Acessibilidade / Reportar erro

Estudo do centro de massa e estabilidade de quatro posturas básicas do Kung-fu Pak Hok

Study of the mass center and stability of four basic postures of Pak Hok Kung-Fu

Resumos

Este trabalho trata da análise dos centros de massa e do cálculo da estabilidade das quatro posturas básicas do Kung Fu Pak Hok. Embora a biomecânica tenha surgido em 1960, a sua aplicação em artes marciais, como no Kung Fu ainda é pouco frequente. Apesar de haver estudos de movimentos do Kung Fu, não há trabalhos sobre o centro de massa e a estabilidade para as posturas mais básicas. Este trabalho como objetivo descrever o centro de massa e a estabilidade das quatro posturas mais básicas do Kung-fu Pak Hok usando o método analítico por imagem de forma que seja possível sua utilização no ensino de física de forma contextualizada, e também em conjunto com a Educação Física. O cálculo da estabilidade foi realizado por meio do conceito de estabilidade entre os torques estabelecidos entre a força peso e uma força desestabilizadora. Os centros de massa em cada uma das quatro posturas se mantiveram muito próximos da região do umbigo. Foi verificado que as posturas mais estáveis corroboram com estâncias mais defensivas enquanto que posturas mais instáveis corroboram com estâncias mais ofensivas. Com isso, a análise quantitativa está de acordo com o conhecimento cultural e qualitativo associado ao Kung-fu.

Palavras-chave
biomecânica; cinesiologia; Kung Fu; centro de massa; estabilidade postural


In this paper we analyse the mass center and the postural stability of four basic Kung Fu Pak Hok postures. Although biomechanics arose in 60's, its application in martial arts such as Kung Fu, isn't often. There are few case studies which accounts the movements of Kung Fu, however there are none based on the study of its mass center and stability of its basic postures. This paper has as objective to describe the mass center and the stability of each of the four most basic postures of the Kung Fu Pak Hok using the image analytical method in a way that is possible to assemble Physics and Sports in an educational context. In order to calculate the mass center of each posture, it was carried out the image analytical method. The stability calculation was carried out by means of the equilibrium concept associated to the torques generated by the weight force and a destabilizing force. The mass center for each of the four postures was about the belly button. Also, it was noticed that the most stable postures were associated to defensive stances while unstable postures were associated to offensive stances. Nevertheless, the quantitative analysis stand on tune with the qualitative approach linked to the cultural background in the Kung Fu martial art.

Keywords
biomechanics; kinesiology; Kung Fu; mass center; postural stability


1. Introdução

A biomecânica é a disciplina que estuda a mecânica em organismos vivos, constituindo um ramo especializado da biofísica. Em outras palavras, é a aplicação dos conceitos da Mecânica Clássica para sistemas biológicos macroscópicos. Esta ciência é dividida em biomecânica externa que trata da relação do organismo com o meio, e biomecânica interna, que se preocupa com as forças atuando no organismo em si mesmo, como as forças geradas nas articulações, ossos e tecidos corporais [1[1] P.M. Mcginnis, Biomecânica do Esporte e Exercício (Ed. Armed, Porto Alegre, 1999)., 2[2] J. Hamill e K.M. Knutzen, Bases Biomecânicas do Movimento Humano (Ed. Manole Ltda, São Paulo, 1999).].

A cinesiologia é a ciência que trata dos movimentos associados ao corpo humano e seu meio. Seu estudo pode ter finalidade clínica ou de ciência básica, de modo a gerar as bases para compreender as forças que atuam no corpo humano e por ele possibilitando conhecer qual o desempenho ideal, por exemplo, para um tratamento de fisioterapia, em artes marciais ou atividades esportivas no geral [3[3] D.V. Knudson e C.S. Morrison, Análise Qualitativa do Movimento Humano (Ed. Manole, São Paulo, 2001)., 4[4] D. Lehmkuhl e L.K. Smith, Cinesiologia Clínica de Brunnstom (Ed. Manole, São Paulo, 1989).].

