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Efeito Doppler com tablet e smartphone

Doppler Effect with tablet and smartphone

Resumos

Um importante fenômeno físico, com várias aplicações tecnológicas, é o conhecido efeito Doppler. Face a sua importância, esse é um tema comum em praticamente todos os livros de ensino médio e superior. Não obstante, é um tema de difícil abordagem experimental, principalmente em escolas que não possuem um laboratório didático bem equipado. Neste trabalho, apresentamos um experimento didático, que permita a medida da frequência Doppler para ondas sonoras. Para tal, utilizamos como recursos didáticos aparelhos que fazem parte do cotidiano dos alunos, a saber, tablets, smartphones e softwares livres. Acreditamos que a utilização destes aparelhos torna a proposta de ”baixo custo”e acessível a grande parte das escolas brasileiras.

Palavras-chave:
Efeito Doppler; experimento de baixo custo; tablets e smartphones


An important physical phenomena, with many technology applications, is the Doppler effect. In view of its importance, this is a common subject in high school or college books. However, it is a subject of difficult experimental approach, mainly in schools that do not have a well equipped teaching laboratory. In this paper, we present a didactic experimental, that enable the measure of Doppler effect for sound waves. We use as didactic resources devices that are part of daily life of students, namely, tablets and smartphones. We believe that the use of these devices makes this a ”low cost” proposal and accessible of the most Brazilians schools.

Keywords:
Doppler effect; low cost experiment; tablets and smartphones


1. Introdução

Nos últimos anos o ensino de física vem enfrentando um de seus maiores desafios: sua prática para uma geração de estudantes imersos na tecnologia e na facilidade de acesso à informação. A sala de aula atual na disciplina de física em qualquer segmento de ensino pode ser considerada a materialização do desafio citado. Neste sentido, abordagens que envolvam tecnologias de informação e comunicação (TIC's) tem grandes chances de despertar o interesse e, sobretudo, facilitar o diálogo entre professores e alunos [1[1] S.A. Adeyemo, International Journal of Educational Research and Technology 1, 48 (2010).,2[2] M.A. Pires e E.A. Veit, Revista Brasileira de Ensino de Física 28, 241 (2006).]. Atualmente, muitos trabalhos têm explorado novas tecnologias para auxiliar à aprendizagem no ensino de física, podemos citar, trabalhos de modelagem computacional [3[3] P.F.T. Dorneles, I.S. Araújo e E.A. Veit, Revista Brasileira de Ensino de Física 30, 3308 (2008).5[5] M.R. Fernandes e L. Ferracioli, Cad. Bras. Ens. Fís. 23, 93 (2006).], simulação e experimentos virtuais [6[6] A. Medeiros e C.F. Medeiros, Revista Brasileira de Ensino de Física 24, 77 (2002).9[9] S.C. Lima e E.K. Takahashi, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 3501 (2013).], softwares [10[10] J.S. Figueira e E.A. Veit, Revista Brasileira de Ensino de Física 26, 203 (2004).12[12] K. Perkins, W. Adams, M. Dubson, N. Finkelstein, S. Reid, C. Wieman and R. LeMaster, Phys. Teach. 44, 18 (2006).] e vídeo-análise [13[13] V.L.B. Jesus e D.G.G. Sasaki, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 3503 (2014).,14[14] M.V. Pereira e S.S. Barros, Revista Brasileira de Ensino de Física 32, 4401 (2010).]. O uso de smartphones e tablets como instrumentos de medidas associados à experimentação também tem sido investigados [15[15] M. Monteiro, C. Cabeza e M.C. Arturo, Revista Brasileira de Ensino de Física 37, 1303 (2015).18[18] L.P. Vieira, V.O.M. Lara e D.F. Amaral, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 3505 (2014).]. Esses recursos didáticos, quando utilizados em sala de aula, podem contribuir para enriquecer a abordagem didática e o processo ensino-aprendizagem.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio [19[19] Brasil, Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (Ministério da Educação e Cultura, Brasília, 2000).] trazem diretrizes para o ensino das ciências que valorizam a compreensão da natureza e as tecnologias, visando a inserção do educando na sociedade de forma a promover um exercício crítico da cidadania. Assim, temas que envolvem aplicações tecnológicas importantes são mais potencialmente significativos para os alunos. O efeito Doppler (ED), batizado em homenagem a Christian Doppler [20[20] P.M. Schuster, Revista Brasileira de Ensino de Física 29, 465 (2007).], é um tema que permite muitas abordagens indo da acústica [21[21] E. Ludke, P.J. Cauduro, A.M. Vieira e R.B. Adornes, Revista Brasileira de Ensino de Física 34, 1702 (2012).,22[22] C.K. Lee e H.K. Wong, Phys. Educ. 46, 440 (2011).] a aplicações no estudo da cosmologia [23[23] D.R.C. Mello, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 3307 (2014).,24[24] O. Umeh, C. Clarkson and R. Maartens, Class. Quantum Grav. 31, 202001 (2014).]. Além disto, possui inúmeras aplicações tecnológicas como em ecocardiogramas, imagens de tecidos biológicos [25[25] C.F. Cagliari, A.L. Jurkiewicz, R.S. Santos e J.M. Marques, Braz. j. otorhinolaryngol. 75, 706 (2009).,26[26] T.M. Fernandes, B.E.G. Bica, N.R. Villela, E.F. Salles, M.N.L. Azevedo, J.A.S. Papi, R.A.G. Martins, Rev. Bras. Reumatol 52, 516 (2012).], radares e sensores [27[27] Saber Eletrônica 42 (2006). Disponível em http://www.sabereletronica.com.br/artigos/1753-sensores-ultra-snicos, acesso em 9/3/2016.
http://www.sabereletronica.com.br/artigo...
].

