Acessibilidade / Reportar erro

A lei de Hooke e as molas não-lineares, um estudo de caso

The Hooke's law and the non-linear springs, a study of case

Resumos

Neste trabalho pretende-se analisar elementos elásticos com respostas linear e não linear. Foi realizado o estudo comparativo entre três molas helicoidais, sendo uma linear e duas não lineares, e um tubo de látex. O estudo envolveu o levantamento das curvas de força versus distância e seus respectivos ajustes matemáticos para cada elemento elástico. A proposta é apresentar diferentes formas de abordar o tema elasticidade nas aulas de física, visando chamar a atenção do aluno de que a linearidade que trata a lei de Hooke aplica-se apenas para uma pequena faixa de valores de força e que em várias situações os elementos elásticos tem um comportamento não linear, sendo necessário lançar mão de outras relações matemáticas que se ajustem aos dados experimentais.

Palavras-chave:
lei de Hooke; mola; não linear


This paper aims to analyze elastic elements with linear and nonlinear responses. A comparative study was conducted of three helical springs, one linear and two nonlinear, and a latex tourniquet. The study involved a survey of force versus distance curves and their mathematical adjustments for each elastic element. The proposal is to present different ways of approaching the subject elasticity in physics classes, aiming to draw the attention of the student that the linearity is Hooke's law applies only to a small band of force values and that in many situations the elastic elements have a non-linear behavior, being necessary to use other mathematical relationships that fit the experimental data.

Keywords:
Hooke's law; spring; nonlinear


1. Introdução

Os materiais elásticos têm uma ampla faixa de aplicações práticas, fazendo parte de diferentes dispositivos e produtos. De uma forma geral todos os materiais apresentam algum tipo de flexibilidade ou região elástica, quando submetidos à solicitação de uma força seja ela compressiva ou de tração. Um elemento típico com essas características é a mola, que geralmente apresenta uma flexibilidade elástica relativamente alta, ou seja, apresenta grandes deformações quando solicitada em compressão ou tração. As molas podem ser classificadas segundo seu comportamento sob carregamento, em lineares e não-lineares [1[1] D.C. Freeman Jr., Nonlinear Springs with Applications to Flow Regulation Valves and Mechanisms. Doctorate of Philosophy in Mechanical Engineering, Massachusetts Institute of Technology, 2008.].

Neste trabalho foram investigados os resultados de força vs elongação, sendo dada ênfase ao afastamento da linearidade do comportamento elástico de diferentes molas. Para efeito de comparação foi analisado o comportamento de quatro materiais elásticos, sendo o de uma mola helicoidal de resposta linear, duas molas helicoidais com perfil não linear e de um polímero (tubo de látex), popularmente denominado de tripa de mico.

1.1. Mola linear

Uma mola é dita linear quando as deformações sofridas são diretamente proporcionais à força (ou carga) a que ela é submetida. Neste caso ela obedece a Lei de Hooke [2[2] D.H. Young e R.A. Freedman, Física II (Pearson Education do Brasil, São Paulo, 2003), 10ª ed.] e o gráfico da força aplicada em função da deformação da mola (seja esta deformação extensiva ou compressiva) é linear, correspondendo a inclinação da reta a constante elástica da mola, comumente denominada de constante elástica k. Esta constante corresponde à rigidez da mola, quanto maior seu valor, mais rígida será a mola, e vice-versa. O que se encontra nos livros texto [2[2] D.H. Young e R.A. Freedman, Física II (Pearson Education do Brasil, São Paulo, 2003), 10ª ed.5[5] J.W. Jewett e R.A. Serway, Física para Cientistas e Engenheiros – Mecânica, Vol. 1 (CENCAGE Learning, São Paulo, 2012), 8ª ed.], quando se discute materiais elásticos, é a apresentação da Lei de Hooke para molas, definindo a força elástica como sendo

(1) F e l = k . Δ x

onde k é a rigidez da mola, denominada de constante elástica, e Δx corresponde a diferença no comprimento da mola à medida que é comprimida ou tracionada. Esta diferença é denominada de elongação, ou seja, corresponde à coordenada que denota o afastamento de uma partícula ou de um corpo em relação a uma posição de equilíbrio. Como a força é um vetor, o sinal negativo é utilizado para indicar que a força elástica é sempre contrária à força aplicada sobre a mola.

No caso de corpos sólidos são apresentados nos livros texto [6[6] D.R. Askeland e P.P. Phulé, Ciência e Engenharia dos Materiais (CENGAGE Learning, São Paulo, 2008)., 7[7] W.D. Callister Jr., Ciência e Engenharia de Materiais – Uma Introdução (LTC Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., Rio de Janeiro, 2002), 5ª ed., 8[8] J.F. Shackelford, Ciência dos Materiais (PEARSON-Prentice Hall, São Paulo, 2008), 6ª ed.] os conceitos de tensão σ, também denominada de tensão de engenharia, dada pela relação (2), e de deformação ε definida pela relação (3).

