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Luz para o progresso do conhecimento e suporte da vida

(Light to improve knowledge and support life)

Resumos

A Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou 2015 como o Ano Internacional da Luz, reconhecendo a importância das tecnologias à base de luz na humanidade. Neste texto fazemos uma revisão do valor da luz na nossa vida, como o entendimento da luz e da interação da luz com a matéria foi importante tanto para o avanço do conhecimento quanto para a melhoria da nossa qualidade de vida. Aplicações da luz em diversas áreas da saúde serão discutidas, desde o entendimento da visão, até aplicações nas áreas de estética, oncologia e controle ambiental.

Palavras-chave:
luz; interação luz-matéria; visão; cores; biofotônica


The United Nations General Assembly proclaimed 2015 as the International Year of Light, recognizing the significance of light technologies to humanity. In this paper, we review the importance of light in our lives, as the understanding of light and the interaction of light with matter was important for the advancement of knowledge and for the improvement of our life quality. The use of light in many areas of health will be discussed, from the understanding of the vision, to applications in the areas of aesthetics, oncology and environmental control.

Keywords:
light; light-matter interaction; vision; colors; biophotonics


1. Introdução

Costumamos dizer que o “universo é mecânico”, mas além disso ele é colorido e iluminado. Para entendermos o universo é preciso ir além de seu movimento. É preciso enxergar o passado, se fazer presente na química das estrelas e, mais importante ainda, entender nossa redondeza mais próxima. Tanto o movimento como todo o resto só são possíveis de serem vistos e entendidos graças a luz. E só com um melhor entendimento da luz, é que avançamos nosso conhecimento e tiramos da natureza aquilo que precisamos para propor soluções para nossos próprios problemas. A maior parte daquilo que somos ou sabemos, sem exagero, advém da luz.

Com esta grande importância, não é por menos que celebramos em 2015 o ano internacional da luz. Nesse artigo, queremos descrever um pouco da evolução do entendimento da luz como entidade física, suas propriedades e interação com a matéria, atingindo suas mais nobres aplicações criadas pela ciência. Até o “livro dos livros” deixa claro que primeiro veio a luz e depois todo o resto do universo.

Quando falamos de luz, há diversos pontos importantes. Primeiro, toda a luz deve ser produzida, podendo as fontes serem naturais ou artificiais. Uma vez produzida, ela apresenta propriedades que em geral dependeram da forma como foi produzida. Finalmente, temos sua interação com a matéria e as consequências desta interação.

Dentre as fontes de luz, não há dúvida que a mais importante para nós é o Sol. A luz do Sol, produzida através de mecanismos nucleares, percorre uma grande distância até chegar ao nosso planeta, onde encontrando aqui matéria, transforma-se em calor, energia química, dando a vida ao planeta.

Se por alguma razão o Sol interrompesse seu fornecimento de luz, em poucas horas começaria um inverno intenso. Não haveria forma adequada de formarmos moléculas essenciais à vida através das fotoreações, e a partir daí a vida seria extinta. Todos os seres vivos são um “pequeno pedaço” do Sol através da energia química que carregamos. Neste sentido, as civilizações antigas tinham razão ao afirmar que “somos filhos da luz”. A vida hoje, depende integralmente da energia do Sol que chega até nós através da luz por ele emitida. A nossa dependência com a luz é muito mais íntima do que possamos imaginar e neste sentido não podemos entender o mundo ao nosso redor se não entendermos a luz e sua interação com a matéria. Neste artigo, queremos explicar de uma forma mais coloquial os fundamentos da interação luz-matéria e suas principais aplicações. Vamos começar descrevendo a natureza da luz e sua produção seguindo de uma apresentação simples da forma da interação com a matéria e como tais interações levaram ao universo que observamos e muitas outras aplicações.

2. Natureza da luz e sua produção

Por milênios a luz tem sido associada com divindades, tal sua importância. Para os antigos egípcios, a luz teria sido a razão para a vida e o Sol associado com um “Deus” (Rá é o deus do Sol do Antigo Egito, de onde se origina a palavra radiação). Nas escolas gregas, muitos se dedicaram ao entendimento da luz como elemento essencial da natureza. Os mesmos sugeriram ou realizaram demonstrações sobre a manipulação da luz.

