Acessibilidade / Reportar erro

Transistores de alta mobilidade eletrônica (HEMTs): Princípios de operação e características eletrônicas

(High-electron mobility transitors (HEMTs): Principles of operation and electronic characteristics)

Resumos

O ensino de física dos dispositivos semicondutores é absolutamente fundamental para o desenvolvimento da microeletrônica. Contudo, cursos introdutórios nesta área muitas vezes se limitam a apresentar modelos analíticos excessivamente simplificados, que possibilitam uma compreensão intuitiva, mas incapazes de captar toda a complexidade dos dispositivos atuais. De outro lado, em cursos mais avançados, modelos numéricos rigorosos são desenvolvidos mas a visão mais intuitiva é por vezes perdida. Neste trabalho, buscamos contribuir para que o iniciante seja capaz de realizar a conexão entre as duas abordagens (modelagem analítica vs. numérica). Para tal, desenvolvemos, do ponto de vista didático, um estudo relativo às características eletrônicas de Transistores de Alta Mobilidade eletrônica (HEMTs), comparando resultados obtidos com modelos analíticos simplificados com aqueles fornecidos por uma modelagem numérica rigorosa, baseada no método das diferenças finitas. Os resultados são confrontados com resultados experimentais disponíveis, e são estabelecidas as condições de validade do modelo analítico.

Palavras-chave:
transistores de efeito de campo; poços quânticos; HEMTs; MODFETs


The teaching of semiconductor devices physics is absolutely fundamental to the development of microelectronics. However, introductory courses in this area are frequently limited to report over-simplified analytical models which allow intuitive understanding, but are unable to capture the full complexity of today’s devices. On the other hand, in more advanced courses, accurate numerical models are developed, but the most intuitive view is sometimes lost. In this work, we seek to contribute in order to allow the beginner to make the connection between the two approaches (numerical vs. analytical modeling). To this end, we have developed a study on the electronic characteristics of High Electron Mobility Transistors (HEMTs), comparing results obtained with a simplified analytical models with those provided by an accurate numerical modeling, based on the finite difference method. The results are compared with available experimental results and the validity conditions for the analytical model are established.

Keywords:
field effect transistors; quantum wells; HEMTs; MODFETs


1. Introdução

Desde a invenção do transistor em 1948, dispositivos semicondutores cada vez mais velozes e eficientes têm sido propostos e implementados. Todavia, mais recentemente um avanço fundamental para o desenvolvimento de dispositivos de alto desempenho foi introduzido com o surgimento das técnicas de fabricação baseadas em crescimento epitaxial, dentre as quais o MBE (Molecular Beam Epitaxy) e MOCVD (Molecular Organic Chemical Vapour Deposition). A intensidade da mudança decorrente pode ser resumida no conceito de Engenharia de Banda Proibida: “arranjo pré-determinado de materiais distintos com o objetivo de projetar um dispositivo com características de desempenho que não podem ser atingidas com uma homoestrutura, composta por um único material” [1][1] C. Weisbuch and B. Vinter, Quantum Semiconductor Structures: Fundamentals and Applications (Academic Press, London, 1991)..

O primeiro dispositivo eletrínico de heterojunção foi proposto por Shockley ainda em 1951 [2][2] W. Shockley, U.S. Patent No. 2569347 (1951).. Em 1957, H. Kroemer, prêmio Nobel de Física do ano 2000, exatamente pelo seu trabalho em heteroestruturas, publicou artigo seminal sobre os Transistores Bipolares de Heterojunção - HBTs (Heterojunction Bipolar Transistors) [3][3] H. Kroemer, in Proc. IRE, 45 , 1535 (1957).. Já em 1969, Esaki e Tsu [4][4] L. Esaki and R. Tsu, IBM Int. Report RC-2418 (1969). desenvolveram um estudo teórico à respeito de uma sequência de heterojunções, denominada super-rede de dopagem modulada, na qual somente o material de maior banda proibida seria dopado (vide Fig. (1)). Portanto, doadores ionizados e portadores eletrônicos estariam espacialmente separados, o que levaria à uma redução no espalhamento Coulombiano, com valiosas implicações no que diz respeito ao projeto de dispositivos semicondutores de alto desempenho.

Figura 1
Super-rede de dopagem modulada baseada em uma sequência de heterojunções de AlGaAs/GaAs, onde somente as regiões de AlGaAs são dopadas com átomos doadores. Sinais positivos indicam os doadores ionizados enquanto os negativos indicam os elétrons transferidos. Se os parâmetros da estrutura são escolhidos corretamente, todos os elétrons livres se localizarão em um gás eletrônico bi-dimensional nas interfaces AlGaAs/GaAs.

Todavia, a tecnologia da época não permitia a implementação prática dos dispositivos citados acima, o que se tornou possível somente em meados da década de 70, com o advento das técnicas de crescimento epitaxial mencionadas anteriormente. A super-rede de dopagem modulada foi demonstrada pela primeira vez, por Dingle e colaboradores [5][5] R. Dingle, H.L. Stormer, A.C. Gossard and W. Wiegmann, Appl. Phys. Lett. 38 , 665 (1978).. Neste caso, trata-se de uma heteroestrutura do sistema de materiais AlGaAs/GaAs. Uma vez que a banda de condução do Arseneto de Gálio apresenta uma energia menor que o nível doador no AlGaAs, elétrons que possuam suficiente energia térmica para atingir a banda de condução irão se transferir do AlGaAs para o GaAs. Este processo de transferência satisfaz a condição de equilíbrio expressa pelo nível de Fermi constante ao longo da heterojunção acompanhado de aumento no campo elétrico e encurvamento do diagrama de bandas na região adjacente à interface AlGaAs/GaAs (Fig. (1)). O resultado é a formação de um poço de potencial quasi-triangular, no qual os elétrons transferidos estarão confinados na direção perpendicular à interface, formando assim um gás eletrônico bidimensional (Two-Dimensional Electron Gas: 2-DEG).

O Transistor de Alta Mobilidade eletrônica (HEMT - High Electron Mobility Transistor), cuja primeira implementação foi realizada pela Fujitsu em 1980 [6][6] T. Mimura, S. Hiyamizu, T. Fujii and K. Nanbu, Japan. J. Appl. Phys. 19 , 225 (1980)., pode ser considerado uma evolução natural da super-rede de dopagem modulada. O dispositivo é também conhecido como TEGFET (Two-Dimensional Electron Gas Field-Effect Transistor), MODFET (Modulation-Doped Field-Effect Transistor) ou ainda SDHT (Selectively-Doped Heterojunction Field-Effect Transistor). De forma geral todas estas denominações referem-se à estrutura de camadas ou à alguma propriedade eletrônica do transistor.

O dispositivo (Fig. (2)) é, em diversos aspectos, similar à um MOSFET (Metal-Oxide-Semiconductor Field Effect Transistor) de canal tipo-n, sendo constituído, todavia, por diversas camadas de semicondutores compostos, ao invés de silício. Especificamente, na versão mais básica do dispositivo, o substrato de silício é substituído por uma camada de GaAs epitaxial não dopada enquanto o óxido de silício é substituído por uma camada de AlGaAs tipo- n. A concentração de portadores no canal 2-DEG na interface AlGaAs/GaAs pode ser alterada através da aplicação de um potencial externo na barreira Schottky de porta (ou gate, como denominado na nomenclatura em inglês). Como consequência, a corrente de saída entre os terminais de dreno e fonte, que atravessa o canal 2-DEG (linha pontilhada na (Fig. (2)) quando uma tensão positiva é aplicada ao contato ôhmico de dreno, é também alterada pela barreira Schottky. Portanto, do ponto de vista externo, o HEMT se comporta como um FET convencional, onde a corrente Ids entre os terminais de fonte e dreno é controlada pela tensão aplicada entre os terminais de porta e fonte, Vgs.

Figura 2
Seção reta de um HEMT de AlGaAs/GaAs.

