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Cosmográficos: representando o espaço ao longo do tempo* * Tradução livre do autor

Cosmigraphics: picturing space through time

Benson, M.. Cosmigraphics: Picturing Space Through Time. Abrams, New York: 2014. 1st ed.322

Resumos

Apresenta-se uma resenha crítica do livro de divulgação científica ”Cosmigraphics - picturing space through time”, de autoria do artista e escritor Michael Benson. O livro apresenta uma história da astronomia contada de forma não usual, a partir das representações imagéticas sobre o cosmos. A obra é composta de dez capítulos temáticos, nos quais são apresentadas, discutidas e correlacionadas diferentes representações gráficas de corpos e fenômenos celestes, tais como a Lua, o Sol, a origem do universo ou as auroras. As imagens foram produzidas em diversos momentos da história humana, contribuindo para demonstrar a astronomia - e a ciência como um todo - como uma criação humana, condicionada pela cultura na qual o conhecimento é construído. Defende-se que o livro de Benson pode se revelar de grande valia para os professores de física de ensino médio, dada a importância de se conhecer a história da astronomia, a qual está presente na organização curricular proposta na nova Base Nacional Comum Curricular brasileira, e também pelas interconexões entre o conteúdo programático e a história da ciência que sua leitura permite inferir.

Palavras-chave:
história da ciência; história da astronomia; imagens em ciência; astronomia


It is presented a critical review of the book of popular science ”Cosmigraphics - picturing space through time”, authored by artist and writer Michael Benson. The book presents a history of astronomy told in an unusual way, from the imagistic representations of the cosmos. The work consists of ten thematic chapters, in which different graphical representations of bodies and celestial phenomena (such as the Moon, the Sun, the origin of the universe or auroras) are presented, discussed and correlated. The images were produced at different times in human history, contributing to demonstrate astronomy - and science as a whole - as a human creation, conditioned by the culture in which knowledge is constructed. It is argued that Benson's book may prove valuable for high school physics teachers, given the importance of knowing the history of astronomy, which is present in the proposed curriculum organization in the new Brazilian Common National Base Curriculum, and also because of the interconnections between the curriculum and the history of science that can be inferred.

Keywords:
history of science; history of astronomy; scientific images; astronomy


Segundo Pauwels [1[1] L. Pauwels (org.), Visual Cultures of Science: Rethinking Representational Practices in Knowledge Building and Science Communication (Dartmouth College Press, Hanover, 2006), 1a ed., p. VII-XIX.], aquilo que conhecemos e entendemos como ciência é o resultado de uma série de práticas representacionais, sejam elas visuais, verbais ou numéricas, entre outros tipos. O discurso científico em qualquer área de estudo, portanto, não pode ser entendido como apenas verbal: as representações visuais desempenham um papel essencial na construção desse discurso. Silva et al. [2[2] H. Silva, E. Zimmermann, M. Carneiro, M. Gastal e W. Cassiano, Ciência e Educação 12, 219 (2006).] corroboram essa visão: segundo os autores, “a ciência é inerentemente visual” (p.220). É nesse contexto de interação entre as imagens e os conceitos científicos que o livro Cosmigraphics (Fig. 1), de autoria de Michael Benson [3[3] M. Benson, Cosmigraphics: Picturing Space Through Time (Abrams, New York, 2014), 1st ed., p. 322.], está inserido.

Figura 1
Capa do livro Cosmigraphics: picturing space through time, do autor Michael Benson.

