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O evento CERN Masterclasses: Hands on Particle Physics: contribuições sobre seu papel na comunicação científica a partir de percepções de seus participantes

The CERN Masterclasses Hands on Particle Physics event: considerations about its role in science communication through its participants perceptions

Resumos

Neste trabalho são investigados dois aspectos relacionados à experiência da Universidade Federal do ABC (UFABC) e da Universidade de São Paulo (USP) durante a realização do evento CERN Masterclasses Hands on Particle Physics, que envolveu estudantes tanto de Ensino Médio quanto de cursos de Licenciatura em Física. O primeiro aspecto considerado para este estudo refere-se ao perfil motivacional dos participantes, quais suas expectativas e interesses no evento. O segundo busca identificar, relativamente aos conteúdos conceituais e técnicos tratados no evento, quais os principais ganhos e dificuldades percebidas pelos participantes. A partir destas informações, analisamos o papel do evento como instrumento de comunicação científica. Para isso, tomamos como referencial teórico o modelo contemporâneo de comunicação científica de Burns, O’Connor e Stocklmayer, o qual entende a comunicação científica como um conjunto de etapas visando levar a Literacia Científica. À luz dos resultados encontrados, foi possível constatar que as ações do evento estão produzindo em seus participantes processos conducentes tanto a uma Consciência quanto Compreensão Públicas da Ciência. Estes processos operam de forma estrutural no desenvolvimento de uma cultura científica, a qual constitui-se, ao mesmo tempo, em causa e conseqüência do processo que leva ao ideal de Literacia Científica. Desta perspectiva, eventuais ajustes no desenho e composição das atividades do evento podem ser melhor subsidiadas, assim como questões relativas às contribuições sócio-educativas e culturais proporcionadas por iniciativas dessa natureza.

Palavras-chave
comunicação científica; Física de Partículas; CERN Masterclasses


In this work we investigate two aspects of the UFABC and USP experience with the CERN Masterclasses – Hands on Particle Physics event designed to students from high schools and undergraduate teaching courses. At first the motivational aspect to participate in the event was considered. Then, taking into account the content of the activities we search for the main goals and difficulties perceived by the students. From those informations we analysed the role of the event as a scientific communication instrument. For this, we take the contemporary definition of Science Communication proposed by Burns, O’Connor and Stocklmayer. In their view, science communication must be understood as a processes aiming to approach the scientific literacy ideals. Based on our results it is possible to suggest that the event is leading the participants to advance in direction of a Public Awareness and Understanding of Science. These processes allow the development of a scientific culture which, at the same time, works as cause and consequence for the processes engendering the Scientific Literacy ideals. From this perspective, we point out that changes in the event design as well as their contribuitions to socio-educational and cultural issues can be better supported.

Keywords
scientific communication; particle physics; CERN Masterclasses


1. Introdução

O debate a respeito das potencialidades que podem surgir do contato entre a população e, em particular, os estudantes de Ensino Médio, com os cientistas e seus laboratórios vem se mostrando tema relevante nos estudos em ensino de ciências. Isso ocorre, em especial, devido ao impacto que a atividade científica imprime à vida social, econômica, cultural, política e até mesmo religiosa, tornando necessário que a aproximação com materiais de divulgação científica seja um instrumento relevante para a formação contínua da sociedade [1[1] A.M. Amâncio, A.P.D. Queiroz e A.A. Filho, História, Ciências, Saúde Manguinhos 6, 1 (1999).,2[2] T. Burns, J. O’Connor and S.M. Stocklmayer, Public Understanding of Science 12, 183 (2003).].

A riqueza de questões suscitadas neste debate tem inspirado estudos de diferentes matizes que, por sua vez, têm contribuído para mobilizar um crescente número de iniciativas em prol desta aproximação. Neste sentido, nota-se, na perspectiva dos cientistas, uma presença cada vez mais engajada em propostas que vão da elaboração de livros e artigos a ações em espaços não formais e eventos [3[3] S. Salém e M.R. Kawamura. In: Atas do V Encontro de Pesquisadores em Ensino de Física (1996), p. 588-598.]. O resultado dessas atividades são produtos e ações que procuram dialogar com o público e promover na sociedade, em grande parte, estudantes da escola básica, novos interesses e engajamentos nos temas científicos culminando, em alguns casos, em uma formação cidadã mais crítica [4[4] S. Albagli, Ciência e Informação 25, 3 (1996).]. Da perspectiva da sociedade, nota-se também um movimento crescente de demanda por espaços e produtos que possam promover a mediação com o universo científico. Estudos mostram que alguns aspectos que tornam este processo potencialmente rico surgem quando [1[1] A.M. Amâncio, A.P.D. Queiroz e A.A. Filho, História, Ciências, Saúde Manguinhos 6, 1 (1999).,5[5] L.S. Köptcke, in: Educação e Museu: A Construção Social do Caráter Educativo dos Museus de Ciência, editado por G. Gouvêa, M. Marandino e M.C. Leal (ACESS, Rio de Janeiro, 2003), p. 107-128.,6[6] M.V. Chinelli e L.E.V.D. Aguiar. Investigações em Ensino de Ciências 14, 377 (2009).]:

  • Há possibilidades concretas de interação com artefatos deste universo, como é o caso dos laboratórios científicos e dos museus de ciência;

  • Quando há um canal de diálogo direto com os cientistas, como é o caso de alguns eventos;

  • E quando a dimensão lúdica é explorada, neste caso, os parques de ciências e os programas televisivos são exemplos frequentes.