De fato, comparando o HEMT com o MESFET (Metal-Semiconductor Field Effect Transistor) observa-se que ambos os transistores podem ser entendidos como fontes de corrente controladas por tensão, nas quais pequenas variações na tensão de porta causam grandes alterações na corrente de dreno de saída. Todavia, no MESFET o canal de condução é uma camada semicondutora uniformemente dopada. Elétrons e doadores coexistem na mesma região espacial e interagem através do potencial Coulombiano. A necessidade de manter constante o nível de corrente elétrica ao longo das sucessivas gerações de circuitos integrados obriga a que, na medida que as dimensões dos dispositivos sejam reduzidas, os níveis de dopantes sejam aumentados. Isto leva à uma intensificação do espalhamento por impurezas ionizadas e à uma degradação de desempenho, causando sérios desafios tecnológicos. A vantagem do HEMT é, portanto, a possibilidade de alojar uma alta densidade de portadores (em torno de 1012 elétrons por cm−2) em um gás eletrônico bi-dimensional (o canal 2-DEG), isto é, em uma região extremamente fina (80Å) e muito próxima ao eletrodo de porta, ao mesmo tempo assegurando excelentes propriedades de transporte eletrônico, devido à redução da interação entre portadores e átomos doadores.

Uma sequência de camadas típica para um HEMT de AlGaAs/GaAs consiste de 1μm de GaAs epitaxial não-dopado crescido diretamente sobre o substrato semi-isolante, 400 Å de Al0.3Ga0.7As dos quais os primeiros 50 Å são mantidos intrínsecos e os restantes 350 Å são dopados tipo-n em uma concentração de 1018 cm−3. Segue-se uma camada de GaAs altamente dopada, denominada usualmente cap layer. A presença desta camada tem como objetivo prevenir a oxidação da camada de AlGaAs e possibilitar a fabricação de contatos ôhmicos de boa qualidade, sendo em parte retirada quando da corrosão de um recesso até a camada de AlGaAs, para deposição do contato Schottky de porta, conforme indica esquematicamente a Fig. (2).

Embora a primeira geração de HEMTs de micro-ondas tenha sido baseada no sistema de materiais AlGaAs/GaAs conforme descrito acima, diversas outras estruturas têm sido pesquisadas. O HEMT pseudomórfico difere do HEMT convencional (Fig. (2)) devido ao fato de que uma camada de InGaAs é inserida entre a camada AlGaAs dopada e a camada GaAs, que funciona como buffer. O dispositivo é, portanto, baseado em uma heterojunção AlGaAs/InGaAs com os elétrons localizados na camada InGaAs não dopada. Os materiais que compõe a heterointerface possuem constante de rede bastante diferentes; para uma porcentagem típica de 15% de Índio o descasamento de constante de rede é da ordem de 1%. Com isso, a camada InGaAs deve ser mantida suficientemente fina (100Å) a fim de evitar o surgimento de defeitos e deslocações.

Tomados estes cuidados, os benefícios da utilização do material InGaAs como canal condutor, demonstrados já em meados da década de 80 [7][7] T. Henderson, M.I. Aksun, S.K. Peng, H. Morkoç P.C. Chao, P.M. Smith, K.H.G. Duh and L.F. Lester, IEEE Electron Device Lett. 7 , 649 (1986)., advém das melhores propriedades de transporte do InGaAs em comparação com o GaAs, bem como do melhor confinamento dos portadores devido à maior descontinuidade de banda de condução. Portanto, o passo lógico seguinte foi o desenvolvimento de dispositivos baseados no sistema de materiais InAlAs/InGaAs, agora sobre um substrato de InP, onde a fração molar de In no canal é mantida em 53% a fim de assegurar casamento entre as constantes de rede dos diversos materiais de compõe a sequência de camadas do dispositivo. HEMTs baseados nesta tecnologia apresentam desempenho em alta frequência melhor do que qualquer outro componente de estado sólido, e vêm causando profundo impacto em sistemas de micro-ondas e ondas milimétricas. De fato, resultados já apresentados na literatura incluem circuitos integrados oferecendo amplificação de sinais em frequências superiores a 650 GHz [8][8] W. Deal, X.B. Mei, K. Leong, V. Radisic, S. Sarkozy and R. Lai, IEEE Trans. Terah. Sci. Technol. 1 , 25 (2011). bem como a utilização do HEMT como plataforma para detecção de radiação eletromagnética na faixa de THz [9][9] A. El Moutaouakil, T. Suemitsu, T. Otsuji, D. Coquillat and W. Knap, in: 35th. International Conference on Infrared, Milimeter and Terahertz Waves, Roma, 2010..

O ensino de física dos dispositivos semicondutores avançados como o HEMT é absolutamente fundamental para o desenvolvimento da microeletrônica. Contudo, cursos introdutórios nesta área muitas vezes se limitam a apresentar modelos analíticos excessivamente simplificados, que possibilitam um entendimento intuitivo, mas são incapazes de captar toda a complexidade dos dispositivos atuais. De outro lado, em cursos mais avançados, modelos numéricos rigorosos são desenvolvidos mas a visão mais intuitiva é muitas vezes perdida. Neste trabalho, buscamos contribuir para que o iniciante seja capaz de realizar a conexão entre as duas abordagens (modelagem analítica vs. numérica). Para tal, desenvolvemos, do ponto de vista didático, um estudo relativo às características eletrônicas de Transistores de Alta Mobilidade eletrônica (HEMTs), comparando resultados obtidos com modelos analíticos simplificados com aqueles fornecidos por uma modelagem numérica mais rigorosa, baseada no método das diferenças finitas.

Especificamente, na próxima seção, uma formulação analítica aproximada para tratamento do gás eletrônico bi-dimensional (2-DEG) formado em uma interface AlGaAs/GaAs de dopagem modulada é descrita. Em seguida, com base nesta formulação, desenvolvemos um modelo analítico para a característica de controle de carga de transistores HEMT de AlGaAs/GaAs, isto é, para a relação entre a tensão aplicada no contato Schottky de porta e a concentração de portadores livres no canal de condução. Comparação com dados experimentais demonstra que este modelo fornece resultados satisfatórios na predição do valor da transcondutância e capacitância de porta somente em uma restrita faixa de tensões de operação. Um formalismo numérico mais rigoroso é então desenvolvido, a fim de descrever as características elétricas do dispositivos quando o modelo analítico é incapaz de fazê-lo, demonstrando a utilidade do modelo numérico como ferramenta preditiva de desempenho de dispositivos semicondutores avançados e delimitando as condições de validade do modelo analítico.

2. Descrição do gás eletrônico bi-dimensional (2-DEG)

A existência de uma camada de acumulação de elétrons na interface de certas heterojunções já havia sido prevista por Anderson há décadas atrás [10][10] R.L. Anderson, IBM J. Res. Dev., 4 , 283 (1960).. No HEMT, especificamente, uma camada de AlGaAs dopado tipo-n é crescida no topo de uma camada de GaAs epitaxial não dopado. Como consequência, um gás eletrônico bidimensional é formado na heterointerface entre os dois materiais, devido à transferência de elétrons livres do AlGaAs para o GaAs, produzindo também um encurvamento da banda de condução, conforme indica a Fig. (1). Se a largura da região na qual os portadores estão confinados, nas proximidades da heterointerface, é suficientemente estreita, efeitos quânticos se tornam importantes. De fato, se o comprimento de onda associado ao elétron é da ordem da largura do poço, ocorrerá quantização na direção perpendicular à interface. Neste caso, o gás eletrônico é descrito pela função de onda

(1)Ψx,y,z=ϕi(z)exp[j(kxx+kyy)],
onde kx e ky são os vetores de onda associados à uma partícula livre nas direções x e y e a envoltória ϕi(z) é dada pela soluço da equação de Schrödinger
(2)ħ22m*d2ϕidz2+[EiqV(z)]ϕi=0,
onde a distribuição de potencial V(z) satisfaz a equação de Poisson, que descreve o encurvamento no perfil de banda de condução provocado pela formação do gás eletrônico na interface AlGaAs/GaAs
(3)d2V(z)dz2=-qρzε1,
onde a densidade de carga ρz é determinada à partir da concentração eletrônica na interface e do perfil de dopagem do dispositivo. Especificamente, para a camada GaAs têm-se
(4)ρ(z)=q(Nd1Na1)qni|ϕi(z)|2==q[Nd1Na1n(z))].