O ED é um fenômeno discutido em praticamente todos os livros didáticos do ensino médio e superior, mas carente de uma verificação experimental, principalmente em escolas públicas, onde geralmente não há laboratórios e equipamentos disponíveis para prática experimental. Vale ressaltar que para uma demonstração do ED proposta em 1991 foi necessário o desenvolvimento de fontes para geração e recepção do som [28[28] D. Schiel, H.K. Sato e J.L. Sartori, Cad. Bras. Ens. Fís. 8, 79 (1991).]. Com a atual tecnologia, a demonstração do ED pode ser feita de maneira muito mais simples. Em ambientes de laboratório, alguns trabalhos foram realizados, como medidas de velocidade do som e verificação do ED [21[21] E. Ludke, P.J. Cauduro, A.M. Vieira e R.B. Adornes, Revista Brasileira de Ensino de Física 34, 1702 (2012).]. O uso de smartphones, utilizados como medidores de frequência para estudo do ED, foi reportado em trabalhos feitos também em ambiente de laboratório [29[29] P. Klein, M. Hirth, S. Gröber, J. Kuhn and A. Müller, Phys. Educ. 49, 412 (2014).] e para o estudo de movimentos lineares [30[30] J.A.G. Tejedor, J.C. Castro-Palacio and J.A. Monsoriu, Eur. J. Phys. 35 025006 (2014).], sendo que neste último foi desenvolvido o aplicativo Frequency Analizer que utilizamos em nossa proposta.

Neste trabalho apresentamos uma proposta de atividade experimental com o uso tablets e smartphones explorando espaços lúdicos que abordam o efeito Doppler e suas aplicações. Buscamos uma proposta de ”baixo custo”para que essa atividade possa ser realizada em escolas públicas. Consideramos a proposta de baixo custo, uma vez que utilizamos tablets e/ou smartphones, que não são necessariamente de baixo custo, mas são equipamentos que fazem parte do cotidiano de grande parte dos alunos e professores brasileiros, o que torna a proposta possível de ser realizada sem qualquer custo adicional na maior parte das escolas brasileiras. Além disso, em nosso experimento utilizamos um skate, com objetivo de termos uma fonte sonora em movimento. A escolha pelo skate aproxima a proposta de atividades lúdicas comuns aos estudantes.

