre os corpúsculos que se movem lá (Fig. 19); ele provou que, nessas condições, há uma razão constante entre o seno do ângulo de incidência do corpúsculo no primeiro plano e o seno do ângulo de saída no segundo plano (Principia, livro I, prop. XCIV) [181[181] I. Newton, op. cit., 1687, p. 227-229.]. Primeiramente, ele fez a demonstração supondo que a força é constante nessa região; depois, mostrou que o mesmo resultado é válido se a força é variável, mas depende apenas da distância até os planos.

Figura 19
Esquemas de Newton sobre o movimento de uma partícula em uma região entre dois meios, onde há uma força perpendicular à superfície de separação.

No teorema seguinte, Newton demonstrou que, nas condições já descritas, a velocidade do corpúsculo incidente na primeira superfície está para a velocidade do corpúsculo ao sair da segunda superfície como a velocidade final para a velocidade inicial (Principia, livro I, prop. XCV) [182[182] I. Newton, op. cit., 1687, p. 229-230.]. Depois, ele demonstra que, em determinadas condições, o corpúsculo será refletido e voltará para a região de entrada, sendo o ângulo de reflexão igual ao ângulo de incidência (Principia, livro I, prop. XCVI) [183[183] I. Newton, op. cit., 1687, p. 230-231.].

Todas essas demonstrações são puramente mecânicas, sem referência à luz. Porém, logo em seguida Newton apresentou um comentário (“escólio”) no qual indicou que esses fenômenos produzidos pelas forças que agem sobre os corpúsculos têm grande semelhança com a reflexão e a refração da luz, obedecendo às mesmas propriedades que foram estabelecidas por Snell e por Descartes. Ele também comentou que a velocidade da luz é finita (como a de corpos materiais, ao contrário do que Descartes pensava), como havia sido estabelecido pelo estudo dos eclipses dos satélites de Júpiter (resultado anunciado por Ole Rømer em 1676),24 24 O resultado de Rømer havia sido antecipado por Jean-Dominique Cassini que, no entanto, não defendeu sua descoberta [184]. e que os fenômenos de difração descobertos e estudados por Francesco Maria Grimaldi em 1665 indicavam que a luz sofria forças e se desviava quando passava perto das bordas de orifícios ou de corpos sólidos - uma interpretação corpuscular da difração, que não é mais aceita [185[185] I. Newton, op. cit., 1687, p. 231-232.]. Ele também afirmou que a refração da luz não ocorre bruscamente, quando a luz passa pela separação entre dois meios, mas sim gradualmente: os raios descrevem uma curva antes de passarem pela superfície e logo depois de atravessá-la. “Assim, pela analogia que existe entre a propagação dos raios de luz e o movimento dos corpos, podemos adicionar as proposições seguintes para uso na óptica; sem discutir sobre a natureza dos raios (se são corpóreos ou não), mas apenas determinando as trajetórias dos corpos, que são semelhantes às trajetórias dos raios” [185[185] I. Newton, op. cit., 1687, p. 231-232.].

Esta apresentação da analogia entre o movimento dos raios luminosos e o comportamento de corpúsculos materiais, nos Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, foi a única formulação mecânica quantitativa que Newton apresentou sobre o modelo corpuscular da luz.

16. A obra de Huygens sobre óptica

Os livros didáticos sobre física e as descrições populares sobre história da óptica costumam dar grande ênfase ao suposto confronto entre a óptica ondulatória de Christiaan Huygens e a teoria corpuscular de Newton. No entanto, devemos ressaltar que praticamente todos os estudos de Newton sobre a luz foram desenvolvidos muito antes da publicação da obra de Huygens, o Tratado sobre a luz, lançado em 1690; também devemos notar que nenhum dos dois pesquisadores criticou o outro em suas publicações e que, na verdade, eles eram amigos e se respeitavam mutuamente [186[186] A.E. Shapiro, Notes and Records of the Royal Society of London 43 , 223 (1989).]. Os autores que Newton efetivamente criticou foram Descartes e Hooke; no entanto, algumas das críticas que ele desenvolveu em relação a esses pensadores também se aplicam à teoria de Huygens.

O Tratado sobre a luz apresenta uma teoria ondulatória da luz e procura explicar os fenômenos da propagação retilínea, da reflexão e da refração luminosa, dando bastante importância ao estudo da dupla refração da calcita (“cristal da Islândia”), que havia sido descoberta por Rasmus Bartholin em 1669 [187[187] P. Cuvelier, Revue d’Histoire des Sciences, 30 , 193 (1977).]. É importante notar que as ondas luminosas descritas por Huygens não são periódicas e não podem ser caracterizadas por sua frequência e comprimento de onda: “Como as percussões no centro dessas ondas não possuem uma sequência regular, também não se deve imaginar que as ondas sigam umas às outras por distâncias iguais […]” [188[188] C. Huygens, Traité de la Lumiére, oú Sont Expliquées les Causes de ce qui Luy Arrive dans la Refléxion, & dans la Réfraction. Et particuliérement dans l’étrange réfraction du cristal d'islande. Avec un discours de la cause de la pesanteur (Pierre van der Aa, Leide, 1690), p. 15. Há uma tradução completa para o português: Tratado sobre a Luz, de Christiaan Huygens. Trad. e notas de Roberto de Andrade Martins. Cadernos de História e Filosofia da Ciência (suplemento 4), 1986.]. Trata-se de pulsos não periódicos, portanto. Na teoria de Huygens, não há qualquer propriedade dessas ondas que possa ser associada às cores - ao contrário da concepção que foi desenvolvida no Século XIX por Thomas Young e por Augustin Fresnel.

Huygens não tratou, no seu livro, sobre a natureza das cores, comentando no seu prefácio que acreditava que ninguém havia ainda conseguido resolver esse problema [189[189] C. Huygens, op. cit., 1690, p. vi.]. Depois da publicação de sua obra, Leibniz lhe perguntou a respeito do assunto; Huygens lhe respondeu, em uma carta do dia 24 de agosto de 1690: “Eu nada disse sobre as cores no meu Tratado sobre a luz, achando esse assunto muito difícil; sobretudo por causa de tantas maneiras diferentes pelas quais as cores são produzidas. O Sr. Newton, que eu vi no outono passado na Inglaterra, prometeu alguma coisa sobre isso e me comunicou algumas experiências muito belas, das que ele havia feito” [190[190] C. Huygens, Oeuvres Complétes. Tome Neuviéme. Correspondance, 1685-1690 (Martinus Nijhoff, La Haye, 1901), p. 471.]. Mesmo pressionado por Leibniz e outras pessoas, Huygens nunca chegou a desenvolver uma teoria sobre as cores [191[191] M. Blay, Revue d’Histoire des Sciences 37 , 127 (1984).].