Para além da grande quantidade e diversidade de iniciativas que visam promover a aproximação entre ciência e sociedade, parece lícito questionar em que medida tais ações tem de fato atingido seus objetivos. Tais questionamentos geram elementos conducentes sobre os apoios financeiros, humanos, estruturais e intelectuais que estão sendo mobilizados nesses processos de divulgar. Ademais, não se pode ignorar a importância do compromisso ético na concepção e planejamento de tais iniciativas, haja vista os recorrentes casos de distorções que podem ser veiculados e que, ao final, contribuem de maneira negativa para todos os envolvidos [7[7] A. Delicado, Revista Crítica de Ciências Sociais 83, 79 (2008)., 8[8] I.M.D.A. Souza e A.M.L. Caitité, História, Ciências, Saúde, Manguinhos 17, 2 (2010).].

Imersos nesse contexto, insere-se a defesa da importância da inserção dos saberes associados à Física de Partículas (FP) no rol de interesses da sociedade, em especial, devido a sua visibilidade midiática atrelada a aspectos científicos e socioeconômicos. Nesse contexto, é crescente a necessidade de esclarecer para a população as finalidades dos avolumados recursos envolvidos na construção e manutenção de seus laboratórios e dos financiamentos para grupos de pesquisa [9[9] C. Faria, S. Freire, C. Galvão, P. Reis e O. Figueiredo, Ciência & Educação 20, 1 (2014).]. Se, por um lado, as pesquisas avançam as fronteiras de nosso conhecimento, por outro, os recursos, sobretudo financeiros, levam vários setores sociais a questionar a relação custo/benefício desta empreitada [10[10] H. Nowotny, P. Scott and M. Gibbons, Re-Thinking Science: Knowledge and the Public in an Age of Uncertainty (Wiley, Cambridge, 2001).,11[11] H. Nowotny, D. Pestre, E. Schmidt Assamann, H. Schlze-Fielitz and H.H. Trute, The Public Nature of Science under Assault: Politics, Markets, Science and Law (Springer, London, 2005).].

Do nosso ponto de vista, tanto os cientistas quanto os gestores e a classe envolvida com a educação da população, configuram um espaço de debate pertinente e cujos encaminhamentos se refletem diretamente nas rotinas destes diferentes atores. Na literatura encontra-se amplo material tratando de tais questionamentos e buscando refletir criticamente sobre as limitações e potencialidades dessas ações [12[12] L.M.S. Zamboni, Cientistas, Jornalistas e a Divulgação Científica (Autores Associados, Campinas, 2001)., 13[13] M. Marandino, in: Museus do Gabinete de Curiosidades à Museologia Moderna, editado por B.G. Figueiredo e D.G. Vidal (Argentum, São Paulo, 2010), p. 165-176.]. Um desses caminhos de entedimento é pensar acerca do que o público que se aproxima dos cientistas pretende, quais são suas expectativas e como percebem as contribuições desta interação com os cientistas para sua formação.

A partir desta perspectiva, o presente trabalho investigou, no contexto das experiências vivenciadas pela UFABC e pela USP na realização do evento CERN Masterclasses, qual seu papel para a comunicação científica. Para isso, o modelo contemporâneo de comunicação científica de Burns, O Connor e Stocklmayer [2[2] T. Burns, J. O’Connor and S.M. Stocklmayer, Public Understanding of Science 12, 183 (2003).] será utilizado como referencial teórico.

2. Referencial Teórico

A divulgação científica e a participação de cientistas nessas ações não é tema novo. Muitos autores vêm se interessando em compreender os sentidos, objetivos e perspectivas desses profissionais na busca em promover a compreensão pública da ciência [14[14] A.M. Mora, A Divulgação da Ciência como Literatura (UFRJ, Rio de Janeiro, 2003).]. Contudo, é complexo delimitar as fronteiras que separam a divulgação e a educação. Por vezes, há uma percepção de que a divulgação serve em alguns momentos para instigar o interesse pela ciência de modo mais amplo e, em outros momentos, para promover a melhoria de uma educação científica escolar deficitária [14[14] A.M. Mora, A Divulgação da Ciência como Literatura (UFRJ, Rio de Janeiro, 2003)., 15[15] G. Watanabe, I. Gurgel e M.G. Munhoz, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 1 (2014).].

Para Daniel Jacobi [16[16] D. Jacobi, La Communication Scientifique: Discours, Figures, Modèles (Pug, Grenoble, 1999).] o debate deve ser tratado a partir da compreensão das limitações da divulgação científica, de modo a questionar se elas podem dar conta das lacunas de uma educação científica escolar. Nesse contexto, a percepção de que a divulgação possui intencionalidades na formação da sociedade parece ser consenso, no entanto, o debate foca-se na percepção dos sentidos e negociações que estão sendo travados nessas interações.

Imersos em tal discussão, reconhece-se que a divulgação científica pode ganhar contornos educacionais e que institui um espaço próprio para a promoção do diálogo entre o locus de produção da ciência (laboratório, universidade) e a escola básica [2[2] T. Burns, J. O’Connor and S.M. Stocklmayer, Public Understanding of Science 12, 183 (2003)., 15[15] G. Watanabe, I. Gurgel e M.G. Munhoz, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 1 (2014).]. Relativamente a esse espaço, é necessário compreender os objetivos e perspectivas dos agentes que ali atuam, conduzindo, portanto, a uma percepção dos aspectos formativos que estão sendo tratados.

Para além do papel educacional há, também, a necessidade de compreender a necessidade de políticas que promovam a aproximação entre universidade e escolas. Alguns trabalhos apontam a importância de superar o distanciamento entre os cientistas e a população [17[17] M.R.A. Pechula, Ciência & Educação 13, 2 (2007).] de modo a construir relações de engajamento e a construção de novas parcerias entre os atores da divulgação e da educação científica [18[18] J. Stilgoe, S.J. Lock and J. Wilson, Public Understanding of Science 23, 1 (2014).]. Espera-se com isso que se possa defender uma interação capaz de construir uma dupla aprendizagem, de um lado, nos alunos, no que se refere aos aspectos da natureza da ciência e, por outro lado, nos cientistas que podem adquirir novas percepções sobre a escola básica.