(2) σ = F A 0
(3) ε = Δ l l 0

onde F corresponde à força (de tração ou compressão) aplicada sobre o corpo de prova, A0 sua área inicial da seção reta, Δl = l − l0, sendo l o comprimento instantâneo do corpo de prova e l0 seu comprimento inicial sem carga aplicada.

Todo material apresenta uma região com comportamento elástico e quando uma força compressiva ou de estiramento é aplicada sobre ele, este se deforma elasticamente, retornando ao seu tamanho inicial quando a força é retirada. Esta deformação elástica pode ser mais ou menos proeminente dependo do tipo e estrutura do material em teste. De uma forma geral os metais apresentam uma região elástica maior do que a observada em cerâmicas e vidros. Neste caso a parte linear da curva de tensão versus deformação dada pela relação σ=E.ε, obedece a lei de Hooke, sendo E o módulo de elasticidade do material (ou módulo de Young) [6[6] D.R. Askeland e P.P. Phulé, Ciência e Engenharia dos Materiais (CENGAGE Learning, São Paulo, 2008)., 7[7] W.D. Callister Jr., Ciência e Engenharia de Materiais – Uma Introdução (LTC Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., Rio de Janeiro, 2002), 5ª ed., 8[8] J.F. Shackelford, Ciência dos Materiais (PEARSON-Prentice Hall, São Paulo, 2008), 6ª ed.].

Abordagens mais práticas geralmente não são discutidas nos livros texto, em particular com relação a corpos não lineares. Isso pode dar a falsa impressão ao aluno de que as molas (ou corpos elásticos) se deformam sempre linearmente com a aplicação de uma força, ou seja, de que só existem molas lineares e que a não linearidade seria apenas em casos muito específicos. Porém, o que se observa no dia a dia é a existência de molas não lineares, que apresentam comportamento distinto em relação às lineares.

A Fig.1 ilustra qualitativamente o comportamento de três tipos de molas, linear e não linear. No caso linear a constante ké obtida segundo a relação:

(4) k = F Δ x
Figura 1
Curvas de deformação para diferentes tipos de mola. [9[9] http://www.ime.usp.br/˜oda/contents/01Matem%E1tica/01Sistemas%20Din%E2micos/04_Elem_Sist_Mec.pdf, acesso em 27/4/2016.
http://www.ime.usp.br/˜oda/contents/01Ma...
]

1.2. Mola não linear

As molas não lineares apresentam diferentes valores de k dependendo da força aplicada. O termo mola de um único elemento não linear corresponde a um dispositivo elástico que se comporta de forma não linear sem a necessidade da interação de um elemento externo. Normalmente, uma mola se comporta de forma linear, mas existem meios para influenciar o seu comportamento de forma que funcione não linearmente. A rigidez da mola depende do seu número de espiras e do seu comprimento. Para uma mola helicoidal, a rigidez k (ou constante da mola) é calculada da seguinte forma [1[1] D.C. Freeman Jr., Nonlinear Springs with Applications to Flow Regulation Valves and Mechanisms. Doctorate of Philosophy in Mechanical Engineering, Massachusetts Institute of Technology, 2008.].

(5) k = 4 G J n c π D 0 3

onde G é o módulo de cisalhamento, D0 o diâmetro médio da bobina, nc representa o número de espiras, e J é o momento de inércia de torção. Para uma mola de fio redondo, J é dado por

(6) J = π 32 d 0 4

onde do é o diâmetro do fio.

A não linearidade pode ser conseguida através da variação do número de espiras, nc, quando a mola deflete. Isso é facilmente realizado em uma mola helicoidal cônica (Fig. 2B). À medida que a força de compressão é aplicada, as bobinas de menor diâmetro e mais próximas da base vão se encaixando dentro das espiras maiores. Este movimento equivale a uma diminuição do número de espiras, provocando um aumento na rigidez da mola [1[1] D.C. Freeman Jr., Nonlinear Springs with Applications to Flow Regulation Valves and Mechanisms. Doctorate of Philosophy in Mechanical Engineering, Massachusetts Institute of Technology, 2008.].