Embora a biomecânica tenha surgido em 1960, a sua aplicação em artes marciais, como no Kung-Fu ainda é pouco frequente, principalmente no Brasil [5[5] P.O. Neto, M. Magini, M.M.F. Saba e C. Tortoza, in: Anais do IX Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e V Encontro Latino Americano de Pós-Graduação, Universidade do Vale do Paraíba, p. 1225-1229, 2005.]. A arte marcial chinesa comumente conhecida como Kung Fu, em verdade, significa maestria; e a aplicação direta dessa arte em combates é denominada Wushu: a arte mestra de guerrear. Sendo que de uma forma geral, tudo pode ser associado ao Kung Fu com tanto que haja competência no desempenho; logo, o Wushu, é adquirido por meio de esforço e competência na luta corporal. Durante a dinastia Han, o médico Hua Tuo (145-208 d.C.) foi o primeiro a sugerir uma sequência de exercícios para melhorar saúde, enfatizando a flexibilidade do corpo e estimulando o apetite. Tais exercícios foram criados através da análise de movimentos de animais como tigre, cervo, urso, macaco e garça. Posteriormente, na dinastia Jin (265-420), o Wushu recebeu influências do Budismo e do Taoísmo tomando a forma que é hoje conhecida [6[6] M. Minick, A Sabedoria Kung-Fu (Editora Artenova, Rio de Janeiro, 1974).].

Além da habilidade em combate e ganho de saúde o Wushu trabalha o desenvolvimento pessoal advindo da disciplina, persistência e respeito aos limites da estrutura do corpo e da mente, ajudando no equilíbrio psíquico e auxiliando a pessoa a vencer novos obstáculos e desafios [6[6] M. Minick, A Sabedoria Kung-Fu (Editora Artenova, Rio de Janeiro, 1974).]. O Wushu pode ser praticado por adultos, idosos e crianças de ambos os sexos dependendo do estilo, mas é efetivamente universal na maior parte deles. Combina a ginástica completa de todo o corpo com treinamento de resistências e sequências de movimentos vigorosos. Os movimentos do Kung-Fu têm como característica principal serem curtos (de pouca amplitude) e poderosos (alta força de impacto). Essas características fazem delas ideais para um estudo biomecânico [6[6] M. Minick, A Sabedoria Kung-Fu (Editora Artenova, Rio de Janeiro, 1974).]. Todos os movimentos do Kung Fu são baseados em quatro posturas mais básicas, enfatizando a distribuição de peso nos pés:

  1. Ma Pu: postura do cavaleiro. Onde o peso do corpo é divido igualmente entre os pés direto e esquerdo: D-50% e E-50%;

  2. Tsu Pu: pernas cruzadas. O peso é distribuído na proporção: D-70% e E-30%;

  3. Kung Pu: postura do arqueiro. O peso é distribuído na proporção: D-30% e E-70%;

  4. Tin Su Pu: postura do gato. O peso é distribuído na proporção: D-10% e E-90%.

Cada uma destas quatro posturas estabelece um tipo de equilíbrio que fornece a base para o desenvolvimento de diversos movimentos específicos. Logo, o estudo analítico destas posturas é imprescindível se queremos conhecer mais sobre os movimentos desta arte marcial. Um estudo analítico de posturas envolvem basicamente o estudo do centro de massa (CM) e a estabilidade postural.

Em biomecânica, a estabilidade postural é uma das propriedades físicas mais relevantes e estudadas [2[2] J. Hamill e K.M. Knutzen, Bases Biomecânicas do Movimento Humano (Ed. Manole Ltda, São Paulo, 1999).]. Em função de sua aplicabilidade na área de saúde, tal análise busca identificar as causas dos desequilíbrios, a prevenção de quedas, às estratégias de manutenção da postura e a interação dos sistemas sensoriais envolvidos na estabilidade [7[7] L.F.C. Lemos, C.S. Teixeira e C.B. Mota, R. bras. Ci. e Mov. 17, 83 (2009)]. De uma forma geral, a estabilidade postural está intrinsecamente ligada à distribuição de massa do corpo no espaço, de modo a definir a posição do CM. Colocado de forma simples, o CM é o lugar geométrico que simplifica a distribuição de massa do corpo inteiro, ou seja, é o ponto que alberga toda a massa do corpo sem perda de generalidade [8[8] M. Duarte, Análise Estabilográfica da Postura Ereta Humana Quasi-Estática. Tese de Livre Docência, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.].