O entendimento dessas relações estabelecidas no âmbito das ações de divulgação científica tem permitido identificar novas dimensões da renegociação de saberes envolvidas na interação entre cientistas e estudantes [18[18] J. Stilgoe, S.J. Lock and J. Wilson, Public Understanding of Science 23, 1 (2014).]. Esses estudos apontam que existem outros modos de mostrar a ciência ao público, em especial, pelos cientistas ao fazerem divulgação científica. São ações que buscam desmistificar as estruturas de poder intelectual ou social dos agentes do campo científico diante da sociedade. Assim, as relações entre aquele que falava de uma posição privilegiada do ponto do vista do saber, agora, parece estar consolidando um novo sentido que reflete fazer divulgação para promover a interação e caracterizar um diálogo com o público que seja, também, construído de modo coletivo [15[15] G. Watanabe, I. Gurgel e M.G. Munhoz, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 1 (2014).].

Ainda que existam debates entre a diferença da comunicação e divulgação científica sendo, no caso da primeira, reconhecida como atividade associada aos produtos acadêmicos e destinada aos pares enquanto, a segunda, destinar-se-ia a disseminação mais ampla dos interlocutores; nesse trabalho reconhece-se a comunicação científica como possibilidade de interlocução entre diferentes atores sociais e que se têm, portanto, o objetivo de promover a aproximação, aquisição ou reflexão sobre o conhecimento científico, independente das posições desses agentes na estrutura social.

Assim, o desenho deste processo entre o que se pretende e o que se efetiva na ação de divulgar pode ser melhor compreendido através dos estudos de Burns e seus colaboradores [2[2] T. Burns, J. O’Connor and S.M. Stocklmayer, Public Understanding of Science 12, 183 (2003).]. Esses autores identificam os principais conceitos e termos que permeiam o debate sobre a comunicação científica. Nessa perspectiva, a comunicação científica é compreendida como um processo que contribui para a literacia científica. O modelo contemporâneo da comunicação científica (Figura 1) constitui-se numa tentativa de abarcar diferentes concepções teóricas e práticas sobre o processo de apresentação da ciência ao público e que considera o envolvimento de diferentes agentes (divulgadores, cientistas, educadores, mediadores), ainda que com objetivos que podem ou não serem convergentes.

Figura 1
Modelo de Comunicação Científica de Burns, O’Connor e Stocklmayer.

Mais precisamente, para os autores, existe um tipo de hierarquia que define esse processo de comunicar a ciência. A primeira etapa seria a Consciência Pública da Ciência1 1 Public Awareness of Science. que, por sua vez, é um pré-requisito para se chegar à Compreensão Pública da Ciência2 2 Public Understanding of Science. . Dessa maneira, enquanto a Consciência Pública da Ciência abrange um conjunto de atitudes positivas que o público deveria adquirir ao ter contato com ações de comunicação científica e que podem ser evidenciados com habilidades e comportamentos sobre ciência, como, por exemplo, reconhecer a relevância da mesma, defender debates pautados em conhecimentos científicos e priorizar os resultados consolidados em detrimento das questões míticas, a Compreensão Pública da Ciência seria o tipo de saber que abrange os conhecimentos da natureza da ciência, sua história e o reconhecimento dos avanços e implicações desse saber. Os conteúdos e a compreensão da dimensão social também pertenceriam a esse tipo de conhecimento [2[2] T. Burns, J. O’Connor and S.M. Stocklmayer, Public Understanding of Science 12, 183 (2003).].

Os autores assumem a literacia científica como um objetivo a ser alcançado após um processo que passa pela aquisição de diferentes habilidades no âmbito do desenvolvimento da Consciência Pública da Ciência e da Compreensão Pública da Ciência. Só após esse processo seria possível ao público obter o que os autores chamam de literacia [2[2] T. Burns, J. O’Connor and S.M. Stocklmayer, Public Understanding of Science 12, 183 (2003).].

O papel da cultura científica nesse processo é o de nortear os caminhos, fazer convergir os sentidos e perspectivas das aquisições. A partir dos aspectos culturais de determinado grupo social (científico, escolar, artístico etc.) é que se pode definir o que deve ou não ser valorizado do ponto de vista do conhecimento científico: o saber específico, aspectos da natureza da ciência, epistemologia etc.

Diante do exposto, a noção de comunicação científica assumida neste trabalho será entendida a partir do processo que leva à literacia científica. Ela deve abranger todos os instrumentos necessários para pautar a consciência, a compreensão e a aquisição de literacia científica, assim como seus aspectos que envolvem a cultura científica. Neste contexto, nosso objetivo é considerar, a partir de um conjunto de percepçoes de seus participantes, relativas ao evento, o papel que o mesmo possui enquanto instrumento para a aquisição de uma literacia científica. Na seções seguintes serão apresentadas o evento investigado e as percepções de estudantes participantes do evento.

3. O evento CERN – International Masterclasses Hands on Particle Physics na UFABC e USP

O CERN International Masterclasses Hands on Particle Physics foi idealizado e realizado pela primeira vez por Roger Barlow, em 1997, no Reino Unido [19[19] R. Barlow, CERN Courier 1, 6 (2014).]. O objetivo inicial do autor foi organizar atividades de FP para alunos da escola média visando atualizar o conhecimento escolar dos estudantes acerca das pesquisas contemporâneas [20[20] U. Bilow and M. Kobel, EPJ Web of Conference 71, 17 (2014).].