Nas expressões acima m* e ε1 são a massa efetiva do elétron e a permissividade dielétrica no GaAs. Ei e ni são a energia e concentração eletrônica na i-ésima sub-banda do poço quântico formado na heterointerface. A concentração de lacunas livres foi desprezada e, portanto, n(z) representa a distribuição de elétrons na interface AlGaAs/GaAs. Nd1 e Na1 são, respectivamente, a concentração residual de doadores e aceitadores ionizados por unidade de volume na camada GaAs. Os outros termos têm seus significados usuais.

O tratamento analítico, proposto originalmente na Ref. [11][11] D. Delagebeaudeuf and N.T. Linh, IEEE Trans. Electron Devices 29 , 955 (1982). e descrito em detalhe por um dos autores do presente artigo, na Ref. [12][12] M.A. Romero, Estudo Teórico e Experimental sobre os HEMTs de Microondas, Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1991., tem o objetivo de permitir um entendimento intuitivo do mecanismo de operação dos HEMTs, obtendo uma expressão simplificada para a relação entre a tensão de porta e concentração de portadores no canal de condução. O formalismo analítico utilizado é baseado na chamada aproximação do poço de potencial triangular [11][11] D. Delagebeaudeuf and N.T. Linh, IEEE Trans. Electron Devices 29 , 955 (1982).. Esta aproximação assume que os elétrons estão confinados ao plano da interface, com concentração de ns portadores por unidade de área, e que o campo elétrico é aproximadamente constante na região de interesse, resultando

(5)V(z)=qFs1z,
onde Fs1 representa o campo elétrico no lado GaAs da interface.

O perfil de potencial na interface AlGaAs/GaAs assume então um formato aproximadamente triangular e a equação de Schrödinger pode agora ser resolvida, através de uma expansão assintótica da funções de Airy (veja, por exemplo, a referência [14][14] M.A. Romero, Modulation Doped Field-Effect Photodetectors, Tese de Doutorado, Universidade de Drexel, Filadélfia, 1995.), fornecendo a posição das sub-bandas de energia em função do campo elétrico Fs1

(6)Ei=(ħ22m*)13[3q2Fs1π(i+34)]23.

Por outro lado, o campo elétrico na interface e a concentração de portadores na interface estão relacionados por meio da equação de Poisson. Especificamente, desprezando a densidade residual de dopantes no GaAs, a lei de Gauss fornece

(7)ε1Fs1=qns.

A descrição do gás eletrônico bi-dimensional (2-DEG) estará completa se uma relação entre a posição do nível de Fermi Ef e a concentração de portadores no canal ns for obtida. Para tal, observamos que a densidade de estados associada à um sistema bidimensional é uma constante dada por [1][1] C. Weisbuch and B. Vinter, Quantum Semiconductor Structures: Fundamentals and Applications (Academic Press, London, 1991).

(8)D=m*πħ2.

Usando a estatística de Fermi-Dirac e considerando como relevantes somente as duas primeiras sub-bandas de energia resulta

(9)ns=DE0E1dE1+expE-EfkBT+2DE1dE1+expE-EfkBT.

Com a identidade

(10)dx1+ex=-ln1+e-x,
a seguinte relação é obtida
(11)ns=DkBTi=01lnexpEf-EikBT.
onde a posição das sub-bandas de energia Eo e E1 é função de ns também através das Eqs. (6) e (7). Portanto, este conjunto de equações descreve uma relação não-linear entre a posição do nível de Fermi e a concentração de portadores no canal, a qual pode ser trivialmente explicitada pela aplicação do método de Newton-Raphson (veja, por exemplo, a Ref. [12][12] M.A. Romero, Estudo Teórico e Experimental sobre os HEMTs de Microondas, Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1991.).

Na próxima seção a equação de Poisson é resolvida no lado AlGaAs da interface e a Eq. (11) é utilizada para impor a condição de equilíbrio, representada por um valor constante de nível de Fermi ao longo da heterojunção. Será obtida, então, a chamada equação de controle de carga, que relaciona a concentração de portadores no canal 2-DEG com a tensão aplicada no terminal de porta, conforme a representação esquemática da Fig. (2).

3. Controle de carga por uma barreira Schottky

O perfil esquemático das bandas de condução e banda de valência de uma heterojunção AlGaAs/GaAs em contato com uma barreira Schottky é mostrado na Fig. (3).

Figura 3
Perfil do diagrama de banda de condução e banda de valência para um HEMT de AlGaAs/GaAs sob aplicação de um tensão de polarização de porta Vgs.

Os cálculos à seguir são baseados no tratamento pioneiro desenvolvido por Delagebeaudeuf e Linh [11][11] D. Delagebeaudeuf and N.T. Linh, IEEE Trans. Electron Devices 29 , 955 (1982). e levam em conta a existência de uma camada AlGaAs espaçadora, não dopada, de espessura di, introduzida de forma adjacente à interface AlGaAs/GaAs, visando reduzir a interação entre as impurezas ionizadas na camada AlGaAs dopada e os portadores no canal 2-DEG. Adicionalmente, com o objetivo de obter uma soluço analítica fechada, emprega-se a aproximação da depleção total, isto é, admite-se a ionização total dos N2 doadores presentes na camada de AlGaAs bem como a ausência de elétrons livres nesta camada. A heterointerface é tomada como sendo a origem do eixo z e a equação de Poisson é consequentemente escrita como

d2Vdz2=-qε2N2-d2<z<-di,0foradestaregião

A integração da equação de Poisson fornece, após alguma manipulação algébrica [12][12] M.A. Romero, Estudo Teórico e Experimental sobre os HEMTs de Microondas, Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1991., o campo elétrico Fs2 no lado AlGaAs da interface e o valor do potencial v2, definido na Fig. (3)

(12)Fs2=qε2N2d2-di,
(13)v2=-V2(-d2)=-qN22ε2d22-di2.

Aplicando a condição de contorno para o campo elétrico na interface AlGaAs/GaAs, com o auxílio da lei de Gauss, expressa pela Eq. (7), resulta em

(14)ε2Fs2=qns=ε2d2Vp2-v2,
onde
Vp2=qN22ε2d2-di2.

Por outro lado, inspeção da Fig. (3) fornece

(15)v2=ϕB-Vgs+(Ef-ΔEc)q.
onde ϕB é a altura de barreira Schottky de porta, Vgs é a tensão de polarização porta-fonte, Ef é a posição do nível de Fermi e ΔEc é a descontinuidade de banda de condução na interface AlGaAs/GaAs. Equações (12)-(15) permitem escrever
(16)qns=ε2d2Vgs+ΔEcq-ϕB-Efq+Vp2.

Observe que, na seção anterior, foi estabelecida uma relação, a Eq (11), entre o nível de Fermi Ef e a concentração ns de portadores no canal 2-DEG. Para valores de ns entre 5 × 1011 cm−2 e 1,5 × 1012 cm−2 uma aproximação linear para esta relação pode ser empregada [15][15] T.J. Drummond, H. Morkoç K. Lee and M. Shur, IEEE Electron Device Lett. 3 , 338 (1982).. Especificamente, nesta aproximação, a posição do nível de Fermi é expressa, em termos da concentração de portadores no canal 2-DEG, como

(17)Ef=ans,
onde a=0,125×10-12eV.cm-2 para a temperatura de 300 K.

Substituindo Eq. (17) na Eq. (16) e definindo Δd=ε2aq2, é imediato obter a relação de controle de carga, que descreve a relação entre a densidade de portadores ns no canal 2-DEG do HEMT e a tensão de polarização aplicada entre os contatos terminais de porta e fonte, Vgs[15][15] T.J. Drummond, H. Morkoç K. Lee and M. Shur, IEEE Electron Device Lett. 3 , 338 (1982).

(18)qns=ε2d2+ΔdVgs-Voff,
onde Voff=ϕB-ΔEcq-Vp2 é a tensão de limiar de condução do transistor HEMT, a partir da qual a densidade de portadores no canal 2-DEG e (consequentemente) a corrente entre os terminais de dreno e fonte passa a assumir valor não-nulo. Por outro lado, Δd pode ser interpretado como a largura efetiva do canal 2-DEG, sendo da ordem de 80 Å, com a definição acima.