É muito importante assinalar que embora Huygens tivesse chegado a fazer experimentos sobre aquilo que denominamos “anéis de Newton” em 1665 [192[192] M. Blay, op. cit., p. 135.], ele não analisou no seu livro qualquer dos efeitos luminosos que, atualmente, consideramos como tipicamente ondulatórios - como interferência e difração - embora tais fenômenos já fossem conhecidos, tendo sido estudados por Robert Hooke e por Francesco Maria Grimaldi, como vimos. Além disso, ao estudar a dupla refração, que está relacionada com o fenômeno de polarização, Huygens não descobriu a existência da polarização; e, se a descobrisse, não poderia dar uma interpretação ondulatória para a mesma, pois a ondas luminosas que Huygens utilizava em sua teoria eram longitudinais(como as ondas sonoras) e não transversais.

17. A preparação do Opticks de Newton

Depois das desagradáveis controvérsias que seguiram a publicação, em 1672, do famoso artigo de Newton sobre luz e cores e que se estenderam até 1675, ele se retraiu e não pretendia mais publicar outros trabalhos sobre esse tema - e, talvez, sobre nenhum outro assunto [193[193] I.B. Cohen, in: Isaac Newton's Natural Philosophy, editadopor J. Z. Buchwald e I.B. Cohen (MIT Press, Cambridge, MA, 2004), p. 18.]. No entanto, foi pressionado muitas vezes para publicar um livro sobre óptica, contendo o resultado de todas as suas pesquisas.

Newton era ambivalente em relação à publicação de seus trabalhos: ao mesmo tempo queria divulgar seus trabalhos e, por outro lado, temia receber críticas. Sabe-se que, apesar de todos os problemas ocasionados pela publicação do seu artigo de 1672, Newton planejou reeditá-lo acompanhado de notas explicativas adicionais [194[194] I.B. Cohen, op. cit., 2004, p. 23-26.].

No final da década de 1680 e no início da década seguinte, logo após a publicação e a repercussão positiva dos seus Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, Newton resolveu publicar um livro em latim, ao qual deu o título de Fundamenta opticae (Fundamentos da Óptica). Porém, após várias etapas diferentes de preparação e mudança de planos, acabou publicando um livro em inglês, em 1704: o Opticks [193[193] I.B. Cohen, in: Isaac Newton's Natural Philosophy, editadopor J. Z. Buchwald e I.B. Cohen (MIT Press, Cambridge, MA, 2004), p. 18.]. O estilo do Opticks é principalmente experimental, em contraste com os Principia, que possuem um estilo principalmente matemático e dedutivo. É, além disso, uma obra relativamente fácil de ser estudada - ao contrário dos Principia, uma obra de tal dificuldade matemática que desanima a quase totalidade de seus leitores depois das primeiras demonstrações.

A primeira versão do livro de Newton, escrita em latim, parece ter sido elaborada em 1687-1688 e incluía a maior parte do que depois se tornou o Livro I da obra final [195[195] A.R. Hall, op. cit., 1996, p. 280.]. Segundo o plano inicial, a obra em latim teria quatro partes ou “livros”. A primeira parte seria baseada no manuscrito de suas palestras no Trinity College, as Lectiones opticae; a segunda se basearia no seu relato à Royal Society sobre as cores em películas finas, com acréscimo de novos resultados; as partes finais teriam um estudo detalhado da “inflexão” (difração) da luz - um tema que ele havia estudado apenas superficialmente em 1675 [196[196] A.E. Shapiro, op. cit., 2001, p. 47.]. Ele tinha a expectativa de que tal fenômeno ajudaria a fundamentar a ideia de forças agindo entre a matéria e a luz, que havia introduzido nos seus Princípios Matemáticos da Filosofia Natural [197[197] I.B. Cohen, op. cit., 2004, p. 18.].

Entre os manuscritos de Newton foi encontrado o esboço de um quarto livro (quarta parte) de sua obra, “sobre a natureza da luz e sobre o poder dos corpos de refratá-la e refleti-la”, onde ele pretendia apresentar uma visão detalhada da teoria corpuscular da luz, baseada na mecânica [198[198] A.R. Hall, op. cit., 1996, p. 283-284.]. Nesse rascunho, Newton desenvolveu a demonstração da lei da refração de um modo diferente daquele apresentado nos Principia e introduziu considerações dinâmicas sobre as diferentes cores, supondo que as partículas tinham diferentes velocidades e que as mais rápidas eram as que sofriam maiores desvios na refração. Esse rascunho foi escrito provavelmente em 1691.

Em torno de 1694 Newton já havia mudado seus planos e estava elaborando a versão em inglês que depois foi publicada com o título Opticks [197[197] I.B. Cohen, op. cit., 2004, p. 18.]. Em maio desse ano, Gregory havia examinado os seus três primeiros “livros” ou partes; e soube que havia uma quarta parte com a qual Newton ainda não estava satisfeito; em abril de 1695 John Wallis recebeu informações a respeito da redação do livro de Newton, em inglês, que já estaria completo [199[199] A.R. Hall, op. cit., 1996, p. 279-280.].

Se o Opticks já estava pronto em 1695, por que demorou mais 9 anos para ser publicado? Costuma-se considerar que o principal motivo pelo qual Newton adiou a publicação de seu livro sobre óptica foi temer reações desagradáveis por parte de Robert Hooke; e que após a morte deste, em 1703, ele teria resolvido publicar seu Opticks, que saiu no ano seguinte. De fato, Alfred Rupert Hall comentou que Newton havia jurado manter seu livro sobre óptica guardado, enquanto Hooke vivesse [200[200] A.R. Hall, op. cit., 1996, p. 279.]. No entanto, deve-se ponderar que em 1702 Newton havia sido eleito presidente da Royal Society, o que o colocava em uma posição difícil de ser atacada; e nessa época Hooke já estava muito doente e incapaz de produzir qualquer crítica significativa [201[201] I.B. Cohen, op. cit., 2004, p. 19.].

Uma das razões pelas quais Newton retardou a publicação de seu livro foi sua insatisfação com suas próprias pesquisas a respeito da “inflexão” ou difração [202[202] I.B. Cohen, op. cit., 2004, p. 20.]25 25 A difração havia sido descrita em 1669 por Grimaldi. Newton tomou conhecimento do fenômeno, pela primeira vez, em 1672, através do livro de Honoré Fabri, Dialogi physici [203]. - um motivo que ele próprio indica no Opticks. Na terceira parte deste livro, Newton apresentou um estudo sucinto da difração, ao final do qual escreveu:

Quando eu fiz as observações precedentes, eu planejava repetir a maioria delas com mais cuidado e exatidão e fazer algumas novas para determinar o modo pelo qual os raios de luz se dobram na sua passagem perto dos corpos para produzir as franjas de cores com as linhas escuras entre elas. Mas então fui interrompido e não posso pensar agora em levar essas coisas em consideração. E como eu não completei essa parte de meu plano, eu concluirei apenas propondo algumas questões para uma pesquisa posterior a ser feita por outros. [204[204] I. Newton, op. cit., 1704, p. 132. A numeração das páginas desta obra de Newton recomeça após o final da primeira parte do livro (p. 144).]