No Brasil, membros das instituições UFABC, USP, IFT-Unesp (Instituto de Física Teórica da UNESP), UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) entre outras, vêm participando do CERN - International Masterclasses Hands on Particle Physics desde 2007. Embora inicialmente pensado e produzido apenas por físicos de partículas, no caso brasileiro, os eventos passaram a apresentar também um perfil educacional, a partir da cooperação com pesquisadores da área de Ensino de Física. Em ambos os eventos analisados neste artigo – UFABC e USP – os alunos vivenciam algumas das etapas de uma pesquisa em FP e são envolvidos em ações concretas de análise de dados, debates com cientistas e também com os pesquisadores da área de ensino de física.

A estrutura original dos eventos, tanto na UFABC quanto na USP, constitui-se em dois pilares: uma atividade na qual se utiliza um software para análise de dados e uma videoconferência. A organização dos dois dias de atividades é dividida entre: palestras com especialistas de FP e Ensino; visitas às dependências das universidades, incluindo os laboratórios de pesquisa; atividades com um software produzido pelo CERN para analisar dados reais dos experimentos; e videoconferência para apresentação e debate dos dados obtidos pelos estudantes de distintos países, mediada por pesquisadores do CERN.

Nas atividades de análise de dados, o detector CMS fornece os dados para o evento da UFABC e, o detector ALICE, para o evento da USP. Ambos utilizam um software que permite a visualização da estrutura dos detectores e das trajetórias das partículas após uma colisão de alta energia. Através das observações das características destas trajetórias os alunos têm condições de classificá-las. Organizados em pares/equipes, os estudantes analisam vários dados, identificam os eventos e realizam uma discussão sobre os resultados obtidos à luz da teoria do Modelo Padrão. No final, os resultados são apresentados em uma videoconferência comandada por pesquisadores no CERN juntamente com outras instituições ao redor do mundo que também fizeram essa mesma atividade.

No caso da UFABC, pesquisadores do experimento CMS (Compact Muon Solenoid) discutem e orientam a análise dos dados colhido pelo detector. O experimento CMS, juntamente com o experimento do ATLAS (A Toroidal LHC ApparatuS), é um experimento de caráter geral, dedicado a explorar vários aspectos da estrutura fundamental da matéria. O CMS se dedica a um estudo aprofundado do modelo padrão, estudando as interações entre os fermions mediadas pelos bosons de gauge. Espera-se encontrar pistas que permitam um melhor entendimento da natureza das interações fundamentais. Um grande passo nesta direção já foi dado pelos experimentos ATLAS e CMS com a descoberta do boson de Higgs em 2013, confirmando o modelo mais aceito para a geração de massa das partículas elementares. Nas atividades envolvidas no Masterclass eventos contendo a formação de um boson de Higgs estão presentes para os alunos analisarem e "redescobrirem" o Higgs. Existem ainda muitas dúvidas e perguntas sem respostas que o CMS espera investigar, como a natureza da matéria escura (um tipo de matéria ainda não contemplada no modelo), existência de novas interações, existência de dimensões extras e diversas outras questões que são apresentadas aos estudantes - e muitas vezes levantadas por eles.

Já o experimento ALICE (A Large Ion Collider Experiment) é um dos quatro grandes experimentos do LHC-CERN. O principal objetivo desse experimento é o estudo do chamado Plasma de Quarks e Gluons. Há duas famílias de partículas (fermions) fundamentais na natureza: leptons e quarks. Além delas, existem também as partículas responsáveis pelas interações fundamentais da natureza, que são os chamados bosons de gauge. Os quarks, por sua vez, formam os chamados hádrons, como prótons, nêutrons, que constituem o núcleo atômico, e pions, a partícula descoberta pelo físico brasileiro César Lattes. Prótons e nêutrons são compostos por 3 quarks e, como toda partícula com essa composição, são chamados de barions. Pions correspondem a um tipo diferente de hadron, chamados de mesons, que são compostos por um quark e um anti-quark. Um fato muito intrigante da natureza é que quarks nunca podem ser observados isoladamente, mas sempre presos ou confinados em hadrons. O Plasma de Quarks e Gluons é justamente um sistema onde os quarks encontram-se fora desse confinamento, formando um objeto muito maior que um hadron e com propriedades desconhecidas. O objetivo do experimento ALICE é formar e estudar as propriedades desse novo estado da matéria que, segundo a teoria do Big Bang, deve ter existido nos instantes iniciais do nosso Universo.

Dessas ações nas universidades, o estudante pode ‘vivenciar’, ainda que parcialmente, o processo de pesquisa, visto que: estudam e determinam um problema a ser estudado (2 palestras somando 3h); analisam os dados (3h num exercício utilizando o software); discutem e interpretam os resultados (2h de discussão realizada com os professores pesquisadores da UFABC e USP) e apresentam e compartilham os resultados para nossos pares (1h de vídeo conferência com pesquisadores e alunos da mesma faixa etária de países distintos). Cabe salientar que nas atividades de análise, preparação da apresentação e exposição dos resultados na videoconferência é possível proporcionar aos alunos uma experiência mais apurada sobre o fazer científico e, também, uma reflexão sobre os processos de construção de tal saber [15[15] G. Watanabe, I. Gurgel e M.G. Munhoz, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 1 (2014).].

4. Metodologia da Pesquisa

Em face aos objetivos propostos neste trabalho, foi desenvolvido um instrumento de coleta de dados constituído de três questões abertas (Quadro 1), respondidas pelos participantes ao final dos eventos ocorridos na UFABC e USP em 2015. Na UFABC foram considerados 8 questionários de estudantes do EM e 41 de licenciandos; já na USP foram considerados 30 questionários de estudantes do EM e 19 de licenciandos.

Quadro 1
Questões respondidas pelos participantes e respectivas categorias de análise. Conforme cada uma destas dimensões for sendo analisada, algumas reflexões serão apresentadas a fim de subsidiar a elaboração dos novos emergentes.