4. Expressão analítica para a característica corrente-tensão (i-v)

Visando otimizar o desempenho dos diversos tipos de dispositivos semicondutores é indispensável um adequado conhecimento do seu mecanismo de operação. Além disso, a crescente complexidade e custo dos processos de fabricação torna clara a necessidade de substituir, ao menos parcialmente, os estudos tecnológicos experimentais sistemáticos por métodos de simulação que sejam suficientemente exatos para permitir a avaliação dos efeitos de modificações nos parâmetros de geometria e composição das camadas epitaxiais que compõe o dispositivo, sem que seja necessário efetivamente fabrica-lo.

Na prática, os formalismos disponíveis para o modelamento das características tensão-corrente (I-V) de dispositivos semicondutores se dividem essencialmente em dois grupos. No mais rigoroso deles, a equação de Boltzmann pode ser resolvida através da utilização do método de Monte Carlo [16][16] K.F. Brennan, The Physics of Semiconductors (Cambridge University Press, Nova York, 1999).. O princípio básico deste método é reproduzir o movimento de um portador no espaço recíproco k, levando em conta, simultaneamente o efeito do campo elétrico bem como o efeito estocástico dos diversos mecanismos de espalhamento a que estão submetidos os portadores de carga. A velocidade do portador é então obtida à partir do conhecimento do vetor de onda e, finalmente, a localização do portador no espaço real r é determinada à partir da integral da velocidade no tempo.

É possível a simulação conjunta de um grande número de portadores (no chamado Ensemble Monte Carlo Method), em geral implementada com auxílio de uma constante de discretização temporal, visando permitir que a densidade de portadores seja calculada como função de posição e tempo. A equação de Poisson pode então ser resolvida a fim de obter ou atualizar a distribuição de campo elétrico ao longo do dispositivo. No passo seguinte, a aço deste novo campo elétrico sobre os portadores é computada e o processo é repetido até que seja atingida a auto-consistência da soluço. Torna-se claro, portanto, que este método requer um conhecimento extremamente detalhado da estrutura de bandas do semicondutor de interesse assim como de todos os parâmetros necessário para avaliar as diversas taxas de espalhamento. Em resumo, o método de Monte Carlo pode ser considerado quasi-exato, uma vez que é capaz de levar em conta praticamente todos os tipos de processos microscópicos aos quais os portadores estão sujeitos. Como consequência, efeitos dinâmicos não estacionários (i.e, fenômenos balísticos e de overshoot) podem ser previstos. Além disso, propriedades de ruído podem ser calculadas à partir da análise das variações aleatórias nas velocidades dos portadores.

A principal desvantagem do método de Monte Carlo advém da própria natureza estatística do processo. O método é de implementação extremamente complexa e a exatidão necessária somente é atingida às custas de elevado esforço computacional. Por esta razão torna-se conveniente utilizar um formalismo mais simples, conhecido na literatura como drift-diffusion, que, todavia, preserve a física necessária para um modelamento eficiente do dispositivo semicondutor de interesse. Para este segundo grupo de modelos as equações de continuidade e densidade de corrente, casos particulares da equação de Boltzmann [8][8] W. Deal, X.B. Mei, K. Leong, V. Radisic, S. Sarkozy and R. Lai, IEEE Trans. Terah. Sci. Technol. 1 , 25 (2011)., são resolvidas, através da aproximação da massa efetiva, em conjunto com as equações de Schrödinger e Poisson.

O cálculo apresentado aqui filia-se à esta segunda vertente. As soluções obtidas são de fácil interpretação e, quando exatas o suficiente, extremamente úteis como ferramentas de CAD (Computer Aided Design). Tendo em vista estas considerações, a equação de controle de carga, Eq. (18), pode então ser utilizada como ponto de partida na descrição das características I-V (corrente-tensão) para o HEMT. Por exemplo, trabalho deste autor [18][18] M.A. Romero e A.A. de Salles, in Anais do IV Simpósio Brasileiro de Microondas, São Carlos/SP, 1990, p. 225. utilizou um modelo de duas regiões para o canal de condução, similar àquele proposto por Grebene e Ghandi [17][17] A.B. Grebene and S.K. Ghandi, Solid-State Electron. 12 , 573 (1969)., assumindo a existência de uma região linear na qual é válida a aproximação do canal gradual e uma região saturada. A fronteira entre ambas é admitida como sendo variante, dependente da tensão Vds aplicada entre dreno e fonte.

Para a região linear efeitos de difusão são desprezados e a componente de deriva (drift) da corrente Ids entre dreno e fonte pode ser escrita na forma

(19)Ids=Zqns(z)v(z).

Na Eq. (19) Z representa a largura de porta e q é a carga elétrica elementar. Os termos v(z) e ns(z) descrevem a velocidade e a concentração de portadores em um ponto arbitrário z do canal 2-DEG. Especificamente, à partir da equação de controle de carga, Eq. (18)

(20)ns(z)=ε2qd2+ΔdVgs-Voff-V(z).

Para o trabalho apresentado em [18][18] M.A. Romero e A.A. de Salles, in Anais do IV Simpósio Brasileiro de Microondas, São Carlos/SP, 1990, p. 225. utilizamos a seguinte relação para a representação da dependência velocidade-campo elétrico, v-F, referente aos elétrons no canal 2-DEG

(21)v(F)=μF1+FF1,FFcvs,F>Fc

Na Eq. (21) vs é a velocidade de saturação dos elétrons, Fc é o campo elétrico crítico (3.5kV/cm) a partir do qual ocorre esta saturação de velocidade e μ é a mobilidade em campos baixos. A constante F1 é escolhida de tal maneira que v(F) é igual à vs quando o campo elétrico F é igual a Fc.

Utilizando as Eqs (20) e (21) na Eq. (19) e rearranjando os termos, resulta

(22)IdsF1-Zμε2d2+ΔdVgs-Voff-V(z)dV=-Idsdx.

Integração de ambos os lados da Eq. (22) desde z = 0 até z = L (o comprimento total do terminal de porta), com as condições de contorno V(0)=RsIds e V(L)=Vds-RddIds, permite obter, após alguma manipulação algébrica

(23)Ids2F12Rs[2βRs(VgsVoff)++Vds(1F1βRs)+L]Ids++(VgsVoffVds)2(VgsVoff)2,
onde
β=Zμεd+Δd,
e Rs e Rd, assumidas de mesmo valor, são as resistências parasitas de acesso para fonte e dreno (normalmente com valor inferior a 10Ω), que representam a resistência do caminho de corrente entre o canal 2-DEG e os contatos de fonte e dreno, isto é, a região hachurada, imediatamente abaixo dos contatos, descendo até o canal 2-DEG, conforme indicado na Fig. (2).

Uma vez que a corrente de dreno é nula quando a tensão Vds aplicada entre fonte e dreno é nula, é imediato verificar que a raiz positiva da equação quadrática (23) é a soluço desejada para a característica DC do HEMT de AlGaAs/GaAs operando na região linear.

Para a região de saturação do canal 2-DEG, onde o valor de campo elétrico excede o campo elétrico crítico Fc, definido na relação velocidade-campo elétrico, a aproximação do canal gradual, expressa pela Eq. (19), já não é válida. Todavia, se a possibilidade de transferência de elétrons para a camada AlGaAs é desprezada, a condição de continuidade do valor de corrente ao longo do canal impõe que o número de elétrons disponíveis para condução no canal 2-DEG permaneça o mesmo em toda a porção saturada do canal, uma vez que estes elétrons movem-se à velocidade constante (vs, velocidade de saturação). Desta forma, a concentração de portadores no canal será diretamente proporcional à densidade de corrente de fonte para dreno, Ids. Portanto, a porção saturada do canal pode ser descrita pela equação de Poisson unidimensional

(24)d2Vzdz2=IdsZΔdε1vs.

Definindo Lc como a fronteira entre as regiões linear e saturada do canal e Vdsat como o potencial neste ponto de fronteira, a Eq. (24) é integrada, com as condições de contorno

(25)V(z=Lc)=Vdsat,
(26)F(z=Lc)=Fc,
resultando em
(27)Vds-Vdsat=Ids2ZΔdε1vsΔL2-FcΔL,
onde ΔL=L-Lc. Por meio da relação
(28)IdsIdsat=LL-ΔL,
é possível reescrever a Eq. (27) como
(29)Vds=Vdsat+IdsL22ZΔdε1vs1-IdsatIds2-FcL1-IdsatIds,
onde Vdsat é determinado à partir da Eq. (23) impondo-se a condição
(30)dIdsatdVds=0,paraVds=Vdsat.
Calcula-se, então, Idsat à partir do valor obtido para Vdsat. Consequentemente, utiliza-se a Eq. (23) ou a Eq. (29) para descrever a característica I-V do dispositivo na região linear ou de saturação, respectivamente.