Figura 2
Mola helicoidal com perfil cilíndrico (A) e cônico (B). [10[10] http://www.makermolas.com.br/produtos_comp_coni.htm, acesso em 27/4/2016.
http://www.makermolas.com.br/produtos_co...
, 11[11] http://www.ebah.com.br/content/ABAAAg7OQAI/artigo-modelagem-simulacao, acesso em 27/4/2016.
http://www.ebah.com.br/content/ABAAAg7OQ...
]

As molas helicoidais são frequentemente utilizadas em sistemas mecânicos. Elas podem ser projetadas de modo a apresentar um comportamento linear ou não linear dependendo da necessidade do projeto. No caso de mola não linear a rigidez não é constante, mas depende da sua compressão. Este comportamento não linear ocorre quando o número de espiras diminui ou aumenta com a variação da compressão aplicada. O comportamento não linear de uma mola pode ser conseguido através da variação: do diâmetro da espira, do espaçamento entre as espiras e do diâmetro médio da mola na direção axial. Combinações dessas três opções também podem ser utilizadas [1[1] D.C. Freeman Jr., Nonlinear Springs with Applications to Flow Regulation Valves and Mechanisms. Doctorate of Philosophy in Mechanical Engineering, Massachusetts Institute of Technology, 2008.].

Uma mola é qualquer dispositivo elástico criado com a finalidade de converter em trabalho mecânico energia potencial e reconvertê-lo de volta em energia mecânica [12[12] S. Gross, Calculation and Design of Metal Springs (Chapman and Hall, Ltd., London, 1966).]. Há uma grande variedade de dispositivos de mola, tais como compressão helicoidal, molas de torção, molas helicoidais submetidas a tensão de flexão na forma de folha, molas planas, molas na forma de barra de torção e molas em forma de disco. As molas são feitas a partir de uma ampla variedade de materiais. Na sua forma mais simples, a maioria dessas molas desloca linearmente com a carga aplicada, mas há também molas submetidas a força constante e molas não lineares (Fig. 2). As molas são muitas vezes utilizadas devido à sua robustez sob condições de carga dinâmica, mas as condições de carga também podem ser estáticas a temperaturas normais, estática a temperatura elevada, oscilantes, ou com carga de fadiga de stress com ciclos de amplitude variável. Esta variabilidade faz com que a mola seja adequada para armazenamento de energia.

Existem molas não lineares em muitas formas e com uma ampla variedade de aplicações. Uma mola não linear pode endurecer ou tornar-se mais rígida, com a sua deflexão, ou pode amaciar e tornar-se menos rígida. Vehar [13[13] C.M. Vehar and S. Kota, in: Proceedings of the ASME Design Engineering Technical Conference (2006), p. 221-230.] descreve a função de força-deslocamento de uma mola não linear por três fatores, a função forma, faixa de carga e alcance de deslocamento.

Um exemplo de aplicação de mola não-linear é o balanço da varanda inventado por Levi [14[14] M. Levi, Patent n. 6,623,368 (2008).]. A mola de Levi tem o formato de barril (Fig. 3), com um diâmetro máximo da espira no meio da mola o qual vai diminuindo à medida que aproxima das suas extremidades. Uma vez que a rigidez é inversamente proporcional ao cubo do diâmetro da espira, espiras com diâmetro grande proporcionam uma rigidez relativamente baixa, enquanto que as espiras de pequeno diâmetro resultam em elevada rigidez. As espiras menores das extremidades da mola não esticarão significativamente até que as espiras maiores, posicionadas na parte central da mola, tenham sido submetidas a um elevado grau de elongação.

Figura 3
Modelo de mola não linear projetada por Michael Levi [14[14] M. Levi, Patent n. 6,623,368 (2008).].

A mola projetada por Levi apresenta duas ou mais zonas distintas, em que a primeira zona da mola proporciona uma rigidez relativamente baixa, uma zona subsequente surge quando as espiras médias são suficientemente esticadas para permitir que as espiras de menor diâmetro (mais duras) comecem a se esticar. À medida que a carga aplicada aumenta, a rigidez da mola aumenta.

O martelo do piano é outro exemplo comum de mola não-linear. No piano o martelo de madeira, coberto por um feltro, atinge as cordas de tal forma que a sua rigidez não linear proporciona uma riqueza específica de qualidade do som. Esta não linearidade foi modelada matematicamente pela primeira vez por Ghosh [15[15] M. Ghosh, Indian J. Phys. 7, 365 (1932).], segundo a relação

(7) F = K . u p

sendo F é a força exercida pelo martelo, Ké um fator de escala, u é o deslocamento como uma medida da compactação do feltro, e p é um expoente relacionado a não-linearidade [15[15] M. Ghosh, Indian J. Phys. 7, 365 (1932).]. Stulov comparou a equação (7) para a modelagem empírica de um martelo de piano e sugeriu que um modelo teórico adequado teria que levar em conta a histerese e a velocidade do martelo [16[16] A. Stulov, J. Acoust. Soc. Amer. 97, 2577 (1995).].