2. Efeito Doppler: da descoberta às aplicações

Em 1842 o físico e matemático austríaco Christian Andreas Doppler (1803-53) previu um efeito que se aplica a qualquer fenômeno ondulatório, e desde então se mostraria fundamental por sua aplicação tecnológica em diversos campos da ciência. Em seu trabalho pioneiro Doppler apontou que o observador de um fenômeno ondulatório perceberia a frequência da onda alterada com relação à fonte, caso houvesse movimento entre esta e o observador. Baseado nesse efeito, Doppler propôs que a diferença de cor observada em estrelas duplas decorria de uma delas estar se aproximando do observador na Terra, enquanto a outra está se afastando. Curiosamente, apesar do aparente bom acordo com os resultados astronômicos, a sua explicação estava totalmente incorreta, pois se baseava em estimativas muito equivocadas, tanto para a cor como para as velocidades das estrelas. Doppler estimou velocidades muito altas para as estrelas e ainda não estava ciente da existência da radiação luminosa além do espectro visível, evidenciada no início do século XIX. No entanto, a previsão de que a frequência percebida pelo observador aumenta quando este se aproxima da fonte, e que diminui, caso contrário, estava correta e ficou conhecida como efeito Doppler.

A primeira verificação do efeito Doppler foi com ondas sonoras, em 1845, conduzida pelo cientista holandês Christophorus Henricus Diedericus Buys Ballot (1817-1890). Neste experimento antológico, um músico tocava uma nota num trem em movimento, enquanto dois conjuntos de músicos identificavam a nota que ouviam estando posicionados ao lado dos trilhos, sendo que de um grupo o trem se aproximava enquanto que do outro se afastava. A verificação para a luz veio somente bem mais tarde, através da espectroscopia aplicada à astronomia. Embora o ótico alemão Joseph Fraunhofer (1787-1826) tenha estudado e catalogado as raias espectrais da luz solar por volta de 1815 [31[31] About J. von Fraunhofer, Fraunhofer Site (2015), available at http://www.fraunhofer.de/en/about-fraunhofer/chronicles/joseph-von-fraunhofer.html, retrieved September 30, 2015.
http://www.fraunhofer.de/en/about-fraunh...
], ele não foi o descobridor das raias espectrais, mas foi o primeiro a catalogá-las e considerá-las inerentes à luz solar, tendo inventado também o espectrômetro e observado o primeiro espectro de estrelas. Somente em 1872 que o astrofísico alemão Hermann Carl Vogel(1841-1907) determinou a velocidade de rotação do sol por meio do desvio Doppler, confirmando a sua aplicação para a luz [32[32] J.B. Hearnshaw, Vistas in Astronomy 35, 157 (1992).]. Um fato notável é que o desvio de frequência teve um outro descobridor, frequentemente esquecido, que foi o brilhante físico francês Armand Hippolyte Louis Fizeau (1819-1896), que em 1848, sem conhecer o trabalho de Doppler, propôs que a mudança do comprimento de onda das raias espectrais do espectro estelar poderia fornecer um método preciso para calcular a velocidade de uma estrela na direção de observação. Por isso, com muita justiça, na França, esse efeito é denominado Doppler-Fizeau.

A determinação da velocidade das estrelas através dos estudos espectrais revelou-se muito difícil até o advento da fotografia, gerando resultados controversos e com erros comparáveis às velocidades medidas. Foi apenas em 1892 que Vogel e seu grupo publicaram as velocidades de dezenas de estrelas com boa precisão [32[32] J.B. Hearnshaw, Vistas in Astronomy 35, 157 (1992).]. A partir de então esse programa se intensificou na comunidade astronômica revelando, através do efeito Doppler, um universo em movimento.