A Fig. (4) mostra os resultados obtidos para a característica DC do HEMT FHR01FH fabricado pela Fujitsu, comparando os resultados de medida em laboratório com simulações utilizando o modelo descrito acima [18][18] M.A. Romero e A.A. de Salles, in Anais do IV Simpósio Brasileiro de Microondas, São Carlos/SP, 1990, p. 225.. São apresentados os valores da corrente dreno-fonte, Ids, como função da tensão aplicada ao terminal de dreno, Vds para diversos valores de tensão de porta, Vgs. Observa-se que a concordância obtida é satisfatória, ainda que a curva experimental atinja a saturação de forma mais gradual do que o previsto teoricamente, fazendo com que a condutância de saturação seja também maior do que o previsto pelo modelo.

Figura 4
Característica DC para o HEMT FHR01FH da Fujitsu. São apresentados os valores da corrente dreno-fonte, Ids, como função da tensão aplicada ao terminal de dreno, Vds, para diversos valores de tensão de porta, Vgs. Na definição destas tensões, o terminal de fonte é tomado como o potencial nulo, de referência. Linhas tracejadas mostram a previsão teórica utilizando as equações apresentadas nesta seção. Linhas contínuas mostram os resultados experimentais.

Apesar do relativo sucesso na predição das características I-V, o modelo analítico desenvolvido até aqui é incapaz de modelar corretamente o comportamento dos parâmetros de primeira ordem de transistores HEMT. Por exemplo, inspeção da Eq. (18) revela que a capacitância porta-fonte, proporcional à derivada de densidade de carga no canal, ns, com respeito à tensão aplicada no terminal de porta, Vgs, seria dada por

(31)Cgs=ZLε2d2+Δd.

Por outro lado, utilizando a aproximação do canal saturado, onde assume-se que o terminal de porta é curto o suficiente (como, de fato, ocorre nos transistores modernos, nos quais o comprimento do terminal de porta não excede algumas dezenas de naníômetros) para que o valor do campo elétrico na maior parte do canal 2-DEG exceda o campo elétrico crítico, Fc, definido na relação velocidade-campo elétrico. Desta forma, os portadores atravessam o canal em velocidade muito próxima à velocidade de saturação e a transcondutância gm do HEMT se relaciona com Cgs através da Eq. [19][19] S.M. Sze, Physics of Semiconductor Devices (John Wiley, Singapura, 1981).

(32)gm=CgsvsL.
onde vs é a velocidade de saturação.

Ambos os parâmetros são extremamente importantes para avaliação do desempenho do transistor HEMT. Baixos valores de Cgs indicam potencial de chaveamento ultra-rápido enquanto elevados valores de gm (definida como a derivada da corrente de dreno com respeito à tensão de porta) indicam ganho elevado, uma vez que pequenas variações da tensão de porta produzirão significativas alterações na corrente de dreno.

De acordo com as equações acima, tanto a capacitância quanto, consequentemente, a transcondutância do dispositivo deveriam ser independentes de Vgs. Todavia, resultados experimentais tipicamente desmentem esta expectativa, conforme demonstra a Fig. (5). Como problema adicional, o modelo analítico desenvolvido é específico para estruturas de AlGaAs/GaAs. A inserçâo de uma ou mais camadas semicondutoras na sequência de crescimento epitaxial obriga que a formulação seja tediosamente refeita, sem que, muitas vezes, seja possível atingir uma soluço fechada.

Figura 5
Dados experimentais para a relação transcondutância versus tensão porta-fonte para um HEMT típico [15][15] T.J. Drummond, H. Morkoç K. Lee and M. Shur, IEEE Electron Device Lett. 3 , 338 (1982)..

Estas limitações nos motivam a necessidade de a questão de modelamento das características DC de transistores HEMT à partir do desenvolvimento de um algoritmo para a soluço numérica auto-consistente das equações de Schrödinger e Poisson, para uma sequência arbitrária de camadas semicondutoras colocadas sob uma barreira Schottky [13][13] J.E. Manzoli, M.A. Romero and O. Hipólito, IEEE J. Quantum Electron. 34 , 2314 (1998)..

Na próxima seção este formalismo numérico é apresentado e são discutidos resultados que expõe mais claramente as limitações do modelo analítico desenvolvido ao longo das últimas seções.

5. Solução numérica auto-consistente para as equações de Schrödinger e Poisson

5.1. Motivação

Além das razões expostas na seção anterior, uma motivação adicional para o desenvolvimento do formalismo à ser apresentado aqui foi a necessidade de modelos adequados ao auxílio no projeto de transistores HEMT de alto desempenho. Conforme discutido na Seção (1.), o aumento da fração de Índio (In) no canal de condução induz uma melhoria nas propriedades eletrônicas do dispositivo, por meio da redução da massa efetiva dos portadores e do aumento na descontinuidade de banda de condução, a qual provoca uma maior separação entre as sub-bandas de energia no canal 2-DEG e, consequentemente, um incremento na fração de ocupação relativa do estado fundamental em relação ao número total de elétrons no canal de condução. De fato, HEMTs pseudomórficos baseados no sistema de materiais InAlAs/InGaAs, no qual a fração de In pode atingir o valor de 80%, têm sido intensamente investigados, fornecendo valores para a frequência de corte do ganho de corrente da ordem de 340 GHz [20][20] L.D. Nguyen, A.S. Brown, M.A. Thompson and L.M. Jelloian, IEEE Trans. Electron Devices 39 , 2007 (1992)..

O projeto destes dispositivos pseudomórficos, que apresentam estresse na rede cristalina, devido ao descasamento nos valores das constante de rede dos diversos materiais envolvidos, é geralmente baseado em regras semi-empíricas. Poços quânticos de largura inferior à 100 Å são utilizados, de forma à limitar a população das sub-bandas ao estado fundamental, assegurando alta mobilidade eletrônica. Além disso, a espessura da camada espaçadora é mantida em torno de 40 Å, proporcionando baixa resistência de acesso ao canal 2-DEG. Estudos iniciais buscaram levar em conta o estresse, considerando que os valores de descontinuidade de banda de condução são, de fato, da ordem de dois terços dos valores calculados sem a inclusão dos efeitos do estresse.

Todavia, a otimização da performance destes dispositivos requer a disponibilidade de modelos mais exatos e gerais para a descrição da característica de controle de carga da heterojunção. Infelizmente, análise da literatura revela que pouca atenção havia sido dada aos efeitos do estresse da rede cristalina na curva C-V dos HEMTs. De fato, no primeiro trabalho voltado especificamente ao estudo de estruturas pseudomórficas, publicado por Ando e Itoh [21][21] Y. Ando and T. Itoh, IEEE Trans. Electron Devices 35 , 2295 (1988)., a inclusão de canal de InGaAs na sequência de camadas do HEMT é tratada através de uma simples alteração nos valores de energia de banda proibida e descontinuidade de banda de condução para o canal 2-DEG. A massa efetiva dos elétrons no canal 2-DEG era a mesma daquela no material InGaAs bulk, não submetido à estresse. Posteriormente, uma formulação variacional foi proposta [22][22] G. Halkias, A. Vegiri, G. Pananakakis and A. Christou, Solid-State Electron. 35 , 459 (1992). para modelar a característica de controle de carga de transistores HEMT baseados em substrato de InP. O mesmo tratamento para o canal de InGaAs foi utilizado.

O modelo descrito nesta seção, apresentado originalmente por este autor e colaboradores na referência [13][13] J.E. Manzoli, M.A. Romero and O. Hipólito, IEEE J. Quantum Electron. 34 , 2314 (1998). buscou suprir a lacuna exposta acima. Novamente, as equações de Schrödinger e Poisson são resolvidas numericamente, de forma auto-consistente. Todavia, em contraste tanto com os estudos mencionados acima quanto com programas disponíveis comercialmente (sendo mais disseminados na comunidade científica o software Atlas, da Silvaco International e o software Medici, da TMA Co.) nosso modelo incorpora explicitamente no Hamiltoniano proposto os efeitos de estresse induzidos pelo eventual descasamento nos valores constante de rede dos diversos materiais que compõe o HEMT. Adicionalmente, a formulação é capaz de levar em conta a dependência com a posição tanto da constante de rede quanto da massa eletrônica efetiva.