Benson não é um cientista per se: segundo as informações disponíveis na sua página oficial [4[4] Página oficial do autor, http://michael-benson.net/, acesso em 14/5/2016.
http://michael-benson.net/...
], o autor do livro aqui resenhado trabalha na intersecção entre a arte e a ciência, desempenhando atividades diversas nesse intercâmbio, tais como artista gráfico, escritor, cineasta, designer de livros e produtor de exibições. Previamente a Cosmigraphics, Benson lançou os livros Beyond: visions of the interplanetary probes [5[5] M. Benson, Beyond: Visions of the Interplanetary Probes (Abrams, New York, 2003), 1a ed., 320 p.], no qual ele compila imagens do Sistema Solar coletadas pelas sondas não tripuladas que a NASA lançou ao espaço desde a década de 1960; Far out: A space-time chronicle [6[6] M. Benson, Far Out: A Space-Time Chronicle (Abrams, New York, 2010), 1a ed., 320 p.], no qual o autor reúne imagens captadas por observatórios astronômicos no solo e no espaço, mostrando desde nebulosas pertencentes à Via Láctea até as imagens do campo profundo do telescópio Hubble; e Planetfall: new solar system visions [7[7] M. Benson, Planetfall: New Solar System Visions (Abrams, New York, 2012), 1a ed., 204 p.], obra na qual Benson revisita as imagens do Sistema Solar, com particular atenção aos satélites de Júpiter, os desertos de Marte e os anéis de Saturno. Infelizmente, nenhum dos livros de Michael Benson tem edições em língua portuguesa, razão pela qual a resenha se baseia na edição norte-americana.

O novo livro de Benson se revela uma história da astronomia contada de forma não usual, a partir das representações imagéticas sobre o cosmos. A relação entre a astronomia e a física vem de longa data, e as duas disciplinas se mesclam ainda hoje. Ademais, a nosso ver, a importância de conhecer a história da astronomia se justifica, para um professor de física no ensino médio, a partir da organização curricular proposta na nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) [8[8] Brasil, Base Nacional Comum Curricular (Ministério da Educação, Brasília, 2016), 2a versão revista, p. 586-591. Disponível em http://basenacionalcomum.mec.gov.br/documentos/bncc-2versao.revista.pdf, acesso em 15/0/2016.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/docu...
]. Esse documento expõe de forma clara a necessidade de se lidar com conceitos de astronomia e astrofísica em aulas de física. A unidade curricular 6 da BNCC, intitulada Terra e universo: formação e evolução, tem a seguinte descrição dos conteúdos a serem abordados:

Da gravitação universal que coordena a dança dos corpos celestes, até as hipóteses sobre os primeiros momentos do surgimento das forças e da nucleossíntese primitiva, estuda-se a visão contemporânea do Universo e nele galáxias e estrelas, comparando-se com a herança de cosmologias de outras épocas. O estudo do funcionamento e da evolução de estrelas dá lugar à compreensão da formação de nosso Sistema Solar e à investigação de condições para que surja a vida em outras partes do Universo. (p.491)

Pelo exposto, consideramos que o livro de Benson pode se revelar de grande valia para os professores de física no planejamento e desenvolvimento da unidade curricular supracitada, principalmente pelas interconexões entre o conteúdo programático e a história da ciência que sua leitura permite inferir. Na obra, Benson apresenta uma coletânea das representações gráficas dos corpos e fenômenos celestes, tais como a Lua, o Sol, a origem do universo ou as auroras, as quais foram produzidas em diversos momentos da história humana, contribuindo para demonstrar que a astronomia - e a ciência como um todo - é uma criação humana, condicionada pela cultura na qual o conhecimento é construído.

Embora a grande maioria das imagens presentes em Cosmigraphics seja de domínio público, nem sempre as mesmas estão acessíveis ou são conhecidas dos professores, por terem sido publicadas em obras antigas, raras ou obscuras. Nesse aspecto, a compilação organizada por Benson colabora para que o leitor tenha um primeiro contato com tais obras, em especial os livros clássicos dos quais elas foram selecionadas, podendo vir então a consultar tais obras na íntegra na internet 1 1 A maioria das obras clássicas que Benson usou como fontes de ilustrações para o livro estão disponíveis na íntegra na internet, geralmente na forma de digitalizações dos livros originais, as quais estão livres de direitos autorais. Entre outras, são encontradas as obras de Robert Fludd [9], Andreas Cellarius [10], Athanasius Kircher [11], Galileu Galilei [12], James Nasmyth [13], Bruno Bürgel [14], Camille Flammarion [15], Johann Bayer [16], Nicolaus Copernicus [17], Lambert [18] e Johannes Kepler [19]. O livro Augsburger Wunderzeichenbuch não está digitalizado na íntegra, mas várias de suas ilustrações podem ser encontradas [20]. As ligações para as referências citadas podem ser consultadas nas referências dessa resenha. Ressalta-se que não se pesquisou a disponibilidade na internet de todas as obras citadas nessa resenha, razão pela qual as mesmas não estão referenciadas ao longo do texto. .