No início do século XX, o astrônomo americano Edwin Powell Hubble (1889-1953) contribui para nosso modelo de Universo mudasse enormemente utilizando o desvio Doppler. Primeiro ele mostrou que o Universo abrigava outras galáxias além da Via Láctea, e depois, em 1929, que as galáxias estavam se afastando com velocidades crescentes com a distância. O afastamento das galáxia foi revelado pelo desvio para o vermelho dos espectros das galáxias, conforme a previsão de Doppler e Fizeau para astros que se afastam do observador. Uma implicação da relação linear observada entre as velocidades e distâncias das galáxias é que no passado elas estariam muito próximas, suportando uma teoria dinâmica do Universo chamada ”Big Bang”, em referência à explosão primordial que teria originado o Universo. Até os dias de hoje a aplicação do efeito Doppler na astronomia e astrofísica é crucial e continua sendo usado pala revelar novas fronteiras do conhecimento sobre o Universo tais como a ”energia escura”e os exoplanetas [33[33] S. Perlmutter, Physics Today April, 53 (2003).,34[34] J.J. Lissauer, Nature 419, 355 (2002).]. Não é, portanto, exagero dizer que a aplicação do efeito Doppler tem permitido ampliar e aprofundar nosso conhecimento do Universo.

Bastaria o impacto do efeito Doppler sobre nossa concepção do Universo para consagrar sua importância, mas ele possui ainda inúmeras outras aplicações importantes e muito utilizadas na sociedade tecnológica em que vivemos. Uma das primeiras aplicações desenvolvidas foi o sonar durante a primeira guerra mundial, para detectar submarinos, utilizando ultrassom. Posteriormente os radares, que utilizam ondas de radio, foram desenvolvidos anos 30 do século XX e são hoje amplamente utilizados para determinação de velocidades em usos civis e militares, operando com radiação de micro-ondas ou com luz laser. Na medicina o efeito Doppler foi aplicado a partir de meados do século XX e é ainda hoje a única forma de se investigar o fluxo sanguíneo de forma não invasiva nos pacientes, seja através da ecocardiografia, na qual o fluxo de sangue no coração é revelado, ou da ultrassonografia obstetrícia, no caso do fluxo sanguíneo fetal e placentário [35[35] I.M. Coman, Eur J Echocardiography 6, 7 (2005).].

3. O Efeito Doppler e TIC's

O entendimento do fenômeno é simples e pode de ser visto na água quando, por exemplo, uma ave aquática nada, ou um dedo é feito oscilar na água ao mesmo tempo em que é arrastado sobre a superfície. Quando a superfície da água é tocada, uma onda circular é criada e observamos que a crista da onda se afasta. Esta crista é chamada de frente de onda e se oscilamos o dedo regularmente uma onda contínua é produzida. Ao movimentar o dedo sobre a água, mantendo a oscilação, observamos que as frentes de onda se agrupam na frente do dedo, no sentido do movimento, enquanto no sentido oposto as frentes de onda ficam mais espaçadas. Isto acontece porque a velocidade da onda no meio de propagação não depende da velocidade da fonte. Este é o efeito Doppler, que ocorre de forma idêntica no caso de ondas mecânicas, como as sonoras, e de ondas eletromagnéticas, como a luz visível.

A frequência Doppler fD de uma fonte sonora (FS) e um observador em movimento (o) é dada por

(1)
onde fs é a frequência do som emitida pela fonte, νs é a velocidade do som, νf é a velocidade da fonte e νo é a velocidade do observador. O sinal + (−) do numerador corresponde ao observador se aproximando (afastando) da fonte e o sinal + (−) do denominador corresponde a fonte se afastando (aproximando) do observador.