Na UFABC os participantes de EM eram oriundos de 2 escolas públicas da região do ABC paulista. Já os estudantes de licenciatura vieram de diferentes instituições e regiões, a saber: Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP-DIADEMA), Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP-SP) e a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Como forma de organização prévia, os professores participantes do evento tiveram, cerca de 1 mês antes do evento, um curso de 3 horas com os pesquisadores da área de Ensino e de FP. A intenção com isso foi oferecer subsídios (uma introdução à FP e ao software do evento) para que pudessem trabalhar com os seus alunos nas escolas, antes e depois do evento.

No contexto da USP, participaram 5 escolas públicas e 5 escolas privadas do EM, do Estado de São Paulo. Os alunos dos cursos de licenciatura vieram das seguintes instituições paulistas: USP, UNIFESP e Universidade Cruzeiro do Sul. No caso dos professores, esses participam do curso preparatório que ocorre em Janeiro no IFUSP, no contexto do curso de formação continuada da universidade intitulado USP-Escola. Assim como na UFABC, esse curso visava construir aproximações com o saber a ser tratado no evento e na familiarização com o software do evento.

O processo de seleção dos participantes, em ambas as universidades, se deu através de convites formais às instituições que, por sua vez, apresentaram diferentes critérios para a escolha de seus alunos. São, portanto, processos que levam em conta sorteio, notas, interesse pessoal, entre outros.

Cabe destacar que os participantes dos dois eventos apresentavam diferentes perspectivas culturais e sociais, em especial, por serem provenientes de distintas regiões de São Paulo e de outros estados. De antemão, esse aspecto pode influenciar os modos como percebem o evento, interagem com os cientistas e encaminham suas demandas ante os aspectos formativos relacionados às atividades realizadas.

Para a análise dos dados coletados, tomou-se como referência a perspectiva da Análise Textual Discursiva (ATD) [21[21] R. Moraes e M.C. Galiazzi, Análise Textual Discursiva (Unijuí, Ijuí, 2007).]. Tal perspectiva busca promover "(…) um processo auto-organizado de construção de compreensão em que novos entendimentos emergem de uma sequência recursiva de três componentes" [21[21] R. Moraes e M.C. Galiazzi, Análise Textual Discursiva (Unijuí, Ijuí, 2007).]. Estas três componentes são:

  1. O processo de desmontagem dos textos, denominado de unitarização, que implica em realizar a análise do texto, fragmentando-o até a identificação das suas unidades de sentido.

  2. O estabelecimento das relações entre as unidades de sentido, denominado categorização, classificando-as em grupos mais complexos, em categorias de análise;

  3. E, por fim, a elaboração de uma síntese, de um metatexto, a partir das categorias. Essa fase é chamada de captação de um novo emergente.

Para Moraes [22[22] R. Moraes, Ciência e Educação 9, 191, 2003.] todo esse processo pode ser considerado cíclico o que leva à compreensão de que a partir da desconstrução do texto original novas interpretações emergem e passam a ter um novo sentido através da comunicação produzida pelo metatexto elaborado pelo pesquisador. Esse ciclo mostra que a partir de dados considerados ‘brutos’, o pesquisador é responsável por uma série de transformações e operações que o levarão a atribuição de significados a estes dados.

A partir da ATD as categorias encontradas referem-se a (1) Expectativas; (2) Aprendizado; e (3) Dificuldades. Tais categorias e as questões que as perpassam estão apresentadas no Quadro 1.

5. Análise e discussão dos dados

A análise que se segue está organizada seguindo as três dimensões de análise propostas - (1) Expectativas dos estudantes, (2) Conhecimentos científicos adquiridos e (3) Dificuldades e limitações. Primeiramente serão considerados os dados relativos aos estudantes de EM e, em seguida, analisados os dados relativos aos licenciandos. A identificação dos participantes da pesquisa se dá pelo sistema alfanumérico (EM1,…, EMn), para os alunos do EM, e (LIC1, …, LICn) para licenciandos.

(1) Expectativas dos estudantes

Conforme já mencionado, o questionário aplicado abordou inicialmente as expectativas dos participantes ante o evento. Para a análise, optou-se por apresentar os resultados na forma de um gráfico de barras a fim de possibilitar, à medida que os gráficos nos habilite, uma apreciação dos dados também de forma quantitativa. O Gráfico 1 apresenta os dados relativos aos estudantes de EM que participaram na UFABC e da USP.

Gráfico 1
Distribuição dos aspectos motivacionais mencionados pelos estudantes de EM para participar no evento na UFABC e USP.

A partir destes dados nota-se certo destaque em duas categorias, a saber, (i) curiosidade dos participantes pela universidade, e, (ii) a curiosidade pela FP, que se refere à expectativa em aprender mais sobre a FP.

A categoria (i), relativa à curiosidade dos participantes pela universidade, apresenta uma distribuição parecida entre os eventos realizados na UFABC e USP. Em ambos os casos, nota-se que o interesse referente à instituição é mencionado de modo proeminente, apontando para uma dimensão do imaginário social dos alunos acerca das instituições que recebem os eventos e o reconhecimento dos seus cientistas. Essas questões evocam uma percepção de que os aspectos referentes a uma consciência pública da ciência já parecem imanentes nos discursos dos entrevistados, pois podem estar transmitindo uma atitude de curiosidade pelo espaço de produção da ciência e reconhecendo a relevância desses ambientes para o contexto social e cultural dos alunos.