A manipulação da luz para melhoria da qualidade de vida do homem, também é milenar. Há relatos de antigos romanos, usando cristais com formas especiais para melhoria da visão ou ampliação da capacidade visual. Na idade média, era das trevas para a parte ocidental da civilização, a luz foi estudada no mundo árabe. Esta foi uma época iluminada para a ciência árabe, que fez grandes descobertas na matemática, medicina e em especial na óptica. Há exatamente 1000 anos (1015 DC) o primeiro compendio de óptica foi publicado pelo árabe Ibn al-Haytham, conhecido no ocidente como Alhazen. Na sua coleção de óptica, contendo vários volumes, os primeiros fenômenos envolvendo luz foram descritos com clareza. Suas observações e ideias geraram as bases de toda a óptica moderna, incluindo a concepção das lentes e das câmaras escuras (Fig. 1); bem como ampliação de imagens através de espelhos curvos.

Figura 1
Princípio básico da câmera escura estudado por Ibn al-Haytham.

Todas essas ideias acabaram por gerar as condições para o grande florescimento do tópico durante a Renascença. Neste período grandes personalidades como Descartes, Newton, Huygens e outros tornaram a área uma das mais importantes em toda a ciência. De qualquer forma, é importante salientar que os pilares deste sucesso foram estabelecidos pelo mundo árabe ao longo de vários séculos. O florescimento da Óptica com a Renascença tem uma importante característica, pois permitiu o aparecimento de diversas aplicações como os telescópios, microscópios, óculos pessoais, dentre outros. Este período também despertou o interesse para a luz propriamente dita. Qual é a natureza da luz? Este questionamento passou a ser uma preocupação na mente de diversos pensadores. Os primeiros avanços consistiram em verificar que a velocidade da luz é finita. As tentativas de Galileu para a medida da velocidade da luz não foram bem-sucedidas por limitações técnicas. As técnicas que foram mais bem-sucedidas devem-se a Louis Fizeau e a Leon Foucault. A roda dentada girando de Louis Fizeau, representou um grande avanço técnico para a medida da velocidade da luz. Valores originalmente medidos revelaram valores da ordem de 300 mil km/s. A finitude da velocidade da luz a tornou mais palpável do ponto de vista científico. Sua natureza, no entanto, continuava uma incógnita. Newton, como bom “mecanicista” procurava explicar a natureza da luz como composta de partículas carregando velocidade, mas não massa [1[1] R.A. Llewellyn e P. Tipler Física Moderna (LTC Editora, São Paulo, 2010)., 2][2] B. Jaffe, Michelson e a Velocidade da Luz (EDART, São Paulo,1967)..

Leis básicas sobre o comportamento da luz como reflexão e refração podiam ser explicadas. Alternativa a interpretação da luz como constituída de partículas, nascia a interpretação ondulatória para a luz. Baseado em efeitos que ocorrem com ondas como interferência e difração, facilmente observadas em ondas mecânicas como na água ou em cordas, e também presente na luz, surgiu a proposta que a luz deveria ser um fenômeno ondulatório. Este foi tema de grandes debates até que experimentos e teorias de Francesco Maria Grimaldi, Christiaan Huygens, Thomas Young foram capazes de convencer todos que a luz corresponde de fato a um fenômeno ondulatório. Apenas considerando a luz como ondas, houve um elevado avanço no seu entendimento e suas aplicações. O modelo proposto por Huygens permitiu formular um modelo para propagação das frentes de onda e a ocorrência de diversos efeitos relacionados com reflexão, refração e difração. Para Huygens, uma frente de luz que se propaga é constituída de inúmeras ondas parciais e expandido dos diversos pontos formam a frente de onda caminhante ao encontrar uma interface há um desvio de direção (refração) ou se o meio não permite a penetração da onda, ocorre a reflexão. Quando a frente de onda encontra obstáculos as ondas parciais localizadas na borda do objeto não mais têm o restante para compor a frente de onda original, promovendo a propagação da onda na região geometricamente proibida. Isto permite, de alguma forma que a onda contorne o objeto num fenômeno chamado difração. Finalmente quando temos duas fendas no caminho da frente de onda, ocorre uma difração em cada uma, havendo uma soma que dependendo da posição produz máximos e mínimos gerando o chamado padrão de interferência [3][3] H.M. Nussenzveig, Física Geral (Editora Edgard Blücher, São Paulo, 2013)..