Outro motivo, bastante evidente, é que Newton não havia conseguido chegar a uma teoria definitiva sobre a luz, sendo assim levado a colocar no final de sua obra uma série de questões (“Queries”), em vez de afirmações, mostrando assim que a teoria da óptica estava incompleta [205[205] I.B. Cohen, op. cit., 2004, p. 21.]. Um dos fenômenos que ele não estudou detalhadamente foi a dupla refração, que mencionou pela primeira vez em 1706, nas questões 17-20 da primeira edição latina de seu livro [206[206] A.R. Hall, op. cit., 1996, p. 281-282.].

18. As edições do Opticks

O Opticks possui três partes ou “livros”. A primeira delas tem como assunto principal o estudo da refração (principalmente em prismas) e sua relação com as cores. A segunda parte trata, principalmente, sobre o fenômeno das cores que podem ser observadas em corpos transparentes finos e que, atualmente, consideramos como fenômenos de interferência da luz. O terceiro livro apresenta um estudo dos fenômenos de difração da luz; é uma parte relativamente curta e pouco desenvolvida, pois Newton não conseguiu determinar as leis desse fenômeno, nem oferecer uma explicação razoável para o mesmo. Além da descrição da difração, a terceira parte contém uma série de questões (queries), onde Newton discute a natureza da luz e outros temas.

Essas “questões” não são, na verdade, perguntas nem dúvidas e sim conjeturas ou hipóteses, formuladas como se fossem questões. A primeira delas, por exemplo, indaga: “Questão 1. Os corpos não atuam sobre a luz à distância, dobrando seus raios por sua ação; e essa ação não é (sendo outras coisas iguais) mais forte à menor distância?” [204[204] I. Newton, op. cit., 1704, p. 132. A numeração das páginas desta obra de Newton recomeça após o final da primeira parte do livro (p. 144).]. Essa é a base da explicação mecânica de Newton para os fenômenos de reflexão, refração e difração da luz, como já vimos.

Ao contrário de obras anteriores sobre óptica, o livro de Newton dá pouca importância a temas da óptica geométrica como reflexão em espelhos planos e curvos, os diversos tipos de lentes, princípios de formação de imagens, ou os aparelhos ópticos como telescópios e microscópios. Também não dá grande atenção aos aspectos fisiológicos da visão e estrutura do olho [207[207] A.R. Hall, op. cit., 1996, p. 291.].

As várias edições da obra, preparadas por Newton antes de falecer, possuem diferenças muito pequenas - exceto no que se refere às “queries”, que foram aumentando progressivamente [208[208] A.R. Hall, op. cit., 1996, p. 289.]. A primeira edição do livro, de 1704, continha 16 questões relativas à óptica, bastante curtas [209[209] I. Newton, op. cit., 1704, p. 132-137.]; nas edições seguintes, Newton adicionou novas questões relativas à óptica e também a outros assuntos, como calor, eletricidade, química, a criação do mundo e outros temas [205[205] I.B. Cohen, op. cit., 2004, p. 21.]. Dois anos depois saiu a tradução latina da obra, feita por Samuel Clarke. Nela, foram adicionadas sete novas “questões” (ou seja, o número total foi ampliado para 23), algumas delas bastante longas, tratando sobre dupla refração da luz e outros fenômenos, incluindo as forças da matéria e as afinidades químicas [210[210] I. Newton, Optice: Sive de Reflexionibus, Refractionibus, Inflexionibus & Coloribus Lucis, Libri Tres, traduzido por Samuel Clarke (Samuel Smith & Benjamin Walford, London, 1706), p. 293-348.]. A segunda edição em inglês, publicada em 1718, contém ao todo 31 questões [211[211] I. Newton, Opticks: Or a Treatise of the Reflections, Refractions, Inflections and Colours of Light. The second edition, with additions (W. and J. Innys, London, 1718), p. 313-382.]. Além de incorporar as “queries” que haviam sido adicionadas em 1706 à tradução latina - e que agora passaram a ser numeradas de 25 a 31 - Newton acrescentou outras oito, várias das quais tratam sobre o éter, introduzindo uma nova interpretação de alguns fenômenos ópticos [212[212] A.R. Hall, op. cit., 1996, p. 288.]. A terceira edição em inglês, publicada em 1721, é praticamente idêntica, inclusive na numeração das páginas, contendo as mesmas 31 questões [213[213] I. Newton, Opticks: Or a Treatise of the Reflections, Refractions, Inflections and Colours of Light. The third edition, corrected (William and John Innys, London, 1721), p. 313-382.].

A quarta e última edição em inglês, publicada em 1730 (após o falecimento de Newton, em março de 1727) contém algumas pequenas alterações que o autor havia anotado no seu exemplar da terceira edição e também várias notas de rodapé nas quais há referências às Lectiones opticae [214[214] I. Newton, Lectiones Opticae Annis MDCLXIX, MDCLXX et MDCLXXI in Scholis Publicis Habitae: Et Nunc Primum ex MSS. in Lucem Editae (William Innys, London, 1729).], que haviam sido publicadas no ano anterior e que continham demonstrações que não aparecem no Opticks. Esta edição, não sofreu, no entanto, alteração na parte das questões, que continuaram as mesmas [215[215] I. Newton, Or a Treatise of the Reflections, Refractions, Inflections and Colours of Light. The fourth edition, corrected (William Innys, London, 1730), p. 313-382.].

Um aspecto interessante do estudo de Newton sobre a dupla refração (analisada nas Questões 25 e 26) foi sua descoberta do fenômeno de polarização da luz. Mostrou que os dois feixes luminosos separados pelo cristal de calcita tinham propriedades ópticas distintas, que se conservavam depois que a luz saía do cristal - um fenômeno que Huygens não havia notado. Utilizando dois cristais, analisou o que acontecia quando um dos feixes atravessava o segundo cristal, em diversas posições; e concluiu que os raios de luz tinham “lados” diferentes. Ele não utilizou diretamente o nome “polarização”, mas na Questão 29 fez uma comparação com os polos de um ímã que, posteriormente, deu origem a essa palavra.

A principal diferença encontrada entre a primeira e a segunda edição em inglês do Opticks (e todas as outras seguintes) foi uma mudança de atitude de Newton a respeito da explicação de alguns fenômenos luminosos. Inicialmente, ele assumiu que todos os fenômenos luminosos podiam ser explicados através de forças entre os corpos materiais e os corpúsculos de luz - como tinha feito em sua análise da refração e da reflexão da luz, nos Principia. Esse tipo de explicação não era tão simples, no entanto, no caso dos fenômenos de cores em objetos transparentes finos, ou na difração. Para explicar as cores dos “anéis de Newton” e fenômenos semelhantes, na primeira edição, Newton utilizou a ideia de que os raios luminosos tinham uma “disposição” (fit) de serem refletidos ou transmitidos nas superfícies entre dois meios transparentes, e que essa disposição mudava de forma periódica [172[172] B.A. Moura e C.C. Silva, Episteme 27 , 15 (2008).]. Na segunda edição em inglês do Opticks, Newton retornou à ideia que havia desenvolvido em 1675 de que havia ondas no éter que influenciavam os raios luminosos e determinavam sua transmissão ou reflexão. Assim, pela introdução do éter na explicação dos fenômenos ópticos, Newton abandonou seu projeto de reduzir todos os fenômenos da luz à mecânica das partículas [212[212] A.R. Hall, op. cit., 1996, p. 288.].