No caso da categoria (ii), aprender sobre a FP parece ser um outro aspecto de interesse significativo desses jovens. Tais motivações são, em geral, fruto de uma percepção de que o Masterclasses pode ser um lugar de instrumentação do conhecimento ou, ao menos, de possibilidade de reconhecimento da relevância de tal saber científico. No que se refere à percepção de que o evento propicie um lócus de instrumentação do conhecimento, as expectativas concretas de aquisição de saberes por parte dos participantes parecem apontar que elementos de uma compreensão pública da ciência estão sendo mobilizados. Já no que tange o reconhecimento da FP enquanto saber científico relevante a ser apreendido, novamente, uma consciência pública da ciência parece se tornar manifesta.

Por fim, a categoria que expressa a curiosidade dos participantes pelas visitas aos laboratórios, por ter sido pouco mencionada, sugere uma reflexão sobre eventual falha no desenho dos eventos, o que merece ser mais bem investigado e, se for o caso, revisado

Quanto às respostas dadas pelos estudantes de licenciatura participantes da USP e UFABC, os destaques passam a ser o interesse dos mesmos em apreender conceitos de FP e a importância por eles atribuída ao tema para sua formação, como ilustra o Gráfico 2.

Gráfico 2
Distribuição das expectativas mencionadas pelos estudantes de licenciatura para participar no evento da USP e UFABC.

De uma maneira geral, os licenciandos apontam para a necessidade, importância e viabilidade de se oferecer nos currículos de licenciatura temas de Física Moderna e Contemporânea de modo mais significativo.

Assim, como apresentado pelo licenciando participante do evento na UFABC, seu interesse em participar se deu devido ao:

"Contato com uma área do conhecimento pouco explorada no ensino básico e mesmo nos cursos de formação inicial de professores de Física (…)". LIC10

Nessa passagem, o aluno traz uma discussão bastante atual e que vem sendo tratada por diferentes pesquisadores da área de ensino de ciências. Tais percepções, no entanto, ainda apontam a necessária aproximação entre os debates e a efetiva prática na mudança e inserção de temáticas contemporâneas no âmbito da formação de alunos de graduação. Essa dimensão repousa na condição primeira de elaborar espaços curriculares em que se possa introduzir e debater os conhecimentos de física moderna de modo a promover a efetiva compreensão dos futuros professores, viabilizando, posteriormente, ações para o contexto das salas de aulas do ensino médio.

No que se referem aos licenciandos participantes do evento da USP, observa-se uma preponderância pela curiosidade pelo tema do evento (de modo mais geral) como o elemento instigador para participar desse espaço de interação. Isso, também, reflete a dimensão ainda pouco explorada do tema nos cursos de Ensino Superior (ES), como apontado anteriormente, mas, igualmente, se relaciona com o papel midiático que o CERN provoca através de suas ações de divulgação e comunicação na sociedade.

Outro elemento de destaque refere-se à questão acerca do desenvolvimento científico e na superação das expectativas dos licenciandos.

"O evento forneceu uma nova visão sobre a física de partículas e como os pesquisadores analisam os dados no CERN". LIC23

Tal fato reflete, também, um instrumento importante de interesse dos cientistas que promovem o evento, visto que pode tratar questões que ainda estão à margem da formação dos professores de ciências [9[9] C. Faria, S. Freire, C. Galvão, P. Reis e O. Figueiredo, Ciência & Educação 20, 1 (2014).]. Nesse sentido, aspectos da consciência pública são mais evidentes, pois devido a formação desses pesquisados, o conhecimento científico se mostra parte importante da identidade desses agentes. Portanto, a priorização pelo interesse no conhecimento indica o reconhecimento da relevância da ciência e dos saberes específicos nos debates de temáticas científicas.

(2) Conhecimentos científicos adquiridos

A segunda dimensão investigada refere-se à aprendizagem proporcionada pelo evento. Essa análise busca encontrar elementos que possam trazer alguns indícios das mudanças dos estudantes da fase de consciência públicos para a compreensão pública da ciência.

De modo geral, dos resultados, foi possível identificar que tanto os alunos do EM como do ES nas duas instituições indicaram que houve algum aprendizado novo. Devido à pluralidade de unidades de significado encontradas nas respostas dos estudantes, optamos por não expressá-las em forma gráfica. Em contrapartida, à luz da metodologia utilizada, optamos em apresentar as categorias que emergiram das respostas dos estudantes. No caso dos estudantes de EM, as categorias foram: (i) Conceitos em FP; e (ii) Percepção Social da Ciência.

A categoria (i) Conceitos em FP reúne unidades de significado conceituais mencionadas pelos estudantes como aprendizado novo em FP. Exemplos dessas unidades são: "partículas subatômicas", "reações físicas", "anti-matéria" e "estrutura elementar da matéria". Neste contexto, cabe salientar que essas unidades de significado se reportam a temas de uso frequente em textos de divulgação em FP [23[23] A. Kemper, E. Zimmermann e M.L. Gastal, Revista Brasileira de Educação em Ciências 10, 3 (2010).] e foram mencionados durante as palestras. No geral, os alunos do EM apontam para conceitos novos aprendidos, como ilustra a passagem a seguir,

"O que eu aprendi de novo foi a estrutura elementar da matéria, a antimatéria, as partículas e antipartículas, as que possuem carga elétrica opostas, mas mesmas massas(…)." EM11.

Esse reconhecimento dá indícios de que os estudantes puderam perceber e reconhecer aprendizagens do conhecimento científico como se espera na compreensão pública da ciência. Ainda que não se possa afirmar que esses conhecimentos possam ter sido adquiridos de modo efetivo, tal reconhecimento pode representar novas aquisições de cunho científico para os participantes.