Na discussão que se segue, iniciaremos descrevendo o modelo desenvolvido. Em seguida, demonstrando o seu caráter geral, o modelo é aplicado para os HEMTs de AlGaAs/GaAs, os quais representam um caso particular do cenário descrito acima, pois, neste dispositivo, o casamento de constantes de rede entre os materiais de compõe a heterojunção é quase perfeito e efeitos de estresse da rede cristalina são desprezíveis. Então, diferentemente do apresentado na referência [13][13] J.E. Manzoli, M.A. Romero and O. Hipólito, IEEE J. Quantum Electron. 34 , 2314 (1998). e de forma consistente com o caráter didático do artigo, o objetivo do uso do modelo numérico é tão somente evidenciar as limitações da formulação analítica apresentada nas seções anteriores, elucidando mais claramente os mecanismos de operação dos transistores HEMT.

5.2. Formalismo teórico

O formalismo auto-consistente apresentado aqui [13][13] J.E. Manzoli, M.A. Romero and O. Hipólito, IEEE J. Quantum Electron. 34 , 2314 (1998). é baseado na aproximação da massa efetiva, na qual a função de onda do elétron é descrita pelo produto de uma função de Bloch por uma função envoltória, soluço da equação de Schrödinger independente do tempo

(33)Hϕi(z)=Eiϕi(z).

O Hamiltoniano proposto utiliza o operador energia cinética do tratamento originalmente desenvolvido por Einevoll [23][23] G.T. Einevoll, Phys. Rev. B 42 , 3497 (1990). enquanto os componentes da energia potencial efetiva Vef(z) são fornecidos pela formulação de Luttinger-Kohn [24][24] J.M. Luttinger and W. Kohn, Phys. Rev. 97 , 869 (1955).. Portanto

(34)H=ħ22a(z)d[a(z)]2m*(z)ddz1a(z)+Vef(z),
onde a variável z é tomada como a direção perpendicular às camadas epitaxiais. Decorre que m*(z) e a(z) são, respectivamente, a massa efetiva e a constante de rede na direção de crescimento do cristal, ambas, em princípio, função da posição. Por outro lado, a energia potencial efetiva Vef(z) é dada pela soma de quatro termos
(35)Veff(z)=Ve(z)+C1(εxx+εyy+εzz)+VH(z)+VXC(z),
onde Ve(z) representa o perfil de banda de condução para uma estrutura não-dopada, isto é, representa as descontinuidades de banda de condução e VH(z) é o termo de Hartee devido ao potencial eletrostático. Em busca de rigor teórico, incluímos também o termo de correlaço e troca (exchage-correlation) VXC(z) através da parametrização analítica proposta por Hedin e Lundqvist [25][25] L. Hedin and B.I. Lundqvist, J. Phys. C. 4 , 2064 (1971).. Na Eq. (35) C1 é o potencial de deformação de banda de condução, na faixa típica de −6 até −8 eV [26][26] M.J. Kelly, Low-Dimensional Semiconductors: Materials, Physics, Technology and Devices (Oxford Science Publications, Oxford, 1995). e εxx, εyy e εzz são as componentes de tensor de estresse no plano e na direção de crescimento epitaxial, respectivamente [27][27] J.H. Oh, K.J. Chang and G. Ihm, J. Phys.: Condensed Matter 8 , 1705 (1996).. Deve ser enfatizado que trabalhos anteriores de outros autores não incluíam nem a componente do potencial efetivo devida ao estresse, o segundo termo de estresse no potencial efetivo da Eq. (35) nem a generalização do operador energia cinética utilizada na Eq. (34). Observe ainda que, para valores uniformes de massa efetiva e constante de rede, as Eqs. (34) e (35) recaem na equação de Schrödinger em sua forma usual, Eq. (2) da Seção 2.

A equação de Poisson unidimensional, a qual fornece o termo de Hartree mencionado acima é dada por

(36)ddzεoεrzddzVHz=-qND+z-NA--n(z),
onde εo é a permissividade dielétrica no vácuo, εrz é a constante dielétrica das camadas semicondutoras, ND+z é a concentração de doadores ionizados, NA- é a concentração residual de aceitadores não intencionais no semicondutor, n(z) é a densidade de elétrons livres e a densidade de lacunas livres foi desprezada. Esta densidade de portadores livres n(z) é por sua vez escrita em termos das autofunções ϕiz da Eq. (33) como [28][28] S. Wang, Fundamentals of Semiconductor Theory and Device Physics (Prentice-Hall, Englewood Cliffs, 1989).
(37)n(z)=mo*kBTπħ2iln1+expEf-EikBTϕiz2
onde mo* é a massa eletrônica efetiva no canal 2-DEG, que é diferente daquela do material bulk[36][36] V.A. Kulbachinskii, N.A. Yuzeeva, G.B Galiev, E.A Klimov, I.S. Vasil’evskii, R.A Khabibullin and D. S. Ponomarev, Semicond. Sci. Technol. 27 , 035021 (2012)., kB é a constante de Boltzmann, T é a temperatura absoluta, h é constante de Planck reduzida, Ef é a energia de Fermi e Ei representa o valor da i-ésima subanda de energia. O somatório leva em conta todas as sub-bandas ocupadas.

A densidade de doadores ionizados ND+ é descrita por [28][28] S. Wang, Fundamentals of Semiconductor Theory and Device Physics (Prentice-Hall, Englewood Cliffs, 1989).

(38)ND+(z)=ND(z)1+gnexpEf-EdkBT,
onde Nd(z) é o perfil de dopagem tipo n do dispositivo, gn é a fator de degenerescência de spin do nível doador, tomado igual a 2, e Ed representa a energia de ionização do átomo doador.

A posição do nível de Fermi é calculada pela usual imposição de neutralidade de carga no material bulk e, posteriormente, o conjunto de Eqs. (33-38) deve ser resolvido de forma interativa à partir de uma estimativa inicial desejada, de forma que, atingida a convergência, ϕi(z) e VH(z) satisfaçam autoconsistentemente, isto é, de forma simultânea, as equações acima, revisitando o formalismo originalmente analítico das Seções 2 e 3. Neste trabalho, optamos por calcular os auto-estados da equação de Schrödinger através do método do split-operator proposto por Degani [29][29] M.H. Degani, Appl. Phys. Lett. 59 , 57 (1991). utilizando um esquema de discretização por diferenças finitas não-uniforme [30][30] I.H. Tan, G.L. Snider, L.D. Chang and E.L. Hu, J. Appl. Phys. 68 , 4071 (1990)., submetido as condições de contorno de que a função de onda ϕi(z) deve cair à zero no substrato e na barreira Schottky. As condições de contorno para a equação de Poisson são dadas pela tensão de polarização de porta aplicada na barreira Schottky, bem como pela posição do nível de Fermi com respeito à banda de condução do semicondutor bulk apresentando uma dopagem residual não intencional Na-, conforme indica a Eq. 36).

Arbitra-se que o procedimento numérico atinge convergência quando o valor esperado para a posição do pico da auto-função de mais alta ordem não altera o seu valor em mais do que 10−5 Å durante as últimas dez interações entre as equações de Schrödinger e Poisson.

5.3. Resultados numéricos e discussão

5.3.1. HEMTs convencionais de AlGaAs/GaAs

A primeira estrutura a ser discutida consiste em um HEMT convencional de AlGaAs/GaAs inicialmente analisado por Vinter em 1984 [31][31] B. Vinter, Appl. Phys. Lett. 44 , 307 (1984)., em um artigo pioneiro sobre a soluço autoconsistente das equações de Schrödinger e Poisson nestes dispositivos de heteroestrutura. Embora HEMTs de AlGaAs/GaAs já tenham sido vastamente discutidos na literatura, este estudo é apresentado aqui com o objetivo de demonstrar a exatidão da nossa formulação em comparação com trabalhos clássicos previamente publicados, bem como elucidar as limitações do modelo analítico utilizado até agora.