É notável que sua mudança de posição não tenha sido produzida por nenhum novo estudo que ele tenha realizado sobre fenômenos luminosos. Também é interessante que a mudança de atitude de Newton aparece apenas nas “questões”, pois ele não mudou a parte principal do texto do Opticks, surgindo assim uma inconsistência entre a exposição apresentada na segunda parte do livro e os comentários das queries [208[208] A.R. Hall, op. cit., 1996, p. 289.].

19. Recepção e repercussão da obra

Até o final do Século XVII, embora Newton já tivesse realizado muitos estudos sobre a luz, havia apenas publicado o artigo de 1672 e várias respostas às críticas que recebeu. A publicação do Opticks (e também das Lectiones opticae), em um momento em que Newton já se tornara famoso por causa de suas contribuições à mecânica e à matemática, trouxe a público, de uma forma organizada, sua ampla contribuição ao estudo da luz. Um dos efeitos dessas publicações foi que as demais obras sobre óptica do Século XVII foram consideradas superadas, sendo deixadas de lado por quase todos os estudiosos do século seguinte. Rapidamente, Newton passou a ser considerado a grande autoridade sobre luz e cores e quase todas as obras publicadas durante esse século tomavam como ponto de partida a óptica newtoniana. Embora surgissem questionamentos sobre algumas de suas interpretações, os autores se limitavam em grande parte a expor as ideias de Newton e apresentar pequenos desenvolvimentos [216[216] C.C. Silva e B.A. Moura, Science & Education 21 , 1317 (2012).]. Praticamente todos aceitavam a teoria corpuscular da luz. Uma das poucas exceções, durante o Século XVIII, foi Leonhard Euler, que defendeu uma interpretação ondulatória.

A situação só começou a mudar no início do Século XIX, após a publicação de importantes estudos de Thomas Young e, depois, de Augustin Fresnel. Principalmente através de suas pesquisas sobre difração e interferência, esses pesquisadores lideraram a defesa de uma nova teoria ondulatória da luz - bem diferente da que havia sido proposta por Huygens - que passou a ser aceita por praticamente todos os físicos em torno de 1830 - um século após a morte de Newton.

20. Comentários finais

Este trabalho, embora longo, não analisou todos os aspectos do pensamento de Newton sobre luz e cores, nem tratou de forma aprofundada os diversos temas analisados. Teria sido necessário um grosso volume, para atingir tal objetivo. No entanto, a partir da visão geral aqui apresentada e da bibliografia indicada, os interessados poderão explorar mais detalhadamente os aspectos que lhes interessarem.

Embora este artigo tenha centralizado sua atenção na obra de Newton, percebe-se que é impossível compreender o que esse autor fez ou pensou sem conhecer o contexto científico de sua época. Antes de dar suas contribuições à óptica, Newton estudou e refletiu profundamente sobre os trabalhos de Descartes, Charleton, Boyle, Hooke e outros autores, aproveitando depois muitos de seus experimentos, observações e interpretações. Nenhum pesquisador desenvolve seus trabalhos a partir do nada - não existe o “grande gênio” capaz de criar novas ideias sem ter, antes, estudado os pensadores anteriores.

Ao longo deste artigo, os leitores devem ter percebido que Newton não propôs, em momento algum, uma teoria clara e definitiva sobre os fenômenos luminosos. Suas ideias estavam em contínuo fluxo, com idas, voltas e transformações causadas por suas leituras, observações, experimentos e reflexões. Para alguns leitores, isso pode parecer bastante confuso e frustrante. Quem deseja compreender o que realmente ocorre no desenvolvimento de novas ideias, no entanto, não pode se contentar com uma visão simplificada e “lógica” do trabalho do pesquisador. O estudo desse desenvolvimento nos dá uma rara oportunidade de perceber o processo extremamente complexo de produção do pensamento científico.

Esperamos que este artigo possa contribuir para complementar as visões simplificadas a respeito da história da óptica e das contribuições de Newton, bem como corrigir diversos equívocos presentes em obras didáticas e de divulgação científica sobre o assunto.