No que se refere à (ii) Percepção Social da Ciência, o aspecto externo à ciência é capturado, pois abre o questionamento a respeito da utilidade, das justificativas socioeconômicas da ciência e traz importantes indícios de uma compreensão pública da ciência. Uma fala que ilustra tal percepção é: "[pude aprender] como funciona e para que serve um acelerador" (EM14). Essa percepção é relevante se o intuito do ensino é a promoção de uma perspectiva mais crítica, pois aponta para possibilidade de discussões mais aprofundadas sobre assuntos que vão desde o financiamento da ciência até o avanço tecnológico e científico, aspectos tomados como necessários para o desenvolvimento da sociedade.

Quanto às respostas dos estudantes de ES, foi possível identificar, além das categorias já mencionadas para o EM, duas novas categorias, a saber: (iii) Análise de Dados; e (iv) Importância para a Formação.

Em (i) Conceitos em FP, como no caso do EM, reúnem-se unidades de significação conceituais mencionadas pelos estudantes como aprendizado novo em FP. Exemplos dessas unidades são: "força forte e fraca", "antimatéria", "estrutura da matéria". Segundo LIC16 e LIC 13,

"Através desse Masterclasses consegui aprender um pouco mais sobre algumas características específicas das partículas elementares e dos bósons mediadores (…)" LIC16.

"Os fatores que influenciaram na descoberta do Bosón de Higgs. E também utilizar o software de identificação das partículas." LIC13.

Já a categoria (iii) Análise de Dados, emergiu de um grande número de respostas versando sobre o processo de análise dos dados via o software produzido pelos pesquisadores do CERN. Essa preocupação traz para o debate educacional a importância de inserir temáticas sobre as técnicas utilizadas no âmbito das pesquisas atuais em FP de modo a implementar novas abordagens no ensino. Nos trechos recorrentes dos discursos dos alunos LIC09 e LIC15, aparece esse interesse pelos processos atuais de desenvolvimento da ciência: [pude conhecer] "como os dados são coletados e processados", "como utilizar o software de análise dos dados"; e "como identificar e classificar amostras do CERN".

O que essas falas ilustram é para a importância que os alunos apontam como aprendizado no evento, ou seja, dos modos como são coletados e analisados. Assim, percebe-se o reconhecimento de aprendizagens que ultrapassam a aquisição dos saberes específicos para aquisições dos processos de produção, caracterizando, portanto, uma dimensão de compreensão pública da ciência pelos estudantes.

No que se refere à (iv) Importância para a Formação, como a (ii) no caso do EM, nota-se outro aspecto externo à atividade científica. Neste caso, os licenciandos salientam a importância de se tratar e discutir temas científicos contemporâneos nos espaços de formação tanto no ensino médio quanto universitário. Em alguns casos é significativa a quase ausência da discussão sobre FP nos cursos de licenciatura em Física, pelo menos do ponto de vistas dos alunos de graduação. Citações ilustrativas desses aspectos podem ser vistas em LIC08 ao apontar que a FP "(…) é novidade e pouco discutida nas escolas"; e LIC05 ao salientar que,

"Como é um assunto novo, tudo parece difícil. Mas acredito que eu tenha achado mais difícil foi entender realmente sobre essas partículas. Pensando que o objetivo é passar para o ensino médio há uma grande dificuldade, pois se nem mesmo na graduação vemos muito sobre esse assunto". LIC05.

(3) Dificuldades

As dificuldades constitui a terceira dimensão de análise e busca consolidar os dados através dos problemas e limitações segundo a visão dos pesquisados. Essa dimensão ajuda a compreender quais os instrumentos de superação que devem ser tratados e os equívocos gerados no evento de modo a superar a visão da consciência para uma perspectiva de compreensão pública da ciência. Para tanto, observa-se que algumas categorias que aparecem como aprendizagens também são apresentadas nas dificuldades. Para os alunos do EM as seguintes categorias emergiram: (i) Conceitos em FP; (ii) Estrutura do evento; e (iii) Análise de dados.

Em (i), Conceitos em FP, apresentam-se argumentos que levam ao entendimento acerca dos conceitos que são de difícil aquisição/compreensão, a exemplo do Bóson de Higgs. Esse assunto aparece de modo recorrente nos discursos dos alunos ("mecanismo de Higgs" ou "explicação sobre o bóson") e reflete a complexidade do tema abordado no evento. Segundo EM10,

"(…) a Física de partículas não faz parte da matéria do Ensino Médio; foi como cair de para quedas no Bóson de Higgs, totalmente surreal. A diferenciação das partículas realmente me fez pensar em como alguém conseguiu pensar nisso, sinceramente, muito complicado (…)". EM010.

Nessa perspectiva ainda é possível identificar em diversas falas o quão pouco os alunos participam e conhecem o direito de aprendizagem que possuem, visto que a FP faz parte do currículo do estado de São Paulo. Mais precisamente, ela é assunto a ser tratado no terceiro ano do EM. Ainda há de se considerar que as condições atuais da escola pública e a formação inicial de professores podem levar a exclusão do assunto dos temas que efetivamente são tratados em sala de aula.

Em (ii), Estrutura do evento, os alunos do EM salientam o pouco tempo do evento Masterclasses. O período de contato com os pesquisadores e a aproximação aos novos saberes se torna algo difícil de administrar, tal como comenta EM09 e EM07, respectivamente: "(…) é bastante informação de uma só vez"; e "(…) a quantidade de conteúdo apresentado em tão pouco tempo". Nesse sentido, parece que a questão do tempo de aprendizagem e de interação com os pesquisadores se faz aspecto a ser considerado numa perspectiva de eventos que se propõe discutir tanto o fazer cientifico quanto os conteúdos conceituais a eles relacionados. Evidentemente que rever a estrutura de um evento desse porte requer avaliar os ganhos e perdas, considerando o tempo disponibilizado dos pesquisadores para além de suas atividades de pesquisa. No entanto, ela parece essencial se o objetivo do evento também é mobilizar para as aprendizagens de cunho conceitual.