Outro dispositivo não linear muito utilizado em equipamentos rotativos como bombas centrífugas, compressores, misturadores e ventiladores industriais, é o selo mecânico, Fig. 4. Este tipo de dispositivo consiste de uma mola não linear comumente alocada dentro de um recipiente de vedação. Em uma bomba centrífuga, assim como em outros equipamentos, o selo mecânico tem como função promover a selagem do dispositivo, evitando que o fluido seja liberado para o meio externo. Na maioria dos casos utilizam-se selos mecânicos por apresentarem muitas vantagens em relação às gaxetas. Além disso, são indicados para casos onde os retentores convencionais (gaxetas) não podem ser aplicados, especialmente em casos de alta pressão, temperatura, velocidade e presenças de sólidos em suspensão.

Figura 4
Selo mecânico comercial utilizado em bombas rotativas. [17[17] ULTRASEAL Selos Mecânicos http://www.ultraseal.com.br/, acesso em 27/04/2016
http://www.ultraseal.com.br/...
]

1.3. Equação de Duffing

A Equação de Duffing [18[18] L.J. Shu, H.K. Chen, J.H. Chen and L.M. Tam, Chaos, Solutions and Fractals 32, 1459 (2007).], em homenagem ao engenheiro elétrico alemão Georg Duffing, tem sido amplamente utilizada na física, economia, engenharia, e muitos outros fenômenos naturais. Dada a sua característica de oscilação e da natureza caótica, muitos cientistas são inspirados por esta equação diferencial não-linear, dada a sua natureza semelhante a muitos sistemas dinâmicos naturais. Esta equação, juntamente com a equação de Van der Pol, tornou-se um dos exemplos mais comuns de oscilação não linear em livros e artigos de pesquisa [18[18] L.J. Shu, H.K. Chen, J.H. Chen and L.M. Tam, Chaos, Solutions and Fractals 32, 1459 (2007).]. A equação de Duffing normalmente se refere ao oscilador de Duffing escrito da forma

(8) x ¨ + δ x · + β x + α x 3 = F cos ( ω t )

Os termos associados a sistemas descritos por esta equação são representados a seguir:

x¨+βx - refere-se ao oscilador harmônico simples

δx· - refere-se ao amortecimento no sistema

αx3 - corresponde à primeira aproximação não linear do oscilador

Fcosωt - refere-se à força externa oscilante imposta ao sistema

Este é um oscilador forçado (como uma mola não linear) com uma força de restauração dada por

(9) F = β x α x 3

Diferentes valores de α podem modelar uma mola com endurecimento proporcional à elongação (onde α>0) ou uma mola com suavização (onde α<0). Diferentes valores de β também podem alterar a dinâmica do sistema. Para valores de β<0, o oscilador de Duffing exibe movimento caótico, criando um potencial de poço duplo (Fig. 5A).

Figura 5
Poço de potencial do sistema oscilante (A) e a força restauradora (B). [19[19] I. Kovacic and M.J. Brennan, The Duffing Equation: Nonlinear Oscillators and Their Behaviour (John Wiley & Sons, New York, 2011).]

Os modos de oscilação, incluindo os caóticos, foram extensivamente estudados na literatura [18[18] L.J. Shu, H.K. Chen, J.H. Chen and L.M. Tam, Chaos, Solutions and Fractals 32, 1459 (2007)., 19[19] I. Kovacic and M.J. Brennan, The Duffing Equation: Nonlinear Oscillators and Their Behaviour (John Wiley & Sons, New York, 2011).]. Dado que uma mola metálica exibe sempre uma força restauradora, o potencial associado é do tipo poço. Quando não há amortecimento (δ = 0), a equação de Duffing [20[20] Scholarpedia, Duffing oscillator, http://scholarpedia.org/article/Duffing_oscillator, acesso em 27/4/2016.
http://scholarpedia.org/article/Duffing_...
] pode ser integrada resultando no potencial V(x) = 1/2 (x’)2 + 1/2 βx2 + 1/4 αx4 + const, visto na Fig. 5A. Este formato de potencial explica o comportamento restaurador das forças de tração e compressão contrárias ao sentido de elongação das molas. O termo não linear aparece nas situações em que a mola está com uma elongação acentuada. Os casos estudados neste trabalho correspondem à situação em que α>0 (molas que endurecem com a elongação) e β>0 (parâmetro linear análogo a constante de elasticidade da lei de Hooke), vistos na Figura 5B.