  • 2
    O livro de Abdelhamid Sabra [1[1] A.I. Sabra, Theories of light from Descartes to Newton (Cambridge University Press, Cambridge, 1981).] apresenta uma boa visão histórica geral da história da óptica, até a época de Newton.
  • 3
    A melhor biografia de Isaac Newton, até o momento, foi escrita por Richard Westfall [2[2] R.S. Westfall, Never at rest. A biography of Isaac Newton (Cambridge University Press, Cambridge, 1983).]. Esse livro apresenta uma ótima visão geral sobre sua vida e o desenvolvimento de suas ideias.
  • 4
    Ptolomeu, no Século II d.C., já apresentara uma analogia entre a reflexão da luz num espelho e um objeto refletido por uma parede; esse tipo de explicação foi desenvolvido mais detalhadamente na Idade Média por Ibn al-Haytham [21[21] A.I. Sabra, op. cit., p. 71.].
  • 5
    Este uso da palavra “história”, que nada tem a ver com tempo ou cronologia, remonta a Aristóteles, que utilizou o título História dos animais para sua principal obra zoológica puramente descritiva, reservando a discussão teórica sobre os seres vivos a outras obras, tais como a Geração dos animais (sobre os processos reprodutivos) e Partes dos animais (sobre os órgãos e a fisiologia).
  • 6
    O caderno original está atualmente guardado na Biblioteca da Universidade de Cambridge, Inglaterra: Manuscrito MS Add. 3996, Cambridge University Library. Uma versão desse manuscrito, em PDF, está disponível na Internet: http://cudl.lib.cam.ac.uk/view/MS-_ADD-_03996/, acesso em 27/07/2014. A parte do caderno que contém as “Quaestiones quaedam philosophicae” foi publicada, com comentários [83[83] J. E. McGuire e M. Tamny, op. cit.].
  • 7
    O “método direto das fluxões” e o “método inverso das fluxões” são aquilo que atualmente chamamos de cálculo diferencial e cálculo integral, respectivamente.
  • 8
    Neste ponto, Newton está se referindo à terceira lei de Kepler, que afirma que o quadrado dos períodos dos planetas são proporcionais ao cubo de suas distâncias médias ao Sol.
  • 9
    A respeito dos estudos iniciais de Newton sobre gravitação, e sobre os resultados que ele obteve no período em que estava na fazenda, pode-se consultar o artigo de Martins [112[112] R.A. Martins, in: Estudos de História e Filosofia das Ciências: Subsídios para Aplicação no Ensino, editado por C.C. Silva (Livraria da Física, São Paulo, 2006).] sobre a lenda da maçã de Newton.
  • 10
    Este ensaio está contido nas páginas 1-22 do manuscrito MS Add. 3975, Cambridge University Library, disponível em http://www.newtonproject.sussex.ac.uk/view/texts/normalized/NATP00004, acesso em 10/09/2014.
  • 11
    Os cadernos de anotações de Newton e seu ensaio Of Colours foram publicados somente em 1983, juntamente com as Quaestiones [83[83] J. E. McGuire e M. Tamny, op. cit.].
  • 12
    Ambas foram publicadas e traduzidas em 1984 por Alan E. Shapiro [143[143] I. Newton, The Optical Papers of Isaac Newton. Vol 1: The Optical Lectures (1670-1672). Editado e traduzido por A.E. Shapiro (Cambridge University Press, Cambridge, 1984).].
  • 13
    Uma versão completa em PDF deste caderno de anotações, conservado na Biblioteca da Universidade de Cambridge, está disponível em http://cudl.lib.cam.ac.uk/view/MS-_ADD-_04000/1, acesso em 27/07/2014.
  • 14
    Os atuais telescópios refletores utilizam espelhos feitos de vidro, que são recobertos por uma finíssima camada metálica evaporada no vácuo. Essa técnica não existia, na época de Newton.
  • 15
    Há um tradução completa desse artigo para o português, comentada [160[160] C.C. Silva e R.A. Martis, Revista Brasileira de Ensino de Física 18 , 313 (1996).].
  • 16
    O uso da expressão “experimentum crucis” para designar um experimento decisivo é devido à influência da obra Novum Organum de Francis Bacon [162[162] F. Bacon, Novum Organum, trad. José Aluysio Reis de Andrade (Abril Cultural, São Paulo, 1973), II, XXXV.]. Bacon usa a expressão instantiae crucis como uma situação crucial na qual se deve escolher entre dois caminhos diferentes ou entre duas hipóteses distintas. Isso só pode ser feito através de um experimento em que sejam previstos resultados diferentes conforme a hipótese utilizada e cuja realização mostre qual das hipóteses é a correta. Hooke citou Bacon em sua Micrographia [163[163] R. Hooke, op. cit., p. 54.]. Como provavelmente escrevia de memória, usa uma expressão diferente: experimentum crucis em vez de instantiae crucis. Newton usou o termo empregado por Hooke, influenciado por sua leitura da Micrographia. Sobre o papel do termo experimentum crucis para Bacon, Hooke e Newton veja o artigo de Lohne [164[164] J.A. Lohne, Notes and Records of the Royal Society, 23 , 169 (1968).].
  • 17
    Newton utiliza a palavra “refrangibilidade” para indicar uma propriedade dos raios luminosos: os raios mais refrangíveis são os que são mais desviados na refração. Por outro lado, o termo “refringência” se refere a uma propriedade das substâncias transparentes: uma substância mais refringente é a que produz um maior desvio da luz.
  • 18
    Para um estudo detalhado das críticas sofridas por Newton e da evolução de sua teoria das cores veja a dissertação de Mestrado de C.C. Silva [165[165] C.C. Silva, A Teoria das Cores de Newton: Um Estudo Crítico do Livro I do Opticks. Dissertação de Mestrado, Instituto de Física, Unicamp, Campinas, 1996.].
  • 19
    Sobre as modificações de Newton do primeiro experimento, veja o livro de Maurizio Mamiani [166[166] M. Mamiani, Isaac Neweton Filosofo Delle Natura: Le Lezioni Giovanili di Ottica e la Genesi del Metodo Newtoniano (La Nuova Italia Editrice, Firenze, 1976), p. 115.].
  • 20
    Além deste experimento, Newton apresentou vários outros para tentar mostrar que a luz branca é uma mistura de raios diferentes, em resposta às críticas de Hooke.
  • 21
    Em sua resposta para Hooke, afirmou “não vejo razão para suspeitar que o mesmo Fenômenodeva ter outras causas no Ar Aberto” [169[169] I. Newton, Philosophical Transactions of the Royal Society 88 , 5102 (1672).].
  • 22
    Para entender melhor a defesa e uso de modelos corpusculares para luz e matéria por de Newton, veja o artigo de Alan Shapiro [170[170] A.E. Shapiro, in: The Cambridge Companion to Newton, editado por I.B. Cohen e G.E. Smith (Cambridge University Press, Cambridge, 2002).].
  • 23
    Sobre os diferentes modelos qualitativos usados por Newton para explicar os fenômenos básicos da ótica veja a dissertação de Mestrado de Breno Moura [177[177] B.A. Moura, A Aceitação da óptica Newtoniana no Século XVIII: Subsídios para Discutir a Natureza da Ciência no Ensino. Dissertação de Mestrado em Ensino de Ciências, Modalidades Física, Química e Biologia, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 2008, p. 121-127.].
  • 24
    O resultado de Rømer havia sido antecipado por Jean-Dominique Cassini que, no entanto, não defendeu sua descoberta [184[184] L. Bobis e J. Lequeux, Journal of Astronomical History and Heritage 11 , 97 (2008).].
  • 25
    A difração havia sido descrita em 1669 por Grimaldi. Newton tomou conhecimento do fenômeno, pela primeira vez, em 1672, através do livro de Honoré Fabri, Dialogi physici [203[203] A.R. Hall, op. cit., 1996, p. 281.].

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio recebido por parte da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), sem cujo auxílio teria sido impossível o desenvolvimento desta pesquisa.