Em (iii), Análise de dados, emerge outro fator de difícil compreensão pelos alunos do EM: o uso do software e a interpretação de dados. Para eles, esses dois elementos se mostram complexos. Exemplos de dificuldades presentes nas respostas à terceira questão são relativas: "(…) a análise do programa de colisões" (EM07), "(…) achar os rastros dos choques de partículas" (EM06) e "(…) o funcionamento dos dados do programa" (EM13). Essa identificação é importante porque explicita aos organizadores do evento a necessidade de dar suporte às escolas antecipadamente, seja por meio de encontros com docentes ou cursos de formação aos estudantes.

No âmbito dos pesquisados do ES, observa-se nas respostas dimensões estruturais e conceituais que fizeram com que os licenciandos encontrassem empecilhos para o melhor aproveitamento do evento. Assim, encontram-se nos dados as dificuldades relacionadas à (iii) Análise dos dados (tal como no EM) e (iv) Desenvolvimento da FP.

Em (iii), Análise dos dados, também se apresenta o problema da complexidade apontado pelos alunos do EM. Aqui os licenciandos apontam os modos como se dá a interação com o software: "(…) é difícil encontrar novas partículas." (LIC14); e "(…) tendo em vista que o software disponibiliza várias informações, para quem não está habituado é um grande desafio." (LIC03). Salienta-se que a dificuldade em se encontrar novas partículas é uma das intenções da aproximação à realidade do cientista.

Em (iv), Desenvolvimento da FP, há entre as respostas dificuldades apontadas acerca da compreensão dos conceitos e relevância dos estudos sobre a FP. Existem nessa categoria temas sobre o desenvolvimento da ciência: "(…) não consigo perceber a importância da identificação do plasma." (LIC04); e "(…) como pode contribuir [o estudo] para um conceito ou teoria já estabelecida." (LIC06).

No que se refere às dificuldades encontradas, observa-se, a partir das respostas tratadas pelos alunos do EM e ES, que a análise dos dados e o entendimento do desenvolvimento da ciência parecem ser os maiores desafios a serem superados. Tal percepção pode estar associada a uma educação que objetiva, na maioria das instituições, olhar para a Física como o saber consolidado, proveniente de experiências e teorias já bem estabelecidas. Nesse sentido, quando se observa o debate entorno de saberes em construção, como no caso proporcionado no evento, os estudantes vivenciam um momento de contestação, superação das ideias e concepções de uma ciência acabada. São, portanto, experiências pretendidas no âmbito da promoção de uma compreensão pública da ciência. Ainda que sejam especificamente pontuais, podem desencadear reflexões que posteriormente promovam novas atitudes ante o conhecimento científico.

6. Considerações Finais

A partir da análise e discussões apresentadas na seção anterior, constata-se que as ações do evento CERN Masterclasses Hands on Particle Physics, quando consideradas da perspectiva contemporânea de comunicação científica proposta por Burns, O’Connor e Stocklmayer [2[2] T. Burns, J. O’Connor and S.M. Stocklmayer, Public Understanding of Science 12, 183 (2003).], estão produzindo em seus participantes processos conducentes tanto a uma Consciência quanto Compreensão Públicas da Ciência. Estes processos permitem acessar o ideal de Literacia Científica defendido por estes autores, uma vez que operam estruturalmente no processo de desenvolvimento de uma cultura científica. Salienta-se que tal dimensão cultural constitui-se, ao mesmo tempo, em causa e conseqüência do processo que leva da Consciência Pública ao ideal de Literacia Científica.

Outro aspecto já tratado na literatura [24[24] G. Watanabe, L.C. Costa, G. Watanabe, I. Gurgel, P. Mercadante, E.M. Gregores e M. Munhoz, in: XVI Encontro Nacional de Ensino de Ciências, Lisboa, p. 115 (2015)., 25[25] G. Watanabe, A Divulgação Científica Produzida por Cientistas: Contribuições para o Capital Cultural. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, 2015.] e que o presente trabalho permite evidenciar de forma complementar consiste na discussão sobre as dificuldades manifestadas pelos participantes do evento relativamente à sua estrutura. Em particular, a relação entre as atividades e os conteúdos conceituais trabalhados no evento e o tempo a eles dispensado produziram, tanto nos participantes oriundos do ensino médio quanto superior, críticas e ponderações que podem ser utilizadas nos eventos futuros. Entre outras, cabe destacar a importância de se considerar atividades que permitam uma aproximação mais efetiva dos estudantes ao ambiente científico-cultural dos cientistas. Ações que propiciem também um contato prévio dos estudantes com os conceitos de FP, de forma a aclimatá-los às atividades mais intensas nos dias do evento, parecem representar adequações cujo custo benefício frente à proposta do evento parece ser positivo. Inclusive, conforme já apontado, não se deve ignorar que os processos que conduzem à conscientização e a compreensão pública da ciência e que levam à Literacia Científica, exigem, para cada participante, tempos distintos tanto de interação com o novo universo cultural quanto de amadurecimento.

Por fim, cabe pontuar a importância de se considerar elementos subjacentes aos dados, que refletem as relações que estão sendo desenvolvidas entre seus diferentes atores no âmbito do evento. Em particular, parecem relevantes as relações simbólicas associadas aos conhecimentos científicos e a visão de natureza da ciência. Em um trabalho futuro, abordaremos esta questão de uma perspectiva sociológica [26[26] L. Wacquant, Revista de Sociologia e Política 19, 95 (2002).], onde os elementos socioculturais serão explorados em maior profundidade e de forma complementar a perspectiva assumida no presente trabalho.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2016

Histórico

  • Recebido
    05 Fev 2016
  • Revisado
    14 Maio 2016
  • Aceito
    15 Maio 2016
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