Uma maneira de apresentar o Efeito Doppler em sala de aula é utilizando tecnologias de informação, tais como simulações e vídeos amplamente divulgados e distribuídos gratuitamente na rede mundial de computadores [36[36] Physiclips - A multi level, multi-media resource, School od Physics of UNSW. Disponível em http://www.animations.physics.unsw.edu.au/, acesso em 9/3/2016.
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,37[37] PHET - Interactive Simulations, University of Colorado. Disponível em https://phet.colorado.edu/, acesso em 9/3/2016.
https://phet.colorado.edu/...
]. Entre eles destacamos o “PHYSICLIPS” [36[36] Physiclips - A multi level, multi-media resource, School od Physics of UNSW. Disponível em http://www.animations.physics.unsw.edu.au/, acesso em 9/3/2016.
http://www.animations.physics.unsw.edu.a...
]. Trate-se de um ambiente multimídia criado pela Physics School of The University of New South Wales da Austrália, mantido pelo Escritório de Ensino e Aprendizagem do governo australiano. Este ambiente é voltado ao ensino a nível introdutório de mecânica, ondas e som, que podem ser perfeitamente explorados no ensino médio. Esta plataforma traz filmagens de experimentos com análises e modelagens/simulações que permitem ao visitante/usuário ter uma visão sempre esclarecedora dos fenômenos discutidos. No caso do efeito Doppler, destacamos a simulação de uma fonte sonora emitindo ondas esféricas.

A Fig. 1 mostra uma tela capturada com a simulação de uma FS em movimento da esquerda para direita, onde as frentes de onda são representadas pela projeção em um plano. Podemos ver facilmente que no sentido do movimento da fonte temos um acúmulo de frentes de onda, levando um observador parado, que vê a fonte se aproximar, a observar um comprimento de onda menor do que o emitido pela fonte parada. Neste caso, νo = 0 e tomamos o sinal - no denominador (FS se aproximando) da Eq. 1. Isto leva a um aumento da frequência observada. No caso de um observador parado, posicionado do lado esquerdo da FS, ele perceberá um aumento do comprimento de onda, consequentemente, uma diminuição da frequência (υo = 0 e tomamos o sinal + no denominador da Eq. 1). Isto se deve ao fato da fonte se afastar do observador.

Figura 1
Imagem capturada da plataforma PHYSICLIPS [36[36] Physiclips - A multi level, multi-media resource, School od Physics of UNSW. Disponível em http://www.animations.physics.unsw.edu.au/, acesso em 9/3/2016.
http://www.animations.physics.unsw.edu.a...
] durante a simulação de uma fonte sonora em movimento da esquerda para direita.

Notamos que os comandos das simulações na parte de baixo da imagem da Fig. 1, mesmo escritos em Inglês, são muito intuitivos. Outros simuladores conseguem mostrar diferentes detalhes de ondas sonoras, como por exemplo o simulador PHET [37[37] PHET - Interactive Simulations, University of Colorado. Disponível em https://phet.colorado.edu/, acesso em 9/3/2016.
https://phet.colorado.edu/...
], que mostra o decaimento da amplitude com a distância, além dos fenômenos de interferência e difração. De fato, simuladores podem desempenhar um importante papel na compreensão do efeito Doppler, bem como das ondas sonoras.

Por outro lado, podemos associar softwares presentes em dispositivos eletrônicos, como tablets e smartphones, à atividades experimentais [15[15] M. Monteiro, C. Cabeza e M.C. Arturo, Revista Brasileira de Ensino de Física 37, 1303 (2015).18[18] L.P. Vieira, V.O.M. Lara e D.F. Amaral, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 3505 (2014).]. Como sabemos, a experimentação exerce um papel de destaque no ensino de física. A associação entre experimentação e TIC's pode ampliar o alcance da realização de experimentos em sala de aula, principalmente quando os dispositivos eletrônicos utilizados fazem parte do cotidiano dos alunos. Na próxima seção, vamos apresentar um experimento onde utilizamos vários recursos tecnológicos para estudar o efeito Doppler.