A ocorrência e explicação de todos estes fenômenos foram totalmente convincentes para demostrar a característica ondulatória da luz. Restava agora explicar: que tipo de onda era esta? Muitas décadas se passaram até que fosse possível entender a natureza das ondas que constituem a luz. Foi James Clark Maxwell que conseguiu vencer esse mistério. Combinando praticamente todo conhecimento existente na época, sobre eletricidade e magnetismo, Maxwell pode verificar que havia a possibilidade de se ter uma onda composta tanto de eletricidade como de magnetismo caminhando livremente no espaço, mesmo na ausência completa de cargas elétricas ou correntes elétricas. O mais impressionante de tudo é que esta onda, chamada de onda eletromagnética pela sua composição tinha velocidade de propagação que coincidia com a velocidade da luz. Maxwell imediatamente associou a luz com uma onda eletromagnética [3][3] H.M. Nussenzveig, Física Geral (Editora Edgard Blücher, São Paulo, 2013).. Na Fig. 2 ilustramos a propagação de uma onda eletromagnética.

Figura 2
Ilustração da propagação de uma onda eletromagnética.

Tudo parecia fantástico e a luz parecia ser composta de eletricidade e magnetismo. E isto foi verificado através de experimentos diversos, incluindo o efeito fotoelétrico. Que mostra que quando a luz incide sobre um metal, a natureza elétrica da luz parecia ser capaz de trabalhar sobre as cargas livres do metal ejetando elétrons. A natureza eletromagnética da luz é um dos grandes marcos da ciência. Com este entendimento, saímos literalmente da escuridão e passamos a entender melhor todos os fenômenos envolvendo luz bem como adquirimos domínio sobre ela para dar início a uma nova era de aplicações da luz [3][3] H.M. Nussenzveig, Física Geral (Editora Edgard Blücher, São Paulo, 2013)..

Obviamente, com esta descoberta, a luz passou a ser entendida cientificamente. A natureza eletromagnética da luz não é o fim da história, sua natureza corpuscular reabre todas as questões e dá origem à chamada natureza quântica da luz, onde o fóton é o principal protagonista. Mesmo com mais este avanço, ainda não se conclui a história. O fóton ainda não é totalmente entendido. Quanto mais o compreendemos através de experimentos e teorias, mais descobrimos que ainda há muito a ser entendido. Esta é realmente uma história sem fim.

3. A interação da luz com a matéria

Com a concepção eletromagnética para a luz, o entendimento de sua interação com a matéria torna-se mais fácil e compreensível. Vamos fazer aqui um modelo simplificado a fim de podermos explicar o que ocorre nesta interação. Comecemos lembrando que toda matéria ao nosso redor é constituída de cargas. A natureza atômica da matéria, amplamente discutida e entendida, nos faz olhar a interação da luz ao nível atômico e molecular. Do fato que a matéria é feita de cargas e que a luz é composta de campos, combinam todos os ingredientes para enxergarmos a intimidade desta interação. Os campos elétricos e magnéticos que constituem a luz interagem com as cargas e trabalham sobre elas para que ali seja depositado energia é o fundamental desta interação.

Numa visão mais simples, a matéria é vista como elétrons em órbitas ao redor dos núcleos. Esta visão orbital para a composição de cargas da matéria deve ser livremente corrigida no espírito da mecânica quântica, e ao invés de imaginar o elétron ao redor do núcleo em orbitas bem determinadas, preferimos olhar o elétron como uma nuvem de carga negativa ao redor do núcleo. Esta nuvem de carga, define as chamadas órbitas atômicas. Uma das grandes consequências da natureza quântica da matéria é que apenas determinadas distribuições para essa nuvem atômica é que são permitidas. Quando dois átomos se aproximarem, essa nuvem eletrônica ao redor de cada um adquire uma nova configuração de compartilhamento, dando origem às chamadas ligações químicas. Toda química que ocorre ao nosso redor bem como toda forma estrutural das coisas é consequência direta destes arranjos de carga. Como toda matéria tem estas configurações de carga, dando a ela suas características específicas, toda radiação eletromagnética interage com a matéria de uma forma mais ou menos pronunciada. Quando os campos oscilantes da luz atingem a matéria, o campo elétrico age diretamente deslocando a nuvem de carga. A força que o campo é capaz de transferir as cargas, nem sempre é suficiente para vencer as forças com que os núcleos (positivo) seguram estas cargas. Nesta situação, a famosa força elétrica (F = q.E) apenas promove uma oscilação ou chacoalhamento destas cargas. Este chacoalhamento das cargas também produz campos oscilatórios, exatamente como a luz e, portanto, as cargas oscilantes tiram energia da luz incidente e colocam em todo espaço num processo chamado de “espalhamento”. Este processo, de forma simplificada, está representado na Fig. 3, onde ao passar pelos átomos o campo eletromagnético perturba as nuvens eletrônicas.