Referências

  • [1]
    A.I. Sabra, Theories of light from Descartes to Newton (Cambridge University Press, Cambridge, 1981).
  • [2]
    R.S. Westfall, Never at rest. A biography of Isaac Newton (Cambridge University Press, Cambridge, 1983).
  • [3]
    A.R. Hall, Isaac Newton, adventurer in thought (Cambridge University Press, Cambridge, 1996), p. 10.
  • [4]
    A.R. Hall, op. cit., p. 22.
  • [5]
    R.S. Westfall, op. cit., p. 89.
  • [6]
    H. Guerlac, Journal of the History of Ideas 47 , 18 (1986).
  • [7]
    S. Roux, in: Le siécle de la lumiére, 1600-1715, editado por C. Biet e V. Jullien (Ens Editions, Fontenay-aux-Roses, 1997), p. 49.
  • [8]
    R. Descartes, Discours de la méthode pour bien conduire sa raison, & chercher la vérité dans les sciences. Plus la dioptrique, les météores et la géométrie qui sont des essais de cette méthode (De l'imprimérie de Ian Maire, Leyde, 1637).
  • [9]
    D. Garber, in The Cambridge companion to Descartes, editado por J. Cottingham (Cambridge University Press, Cambridge, 1992), p. 290.
  • [10]
    D. Garber, op. cit., p. 288, p. 300.
  • [11]
    S. Roux, op. cit., p. 59-60.
  • [12]
    R. Descartes, op. cit., p. 3.
  • [13]
    A.I. Sabra, op. cit., p. 21.
  • [14]
    S. Roux, op. cit., p. 55.
  • [15]
    V. Ronchi, The Nature of Light: An Historical Survey Traduzido por V. Barocas (Heinemann, London, 1970), p. 88.
  • [16]
    A.I. Sabra, op. cit., p. 57-58.
  • [17]
    R. Descartes, op. cit., p. 4.
  • [18]
    S. Roux, op. cit., p. 55.
  • [19]
    R. Descartes, op. cit., p. 8.
  • [20]
    R. Descartes, op. cit., p. 10, p. 13-25.
  • [21]
    A.I. Sabra, op. cit., p. 71.
  • [22]
    R. Descartes, op. cit., p. 89-121, p. 137-153.
  • [23]
    R. Descartes, op. cit., p. 250-271.
  • [24]
    A.I. Sabra, op. cit., p. 63.
  • [25]
    M.J. Osler, in: A Companion to Descartes, editado por J. Broughton e J. Carriero (Blackwell, Malden, 2008), p. 137.
  • [26]
    R. Descartes, op. cit., p. 254.
  • [27]
    H. Guerlac, op. cit., p. 14.
  • [28]
    H. Guerlac, op. cit., p. 255.
  • [29]
    A.I. Sabra, op. cit., p. 65.
  • [30]
    M.J. Osler, op. cit., p. 138.
  • [31]
    R. Descartes, op. cit., p. 256-259.
  • [32]
    M. J. Osler, op. cit., p. 138-139.
  • [33]
    W. Charleton, Physiologia Epicuro-Gassendo-Charltoniana: Or a Fabrick of Science Natural, Upon the Hypothesis of Atoms, Founded by Epicurus, Repaired by Petrus Gassendus, Augmented by Walter Charleton (Thomas Heath, London, 1654).
  • [34]
    J. E. McGuire e M. Tamny, Certain Philosophical Questions: Newton's Trinity Notebook (Cambridge University Press, Cambridge, 1983), p. 20.
  • [35]
    L.S. Joy, Gassendi the atomist. Advocate of History in an Age of Science (Cambridge University Press, Cambridge, 1987), p. 4.
  • [36]
    L.S. Joy, op. cit., p. 106-107.
  • [37]
    W. Charleton, op. cit., p. 130.
  • [38]
    W. Charleton, op. cit., p. 132.
  • [39]
    H. Guerlac, op. cit., p. 10.
  • [40]
    W. Charleton, op. cit., p. 137-138.
  • [41]
    W. Charleton, op. cit., p. 171.
  • [42]
    W. Charleton, op. cit., p. 143-144.
  • [43]
    W. Charleton, op. cit., p. 199.
  • [44]
    W. Charleton, op. cit., p. 182-197.
  • [45]
    W. Charleton, op. cit., p. 188-189.
  • [46]
    H. Guerlac, op. cit., p. 6.
  • [47]
    W. Charleton, op. cit., p. 192.
  • [48]
    W. Charleton, op. cit., p. 196.
  • [49]
    W. Charleton, op. cit., p. 198.
  • [50]
    W. Charleton, op. cit., p. 204-205.
  • [51]
    R. Boyle, Experiments and Considerations Touching Colours (Henry Herringman, London, 1664).
  • [52]
    H. Guerlac, op. cit., p. 18.
  • [53]
    W. Eamon, Ambix, 27, 204 (1980).
  • [54]
    H. Guerlac, op. cit., p. 19.
  • [55]
    T. Sprat, The history of the Royal Society of London, for the Improving of Natural Knowledge (J. Martyn, London, 1667), p. 257.
  • [56]
    T. Sprat, op. cit., p. 284-306.
  • [57]
    T. Sprat, op. cit., p. 295, p. 302.
  • [58]
    T. Sprat, op. cit., p. 297-298.
  • [59]
    R. Boyle, op. cit., p. (iii)-(iv).
  • [60]
    R. Boyle, op. cit., p. 9-10.
  • [61]
    R. Boyle, op. cit., p. 11, p. 21.
  • [62]
    R. Boyle, op. cit., p. 11-12.
  • [63]
    R. Boyle, op. cit., p. 26-30.
  • [64]
    R. Boyle, op. cit., p. 33.
  • [65]
    R. Boyle, op. cit., p. 242-244.
  • [66]
    R. Boyle, op. cit., p. 41, p. 68.
  • [67]
    R. Boyle, op. cit., p. 88, p. 91, p. 131-132.
  • [68]
    R. Boyle, op. cit., p. 69.
  • [69]
    R. Boyle, op. cit., p. 76.
  • [70]
    R. Boyle, op. cit., p. 84-85.
  • [71]
    R. Boyle, op. cit., p. 87.
  • [72]
    R. Boyle, op. cit., p. 191-192.
  • [73]
    R. Boyle, op. cit., p. 193.
  • [74]
    R. Boyle, op. cit., p. 219-221.
  • [75]
    R. Boyle, op. cit., p. 236-240.
  • [76]
    R. Boyle, op. cit., p. 222-224.
  • [77]
    R. Boyle, op. cit., p. 225.
  • [78]
    R. Boyle, op. cit., p. 226-227.
  • [79]
    R. Boyle, op. cit., p. 227-229.
  • [80]
    A.R. Hall, op. cit., p. 13.
  • [81]
    J. E. McGuire e M. Tamny, op. cit., p. 6.
  • [82]
    H. Guerlac, Isis, 74 , 74 (1983).
  • [83]
    J. E. McGuire e M. Tamny, op. cit.
  • [84]
    I. Newton, Quaestiones Quaedam Philosophicae (1664-1665), Manuscrito MS Add. 3996, Cambridge University Library. Disponível em http://cudl.lib.cam.ac.uk/view/MS-_ADD-_03996/, acesso em 27/7/2014, fol. 89r. Este manuscrito de Newton será citado, neste artigo, indicando a respectiva folha (fol.) do caderno (numerada apenas de um lado) com a adição da letra “r” quando se trata da página anterior da folha (“recto”, em latim) e com a letra “v” quando se trata da página posterior da folha (“verso”, em latim).