4. Experimento e resultados

Nossa proposta experimental tem por objetivo ser um aparato simples para medida da frequência Doppler, de tal forma que sua montagem possa ser feita em qualquer escola, por professores e alunos. Para atender a tal objetivo, escolhemos dispositivos de fácil acesso para praticamente toda a população - tablets e smartphones, além de softwares livres. O experimento consiste em um tablet funcionando como fonte sonora (FS), responsável por emitir um sinal sonoro senoidal a uma frequência fixa, para tal utilizamos o software livre Frequency Sound Generator, Fig. 2(a). Como receptor de sinal (RS) para o sinal emitido pela FS, utilizamos um smartphone, o software livre Frequency Analizer é o responsável por medir a frequência emitida pela FS, Fig. 2(b).

Figura 2
(a) Mostra a tela do software Frequency Sound Generator responsável pela emissão do sinal sonoro na frequência de 1000Hz. (b) Mostra a tela do software Frequency Analizer, responsável pela medida da frequência emitida pelo gerador de frequência.

A primeira parte do experimento consiste em calibrar o equipamento. Para tal, colocamos a FS e o RS fixos a uma distância de 4m. Em seguida, a FS é ajustada para emitir um sinal de senoidal de 1000Hz. Desta forma, podemos medir a frequência do sinal emitida pela fonte sonora no RS. Como esperamos, a medida é sempre de f = 1000Hz, ou seja, a frequência medida pela FS é igual a frequência medida pela RS, com pequenas variações em casas decimais. Essa frequência f da FS em repouso será utilizada no experimento.

É claro que para os objetivos deste trabalho, no mínimo a FS deve estar em movimento. Para torná-la móvel, fixamos o tablet sobre um skate. Além disso, colocamos uma bexiga amarela para facilitar a parte do experimento que trata da vídeo análise do movimento. A Fig. 3 mostra o esquema montado.

Figura 3
Fonte sonora (tablet) posicionado sobre o skate. O balão amarelo é colocado para facilitar a vídeo análise.

Vamos medir a frequência Doppler por dois métodos. No primeiro (I), colocamos a FS em movimento, se aproximando ou se afastando do RS, e medimos a frequência Doppler. A segunda etapa (II) é constituída a fim de comparar o valor da frequência Doppler medida pelo método (I). Ela funciona da seguinte forma, medimos a velocidade υ da FS, fixando a velocidade do som no ar em 345m∕s e frequência da FS em repouso, f = 1000Hz. Após as medidas, utilizamos a Eq. 1 para calcular a frequência Doppler para esta situação. Dessa forma, além da comparação de resultados, ampliamos nossa discussão trazendo à tona a cinemática da FS. É importante mencionar que nosso aparato não permite que em cada repetição do experimento a FS se movimente com a mesma velocidade. Sendo assim, utilizamos um segundo tablet para filmar o movimento da FS, de forma que pudéssemos analisar sua velocidade através de vídeo análise - software Tracker. Assim, as etapas (I) e (II) ocorrem simultaneamente. Entendemos também que a análise do movimento através do software Tracker enriquece o trabalho, pois permite que discussões em torno da cinemática sejam feitas, o que nos permite abordar outros assuntos envolvendo o efeito Doppler.

Após os ajustes de montagem do equipamento e da calibração, realizamos o experimento da medida da frequência Doppler para dois casos. Primeiro, quando o FS se aproxima da RS e, em seguida, quando a FS se afasta da RS.

4.1. Fonte sonora se aproxima do receptor

Vamos tratar primeiro o caso em que a FS se aproxima do RS. A Fig. 4 mostra um esquema do experimento. Para sua realização são necessárias, no mínimo, duas pessoas. A primeira empurra a FS em direção ao RS. A outra pessoa fica com o RS, para iniciar a medida quando a FS passa pela posição X e para finalizar a medida quando a FS passa por Y. As teclas de iniciar (tecla start) e finalizar (tecla stop) são mostradas na Fig.2 (b).