Em um estudo recente de biomecânica acerca da "palma" do Kung Fu Yau-Man, Neto et al.2005 [5[5] P.O. Neto, M. Magini, M.M.F. Saba e C. Tortoza, in: Anais do IX Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e V Encontro Latino Americano de Pós-Graduação, Universidade do Vale do Paraíba, p. 1225-1229, 2005.] obtiveram resultados sobre a força de impacto do golpe sobre uma bola de basquete por meio de um Sistema de Aquisição de Imagem Digital de Alta Velocidade.

Além disso, Micha e Ferreira (2013) afirmam que o ensino de mecânica deve ser subsidiado por atividades mais cotidianas, envolvendo movimentos complexos [9[9] D.N. Micha e M. Ferreira, R. Bras. De Ens. De Fis. 35, 3301 (2013).]. O movimento do corpo humano é deste tipo, viabilizando a aplicação dos métodos aqui desenvolvidos em sala de aula na disciplina de Física para o ensino médio ou mesmo superior. Tomando-se o cuidado de realizar as adequações dos assuntos ao nível que se pretende abordar o mesmo, e pode servir como modelo de estudo de posturas em diversas atividades esportivas. Estas características enfatizam a contextualização acerca do movimento do corpo humano, de modo a congregar a Física e a Educação Física, respeitadas as suas particularidades, ou seja, com enfoques diferentes, porém promovendo a transversalidade em temas que são potencialmente do dia a dia dos estudantes.

Assim, este trabalho tem por objetivo descrever o CM e a estabilidade das quatro posturas mais básicas do Kung Fu Pak Hok de um artista marcial na última fase de graduação (i. e., décima primeira fase) por meio do método analítico por imagem [1[1] P.M. Mcginnis, Biomecânica do Esporte e Exercício (Ed. Armed, Porto Alegre, 1999)., 2[2] J. Hamill e K.M. Knutzen, Bases Biomecânicas do Movimento Humano (Ed. Manole Ltda, São Paulo, 1999).] e possibilitando a sua utilização no ensino de física de forma contextualizada e até mesmo promover a transversalidade do assunto com a Educação Física.

2. Materiais e métodos

2.1. Estudo do centro de massa

Para investigar o CM de cada postura, será utilizado o método analítico por imagem, como descrito em [1[1] P.M. Mcginnis, Biomecânica do Esporte e Exercício (Ed. Armed, Porto Alegre, 1999)., 2[2] J. Hamill e K.M. Knutzen, Bases Biomecânicas do Movimento Humano (Ed. Manole Ltda, São Paulo, 1999).]. Para tanto, foi utilizada uma máquina fotográfica Kodak Easy Share M341, para tirar as fotos. A máquina foi posicionada a três metros do artista, numa altura de 0,6 metros. Ao lado do artista, foi posicionado um suporte em formato de L, com tamanho de 0,5 metros por 0,5 metros, como ilustrado na Fig. 1. O suporte em L permite que tenhamos a escala da imagem, de modo a possamos medir os segmentos corporais do artista com maior precisão. Adicionalmente, cada imagem coletada foi associada a um sistema de coordenadas necessário ao cálculo do CM e o estudo da estabilidade das posturas: em todas as imagens, a origem do sistema de coordenadas se encontra na porção proximal de ambos braços do suporte em L (ver Fig. 1).

Figura 1
Exemplo de imagem com o suporte em L de 0,5 m ao lado usado como escala. O ponto em verde marcado no suporte é a origem do sistema de coordenadas.