Neste caso, o dispositivo de interesse é baseado em uma heterojunção AlGaAs/GaAs sobre um substrato de arseneto de gálio semi-isolante. A camada Al0.26Ga0.76As é fabricada tipo-n, com espessura 550 Å e uma dopagem N2 de 1.3 × 1018 átomos por cm−3. A camada GaAs apresenta uma espessura de um mícron e uma dopagem não intencional tipo p, de tal forma que o nível de Fermi se localiza à 1 eV da banda de condução no material bulk. Átomos doadores e elétrons no canal 2-DEG estão separados por uma camada Al0.26Ga0.76As espaçadora, não dopada, de 75 Å.

A Fig. (6) apresenta o diagrama de banda de condução obtido para esta estrutura, ou seja, apresenta o perfil de potencial em função da distância, em Angstrom, relativa ao contato de porta, fornecido pelo nosso simulador, para dois valores distintos de tensão de polarização de porta, Vgs = −1.5 V e Vgs = −0.5 V, em uma temperatura de 300 K, exemplificando o diagrama esquemático da Fig. (3).

Figura 6
Diagrama de banda de condução para o HEMT de AlGaAs/GaAs proposto em [31][31] B. Vinter, Appl. Phys. Lett. 44 , 307 (1984). para dois valores de tensão de polarização de porta.

Análise da Fig. (6) permite prever que, para valores menos negativos de tensão de porta, a redução da diferença em energia entre o fundo da banda de condução e a posição do nível de Fermi na região de AlGaAs sinaliza a presença de elétrons livres também nesta camada, em adiço àqueles elétrons localizados no canal 2-DEG na interface AlGaAs/GaAs. Este fenômeno é ilustrado na Fig. (7), a qual apresenta o perfil da distribuição de elétrons livres n(z) ao longo dispositivo estudado por Vinter, para os mesmos valores de tensão de porta utilizados na figura anterior.

Figura 7
Distribuição de elétrons livres, como função da posição, para as tensões de polarização Vgs = - 1.5 V e Vgs = - 0.5 V.

Efetivamente, comparando-se as duas situações observa-se claramente, em ambos os casos, a existência do gás eletrônico quasi-bidimensional (2-DEG), denotado pela alta concentração de portadores em uma fina camada, de espessura em torno de 100 Å, localizada na interface AlGaAs/GaAs, distante 625 Å do terminal Schottky de porta, conforme indicado na Fig. (7). Todavia, a passagem da tensão de polarização de Vgs = −1.5 V para Vgs = − 0.5 V, além de, conforme esperado, produzir um aumento na concentração de elétrons no canal 2-DEG permite também uma presença de uma quantidade considerável de portadores livres na camada 2-DEG. De fato, tensões de polarização de porta menos negativas produzem também, conforme será visto à seguir, significativa neutralização de doadores, permitindo a formação de um canal de condução indesejável, paralelo ao gás eletrônico bi-dimensional, de funcionamento análogo à um MESFET parasita de AlGaAs, em paralelo ao canal 2-DEG do HEMT propriamente dito [32][32] K. Lee, M.S. Shur, T.J. Drummond and K. Morkoç IEEE Trans. Electron Devices 31 , 29 (1984)..

Considerando o alto grau de localização dos elétrons, é possível escrever a densidade ns de portadores por unidade de área do canal 2-DEG como

(39)ns=ΩGaAsn(z)dz.
Por outro lado, na situação em que há elétrons livres na camada AlGaAs, a aproximação de depleção de portadores, utilizada para derivar a formulação analítica das seções anteriores, deixa de ser válida. Também não é válida outra aproximação lá empregada, a da ionização da totalidade dos átomos doadores na camada AlGas. Especificamente, a densidade de doadores neutralizados (i.e., não ionizados) na camada AlGaAs passa a ser descrita por
(40)nb=N2.d2-ΩGaAsND(z)1+2expEf-EdkBTdz,
onde N2 e d2 são respectivamente a densidade de doadores e a espessura da camada AlGaAs. Note que o segundo termo do lado direito da Eq. (40), foi escrito com auxílio da Eq. (38).

A Fig. (8) mostra a dependência da concentração ns de elétrons no canal 2-DEG como função da tensão de porta Vgs, a chamada relação de controle de carga, conforme definido na Seção 3. Adicionalmente, é também apresentada a concentração de doadores neutralizados como função da polarização Vgs. Uma vez que doadores neutralizados são aqueles que recapturaram um elétron livre, a concentração de portadores nb pode ser compreendida como sendo a de elétrons ligados, bound electrons, usando uma denominação corrente na literatura.

Figura 8
Concentração de portadores livres no canal 2-DEG (curva b) e de elétrons ligados na camada AlGaAs (curva a) como função da tensão de polarização Vgs.

Comparando os resultados da Fig. (8) com aqueles previstos pela Eq. (18) verifica-se que, neste caso específico, para valores de Vgs menores que - 1.8 V a concentração de portadores na camada AlGaAs, incluindo tanto os elétrons livres da Fig. (7) quanto os elétrons ligados da Fig. (8), é desprezível. Em consequência, as condições de validade da equação analítica (18), obtida na Seção 3, são satisfeitas e a relação de controle de cargas permanece, de fato, linear, como previsto analiticamente. Todavia, para valores menos negativos de Vgs, a concentração de portadores no canal começa a mostrar sinais de saturação e o efeito da alteração na tensão de polarização passa a se traduzir principalmente na neutralização de doadores, sem atendimento, portanto, da condição de ionização total, requerida pela Eq. (18). Para valores ainda menos negativos da tensão de polarização Vgs, acontece também a indução de portadores livres na camada AlGaAs, conforme já indicava a Fig. (7).

Formalismos numéricos similares ao implementado aqui, visando a obtenção de expressões mais exatas do que aquela fornecida pela Eq. (18) para a relação de controle de carga, têm sido utilizados no modelamento de transistores HEMT de AlGaAs/GaAs por diversos autores, desde meados da década de 80. Dentre os trabalhos mais importantes, Rohdin e Roblin [33][33] H. Rohdin and P. Roblin, IEEE Trans. Electron Devices 33 , 664 (1986). mostraram que é possível descrever a curva (b) da Fig. (35) por um funcional do tipo

(41)ns=nsoα+1-αtanhVgs-VgmV1,
onde α,Vgm e V1 são parâmetros de ajuste e nso a concentração máxima de portadores no canal 2-DEG. Esta relação pode então ser utilizada para a determinação de expressões analíticas para a característica I-V e para os elementos do circuito equivalente de pequenos sinais de dispositivo HEMTs [33[33] H. Rohdin and P. Roblin, IEEE Trans. Electron Devices 33 , 664 (1986).,34][34] A. Eskandarian, IEEE Trans. Electron Devices 35 , 1793 (1986).. Alternativamente, no presente trabalho, optamos por realizar uma discussão sobre as causas do fenômeno de compressão da transcondutância gm, que decresce para valores suficientemente elevados de Vgs, conforme experimentalmente demonstrado na Fig. (5) mas não previsto pelo modelo analítico simplificado.

Para tal, estudamos a heterojunção de dopagem modulada proposta por Norris em [35][35] G.B. Norris, D.C. Look, W. Kopp, J. Klem and H. Morkoç Appl. Phys. Lett. 47 , 423 (1985).. A Fig. (9) mostra, para uma temperatura de 300 K, as componentes de capacitância da estrutura, obtidas através de um tratamento quasi-estático, no qual a capacitância de porta é dada pela variação na densidade de carga causada por uma pequena alteração na tensão aplicada em torno de um dado ponto de polarização. A Fig. (10) apresenta análise similar, para uma temperatura de 77 K.

Figura 9
Componentes da capacitância de porta para a estrutura proposta em [35][35] G.B. Norris, D.C. Look, W. Kopp, J. Klem and H. Morkoç Appl. Phys. Lett. 47 , 423 (1985). na temperatura de 300 K. (a): capacitância total considerando todos os elétrons no sistema; (b): capacitância devida aos elétrons livres no canal 2-DEG; (c), (d) e (e): contribuições para (b) dos elétrons na primeira, segunda e terceira sub-bandas.
Figura 10
Componentes da capacitância de porta para a estrutura proposta em [35][35] G.B. Norris, D.C. Look, W. Kopp, J. Klem and H. Morkoç Appl. Phys. Lett. 47 , 423 (1985). na temperatura de 300 K. (a): capacitância total considerando todos os elétrons no sistema; (b): capacitância devida aos elétrons livres no canal 2-DEG; (c), (d) e (e): contribuições para (b) dos elétrons na primeira, segunda e terceira sub-bandas.