Figura 4
A figura mostra uma foto da FS se aproximando do RS com velocidade X e Y definem o intervalo de 3m onde ocorre a medida. O RS mede a frequência da FS em movimento.. Uma parte das frentes de onda sonoras emitidas pela FS está representada na figura, projetadas no plano do papel. As linhas pontilhadas

A primeira parte do experimento, uma vez que já temos montado o dispositivo mostrado na Fig. 4, é colocar duas fitas no chão para marcar a distância de 3m entre X e Y. Em seguida, o skate, com a FS ligada, é empurrado com velocidade X e ao RS. O empurrão deve ser dado a uma distância de aproximadamente 4m da primeira fita posicionada em X, de forma consigamos uma velocidade X e Y. É importante mencionar que durante o empurrão o RS não está ligado - captando o sinal, ele só é iniciado(finalizado) quando a FS passa pela fita em X (Y). Outro ponto importante é que o RS deve ser finalizado antes da FS passar por ele, para que não haja uma soma de frequências para a FS se afastando o RS. Com esse procedimento o RS medirá a frequência de uma onda sonora emitida por uma FS em movimento com velocidade constante, ou seja, o valor medido será a frequência Doppler, que denominaremos por FDI., a ser descoberta experimentalmente, na direção e sentido da primeira fita em , aproximadamente constante, entre as posições

O procedimento descrito acima também foi filmado com um tablet. Dessa forma, podemos calcular a frequência Doppler se obtivermos experimentalmente a velocidade da FS. Para medi-la, no intervalo definido por X e Y, vamos utilizar o software Tracker. A Fig. 5 mostra que a velocidade υ medida pode ser considerada constante no referido intervalo.

Figura 5
Imagem capturada da tela do Tracker durante a vídeo análise do movimento da FS.

Utilizando a medida da frequência da FS em repouso, f = 100Hz, e consideramos velocidade do som no ar υ = 345m∕s. A frequência Doppler FDII é calculada através da Eq. 1. Dessa forma podemos comparar os valores medidos para frequência Doppler pelo métodos I e II.

Esse experimento foi repetido algumas vezes, a comparação entre os valores encontrados na medida da frequência Doppler, FDI e FDII estão na Tabela 1.

Tabela 1
A tabela mostra os resultados encontrados para a frequência Doppler para o caso em que a FS se aproxima do RS.

Como podemos ver há um excelente acordo entre os valores encontrados para medida da frequência Doppler para o caso em que a FS se aproxima do RS. O erro experimental na medida da frequência com o RS foi estimado estatisticamente com realização de 10 medidas para cada evento. O erro da velocidade é estimado em 10% pelo software Tracker.

4.2. Fonte sonora se afasta do receptor

Para o caso em que a FS se afasta do receptor, o experimento é análogo ao que apresentemos anteriormente. Um esquema experimental é apresentado na Fig. 6.

Figura 6
A figura mostra uma foto da FS, se afastando do receptor sonoro com velocidade X e Y definem o intervalo de 3m onde ocorre a medida. O RS mede a frequência da FS em movimento.. Uma parte das frentes de onda sonoras emitidas pela FS está representada na figura, projetadas no plano do papel. As linhas pontilhadas

O experimento se inicia como no caso apresentado anteriormente, o conjunto que forma a FS deve ser colocado a uma distância de aproximadamente 4m da fita em X, posição da qual ele deve ser empurrado. A grande diferença fica por conta da posição do RS, que fica posicionada perto da fita em X. O software para aquisição dos dados no RS só deve ser ativado (tecla start) depois que a FS passa por ele, para que não façamos a medida da FS se aproximando do RS. Quando a FS passa pela fita posicionada em Y, finalizamos a aquisição de dados (tecla stop). Dessa forma, o RS encontra o valor da frequência Doppler FDI para o caso onde a FS se afasta do RS.

Novamente, o experimento foi filmado de forma que pudéssemos obter a velocidade da FS, através do software Tracker. Através da Eq. 1 encontramos a frequência Doppler FDII. A comparação entre os resultados encontrados é apresentado na Tabela 2.