Para calcular o CM é preciso que conheçamos apenas a massa total do artista e a posição de cada segmento em relação à origem do sistema de coordenadas. A massa total do artista foi coletada por meio da uma balança simples de molas e a posição de cada segmento é calculada por meio da análise da imagem associada a origem do sistema de coordenadas em cada postura. O CM depende da distribuição de massa no corpo humano, ou seja, da massa relativa de todos os segmentos do corpo. A massa relativa de cada segmento pode ser encontrada em um intenso estudo realizado pela NASA [10[10] C.E. Clauser, J.T. Mcconville and J.W. Young, AMRL Technical Report 69-70 (Wright-Patterson Air Force Base, Ohio, 1969), p. 69-70.]. Neste mesmo estudo, encontramos a posição do CM de todos os segmentos em porcentagem. Esta porcentagem mede a distância do CM ao longo do segmento partindo da extremidade distal até a proximal [10[10] C.E. Clauser, J.T. Mcconville and J.W. Young, AMRL Technical Report 69-70 (Wright-Patterson Air Force Base, Ohio, 1969), p. 69-70.]. Conhecendo a massa relativa e a massa total do artista, basta multiplicar uma pela outra que encontraremos a massa provável líquida de cada segmento [2[2] J. Hamill e K.M. Knutzen, Bases Biomecânicas do Movimento Humano (Ed. Manole Ltda, São Paulo, 1999).]. Assim, basta que conheçamos a posição do CM de cada segmento em detrimento do sistema de coordenada de cada imagem. Estas quantidades permitem que calculemos o CM de cada um dos segmentos de modo a gerar uma distribuição de centros de massa, e estes, por sua vez, permitem que conheçamos o CM do corpo.

Os segmentos mensurados são: cabeça, tronco, braço esquerdo, braço direito, antebraço direito, antebraço esquerdo, mão direita, mão esquerda, coxa direita, coxa esquerda, perna direita, perna esquerda, pé esquerdo e pé direito. Se denotarmos xcm e ycm as coordenadas no diagrama x-y do CM, temos que

(1)xcm=i=1nmixiM,
(2)ycm=i=1nmiyiM.
em que M é a soma das massas de cada segmento, mi é a massa do segmento i, xi é a coordenada da posição do CM do segmento i na direção x. O mesmo princípio se aplica para a relação (2). Isso implica que a posição do CM para uma dada postura é descrita pelo vetor
(3)rpostura=xcmi^+ycmj^.

Todos os dados utilizados no cálculo do CM podem ser encontrados na Tabela 1. Enfatizamos que este cálculo é efetuado para cada uma das quatro posturas em perspectiva frontal e lateral, totalizando oito diagramas. De modo que as posturas são: Ma Pu, Tsu Pu, Kung Pu e Tin Su Pu. Os resultados dessa análise permitem que conheçamos a altura do CM, que é uma das variáveis utilizadas no cálculo da estabilidade postural.

Tabela 1
Dados antropométricos do artista marcial estilo Kung Fu Pak Hok da 11a Fase e com 69 Kg. C.M.: a posição do centro de massa em relação a extensão proximal-distal do segmento; Massa rel. (%) é a massa relativa do segmento em termos da massa total; e a Massa (Kg) é a massa do segmento em termos absolutos.

2.2. Estudo da estabilidade das posturas

É consenso em biomecânica e cinesiologia que a estabilidade de posturas humanas depende fundamentalmente de três variáveis: a massa total do indivíduo, a altura do CM e o tamanho da base de apoio [1[1] P.M. Mcginnis, Biomecânica do Esporte e Exercício (Ed. Armed, Porto Alegre, 1999)., 2[2] J. Hamill e K.M. Knutzen, Bases Biomecânicas do Movimento Humano (Ed. Manole Ltda, São Paulo, 1999).]. Neste trabalho, nós analisamos a fundo estas três variáveis e como elas influenciam na estabilidade. Em um primeiro momento, iremos definir o que entendemos por estabilidade e então seguiremos para sua formalização.

A estabilidade é capacidade de uma postura em manter inalterada quando perturbada por uma força desestabilizadora. Isso implica que quando maior o valor desta força, maior será a estabilidade de uma postura.