1.4. Elastômeros

Elastômeros são polímeros naturais ou sintéticos que tem como característica apresentarem grande deformação elástica quando tracionados. Esta deformação pode superar 200% de seu comprimento quando uma tensão é aplicada. Dentro dessa classe de polímeros destacamos a borracha, pneus de automóveis, anéis de vedação, mangueiras e isolamento para fios e cabos elétricos [6[6] D.R. Askeland e P.P. Phulé, Ciência e Engenharia dos Materiais (CENGAGE Learning, São Paulo, 2008).,7[7] W.D. Callister Jr., Ciência e Engenharia de Materiais – Uma Introdução (LTC Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., Rio de Janeiro, 2002), 5ª ed.,8[8] J.F. Shackelford, Ciência dos Materiais (PEARSON-Prentice Hall, São Paulo, 2008), 6ª ed.]. Devido a estrutura dos elastômeros e dos polímeros de uma forma geral, a curva de foça versus estiramento (ou tensão versus deformação) quando o material é submetido a uma carga geralmente apresenta um perfil não linear. Os termoplásticos, por exemplo, apresentam um comportamento não-newtoniano (quando a relação entre a tensão cisalhante e a taxa de deformação cisalhante não é linear) e viscoelástico (comportamento que ocorre quando uma tensão externa é aplicada ao polímero termoplástico deformando-o elástica e plasticamente ao mesmo tempo) [6[6] D.R. Askeland e P.P. Phulé, Ciência e Engenharia dos Materiais (CENGAGE Learning, São Paulo, 2008).,7[7] W.D. Callister Jr., Ciência e Engenharia de Materiais – Uma Introdução (LTC Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., Rio de Janeiro, 2002), 5ª ed.,8[8] J.F. Shackelford, Ciência dos Materiais (PEARSON-Prentice Hall, São Paulo, 2008), 6ª ed.].

A forma da relação tensão-deformação de borrachas foi objeto de investigações nas quais uma equação empírica foi desenvolvida por Martin, Roth, e Stiehler [21[21] G.M. Martin, F.L. Roth and R.D. Stiehler, Trans. Inst. Rubber Ind. 32, 189 (1956).] em 1956 para descrever o comportamento de um vulcanizado típico. Nesse artigo mostraram que a relação proposta é válida para até 200% de alongamento de borrachas naturais, borrachas de estireno-butadieno (SBR), borrachas de butilo (IIR) e borrachas de cloropreno (CR). Martin et al [21[21] G.M. Martin, F.L. Roth and R.D. Stiehler, Trans. Inst. Rubber Ind. 32, 189 (1956)., 22[22] G.M. Martin, F.L. Roth and R.D. Stiehler, Rubber Chern. Technol. 30, 876 (1957).] desenvolveram a seguinte equação empírica para representar a relação normalizada (até L = 3).

(10) σ M = L 1 L 2 exp A L L 1

em que σ é dado pela equação (2) (em Pa), M é o módulo de Young, L=xx0 (estiramento relativo) e A é um parâmetro igual a cerca de 0,38. O menor valor relatado foi 0,32 e o mais alto 0,42 pelos autores citados.

A proposta deste trabalho é comparar quatro materiais elásticos diferentes. Três molas helicoidais, sendo uma linear e duas não lineares com perfil helicoidal distinto. Por fim, um elastômero comercial, popularmente denominado de tripa de mico. O objetivo é discutir o perfil dos gráficos de força versus elongação e os possíveis ajustes matemáticos que podem ser realizados. Pretende-se que os resultados discutidos neste artigo possam ser reproduzidos em laboratórios de física, tanto do ensino médio quanto do ensino superior, enriquecendo a discussão sobre materiais elásticos e ampliando a visão do aluno sobre as molas não lineares que não são abordadas nos livros texto.

2. Materiais e método

Para este estudo foram utilizadas três molas, helicoidais apresentadas na Fig. 6, e um elastômero denominado popularmente de tripa de mico.

Figura 6
Molas helicoidais: linear (A), não linear com espira circular (B), não linear com espira achatada e ondulada (C) e tripa de mico (D).

Os valores das dimensões das molas e da tripa de mico são apresentados na Tabela 1. A linear é uma mola comum utilizada em mecanismo de impressora a laser.

Tabela 1
Parâmetros das molas e da tripa de mico apresentadas na Fig. 6.

As duas molas não lineares foram retiradas de selos mecânicos de bombas rotativas. Ambas são helicoidais, porém, uma delas tem espiras achatadas e onduladas como pode ser visto na Fig. 7, que denominamos mola treliçada. As molas foram submetidas à compressão utilizando a montagem apresentada na Fig. 8.

Figura 7
Selo mecânico (A) e molas não lineares com espira circular (B) e com espira achatada (C).
Figura 8
Montagem utilizada para medida da compressão das molas. (A) mola, (B) régua, (C) suporte para fixação e (D) massas.

As massas utilizadas como carga foram medidas em balança analítica com precisão de centésimo; as variações no comprimento das molas foram medidas com um relógio comparador digital. A tripa de mico foi tracionada e seu comprimento medido com auxílio de uma régua milimetrada.