Figura 3
Ilustração da perturbação da nuvem eletrônica pelo campo eletromagnético.

Em alguns casos, a energia que a luz é capaz de transferir à nuvem eletrônica é tão intensa, que é suficiente para mudar por completo a distribuição da nuvem eletrônica, levando de uma configuração estável (orbital atômico inicial) para outro estável (orbital atômico final). Nesta situação, ocorre uma mudança de distribuição de carga, entre as várias permitidas pela mecânica quântica. Temos neste ponto a ocorrência do chamado “espalhamento ressonante” ou transição eletrônica de estado. Com a ocorrência da transição, a energia do campo eletromagnético não foi apenas espalhada para as outras direções, ela realmente ficou acumulada na nova distribuição de cargas eletrônicas na matéria. Ela fica lá como energia potencial eletrônica armazenada. Nesta situação dizemos que a matéria (através de seus átomos e moléculas) está excitada. Ocorre que esta nova distribuição de cargas, não é tão estável quanto a primeira e, por qualquer perturbação infinitésima, retorna à situação original. Porém, voltando à distribuição original, toda a diferença de energia entre as duas distribuições é devolvida novamente ao espaço na forma de radiação eletromagnética exatamente pelo processo inverso.

Este processo que acabamos de descrever é chamado de “emissão espontânea” de radiação pela matéria e só pode ocorrer quando a matéria estiver eletronicamente excitada. Este processo todo está esquematicamente representado na Fig. 4. A luz que podemos enxergar nesta “dexcitação”, caracteriza muito a matéria e normalmente é chamado de processo de fluorescência. Para a maioria da matéria os átomos não estão isolados, mas ligados uns aos outros, formando as moléculas, cadeias moleculares mais complexas, ou mesmo sólidos. Tudo ao nosso redor, tem essa constituição. Quando a luz interage com a matéria através da transferência de energia pela interação com as cargas, como vimos, chacoalhando as cargas que formam as ligações químicas também transferimos movimento para os núcleos dos átomos. O núcleo é a parte massiva da matéria e com o chacoalhamento ou excitação da parte eletrônica, eles também adquirem movimento passando a ter agora movimentos oscilatórios. Estes movimentos das massas nucleares são chamados de vibração molecular e no caso de corpos sólidos, constituem os chamados fônons vibracionais. Este movimento mecânico das massas é o que chamamos de “energia térmica”, e a quantidade acumulada na matéria é medido pela temperatura.

Figura 4
Ilustração da transferência de energia da radiação para um átomo.

O mecanismo que acabamos de descrever é a visualização de como radiação eletromagnética (luz) se converte em calor aquecendo a matéria. É desta forma que a luz do Sol é capaz de aquecer o planeta. Calor é energia mecânica, e o Sol não manda calor direto à Terra, o Sol manda luz a Terra, que interagindo com a matéria vira calor. Este é um mecanismo fundamental para toda a vida do planeta. Ao colocarmos um objeto escuro na luz (do Sol, por exemplo), ele aquece acumulando energia térmica através dos mecanismos que discutimos. A conversão da energia eletromagnética da luz em calor está mostrada no esquema da Fig. 5.

Figura 5
Ilustração da conversão da energia eletromagnética da luz em calor.