Se supusermos que exista uma força desestabilizadora F que atua sobre o CM na direção horizontal, a uma altura ycm perpendicular ao solo, temos que o torque desta força ao longo de uma altura h, é dado por

(4)τF=h×F,

Este torque nos dá a tendência do corpo girar em um pivô de apoio do corpo. Em contraponto com o torque τF, definimos um torque equilibrante associado à força peso P ao longo de uma base de apoio d, definido como

(5)τp=d×P,

É importante notar que a base de apoio d é a distância entre a projeção da força peso sobre o eixo x e ponto pivô. A seguir, se encontra disposto o diagrama de forças e torques (Figura 2) em detrimento de uma força desestabilizado F que atua da direita para a esquerda na direção x.

Figura 2
Esquema do diagrama de forças e torques.

A Figura 2 permite que analisemos os torques gerados pelas forças peso e desestabilizadora assim como suas direções e ponto pivô. Na medida em que a força F atua sobre o CM, existe uma tendência do corpo "tombar" para a esquerda, girando no ponto pivô (ponto azul no diagrama da Figura 2) no sentido anti-horário de modo a gerar um torque τF no sentido positivo da direção z. Analogamente, a força P atua sobre o CM de modo a equilibrar o torque τF, fazendo com que o corpo de mantenha junto ao solo contrapondo ao "tombamento" à esquerda; isso se efetiva por meio de seu torque τP, que atua no sentido negativo da direção z.

Se considerarmos que o único torque que se contrapõe ao torque τF é o torque τP, o estado iminente para desestabilizar a postura, ou seja, no momento em que o equilíbrio postural é instável; podemos definir a seguinte condição de estabilidade postural

(6)τF=τP.

É importante notar que τP=|P||d| sin θẑ, em que θ é o ângulo entre os vetores P e d. Analogamente, temos que τF = |F||h| sin φẑ, em que ϕ é o ângulo entre os vetores F e h.

Em nosso estudo, consideraremos que F atua horizontalmente no centro que massa que implica, por construção, que Fh. Da mesma maneira, a força peso atua sempre na vertical, então Pd. Estas duas constatações geométricas implicam que os torques se reduzem a τP = −|P||d| e τF = |F||h|. Dadas estas considerações, a condição de estabilidade postural (6) se resume a.

(7)τF=τP|F||h|z^=(|P||d|z^)Fh=MgdF=Mgdh.
em que M é a massa total do indivíduo, g a aceleração da gravidade, d o tamanho da base de apoio e h a altura do centro de massa. Analisando a equação (7) é possível perceber que a força desestabilizadora depende da massa, do tamanho da base de apoio e da altura do centro de massa; como esperado pela convenção supracitada [2[2] J. Hamill e K.M. Knutzen, Bases Biomecânicas do Movimento Humano (Ed. Manole Ltda, São Paulo, 1999).]. Podemos dizer que o valor da força F é a força mínima necessária para que o corpo saia de equilíbrio e tombe, ou se desequilibre. Então o valor de F quantifica a estabilidade de cada postura baseada na distribuição de massa do sistema. De modo que, quanto maior F maior é a estabilidade da postura na direção em que F é aplicada.

Para maior clareza das grandezas envolvidas, incluímos a Fig. 3 que ilustra esta a aplicação da condição de estabilidade, na iminência de desestabilizat, e os vetores envolvidos no plano x-y. É notável que força desestabilizadora F pode atuar em qualquer direção que queiramos desde que atue horizontalmente ao CM. Mas escolheremos quatro direções padrões para analisar cada uma das quatro posturas básicas descritas anteriormente: à frente, à retaguarda, à esquerda e à direita, totalizando 16 medidas de estabilidade. As estabilidades medidas em cada postura também serão interpretadas como a média aritmética para efeito de comparação.

Figura 3
Exemplo de aplicação do diagrama de forças para o cálculo da estabilidade. Onde o ponto verde é a origem do sistema de coordenadas x-y, o ponto em vermelho é o CM e o ponto azul o ponto de pivô.