3. Resultados e Discussão

No gráfico de força vs elongação para a mola helicoidal, apresentado na Fig. 9, pode-se observar o perfil linear dos dados experimentais.

Figura 9
Curva de força vs elongação para a mola linear da Fig. 6A.

Ajustou-se a partir dos pontos experimentais a função linear y = a + bx, obtendo-se os seguintes valores para os parâmetros a=0,4062 e b=0,8211. Comparando este ajuste linear com a função (1) nota-se que o parâmetro b corresponde a constante elástica da mola, cujo valor fica sendo k = 0,821 N/mm (821 N/m). O parâmetro a=0,4062 N, neste caso, corresponde ao peso da montagem experimental (Fig. 6) para acoplar as demais massas à mola.

Na Fig. 10 é apresentada a curva de força vs distância para a mola helicoidal não linear de espiras circulares. Analisando o gráfico observa-se claramente que para este tipo de mola não é possível fazer um ajuste linear ao longo de todos os pontos obtidos experimentalmente. Por outro lado, nota-se que para pequenas regiões do gráfico é possível ajustar uma reta, seguindo a Lei de Hooke, como se tivéssemos um valor de k para cada região da curva. Sendo assim, optamos por dividir o gráfico em três regiões distintas (A, B e C). Para cada região foi possível ajustar uma reta obtendo-se três valores para a constante elástica. O ajuste da reta A gerou a função FA=-0,3010 + 7,2864.x, com kA=7.286,4 Nm; para a reta B, FB=-18,0964 + 15,1125.x, com kB=15.112,5 N/m; e a reta C gerou a função FC=-101,9853 + 41,6486.x, com kC=41.648,6 N/m. Os valores do parâmetro a para todos os três ajustes realizados, que se apresentam com sinal negativo, podem ser desprezados pois são extrapolações das retas ajustadas e acabam não tem um sentido físico neste caso.

Figura 10
Curva de força vs elongação para mola helicoidal não linear da Fig. 6B.

Análise semelhante foi realizada para a mola não linear treliçada, cujo gráfico de força vs distância é apresentado na Fig. 11.

Figura 11
Curva de força vs elongação para mola não linear treliçada da figura 6C.

Para essa mola que também apresenta resposta não linear, dividiu-se o gráfico em três regiões lineares distintas (A, B e C). O ajuste da reta A gerou a função FA=-0,7940 + 9,1512x, com kA=9.151,2 N/m; para o ajuste B, FB=-23,7202 + 20,7567.x, com kB=20.756,7 N/m; e o ajuste C gerou a função FC =-33,9946 + 25,2608.x, com kC=25.260,8 N/m.

Neste caso os valores referentes ao parâmetro a também são números negativos, podendo ser desprezados nessa análise visto que nos interessa apenas os valores da constante elástica da mola em cada faixa de força aplicada.

Uma análise mais detalhada sobre o comportamento não linear das duas molas helicoidais (Fig. 7), referentes às curvas das Figuras 10 e 11, pode ser realizada utilizando-se a Equação de Duffing apresentada no item I.3. Nas Figuras 12 e 13 são apresentados os gráficos de força vs distância com os pontos experimentais e o respectivo ajuste segundo a Equação de Duffing. No caso da mola helicoidal de fio circular da Fig. 6B, a Função de Duffing (9) se ajustou muito bem aos pontos experimentais (Fig. 12), fornecendo o seguinte resultado:

F = 5 , 8565 . 10 5 + 6 , 5685 . x + 0 , 7890 . x 3
Figura 12
Curva de força vs elongação para mola helicoidal não linear da Fig. 6B.
Figura 13
Curva de força vs elongação para mola treliçada da Fig. 6C.

Neste caso os parâmetros obtidos do ajuste acima são interpretados da seguinte forma:

(-5,8565.105) – corresponderia ao valor da força quando a mola está relaxada, além disso é muito pequeno e negativo podendo, portanto, ser desprezado.

(6,5685) – refere-se ao termo linear β = 6.568,5 N/m, análogo à constante elástica da mola.

(0,7890) – este parâmetro é o α = 789,0 N/m3 da equação de Duffing, que é o termo não linear e positivo correspondendo ao endurecimento da mola.

A divergência observada no ajuste aos três ultimos pontos da curva provavelmente deve-se ao fato da mola já estar no limite de sua compressão, quase no ponto de contato entre suas espiras, provocando um endurecimento mais acentuado.