Tabela 2
A tabela mostra os resultados encontrados para a frequência Doppler para o caso em que a FS se afasta do RS. O erro experimental foi calculado como na tabela anterior.

Vemos que, mais uma vez, os resultados encontrados na medida da frequência Doppler pelos métodos apresentados estão em excelente concordância. Desta forma, temos um experimento confiável para ser explorado em sala de aula.

4.3. Aplicações no ensino de física

A proposta do uso de aplicativos para tablet e smartphone no estudo do ED tem grandes possibilidades de aplicação no ensino de física tanto no ensino médio quanto no ensino superior. Considerando o ensino médio, a falta de estrutura de laboratórios pode ser compensada com a atividade lúdica proposta que, além de permitir o uso de tecnologias ao alcance de grande número de estudantes, proporciona a própria compreensão das aplicações tecnológicas. Roteiros de atividades podem ser preparados com o intuito de otimizar as observações, discussões e conclusões sobre o efeito. Este importante efeito ondulatório pode ser inserido nas unidades destinadas a tecnologias associadas a efeitos ondulatórios.

Notamos que a proposta experimental ainda permite que outros testes sejam realizados. Por exemplo, poderíamos ter feito o experimento com a RS em movimento e com a FS em repouso. Outra possibilidade interessante, seria o caso em que ambos, FS e RS, se aproximam ou se afastam simultaneamente. Uma dificuldade dessa proposta é que o medidor de frequência RS precisa ser iniciado e finalizado em movimento. Isto pode ser resolvido se o experimento for feito com uma bicicleta, desde que, é claro, seja mantida sua velocidade aproximadamente constante durante a medida.

Outra abordagem possível é propor uma atividade prática onde o objetivo seja entender o funcionamento do radar. Para isso basta utilizarmos um objeto capaz de refletir as ondas os sonoras e calcularmos sua velocidade a partir do efeito Doppler, i.e., pela defasagem entre as a frequência emitida e recebida. Se pensarmos somente na utilização dos softwares podemos utilizar a FS para medir experimentalmente a faixa audível do ser humano. Cada aluno poderia verificar sua própria faixa de frequências audíveis e discutir em sala de aula. Podemos, também, com o RS discutir a frequência da voz humana, sons agudo e grave, de cada aluno.

Com relação ao ensino superior, instituições com baixo aporte tecnológico podem utilizar os smartphones e aplicativos como instrumentos de medidas, além, é claro, de poder aplicar as técnicas em atividades de campo, notadamente em cursos de engenharias.

5. Conclusões

A compreensão do efeito Doppler nos permite entender uma série de tecnologias que fazem parte do mundo moderno. Por esse motivo ele é assunto discutido em livros didáticos de ensino médio e superior. Abordá-lo experimentalmente pode, no mínimo, colaborar para um entendimento mais abrangente do fenômeno por parte do aluno. Em função da carência de laboratórios bem equipados em nossas escolas, propomos uma atividade que pode ser realizada com equipamentos que fazem parte do cotidiano dos alunos tais como tablets e smartphones. Acreditamos que a proposta aborda o efeito Doppler de forma bem interessante, capaz de envolver o aluno no processo ensino-aprendizagem de forma mais dinâmica e significativa. Nosso trabalho também permite que alunos e professores façam novas propostas de experimento, utilizando as ideias aqui discutidas. Os resultados obtidos mostraram medidas bastante confiáveis para todos os casos abordados, quando a FS se aproxima ou se afasta do receptor, credenciando o experimento para ser utilizado em nossas escolas ou mesmo em cursos de ensino superior. Em suma, acreditamos que a proposta experimental contribui para compreensão do fenômeno efeito Doppler e de suas aplicações, com grande potencial para colaborar nas discussões feitas em sala de aula e no processo ensino-aprendizagem.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2016

Histórico

  • Recebido
    10 Jan 2016
  • Revisado
    17 Mar 2016
  • Aceito
    28 Mar 2016
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