É de importância notar que cada postura está associada a uma ênfase em ataque ou defesa, ou ambos; onde posturas mais estáveis estão associadas a estâncias mais defensivas e posturas menos estáveis a estâncias mais ofensivas. A troca e o uso destas posturas na arte marcial são aprofundados no tópico de discussões.

3. Resultados

3.1. Resultados do estudo do centro de massa de cada postura

O cálculo do CM para cada uma das quatro posturas básicas do Kung-Fu Pak Hok foi realizado em um praticante veterano da 11a fase. O praticante possui 69 Kg e altura de 1,75 m. Os dados sobre o CM pode ser encontrado na Tabela 2 para o perfil frontal e lateral. Adicionalmente, as imagens com seus CM podem ser encontrados na Fig. 4. O artista foi colocado de forma que as imagens da posição frontal e lateral sempre foram tomadas no plano x-y e o CM contido no mesmo, ou seja, para as tomadas das posições foi necessário que o artista realizasse um giro de 90oem torno de seu próprio eixo axial.

Tabela 2
Resultados do estudo do CM localizado no plano x-y para a origem do sistema associada ao suporte em L ilustrada na Figura 3. O y médio se refere à média dos valores do CM em y para os perfis frontal e lateral.
Figura 4
Posturas básicas do Kung- Fu Pak Hok e seus centros de massa simbolizados pelo ponto vermelho. Índice: A) Ma Pu Frontal, B) Ma Pu Lateral, C) Tsu Pu Frontal, D) Tsu Pu Lateral, E) Kung Pu Frontal, F) Kung Pu Lateral, G) Tin Su Pu Frontal e H) Tin Su Pu Lateral.

3.2. Resultados do cálculo da estabilidade das posturas

Para o cálculo da estabilidade das posturas utilizamos o valor de y médio, apresentado na Tabela 2, como o valor da altura do CM denotado na Equação (7), Figs. 2 e 3 como h. O peso, que é constante para todas as posturas, foi obtido pela equação P = g.M, para M = 69Kg e g = 9,8m/s2. O tamanho das bases de apoio denotado na Equação (7) e Figs. 2 e 3 como d, varia dependendo da forma que a força desestabilizadora F for aplicada. Os dados sobre a altura do CM, tamanho da base de apoio, estabilidade da postura para uma dada direção e estabilidade média da postura, estão sumarizados na Tabela 3.

Tabela 3
Resultados do cálculo da estabilidade das quatro posturas básicas do Kung-Fu Pak Hok. A Altura do C.M. é o valor y médio do CM dos perfis frontal e lateral de cada postura (Tabela 2, coluna 5). A escolha da direção de atuação da força F implica na variação no tamanho da base de apoio. O valor médio de estabilidade é a média aritmética das estabilidades para as quatro direções.

Os resultados sobre a estabilidade demonstram que, em média, as posturas mais estáveis em ordem crescente são: Tin Su Pu, Tsu Pu, Ma Pu e Kung Pu. Estes resultados corroboram com o esperado pelo conhecimento da arte marcial, uma discussão mais aprofundada destes resultados será abarcada na próxima seção.

4. Discussão

Os resultados sobre a posição do CM mostram que a variação geral da sua altura, ou seja, valor em y é de 0,22 m. A variação entre os perfis dentro de uma postura não é superior a 0,04 m. Podemos considerar estas variações pequenas, dado que a posição média do centro de massa do corpo humano se encontra próximo ao umbigo [9[9] D.N. Micha e M. Ferreira, R. Bras. De Ens. De Fis. 35, 3301 (2013).].

A cultura chinesa, associada à prática do Kung-Fu, ensina que o centro de "energia" do corpo se chama Dan Chien, que é o ponto de onde todo o movimento e força "nasce". Segundo esta cultura, a posição do Dan Chien se encontra 0,05 m abaixo do umbigo e 0,05 m para dentro, ou seja, no interior da cavidade peritoneal. Nossos resultados acerca da posição do CM corroboram ao que a cultura nos oferece, ou seja, o Dan Chien é análogo ao CM para a cultura desta arte marcial. No entanto, o Dan Chien não se refere apenas ao ponto representativo de toda a massa corporal, mas está associada a outras funções associadas à energia no conceito chinês.