A impecável qualidade de impressão e o grande formato (24 cm x 31 cm) das páginas do livro contribuem para um forte impacto das figuras sobre o leitor. Cada capítulo é dedicado a um corpo celeste, fenômeno atmosférico ou conceito astronômico, e se inicia com uma contextualização histórica sobre o tema. As imagens vêm a seguir, apresentadas e discutidas em ordem cronológica. Quase todas as imagens presentes no livro são posteriores ao ano 1000 D.C, com exceção do disco de Nebra (artefato descoberto em 1999, cuja data é estimada entre os anos 2000 e 1600 A.C., e que é a mais antiga representação gráfica de objetos celestiais conhecida) e de algumas representações do zodíaco no Egito (50 A.C) e na Coreia (anos iniciais da era cristã).

Não há reprodução de fotografias modernas de corpos celestiais em Cosmigraphics, fato entendido por nós como deliberado por parte do autor, dado que seus livros anteriores se desenvolvem a partir de compilações fotográficas. Ao contrário, o livro apresenta uma grande diversidade de outras mídias gráficas, tais como litogravuras, xilogravuras, pinturas, esquemas, diagramas, desenhos a lápis ou nanquim, esculturas em baixo relevo, ilustrações monocromáticas e coloridas, mapas diversos, calótipos, simulações de supercomputadores, imagens criadas com ferramentas digitais, frames isolados de animações e infográficos. Tal variedade, a nosso ver, enriquece a experiência de leitura, e transmite um senso de interconexão entre as antigas e modernas técnicas de representação na ciência.

Cabe frisar que nem todas as imagens apresentadas no livro poderiam ser descritas como representações científicas: há, por exemplo, demônios ateando fogo no céu como representação de um fenômeno atmosférico, para o qual o próprio autor não se arrisca a fornecer uma explicação científica. Diversas ilustrações medievais também possuem caráter eminentemente teológico, mas acreditamos que sua inclusão é relevante, na medida em que ilustram a íntima relação que astronomia e misticismo tiveram ao longo da história humana. A obra, ademais, não se propõe a ser um livro-texto de história da astronomia, e sim uma compilação das diversas formas de representação gráfica dos fenômenos celestiais.

Uma crítica que pode ser feita em relação ao conteúdo do livro é o eurocentrismo: uma esmagadora parcela das imagens, principalmente aquelas anteriores ao século XX, tem origem em obras produzidas na Europa, a partir dos últimos séculos da Idade Média, com pouca ou nenhuma menção às representações de culturas asiáticas ou nativas da América. Outra crítica é de natureza editorial: algumas imagens são reproduzidas em duas páginas, e como o livro possui grande formato, não é possível observá-las por completo, pois a junção das páginas assim o impede. Tais ressalvas, entretanto, não chegam a comprometer o conjunto da obra, a qual é descrita no prefácio, escrito pelo historiador da astronomia Owen Gingerich [21[21] O. Gingerish, in: M. Benson, Cosmigraphics: Picturing Space Through Time (Abrams, New York, 2014), 1a ed., p. 6-8.], como “uma extraordinária amostra visual da resposta humana à beleza e mistério dos céus” (p.6).