Quando a luz interage com a matéria promovendo alteração na distribuição de cargas eletrônicas, seja em átomos ou moléculas isoladas, diversos fenômenos podem ocorrer. A luz pode ser espalhada, absorvida, pode virar calor nesta absorção, pode emitir novamente luz, pode transferir esta energia para outra molécula, (que agora fica com nova distribuição de carga), pode promover a variação estrutural das moléculas, dentre outros muitos fenômenos. Há uma situação onde transferimos tanta energia para a nuvem eletrônica, que a força dos campos de radiação sobre as cargas vence a força que quer manter as cargas na matéria. Nesta situação, elétrons são removidos no processo que chamamos de ionização, ou mais precisamente, fotoionização. Se isto ocorrer numa molécula, a remoção de carga torna o balanço estrutural da molécula comprometido. Se por acaso forem moléculas responsáveis pela reprodução da vida, a mudança de estrutura pode promover a chamada mutação. É por esta razão que temos que evitar a exposição de seres vivos a radiações ionizantes.

Quando a matéria interage com a luz a reatividade das moléculas pode variar. A luz pode ser o elemento que falta para viabilizar certas reações como na fotossíntese e em outras muitas. São exatamente os mecanismos de interação da luz que criam o mundo que vemos e mais um grande número de aplicações.

4. Como enxergamos o mundo?

Vamos usar tudo que aprendemos até aqui para discutir a visão e as sensações. Claro que para enxergarmos os objetos é necessário detectar a luz que eles são capazes de enviar para nossos olhos. Ao chegar aos nossos olhos, a luz passa por uma estrutura capaz de manipular a direção da luz (óptica geométrica) até chegar ao fundo do olho onde estão moléculas que interagem com a luz como descrito (cargas excitadas), promovendo reações e geração de sinais que chegam ao nosso cérebro para a devida interpretação. Temos dois tipos de células no fundo do olho, os chamados bastonetes e os cones, que têm composição bioquímica diferente. Há três tipos de cones, cada um detecta primordialmente uma cor, através dos processos de interação com a luz, descritos anteriormente. Enquanto que os bastonetes são responsáveis pela detecção de luminosidade [4][4] R.M. Boynton, Human Color Vision (OSA, Washinton, 1979).. A Fig. 6 mostra a curva de sensibilidade de cada dessas células que temos em nosso olho.

Figura 6
Curvas de sensibilidade dos cones e bastonetes do olho humano em função do comprimento de onda (cor).

Devido a essa característica do olho humano, estas três cores são chamadas de primárias e constituem a base de nossa sensação de cor. O interessante ocorre quando dois cones são simultaneamente excitados. Se de um único lugar do espaço estiver sendo mandado ao olho duas cores primárias, a sensação que temos é completamente diferente, dando origem às cores secundárias. Assim verde + vermelho forma a sensação de amarelo, verde + azul o ciano e vermelho + azul a magenta [4][4] R.M. Boynton, Human Color Vision (OSA, Washinton, 1979).. Esta combinação de cores é famosa quando misturamos as cores primárias como mostrado na Fig. 7.

Figura 7
Combinação das cores primárias.

Se tomarmos a região onde as três cores primárias se sobrepõem formamos a sensação de branco. Se você tomar um objeto branco e iluminar com luz verde e vermelha simultaneamente ele torna-se amarelo. Não devemos confundir os fatos. A cor amarela existe, basta você olhar para os postes de rua com lâmpadas a vapor de sódio para ver o amarelo. No espectro da radiação eletromagnética a cor amarela tem uma frequência (ou comprimento de onda) bem característica. No entanto, para que nós humanos tenhamos a sensação de amarelo não necessariamente aquela frequência da radiação precisa estar presente. Esta é a distinção entre cores e sensação de cores. Assim, quando nós humanos vemos um objeto de certa cor, ele não necessariamente está nos enviando aquela frequência, pode ser uma combinação de frequência que termina com aquela sensação.