Os resultados sobre a estabilidade das posturas demonstram que a mesma dependente de três grandezas mensuráveis principais: a massa total, o tamanho da base de apoio e a altura do CM. A massa total influencia a força peso, que é diretamente proporcional a estabilidade da postura como demonstrado na Equação (7). O tamanho da base de apoio depende da direção em que a força desestabilizadora é aplicada, e também é diretamente proporcional à estabilidade da postura. Finalmente, a altura do CM, que é seu valor na coordenada y para este estudo (Tabela 2, coluna 5), é inversamente proporcional à estabilidade da postura.

As relações de proporcionalidade estão associadas com o conceito de equilíbrio entre os torques gerados simultaneamente pela força peso e pela força desestabilizadora sobre o CM. De modo que o tamanho da base de apoio é o braço de alavanca associado à força peso, e a altura do CM é o braço de alavanca da força desestabilizadora. Em termos de valores médios dos tamanhos da base de apoio, temos que: Kung Pu possui 0,45 m, Ma Pu 0,36 m, Tsu Pu 0,27 m e Tin Su Pu 0,24 m. A força peso é constante para todas as posturas, com valor de 676,2 N.

As posturas no Kung Fu Pak Hok, e na maioria dos estilos de Kung Fu, coincidem com estas quatro estudadas neste trabalho. Estas posturas são treinadas numa certa sequência de movimento, iniciando no Ma Pu, para Tsu Pu, para Kung Pu e então para Tin Su Pu. É possível descrever cada uma das posturas em termos de seu potencial para desenvolver movimentos, de modo que posturas mais "duras" ou estáveis, no sentido da arte marcial, estão atreladas a estâncias mais defensivas, enquanto que posturas mais "leves" ou instáveis estão associadas a estâncias mais ofensivas.

Na cultura desta arte marcial, as posturas mais "duras" são Ma Pu e Kung Pu, pois a base é firme e as pernas estão bem apoiadas ao chão. No entanto a estabilidade da postura Ma Pu tem seu ponto forte a golpes mencionados pelas laterais, enquanto que na postura Kung Pu seu ponto forte a golpes mencionados frontalmente e pela retaguarda. Estas duas características são corroboradas com os resultados deste estudo, como é possível verificar na Tabela 3, os valores de estabilidade do Ma Pu são em torno de 7 vezes maior a golpes recebidos pelas laterais do que a golpes recebidos frontalmente, e 2,5 vezes maior do que a golpes sofridos pela retaguarda. Ainda, na postura Kung Pu golpes recebidos frontalmente é aproximadamente 2 vezes mais estáveis que golpes recebidos lateralmente pela direita e 2,2 vezes pela esquerda, e golpes recebidos pela retaguarda são, aproximadamente, 1,4 e 1,3 mais estáveis do que a golpes recebidos pelas laterais direita e esquerda respectivamente.

O valor médio de estabilidade para a postura Kung Pu é maior que as outras três, devido a características marciais da postura. Pois as pernas estão bem separadas, a flexão no joelho promove o rebaixamento do CM, promovendo mutuamente o aumento no tamanho da base de apoio e a proximidade do CM com o solo. Em segundo lugar temos a postura Ma Pu como a segunda mais estável em valor médio. Isso decorre do fato de que as pernas estão bem ampliadas lateralmente, mas a postura é vulnerável frontalmente e pela retaguarda, pois nestas direções o tamanho da base de apoio é mínimo. Como um conjunto, as posturas Ma Pu e Kung Pu são caracteristicamente defensivas e todas as características supracitadas, são corroboradas quantitativamente pelos valores de estabilidade calculados.

As outras duas posturas, Tsu Pu e Tin Su Pu, estão associadas a estâncias mais ofensivas, aquela a estâncias armadas e esta a estâncias esquivas e voltados ao combate corpo-a-corpo. Dentre estas, a postura Tsu Pu é mais estável devido ao abaixamento do CM, enquanto que a postura Tin Su Pu enfatiza uma subida no CM, possibilitando maior mobilidade.