As representações visuais para a criação do universo, sejam elas de origem mítica ou apoiadas formalmente na ciência, são apresentadas no primeiro capítulo. Ao longo desse capítulo, de forma mais intensa do que nos posteriores, as imagens presentes têm forte conotação teológica. A primeira ilustração do capítulo, por exemplo, é um quadrado negro sob um fundo branco (evocando o famoso quadro de Kasimir Malevich Black Square on a White Ground, pintado em 1918). Após a leitura da legenda, aprendemos ser a representação do “negro vazio” (black void) que existiria antes da criação, conforme contada na tradição judaico-cristã. O quadrado em questão foi desenhado pelo cosmólogo inglês Robert Fludd em 1617, e ilustra seu livro Utriusque cosmi, maioris scilicet et minoris, metaphysica, physica, ataque technica historia [9[9] R. Fludd, Utriusque Cosmi maioris salicet et minoris metaphysica (1617), disponível em http://www.archive.org/details/utriusquecosmima02flud, acesso em 16/6/2016.
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], fazendo parte de um conjunto de ilustrações que se propõe a ilustrar o mito bíblico da criação do universo em seis dias. Um esquema de um universo geocêntrico, datado de 1493 e produzido pelo cartógrafo Hartmann Schedel, também merece destaque, por dispor tal universo como o resultado da criação. Como único contraponto de ordem científica ao mito de criação bíblico, é apresentado o já tradicional mapa planificado da distribuição da radiação cósmica de fundo de micro-ondas, conforme os dados de 2013 obtidos pelo telescópio espacial Planck.

O segundo capítulo é dedicado ao nosso planeta natal. Benson argumenta que a gênese das representações sobre o universo se dá com as representações da própria Terra, com as palavras mundo e universo tendo o mesmo significado e o planeta sendo representado de forma interligada aos céus. Assim, de acordo com Benson, representações do planeta como um lugar distinto no espaço não estavam presentes na Antiguidade, tornando-se mais frequentes no fim da Idade Média e início da Renascença, como no desenho de Bartholomeus Anglicus para a obra De proprietatibus rerum (1410-1500), no qual a Terra é representada como uma esfera suspensa no espaço, com uma metade iluminada (céu azul) no topo e uma região mais escura (céu estrelado) abaixo. Benson mostra em seguida um paradoxo: embora o formato esférico do planeta já fosse conhecido desde a Antiguidade, representações da Terra como um disco plano ainda persistiam na arte medieval e renascentista, como na pintura Triumph, do mestre florentino Francesco Pesellino.

Modelos geocêntricos também são apresentados nesse capítulo, sobressaindo-se um excerto do atlas estelar Harmonia macrocosmica [10[10] A. Cellarius, Harmonia macrocosmica (Studio et Labore Andreae Cellarii Palatini, Amsterdam, 1661), disponível em http://www.rarebookroom.org/Control/gelmcs/index.html, acesso em 16/6/2016.
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], pela impressionante qualidade artística e grau de detalhamento, características típicas das obras barrocas. O atlas em questão foi publicado em 1660 pelo cartógrafo Andreas Cellarius, e além de expor o modelo geocêntrico ptolomaico, trazia também representações dos sistemas planetários elaborados por Copérnico e Brahe. Diversas páginas do atlas de Cellarius estão reproduzidas em outros capítulos de Cosmigraphics.

Uma imagem que muito nos captou a atenção (Fig. 2) tem autoria de Orlando Ferguson e data de 1893. A imagem advoga a favor da superfície da Terra como plana - em uma tradução literal, o mapa representa uma “Terra quadrada e estacionária”. Um desenho à direita do mapa é revelador acerca das crenças aristotélicas que Ferguson mantinha sobre o movimento: duas pessoas são vistas agarradas a um planeta que se move ferozmente pelo espaço, à incrível velocidade de 65000 milhas por hora ao redor do Sol, com as pessoas não sendo capazes de acompanhar tal movimento. Esse errôneo argumento a favor da imobilidade do planeta não se sustenta frente ao conceito de inércia desenvolvido por Galileu, mas ainda assim, foi ressuscitado por Ferguson quase três séculos depois da sua invalidação. Logo abaixo do mapa, são listados excertos da Bíblia que condenariam a teoria da Terra esférica. O capítulo dedicado à Terra também traz uma diversidade de ilustrações mais recentes, incluindo um mapa fisiográfico dos oceanos dos anos 1970 e uma representação gerada em supercomputadores do comportamento das correntes oceânicas do Atlântico Norte.