Analisando a Fig. (9), observa-se que, embora a capacitância da estrutura seja uma função monotonicamente crescente com Vgs, a componente devida aos elétrons no canal 2-DEG apresenta um valor de pico, associado com o ponto de inflexão da relação de controle de carga (vide a Fig. (8) e a Eq. (41)). Uma vez que somente estes elétrons livres, em oposição aos elétrons ligados da curva (a) na Fig. (8), são significativos para o transporte de corrente, somente eles estarão relacionados à transcondutância gm. De fato, para o HEMTs atuais. a capacitância de porta e a transcondutância estão linearmente relacionados, por meio da Eq. (32), o que explica o resultado experimental da Fig. (5). Como nota final, vale mencionar que, para a temperatura de 77 K, é distintamente visível uma faixa de tensões de polarizações para as quais a capacitância da estrutura realmente independe do valor de Vgs, conforme anteriormente previsto pela equação analítica (31).

6. Conclusão

Este trabalho tratou essencialmente das técnicas de modelagem das características capacitância-tensão (C-V) de Transistores de Alta Mobilidade eletrônica (HEMTs). Tomando este dispositivo como exemplo, buscamos contribuir para que o estudante da física dos dispositivos semicondutores seja capaz de realizar a conexão entre modelos analíticos simplificados e uma abordagem numérica mais rigorosa, neste caso específico, baseada no método das diferenças finitas.

Especificamente, após a apresentação do dispositivo, um modelo aproximado foi desenvolvido, com base na soluço analítica das equações de Schrödinger e Poisson, assumindo um formato triangular para o poço quântico na interface AlGaAs/GaAs e supondo a ionização total dos átomos doadores na camada AlGaAs. Em seguida, foi demonstrado que, embora largamente utilizado na literatura e capaz de fornecer resultados razoavelmente exatos para a característica I-V do transistor, este modelo é incapaz de prever satisfatoriamente o comportamento de parâmetros de primeira ordem, tais como a capacitância porta-fonte Cgs e, consequentemente, a transcondutância gm, quando a tensão de polarização é alterada.

Esta dificuldade motivou a discussão de um algoritmo, descrito na Seção 5, para a soluço numérica auto-consistente das equações de Schrödinger e Poisson para uma sequência arbitrária de camadas semicondutoras colocadas sob uma barreira Schottky. A aplicação do algoritmo numérico em algumas estruturas de teste evidenciou claramente a faixa de tensões de polarização onde se verifica a validade do modelo analítico mencionado acima e elucidou a origem da dependência do valor da capacitância de porta e da transcondutância com relação a tensão de polarização.

Agradecimentos

Os autores agradecem o suporte financeiro do CNPq e da FIPAI.

Referências

  • [1]
    C. Weisbuch and B. Vinter, Quantum Semiconductor Structures: Fundamentals and Applications (Academic Press, London, 1991).
  • [2]
    W. Shockley, U.S. Patent No. 2569347 (1951).
  • [3]
    H. Kroemer, in Proc. IRE, 45 , 1535 (1957).
  • [4]
    L. Esaki and R. Tsu, IBM Int. Report RC-2418 (1969).
  • [5]
    R. Dingle, H.L. Stormer, A.C. Gossard and W. Wiegmann, Appl. Phys. Lett. 38 , 665 (1978).
  • [6]
    T. Mimura, S. Hiyamizu, T. Fujii and K. Nanbu, Japan. J. Appl. Phys. 19 , 225 (1980).
  • [7]
    T. Henderson, M.I. Aksun, S.K. Peng, H. Morkoç P.C. Chao, P.M. Smith, K.H.G. Duh and L.F. Lester, IEEE Electron Device Lett. 7 , 649 (1986).
  • [8]
    W. Deal, X.B. Mei, K. Leong, V. Radisic, S. Sarkozy and R. Lai, IEEE Trans. Terah. Sci. Technol. 1 , 25 (2011).
  • [9]
    A. El Moutaouakil, T. Suemitsu, T. Otsuji, D. Coquillat and W. Knap, in: 35th. International Conference on Infrared, Milimeter and Terahertz Waves, Roma, 2010.
  • [10]
    R.L. Anderson, IBM J. Res. Dev., 4 , 283 (1960).
  • [11]
    D. Delagebeaudeuf and N.T. Linh, IEEE Trans. Electron Devices 29 , 955 (1982).
  • [12]
    M.A. Romero, Estudo Teórico e Experimental sobre os HEMTs de Microondas, Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1991.
  • [13]
    J.E. Manzoli, M.A. Romero and O. Hipólito, IEEE J. Quantum Electron. 34 , 2314 (1998).
  • [14]
    M.A. Romero, Modulation Doped Field-Effect Photodetectors, Tese de Doutorado, Universidade de Drexel, Filadélfia, 1995.
  • [15]
    T.J. Drummond, H. Morkoç K. Lee and M. Shur, IEEE Electron Device Lett. 3 , 338 (1982).
  • [16]
    K.F. Brennan, The Physics of Semiconductors (Cambridge University Press, Nova York, 1999).
  • [17]
    A.B. Grebene and S.K. Ghandi, Solid-State Electron. 12 , 573 (1969).
  • [18]
    M.A. Romero e A.A. de Salles, in Anais do IV Simpósio Brasileiro de Microondas, São Carlos/SP, 1990, p. 225.
  • [19]
    S.M. Sze, Physics of Semiconductor Devices (John Wiley, Singapura, 1981).
  • [20]
    L.D. Nguyen, A.S. Brown, M.A. Thompson and L.M. Jelloian, IEEE Trans. Electron Devices 39 , 2007 (1992).
  • [21]
    Y. Ando and T. Itoh, IEEE Trans. Electron Devices 35 , 2295 (1988).
  • [22]
    G. Halkias, A. Vegiri, G. Pananakakis and A. Christou, Solid-State Electron. 35 , 459 (1992).
  • [23]
    G.T. Einevoll, Phys. Rev. B 42 , 3497 (1990).
  • [24]
    J.M. Luttinger and W. Kohn, Phys. Rev. 97 , 869 (1955).
  • [25]
    L. Hedin and B.I. Lundqvist, J. Phys. C. 4 , 2064 (1971).
  • [26]
    M.J. Kelly, Low-Dimensional Semiconductors: Materials, Physics, Technology and Devices (Oxford Science Publications, Oxford, 1995).
  • [27]
    J.H. Oh, K.J. Chang and G. Ihm, J. Phys.: Condensed Matter 8 , 1705 (1996).
  • [28]
    S. Wang, Fundamentals of Semiconductor Theory and Device Physics (Prentice-Hall, Englewood Cliffs, 1989).
  • [29]
    M.H. Degani, Appl. Phys. Lett. 59 , 57 (1991).
  • [30]
    I.H. Tan, G.L. Snider, L.D. Chang and E.L. Hu, J. Appl. Phys. 68 , 4071 (1990).
  • [31]
    B. Vinter, Appl. Phys. Lett. 44 , 307 (1984).
  • [32]
    K. Lee, M.S. Shur, T.J. Drummond and K. Morkoç IEEE Trans. Electron Devices 31 , 29 (1984).
  • [33]
    H. Rohdin and P. Roblin, IEEE Trans. Electron Devices 33 , 664 (1986).
  • [34]
    A. Eskandarian, IEEE Trans. Electron Devices 35 , 1793 (1986).
  • [35]
    G.B. Norris, D.C. Look, W. Kopp, J. Klem and H. Morkoç Appl. Phys. Lett. 47 , 423 (1985).
  • [36]
    V.A. Kulbachinskii, N.A. Yuzeeva, G.B Galiev, E.A Klimov, I.S. Vasil’evskii, R.A Khabibullin and D. S. Ponomarev, Semicond. Sci. Technol. 27 , 035021 (2012).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    01 Maio 2015
  • Aceito
    10 Jun 2015
Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: marcio@sbfisica.org.br