Analisando separadamente, a postura Tsu Pu, tomado pela base direita, têm uma fraqueza a golpes à esquerda porque o tamanho da base de apoio é mínimo para a postura. No entanto, nas outras três direções, as estabilidades são semelhantes. Assim, destas posturas, o maior valor de estabilidade é para golpes à direita, este sendo 1,2 vezes do valor para golpes frontais, 1,3 vezes para golpes à retaguarda e 1,8 vezes a golpes à esquerda.

Por fim, a postura Tin Su Pu, que é estância de guarda padrão de combate para este estilo de Kung Fu, possui valores muito baixos de estabilidade a golpes recebidos pelas laterais e frontalmente, mas a estabilidade pela retaguarda é de aproximadamente 6,2 vezessuperior a golpes frontais, a golpes laterais à direita é de 5,2 vezes e à esquerda de 11,4 vezes. Uma postura deste tipo enfatiza a possibilidade de reação rápida nas três direções de guarda, que são as laterais e a frontal, enquanto que golpes pela retaguarda têm menos probabilidade de desestabilizar o artista marcial. Esta análise qualitativa das posturas mais básicas do Kung Fu Pak Hok corrobora com todos os resultados quantitativos encontrados neste presente estudo.

Todos os aspectos trabalhados nesse artigo: método e análise considerando que estes são viáveis e factíveis podem servir de modelo para a contextualização da Física e, ainda, agregar a disciplina de Educação Física promovendo a abordagem do assunto de forma transversal.

5. Conclusões

O estudo do CM por meio do método analítico por imagem possibilitou a descrição das posições do CM de quatro posturas básicas do Kung Fu Pak Hok. Estes resultados foram utilizados para o cálculo das estabilidades destas mesmas posturas. Foi verificado que as posturas mais estáveis corroboram com estâncias mais defensivas enquanto que posturas mais instáveis corroboram com estâncias mais ofensivas. Com isso, a análise quantitativa está de acordo com o conhecimento cultural e qualitativo associado ao Kung Fu. E ainda, o método e a análise, devido a sua facilidade de execução, são viáveis, pois representam um modelo para a contextualização da Física ajudando a promover a abordagem do assunto de forma transversal com a Educação Física.

Referências

  • [1]
    P.M. Mcginnis, Biomecânica do Esporte e Exercício (Ed. Armed, Porto Alegre, 1999).
  • [2]
    J. Hamill e K.M. Knutzen, Bases Biomecânicas do Movimento Humano (Ed. Manole Ltda, São Paulo, 1999).
  • [3]
    D.V. Knudson e C.S. Morrison, Análise Qualitativa do Movimento Humano (Ed. Manole, São Paulo, 2001).
  • [4]
    D. Lehmkuhl e L.K. Smith, Cinesiologia Clínica de Brunnstom (Ed. Manole, São Paulo, 1989).
  • [5]
    P.O. Neto, M. Magini, M.M.F. Saba e C. Tortoza, in: Anais do IX Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e V Encontro Latino Americano de Pós-Graduação, Universidade do Vale do Paraíba, p. 1225-1229, 2005.
  • [6]
    M. Minick, A Sabedoria Kung-Fu (Editora Artenova, Rio de Janeiro, 1974).
  • [7]
    L.F.C. Lemos, C.S. Teixeira e C.B. Mota, R. bras. Ci. e Mov. 17, 83 (2009)
  • [8]
    M. Duarte, Análise Estabilográfica da Postura Ereta Humana Quasi-Estática. Tese de Livre Docência, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.
  • [9]
    D.N. Micha e M. Ferreira, R. Bras. De Ens. De Fis. 35, 3301 (2013).
  • [10]
    C.E. Clauser, J.T. Mcconville and J.W. Young, AMRL Technical Report 69-70 (Wright-Patterson Air Force Base, Ohio, 1969), p. 69-70.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    14 Mar 2016
  • Revisado
    12 Jun 2016
  • Aceito
    20 Jun 2016
Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: marcio@sbfisica.org.br