Figura 2
A Terra plana de Orlando Ferguson, em um desenho de 1891.

No terceiro capítulo, as imagens da Lua são o foco das atenções de Benson. A conexão entre os calendários e as fases lunares é ressaltada pelo autor, por exemplo, na xilogravura de Pierre Miotte encontrada no livro Ars magna lucis et umbrae (1646), de autoria do jesuíta alemão Athanasius Kircher [11[11] A. Kircher, Ars magna lucis et umbrae (Sumptibus Hermanni Scheus, Roma, 1646), disponível em http://lhldigital.lindahall.org/cdm/ref/collection/color/id/23013, acesso em 16/6/2016.
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]. A gravura se revela inovadora ao apresentar as fases da Lua a partir de duas espirais simétricas, sendo a primeira representando as fases minguante e nova da Lua (brilho decrescente) e a segunda as fases crescente e cheia (brilho crescente).

Sendo a descoberta das crateras da Lua um evento tão crucial na biografia de Galileu, a inclusão de uma das suas ilustrações do astro se revela mandatória na obra. De forma quase irônica, Benson apresenta uma gravura (Fig. 3) retirada do panfleto Sidereus nuncius [12[12] G. Galilei, Sidereus nuncius (Venetiis, Veneza, 1610), disponível em http://www.rarebookroom.org/Control/galsid/index.html, acesso em 16/6/2016.
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] de 1610, no qual uma grande cratera parece se destacar na superfície da Lua. O desenho, entretanto, não representa a realidade - ou seja, a grande cratera não existe - pois, segundo Benson, Galileu estava interessado em transmitir aos leitores a característica essencial da superfície da Lua como irregular e das crateras como um fenômeno natural. Em contraste, as gravuras executadas em 1635 por Claude Mellan, sob direção do astrônomo Pierre Gassendi, apresentam a superfície do satélite com grande acurácia. Destaca-se também um calótipo (processo fotográfico anterior à fotografia moderna) da cratera Copérnico, obtido em 1842 pelo astrônomo John Herschel. Como a produção de calótipos não permitia captação da luz em alta definição, o cientista construiu um detalhado modelo tridimensional, registrando então a fotografia. A fotografia de modelos da Lua em escala reduzida também foi usada pelo astrônomo amador James Nasmyth para algumas ilustrações do seu livro The Moon: considered as a planet, a world and a satellite [13[13] J. Nasmyth, The Moon Considered as a Planet, a World, and a Satellite (J. Murray, London, 1885), disponível em https://archive.org/details/consideredasmoon00nasmrich, acesso em 16/6/2016.
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], lançado em 1874.

Figura 3
Irregularidades na superfície da Lua, conforme representadas no livro Sidereus nuncius (1610), de Galileu Galilei [12[12] G. Galilei, Sidereus nuncius (Venetiis, Veneza, 1610), disponível em http://www.rarebookroom.org/Control/galsid/index.html, acesso em 16/6/2016.
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].

Por vezes, a leitura de uma imagem depende do background cultural de quem a observa. Um exemplo dessa dependência nos foi demonstrado em uma litogravura de Nasmith, presente no livro supracitado, a qual mostra como um observador na superfície da Lua veria um eclipse solar. A imagem poderia passar despercebida, não fosse a impressionante semelhança - notada por nós - entre a litogravura e a cena de abertura de 2001: a space odyssey, filme de 1968 dirigido por Stanley Kubrick. A paisagem de Nasmith encontra eco na ilustração do tcheco Ludek Pesek para a superfície lunar, confeccionada em 1963 para o livro The Moon and planets, no início da era espacial. Um mapa geológico para a região polar sul do satélite, produzido em 1979, também traz ecos sessentistas: a ilustração foi construída com intensos contrastes de cor, com matizes que beiram a psicodelia e o abstracionismo.