    » http://cudl.lib.cam.ac.uk/view/MS-_ADD-_03996/
  • [85]
    I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 99r.
  • [86]
    I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 103v.
  • [87]
    I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 104v.
  • [88]
    I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 105v.
  • [89]
    I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 122r.
  • [90]
    I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 122v.
  • [91]
    I. Newton, Opticks: Or a Treatise of the Reflexions, Refractions, Inflexions and Colours of Light Also two treatises of the species and magnitude of curvilinear figures (Samuel Smith and Benjamin Walford, London, 1704), p. 13-17.
  • [92]
    J.A. Lohne, Centaurus, 6 , 113 (1959).
  • [93]
    I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 123r.
  • [94]
    I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 124r.
  • [95]
    I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 124v.
  • [96]
    I. Newton, op. cit., 1664-1665, fol. 133r-135r.
  • [97]
    R.S. Westfall, op. cit., p. 213.
  • [98]
    R.A. Martins, Filosofia e História da Biologia, 6 , 105 (2011).
  • [99]
    C.C. Silva, in: Atas do V Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia (Sociedade Brasileira de História da Ciência, São Paulo, 1996).
  • [100]
    C.C. Silva e R.A. Martins, in: Atas do V Encontro de Pesquisadores em Ensino de Física (UFMG/CECIMIG/FAE, Belo Horizonte, 1996).
  • [101]
    R. Hooke, Micrographia or Some Physiological Descriptions of Minute Bodies Made by Magnifing Glasses. With Observations and Inquires Thereupon (J. Martyn and J. Allestry, London, 1665), p. 47. Existe uma reimpressão fac-similar (Dover, New York, 1961).
  • [102]
    R. Hooke, op. cit., p. 48, p. 50.
  • [103]
    R. Hooke, op. cit., p. 50.
  • [104]
    R. Hooke, op. cit., p. 53.
  • [105]
    R. Hooke, op. cit., p. 54.
  • [106]
    R. Hooke, op. cit., p. 55.
  • [107]
    R. Hooke, op. cit., p. 57.
  • [108]
    R. Hooke, op. cit., p. 57-58.
  • [109]
    R. Hooke, op. cit., p. 63.
  • [110]
    R. Hooke, op. cit., p. 64.
  • [111]
    R. Hooke, op. cit., p. 65-66.
  • [112]
    R.A. Martins, in: Estudos de História e Filosofia das Ciências: Subsídios para Aplicação no Ensino, editado por C.C. Silva (Livraria da Física, São Paulo, 2006).
  • [113]
    R.S. Westfall, op. cit., p. 143.
  • [114]
    R.S. Westfall, op. cit., p. 163-164.
  • [115]
    A.R. Hall, op. cit., p. 13-21.
  • [116]
    I. Newton, Of Colours (1665-1666). Páginas 1-22 do manuscrito MS Add. 3975, Cambridge University Library. Disponível em http://www.newtonproject.sussex.ac.uk/view/texts/normalized/NATP00004, acesso em 10/09/2014, p. 2.
    » http://www.newtonproject.sussex.ac.uk/view/texts/normalized/NATP00004
  • [117]
    I. Newton, op. cit., 1665-1666, p. 3.
  • [118]
    I. Newton, op. cit., 1665-1666, p. 4.
  • [119]
    R.S. Westfall, op. cit., p. 213.
  • [120]
    I. Newton, op. cit., 1665-1666, p. 9.
  • [121]
    I. Newton, op. cit., 1665-1666, p. 21.
  • [122]
    I. Newton, op. cit., 1665-1666, p. 11.
  • [123]
    I. Newton, op. cit., 1665-1666, p. 12.
  • [124]
    I. Newton, op. cit., 1665-1666, p. 13.
  • [125]
    R.S. Westfall, op. cit., p. 187.
  • [126]
    R.S. Westfall, op. cit., p. 99.
  • [127]
    R.S. Westfall, op. cit., p. 208.
  • [128]
    A.E. Shapiro, in: Before Newton: The Life and Times of Isaac Barrow, editado por M. Feingold (Cambridge University Press, Cambridge, 1990), p. 111.
  • [129]
    R.S. Westfall, op. cit., p. 222.
  • [130]
    R.S. Westfall, op. cit., p. 226.
  • [131]
    A.E. Shapiro, in: The Optical Papers of Isaac Newton. Vol 1: The Optical Lectures (1670-1672) (Cambridge University Press, Cambridge, 1984), p. 14.
  • [132]
    A.E. Shapiro, op. cit., 1990, p. 105-106.
  • [133]
    I. Barrow, Lectiones Opticae et Geometricae (William Godbid, London, 1674), p. vi.
  • [134]
    A.E. Shapiro, op. cit., 1990, p. 113.
  • [135]
    R.S. Westfall, op. cit., p. 207.
  • [136]
    R.S. Westfall, op. cit., p. 206.
  • [137]
    A.E. Shapiro, op. cit., 1990, p. 112.
  • [138]
    R.S. Westfall, op. cit., p. 211.
  • [139]
    A.E. Shapiro, op. cit., 1984, p. 15.
  • [140]
    R.S. Westfall, op. cit., p. 194.
  • [141]
    R.S. Westfall, op. cit., p. 212.
  • [142]
    R.S. Westfall, op. cit., p. 209-211.
  • [143]
    I. Newton, The Optical Papers of Isaac Newton. Vol 1: The Optical Lectures (1670-1672). Editado e traduzido por A.E. Shapiro (Cambridge University Press, Cambridge, 1984).
  • [144]
    A.E. Shapiro, op. cit., 1984, p. 18.
  • [145]
    A.E. Shapiro, op. cit., 1990, p. 113.
  • [146]
    R.S. Westfall, op. cit., p. 161.
  • [147]
    A.E. Shapiro, op. cit., 1990, p. 111.
  • [148]
    J. Gregory, Optica Promota, Seu Abdita Radiorum Reflexorum & Refractorum Mysteria, Geometrice Enucleata (J. Hayes, London, 1663), p. 93.
  • [149]
    A.R. Hall e A. D. C. Simpson, Notes and Records of Royal Society of London 50 , 1 (1996), p. 2.
  • [150]
    R.S. Westfall, op. cit., p. 212.
  • [151]
    H.W. Turnbull, The Correspondence of Isaac Newton Volume I, 1661-1675 (Royal Society; Cambridge University Press, Cambridge, 1959), p. 3.
  • [152]
    R.S. Westfall, op. cit., p. 233.
  • [153]
    I. Newton, op. cit., 1704, p. 75-77.
  • [154]
    H.W. Turnbull, op. cit., p. 53-54.
  • [155]
    H.W. Turnbull, op. cit., p. 62.
  • [156]
    A.E. Shapiro, op. cit., 1990, p. 112.
  • [157]
    H.W. Turnbull, op. cit., p. 72.
  • [158]
    H.W. Turnbull, op. cit., p. 73-75.
  • [159]
    I. Newton, op. cit., 1984, p. 575-593.
  • [160]