5. A biofotônica

Que a luz é importante para a vida, não precisamos mais convencê-lo. A questão é: além de tudo isto ainda há mais? A resposta é sim, e o número de aplicações das ciências da vida envolvendo luz é praticamente inesgotável. O tópico é tão importante, que recebe um nome para si: biofotônica. Trata-se da interação da luz com células a fim de podermos diagnosticar doenças ou mesmo tratá-las. Todo o fundamento disto já foi fornecido anteriormente ao explicarmos como a luz interage com a matéria, a excitação eletrônica permite depositar calor no tecido biológico, ou mesmo tornar as moléculas mais reativas, alterando o metabolismo natural, ou ainda podemos coletar a luz reemitida pelo tecido biológico e utilizá-lo como uma impressão digital das biomoléculas ali presentes, fato que pode diagnosticar uma doença, como câncer ou outra [5][5] P.N. Prasad, Introduction To Biophotonics (John Wiley & Sons, Hoboken, 2003)..

De fato, tudo isto é utilizado em muitas situações, a luz interagindo com o sistema biológico muda a reatividade das moléculas alterando o metabolismo. Se esta alteração for feita com sabedoria podemos acelerar ou retardar reações biológicas que demorariam muito a ocorrer. Desta forma, a chamada fototerapia tem permitido acelerar a cicatrização, aliviar a dor, estimular a regeneração óssea durante fraturas e muitas outras aplicações. Pesquisadores desenvolvem equipamentos específicos para promover, de forma eficiente estas fototerapias, cuja base é uma complexa fotoquímica. Mais recentemente, descobriu-se, inclusive, que uma fototerapia pode contribuir para a otimização da perda de peso durante o exercício físico, redirecionando o metabolismo celular. Esta parte chama-se moto-fototerapia, e deverá ser um grande sucesso num futuro próximo [6[6] C. Ferraresi, R.V. dos Santos, G. Marques, V.S. Bagnato, N. Parizoto et al., Lasers in Medical Science 30, 1281 (2015)., 7][7] A.R. Paolillo, F.R. Paolillo, J.P. João, V.S. Bagnato, N. Parizotoet al., Lasers in Medical Science 30, 279 (2015)..

A luz emitida pelas moléculas também constitui uma excelente forma de saber as características dos tecidos biológicos. Este princípio constitue as bases do chamado fotodiagnóstico. O corpo humano é um organismo vivo formado por diversos sistemas, tais como sistema respiratório, digestivo, entre outros. Cada sistema é então formado por um conjunto de órgãos específicos, sendo que cada órgão é composto por um ou mais tecidos. Os tecidos biológicos por sua vez são formados por agregados de células de mesmo ou de diferentes tipos e pela matriz extracelular, composta por proteínas e açúcares, que mantêm as células coesas, constituindo o arcabouço tecidual. Dentro de cada célula temos várias organelas que são formadas por moléculas e átomos, dividindo-a em compartimentos com diferentes morfologias e funções. Quando alguma doença começa a se desenvolver ocorrem mudanças nas condições do tecido biológico, incluindo alterações bioquímicas e estruturais. Essas mudanças alteram a forma como a luz interage com o tecido, alterando suas propriedades ópticas (absorção, espalhamento, fluorescência, etc.). Assim avaliando os fenômenos dessa interação podemos avaliar se alterações biológicas que estão ocorrendo em nosso organismo [8[8] R.R. Allison, R. Cuenca, G.H. Downie, M.E. Randall, V.S. Bagnatoet al., Photodiagnosis and Photodynamic Therapy 2, 51 (2005).10][10] S. Pratavieira, C.T. Andrade, A.G. Salvio, V.S. Bagnato and C. Kurachi, Optical Imaging as Auxiliary Tool in Skin Cancer Diagnosis (InTech - Open Access Publisher, Rijeka, 2011).. Na Fig. 8, uma imagem tradicional de uma lesão e uma imagem de fluorescência ilustra o processo de fotodiagnóstico. A imagem de fluorescência revela mais detalhes sobre as características da lesão.

Figura 8
Imagem de luz branca (esquerda) e de fluorescência (direita) de um carcinoma basocelular.