O quarto capítulo é dedicado ao Sol. O papel de divindade que o astro assumiu na história de diversas culturas é ressaltado na introdução, e ilustrado a partir da uma monumental escultura asteca (Aztec Sun Stone), datada de 1479, pouco antes da chegada dos espanhóis à América, na qual a posição central do Sol lhe concede primazia sobre os demais elementos pictóricos presentes na escultura. Uma ilustração de Galileu sobre as manchas solares, retirada do seu livro Istoria e dimostrazioni intorno alle macchie solari, publicado em 1613, também está incluída, e Benson ressalta a precisão quase fotográfica da gravura. Chama também a atenção do leitor a insistência de diversos artistas que representaram o Sol em lhe conceder um rosto com feições humanas.

Benson destaca também o papel que as gravuras sobre as proeminências solares produzidas pelo astrônomo Étienne Trouvelot em 1872 para ilustrar o livro Annals of the Astronomical Observatory of Harvard College. De acordo com o autor, o livro não teve grande circulação, mas ilustrações similares às de Étienne acabaram por se disseminar em publicações de maior abrangência, influenciando a percepção pública sobre as características visuais e as monumentais escalas dos fenômenos cósmicos observáveis nos telescópios de então. O capítulo se encerra com imagens geradas a partir de simulações em supercomputadores atuais, como uma detalhista representação de uma mancha solar, a qual foi criada pelo pesquisador Matthias Rempel e colaboradores em 2009.

Benson se dedica às imagens sobre a estrutura do universo no capítulo seguinte. São mostradas diversas ilustrações de obras medievais, as quais têm o geocentrismo de órbitas circulares como modelo para a forma do universo, como as extraídas da enciclopédia medieval Liber Floridus, publicada em 1121 por Lambert [18[18] Lambert, Liber floridus (1120), disponível em https://play.google.com/store/books/details?id=OQ1-igA9LI4C&rdid=book-OQ1-igA9LI4C&rdot=1, acesso em 16/6/2016.
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], ou do Catalan Atlas, de 1375. As ilustrações apresentam grande detalhamento, e cabe frisar que a edição desses livros precede o uso das prensas móveis para impressão por Gutenberg em 1439.

A sucessão de ilustrações do modelo geocêntrico se interrompe com um diagrama de Copérnico feito à mão, confeccionado em 1520 para ilustrar o seu sistema heliocêntrico de órbitas circulares, mais de duas décadas antes da publicação do seminal De revolutionibus orbium coelestium em 1543 [17[17] N. Copernicus, De revolutionibus orbium coelestium (Nuremberg, 1543), disponível em http://www.rarebookroom.org/Control/coprev/index.html, acesso em 16/6/2016.
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]. O didático esquema de Copérnico é contrastado com outro excerto da Harmonia macrocosmica [10[10] A. Cellarius, Harmonia macrocosmica (Studio et Labore Andreae Cellarii Palatini, Amsterdam, 1661), disponível em http://www.rarebookroom.org/Control/gelmcs/index.html, acesso em 16/6/2016.
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], no qual o diagrama ganha monumentalidade. Ao pé dessa imagem, estão o próprio Copérnico e um astrônomo da Antiguidade, que Benson acredita ser Aristarco de Samos, o primeiro a sugerir o Sol como centro do universo. A imagem posterior também é extraída do mesmo livro, e apresenta o sistema híbrido de Tycho Brahe, sendo seguidas por algumas das mais conhecidas imagens da história da ciência, as quais são reproduzidas por vezes em livros didáticos de física, como o universo de poliedros de Kepler e os vórtices de Descartes.