Para a mola de perfil não linear com espiras retangulares e onduladas (denominada nesse trabalho como mola treliçada), o ajuste da Equação de Duffing aos pontos experimentais do gráfico da Fig. 13 foi:

F = 0 , 8454 + 5 , 0075 . x + 0 , 4313 . x 3

Neste caso também a análise é a mesma que foi realizada para o ajuste da Fig. 12. O valor de 0,8454 corresponderia ao peso do aparato da montagem utilizado para prender as massas na mola durante a tomada das medidas. Pode ser desconsiderado nesta análise, pois o foco do trabalho é a discussão do comportamento elástico da mola. Para esta mola obteve-se β = 5007,5 N/m e α = 431,3 N/m3.

Para os resultados da tripa de mico, seguiu-se o que geralmente se faz nas aulas de laboratório, que é construir o gráfico de força vs elongação (Δl), apresentado na Fig. 14, como foi realizado para as molas discutidas nesse artigo. A equação (10) foi então reescrita na seguinte forma

(11) F = A 0 M ( L 1 L 2 ) exp ( A ( L L 1 ) )
Figura 14
Curva de força vs elongação para elástico (tripa de mico) da Fig. 6D.

onde A0 é a área da secção reta da tripa de mico, que neste caso corresponde a um anel cujos diâmetros interno e externo estão apresentados na Tabela 1. O ajuste aos pontos experimentais segundo a função (11) resultou em

F = 0 , 62507 + 83 , 0207 ( L 1 L 2 ) × exp [ 0 , 4038 ( L L 1 ) ]

onde L=l/l0l0 = 0,165m, A0M = 83,0207 e A = 0,4038.

Utilizando os valores dos diâmetros da tripa de mico apresentados na Tabela 1, tem-se que a área A0 é calculada da seguinte forma:

A 0 = π 4 D 2 d 2 = π 4 11 , 5 2 6 2
A 0 = 75 , 57 m m 2

A partir do valor de A0 calculado acima obtemos o módulo de elasticidade M (ou módulo de Young):

M = 83 , 0207 75 , 57 = 1 , 098593 N m m 2

Fazendo a conversão da área A0 de mm2 para m2, tem-se finalmente o módulo de Young dado por M = 1098593 Pa, ou M = 1,1 × 106 Pa, que está em concordância com os valores descritos na literatura [23[23] L.A. Wood, J. of Research of the National Bureau of Standards 82, 57 (1977).]. Outro valor importante é o referente ao parâmetro A da função (11), que também está em concordância com os resultados da literatura [23[23] L.A. Wood, J. of Research of the National Bureau of Standards 82, 57 (1977).].

4. Conclusões

Similar aos casos geralmente discutidos nos livros texto, a mola helicoidal com 8 espiras, tratada neste trabalho, também apresentou perfil linear ao longo de toda sua compressão. Neste caso a análise foi a utilizada tradicionalmente nas aulas, seja de teoria ou de laboratório, onde é discutido o perfil linear do gráfico de força vs elongação, e a relação entre a inclinação da reta e o valor da constante elástica da mola. A função linear gerada pelo software Excel, utilizado neste trabalho, se ajustou muito bem aos dados experimentais, fornecendo o valor da constante elástica k = 820 N/m.

Para o estudo das molas e da tripa de mico, que apresentam um perfil não linear, foi proposto neste trabalho dois tipos de abordagem, uma discreta, dividindo os gráficos em três regiões lineares distintas, obtendo-se deste modo três valores para a constante elástica; e uma análise mais completa onde se propôs o uso de funções que levem em conta a não linearidade dos elementos elásticos e que melhor se ajustassem aos pontos experimentais.

Dividir um gráfico em regiões lineares, desde que seja possível, é uma abordagem comum e simples em várias situações práticas. Dependendo da situação, talvez a mola seja solicitada em apenas uma determinada faixa de força aplicada e, neste caso, um ajuste linear da curva seja suficiente para a determinação da sua constante elástica.

Respostas de sistemas não lineares podem ser tratadas matematicamente utilizando, por exemplo, funções polinomiais ou exponenciais, que geralmente se ajustam bem aos pontos experimentais. Porém, o mero ajuste matemático não necessariamente tem como base o conceito físico do fenômeno estudado. Nossa preocupação é chamar a atenção para a utilização de ajustes que correspondam ao fenômeno físico estudado, particularmente nos laboratórios onde se busca encontrar a função correspondente ao problema analisado. Neste sentido, a função de Duffing, utilizada para o caso das molas não lineares, e a de Martin et al, em polímeros, se prestam para ilustrar essa situação.

A Tabela 2 apresenta o resumo dos valores da constante elástica k obtidos do ajuste linear de cada região da curva para as duas molas não lineares, os valores dos coeficientes α e β referentes ao ajuste não linear, bem como os parâmetros A e M da tripa de mico.