Há também a possibilidade da adição de certas substâncias, que permite criar uma modalidade terapêutica fascinante, que é a chamada terapia fotodinâmica [11][11] D.P. Ramirez, C. Kurachi, L. Pires, H. Buzzá, N.M. Inada, V.S. Bagnato et al., Photodiagnosis and Photodynamic Therapy 11, 22 (2014)., [12][12] V.S. Bagnato, C. Kurachi, J. Ferreira, L.G. Marcassa, C.H. Sibata and R.R. Allison, Photodiagnosis and Photodynamic Therapy 2, 107 (2005).. Nesta técnica, adiciona-se ao tecido biológico uma molécula extra (seja por injeção, aplicação tópica ou oral). Quando esta molécula é iluminada por uma luz de cor específica, ela acumula energia, mudando os orbitais, criando uma distribuição de cargas que pode facilmente transferir esta energia para as moléculas de oxigênio (O2), criando uma espécie de oxigênio muito reativa, chamada de oxigênio singleto. Esta molécula reativa também tem uma distribuição de carga instável para seus elétrons, oxidando praticamente qualquer biomolécula como proteínas, dentre outras. O resultado disto é que quando esta espécie reativa é produzida, ela destrói tudo ao seu redor, levando aquela parte do tecido à morte. Por matar eficientemente as células aonde o mecanismo ocorreu, a técnica é muito boa para matar tumores ou microrganismos (bactérias, fungos e vírus) [13][13] V.S. Bagnato, Terapia Fotodinâmica Dermatológica: Programa TFD Brasil (Compacta Gráfica e Editora, São Carlos, 2015)., [14][14] B.C. Wilson, Biophotonics (Springer, Berlin, 2008).. A ilustração da Fig. 9 mostra um esquema do princípio da técnica fotodinâmica, e a Fig. 10 ilustra um caso tratado com essa técnica.

Figura 9
Um tecido sadio (a), devido a diversos fatores, pode evoluir e apresentar uma lesão (b). Essa lesão pode ser tratada através da Terapia Fotodinâmica, onde incialmente se aplica o fotossensibilizador (c), logo após se ilumina a lesão (d) e a interação da luz com a molécula fotossensível causa oxidação de várias moléculas da lesão, resultando em um tecido necrosado (e). Após um tempo o organismo elimina as células mortas e as células saudáveis se reproduzem e o tecido volta ao normal (f).
Figura 10
Foto de um paciente com carcinoma basocelular na região do rosto (a). Nesta região procedimentos cirúrgicos são difíceis de serem realizados. Neste caso, foi aplicado o fotossensibilizador e iluminado com luz laser (b), após 15 dias somente as células do carcinoma está com mortas (c), a após um ano o tecido voltou ao normal (d).

Outro uso interessante de fotossensibilizadores é no controle de vetores de doenças, tais como o mosquito Aedes aegypti transmissor do vírus da dengue. A ideia dessa técnica é colocar essa molécula em condições para que as larvas do mosquito as ingiram. Após essa ingestão, começa a ocorrer dentro da larva a interação da luz com o fotossensibilizador, resultando na morte da larva. Para a eliminação da larva é necessário apenas uma pequena quantidade da molécula, assim a técnica é totalmente segura para animais domésticos, bem como para o homem. A molécula também é fotodegradada pela luz, assim após um período ela desaparece do ambiente sem deixar impactos [15[15] L.M. de Souza, S. Pratavieira, N.M. Inada, C. Kurachi and V.S. Bagnato, Cells, and Tissues 12, 8947 (2014).17][17] V. Karunaratne, A. Wickramasinghe, A. M.C. Herath, P.H. Amarasinghe and S.H.P. Karunaratne, Current Science 89, 170 (2005).. Na Fig. 11, ilustramos esse procedimento.

Figura 11
Ilustração do procedimento para controle de vetores. Nos recipientes com água onde existem larvas podemos aplicar a molécula de fotossensibilizador (pontos vermelhos), essa molécula é então ingerida pelas larvas (larvas em vermelho). Com a ativação pela luz (Sol ou outra) iniciam-se reações fotoquímicas que induzem a morte da larva.

6. Conclusões

Como vemos, não faltam razões para entendermos bem a luz, sua interação com a matéria e todas suas consequências. Da mesma forma que a luz é fundamental para manter a natureza funcionando e gerando vida, ela também pode ser usada de forma adicional para resolver problemas e tornar a vida de todos melhor. Sem entender como a luz tem seus mecanismos básicos de conversar com a matéria viva, ou não, não poderíamos entender o universo maravilhoso que nos rodeia.

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio financeiro processo n. 2013/07276-1, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    23 Jun 2015
  • Aceito
    05 Jul 2015
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