Benson apresenta também uma comparação entre um desenho que o astrônomo William Parsons fez para a nebulosa M51 (hoje conhecida como Galáxia do Redemoinho) em 1845 com o quadro The starry night, pintado por Vincent Van Gogh em 1889 e entendido por Benson com a mais conhecida representação do céu noturno. O desenho de Parsons foi reproduzido pelo best-seller de Camille Flammarion L'astronomie populaire [15[15] C. Flammarion, L'Astronomie Populaire: Description Générale du Ciel (Marpon e Flammarion, Paris, 1880), disponível em http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k94887w/f6.item.zoom, acesso em 16/6/2016.
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], publicado em 1880. Benson acredita que Van Gogh, durante sua permanência no asilo de Saint-Rémy, tenha tido contato com o desenho de Parsons através do livro de Flammarion, e tenha ficado intrigado com a representação, transladando-a para sua magnum opus.

O capítulo se encerra com uma série de ilustrações contemporâneas, muitas realizadas por supercomputadores, como a simulação da colisão entre a Via Láctea e a galáxia de Andrômeda (a qual só virá a ocorrer em três bilhões de anos) produzida pelo astrônomo canadense John Dubinski em 2003. Também merecem destaque os frames selecionados do filme para planetários Dark universe (2013), dirigido por Carter Emmart, que mostram o caráter de inacessibilidade de certas regiões do universo, na medida em que cada ponto é o centro de uma “bolha” de observação.

No sexto capítulo, são mostradas ilustrações sobre os planetas e as luas que os orbitam. Como planetas extrassolares só foram identificados a partir de 1989, a grande maioria das imagens presentes nesse capítulo representa os planetas do Sistema Solar. Um diagrama de 1121, extraído da enciclopédia medieval Liber Floridus [18[18] Lambert, Liber floridus (1120), disponível em https://play.google.com/store/books/details?id=OQ1-igA9LI4C&rdid=book-OQ1-igA9LI4C&rdot=1, acesso em 16/6/2016.
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], representa o movimento dos corpos celestes conhecidos à época (incluindo também a Lua e o Sol) ao longo de um período de tempo. Tais movimentos são apresentados em ziguezague, devido à variação da posição desses astros em relação às estrelas do zodíaco, para um observador na Terra. Outro diagrama, com estética quase modernista segundo Benson, foi retirado da Harmonia macroscomica [10[10] A. Cellarius, Harmonia macrocosmica (Studio et Labore Andreae Cellarii Palatini, Amsterdam, 1661), disponível em http://www.rarebookroom.org/Control/gelmcs/index.html, acesso em 16/6/2016.
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] e mostra os diferentes tamanhos estipulados para os planetas e outros astros à época. O autor nos diz que as estimativas são bastante precisas para alguns corpos e extremamente erradas para outros, mas não detalha quais seriam as medidas corretas e erradas.

Algumas imagens do livro têm o propósito de mostrar o quanto ilustrações científicas podem se tornar anacrônicas em um curto período de tempo. Um exemplo é um mapa do Sistema Solar de 1846, construído por Hall Colby para funções didáticas, o qual apresenta os planetas conhecidos de então e as luas que os orbitam. O mapa contém um número muito maior de planetas que os atualmente reconhecidos, pois à época, os asteroides Vesta, Juno e Palas ainda eram reconhecidos como planetas, assim como o planeta-anão Ceres. Tais corpos, entretanto, realmente existem, ao contrário de outro astro desenhado entre a órbita de Mercúrio e o Sol, o planeta Vulcan, cuja existência foi hipotetizada pelo matemático Urbain Le Verrier em 1843, mas que nunca foi observado. O mapa traz como ausência notória o planeta Netuno, descoberto apenas alguns meses após a sua publicação.