    C.C. Silva e R.A. Martis, Revista Brasileira de Ensino de Física 18 , 313 (1996).
  • [161]
    C.C. Silva e R.A. Martins, op. cit., 1996, p. 321.
  • [162]
    F. Bacon, Novum Organum, trad. José Aluysio Reis de Andrade (Abril Cultural, São Paulo, 1973), II, XXXV.
  • [163]
    R. Hooke, op. cit., p. 54.
  • [164]
    J.A. Lohne, Notes and Records of the Royal Society, 23 , 169 (1968).
  • [165]
    C.C. Silva, A Teoria das Cores de Newton: Um Estudo Crítico do Livro I do Opticks Dissertação de Mestrado, Instituto de Física, Unicamp, Campinas, 1996.
  • [166]
    M. Mamiani, Isaac Neweton Filosofo Delle Natura: Le Lezioni Giovanili di Ottica e la Genesi del Metodo Newtoniano (La Nuova Italia Editrice, Firenze, 1976), p. 115.
  • [167]
    R.A. Martins e C.C. Silva, Science & Education 10 , 287 (2001).
  • [168]
    C.C. Silva e R.A. Martins, Ciência & Educação 9 , 53 (2003).
  • [169]
    I. Newton, Philosophical Transactions of the Royal Society 88 , 5102 (1672).
  • [170]
    A.E. Shapiro, in: The Cambridge Companion to Newton, editado por I.B. Cohen e G.E. Smith (Cambridge University Press, Cambridge, 2002).
  • [171]
    I. Newton, in: Isaac Newton: Textos, Antecedentes, Comentários, editado por I.B. Cohen e R.S. Westfall, trad. Vera Ribeiro (EdUerj; Contraponto, Rio de Janeiro, 2002), p. 31-32.
  • [172]
    B.A. Moura e C.C. Silva, Episteme 27 , 15 (2008).
  • [173]
    A.R. Hall, op. cit., p. 69-70.
  • [174]
    I. Newton, op. cit., 2002, p. 48.
  • [175]
    I. Newton, op. cit., 2002, p. 51-52.
  • [176]
    A.R. Hall, op. cit., p. 117.
  • [177]
    B.A. Moura, A Aceitação da óptica Newtoniana no Século XVIII: Subsídios para Discutir a Natureza da Ciência no Ensino Dissertação de Mestrado em Ensino de Ciências, Modalidades Física, Química e Biologia, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 2008, p. 121-127.
  • [178]
    I. Newton, Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (Royal Society, London, 1687), p. 223-235.
  • [179]
    C. Vilain, Revue d’Histoire des Sciences 40 , 311 (1987).
  • [180]
    I. Newton, op. cit., 1687, p. 223-226.
  • [181]
    I. Newton, op. cit., 1687, p. 227-229.
  • [182]
    I. Newton, op. cit., 1687, p. 229-230.
  • [183]
    I. Newton, op. cit., 1687, p. 230-231.
  • [184]
    L. Bobis e J. Lequeux, Journal of Astronomical History and Heritage 11 , 97 (2008).
  • [185]
    I. Newton, op. cit., 1687, p. 231-232.
  • [186]
    A.E. Shapiro, Notes and Records of the Royal Society of London 43 , 223 (1989).
  • [187]
    P. Cuvelier, Revue d’Histoire des Sciences, 30 , 193 (1977).
  • [188]
    C. Huygens, Traité de la Lumiére, oú Sont Expliquées les Causes de ce qui Luy Arrive dans la Refléxion, & dans la Réfraction Et particuliérement dans l’étrange réfraction du cristal d'islande. Avec un discours de la cause de la pesanteur (Pierre van der Aa, Leide, 1690), p. 15. Há uma tradução completa para o português: Tratado sobre a Luz, de Christiaan Huygens. Trad. e notas de Roberto de Andrade Martins. Cadernos de História e Filosofia da Ciência (suplemento 4), 1986.
  • [189]
    C. Huygens, op. cit., 1690, p. vi.
  • [190]
    C. Huygens, Oeuvres Complétes. Tome Neuviéme. Correspondance, 1685-1690 (Martinus Nijhoff, La Haye, 1901), p. 471.
  • [191]
    M. Blay, Revue d’Histoire des Sciences 37 , 127 (1984).
  • [192]
    M. Blay, op. cit., p. 135.
  • [193]
    I.B. Cohen, in: Isaac Newton's Natural Philosophy, editadopor J. Z. Buchwald e I.B. Cohen (MIT Press, Cambridge, MA, 2004), p. 18.
  • [194]
    I.B. Cohen, op. cit., 2004, p. 23-26.
  • [195]
    A.R. Hall, op. cit., 1996, p. 280.
  • [196]
    A.E. Shapiro, op. cit., 2001, p. 47.
  • [197]
    I.B. Cohen, op. cit., 2004, p. 18.
  • [198]
    A.R. Hall, op. cit., 1996, p. 283-284.
  • [199]
    A.R. Hall, op. cit., 1996, p. 279-280.
  • [200]
    A.R. Hall, op. cit., 1996, p. 279.
  • [201]
    I.B. Cohen, op. cit., 2004, p. 19.
  • [202]
    I.B. Cohen, op. cit., 2004, p. 20.
  • [203]
    A.R. Hall, op. cit., 1996, p. 281.
  • [204]
    I. Newton, op. cit., 1704, p. 132. A numeração das páginas desta obra de Newton recomeça após o final da primeira parte do livro (p. 144).
  • [205]
    I.B. Cohen, op. cit., 2004, p. 21.
  • [206]
    A.R. Hall, op. cit., 1996, p. 281-282.
  • [207]
    A.R. Hall, op. cit., 1996, p. 291.
  • [208]
    A.R. Hall, op. cit., 1996, p. 289.
  • [209]
    I. Newton, op. cit., 1704, p. 132-137.
  • [210]
    I. Newton, Optice: Sive de Reflexionibus, Refractionibus, Inflexionibus & Coloribus Lucis, Libri Tres, traduzido por Samuel Clarke (Samuel Smith & Benjamin Walford, London, 1706), p. 293-348.
  • [211]
    I. Newton, Opticks: Or a Treatise of the Reflections, Refractions, Inflections and Colours of Light The second edition, with additions (W. and J. Innys, London, 1718), p. 313-382.
  • [212]
    A.R. Hall, op. cit., 1996, p. 288.
  • [213]
    I. Newton, Opticks: Or a Treatise of the Reflections, Refractions, Inflections and Colours of Light The third edition, corrected (William and John Innys, London, 1721), p. 313-382.
  • [214]
    I. Newton, Lectiones Opticae Annis MDCLXIX, MDCLXX et MDCLXXI in Scholis Publicis Habitae: Et Nunc Primum ex MSS. in Lucem Editae (William Innys, London, 1729).
  • [215]
    I. Newton, Or a Treatise of the Reflections, Refractions, Inflections and Colours of Light The fourth edition, corrected (William Innys, London, 1730), p. 313-382.
  • [216]
    C.C. Silva e B.A. Moura, Science & Education 21 , 1317 (2012).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    02 Fev 2015
  • Aceito
    24 Abr 2015
Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: marcio@sbfisica.org.br