Tabela 2
Resumo dos valores da constante elástica kdas molas não lineares, dos parâmetros α e β, do módulo de Young e do parâmetro exponencial A da tripa de mico.

Este trabalho procurou mostrar que é importante enfatizar que o comportamento elástico não é necessariamente apenas linear como apresentado nos livros texto, dando talvez a falsa impressão ao aluno que todos os materiais elásticos são lineares, seguindo deste modo a lei de Hooke. Assim, o estudo de modelos teóricos mais adequados permite enriquecer a prática experimental, fornecendo ajustes mais condizentes com a realidade, além do que introduz novos conceitos como a tensão de engenharia σ, cujo valor encontrado no ajuste correspondeu aos apresentados na literatura.

Agradecimentos

À FAPESP pelo apoio financeiro.

Referências

  • [1]
    D.C. Freeman Jr., Nonlinear Springs with Applications to Flow Regulation Valves and Mechanisms Doctorate of Philosophy in Mechanical Engineering, Massachusetts Institute of Technology, 2008.
  • [2]
    D.H. Young e R.A. Freedman, Física II (Pearson Education do Brasil, São Paulo, 2003), 10ª ed.
  • [3]
    D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentos de Física 1 (LTC, Rio de Janeiro, 2006), 7ª ed.
  • [4]
    P.A. Tipler, Física para Cientistas e Engenheiros 1 (LTC, Rio de Janeiro, 2000), 4ª ed.
  • [5]
    J.W. Jewett e R.A. Serway, Física para Cientistas e Engenheiros – Mecânica, Vol. 1 (CENCAGE Learning, São Paulo, 2012), 8ª ed.
  • [6]
    D.R. Askeland e P.P. Phulé, Ciência e Engenharia dos Materiais (CENGAGE Learning, São Paulo, 2008).
  • [7]
    W.D. Callister Jr., Ciência e Engenharia de Materiais – Uma Introdução (LTC Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., Rio de Janeiro, 2002), 5ª ed.
  • [8]
    J.F. Shackelford, Ciência dos Materiais (PEARSON-Prentice Hall, São Paulo, 2008), 6ª ed.
  • [9]
    http://www.ime.usp.br/˜oda/contents/01Matem%E1tica/01Sistemas%20Din%E2micos/04_Elem_Sist_Mec.pdf, acesso em 27/4/2016.
    » http://www.ime.usp.br/˜oda/contents/01Matem%E1tica/01Sistemas%20Din%E2micos/04_Elem_Sist_Mec.pdf
  • [10]
    http://www.makermolas.com.br/produtos_comp_coni.htm, acesso em 27/4/2016.
    » http://www.makermolas.com.br/produtos_comp_coni.htm
  • [11]
    http://www.ebah.com.br/content/ABAAAg7OQAI/artigo-modelagem-simulacao, acesso em 27/4/2016.
    » http://www.ebah.com.br/content/ABAAAg7OQAI/artigo-modelagem-simulacao
  • [12]
    S. Gross, Calculation and Design of Metal Springs (Chapman and Hall, Ltd., London, 1966).
  • [13]
    C.M. Vehar and S. Kota, in: Proceedings of the ASME Design Engineering Technical Conference (2006), p. 221-230.
  • [14]
    M. Levi, Patent n. 6,623,368 (2008).
  • [15]
    M. Ghosh, Indian J. Phys. 7, 365 (1932).
  • [16]
    A. Stulov, J. Acoust. Soc. Amer. 97, 2577 (1995).
  • [17]
    ULTRASEAL Selos Mecânicos http://www.ultraseal.com.br/, acesso em 27/04/2016
    » http://www.ultraseal.com.br/
  • [18]
    L.J. Shu, H.K. Chen, J.H. Chen and L.M. Tam, Chaos, Solutions and Fractals 32, 1459 (2007).
  • [19]
    I. Kovacic and M.J. Brennan, The Duffing Equation: Nonlinear Oscillators and Their Behaviour (John Wiley & Sons, New York, 2011).
  • [20]
    Scholarpedia, Duffing oscillator, http://scholarpedia.org/article/Duffing_oscillator, acesso em 27/4/2016.
    » http://scholarpedia.org/article/Duffing_oscillator
  • [21]
    G.M. Martin, F.L. Roth and R.D. Stiehler, Trans. Inst. Rubber Ind. 32, 189 (1956).
  • [22]
    G.M. Martin, F.L. Roth and R.D. Stiehler, Rubber Chern. Technol. 30, 876 (1957).
  • [23]
    L.A. Wood, J. of Research of the National Bureau of Standards 82, 57 (1977).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2016
  • Revisado
    01 Jun 2016
  • Aceito
    04 Jun 2016
Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: marcio@sbfisica.org.br