Em relação às imagens produzidas no século XX, Benson compilou algumas imagens dos planetas presentes em publicações voltadas para o público em geral, como as revistas Life (na qual Chesley Bonestell ilustra a paisagem da lua Titã, com o planeta Saturno em destaque no céu do satélite, em 1944) e National Geographic (na qual Ludek Pesek ilustrou no início dos anos 1970 algumas paisagens de Marte, a partir das imagens obtidas pela sonda norte-americana Mariner 9). Encerram o capítulo algumas recriações artísticas de exoplanetas, criadas pelo cientista Abel Mendez Torres, e alguns frames da animação Worlds: the Kepler planet candidates, dirigida pelo astrônomo Alex Parker, na qual são representados os 2.299 exoplanetas detectados até 2013. Na animação, é feita uma simplificação relevante: todos os exoplanetas são vistos orbitando uma mesma estrela, quando na realidade, eles orbitam ao redor de 1770 estrelas.

No sétimo capítulo, a representação das estrelas, constelações e da própria Via Láctea é estudada. Diversas ilustrações presentes nessa seção apresentam a posição das estrelas configurando um objeto específico, como um bizarro desenho (adjetivo usado por Benson) representando a constelação de Gêmeos, o qual foi retirado do texto arábico do ano 964 D.C., intitulado Book of fixed stars, de autoria do astrônomo persa Abd al-Rahman al-Sufi. Uma ilustração presente no atlas celestial Uranometria (1603), do cartógrafo Johann Bayer [16[16] J. Bayer, Uranometria (Excudit Christophorus Mangus, Roma, 1603), disponível em http://lhldigital.lindahall.org/cdm/compoundobject/collection/astro_atlas/id/118, acesso em 16/6/2016.
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], também merece menção, por apresentar um sistema no qual as magnitudes do brilho estelar eram representadas por letras gregas e romanas, e também porque seu sistema permitia que as posições das estrelas fossem determinadas com maior acurácia que os sistemas presentes em obras anteriores.

Benson estabelece também um contraponto entre desenhos pouco conhecidos do astrônomo Thomas Wright, realizados em 1750, e esquemas produzidos por William Herschel em 1785. Ambos os esquemas lidavam com a forma da Via Láctea, mas as ilustrações de Herschel são muito mais populares, razão pela qual o nome de Herschel ser usualmente associado às primeiras tentativas de representar o formato da galáxia, ao invés de Thomas Wright.

Um mapa celestial de 1948, desenhado à mão pelo astrônomo tcheco Antonin Beèváø, também tem lugar de destaque em Cosmigraphics, devido ao extremo grau de detalhamento, representando estrelas, galáxias, nebulosas e nuvens interestelares. De acordo com Benson, a obra da qual o mapa foi extraído, Skalnate Pleso Atlas of the Heavens, se revelou um sucesso instantâneo ao ser lançada no mercado internacional, sendo adquirida tanto por observatórios profissionais quanto por astrônomos amadores. Benson ressalta ainda a raridade das tentativas de representação da estrutura da nossa própria galáxia, apesar dos extensos mapeamentos estelares realizados ao longo do século XX. Por essa razão, Benson destaca um mapa de orientação galáctica, confeccionado pelo engenheiro de software Winchell Chung em 2007, o qual representa a posição do Sistema Solar em relação a dezesseis pontos marcantes da Via Láctea, como nebulosas, buracos negros e supernovas.

Benson inicia o oitavo capítulo da obra, dedicado aos eclipses e trânsitos, comentando sobre a tradicional associação entre eclipses e más notícias ao longo da história humana. Conforme exemplifica o autor, eclipses eram vistos como precursores de desastres naturais, guerras e outros eventos catastróficos, incluindo por vezes o próprio fim dos tempos. Benson atribui tais predições apocalípticas ao fato dos eclipses solares estarem entre as “mais dramáticas manifestações de grandeza cósmica visíveis na Terra” (p.253). A efemeridade típica de tais fenômenos e seu caráter de quase surrealidade tornam compreensível, na opinião do autor, o impacto que eles possuíram nas diferentes culturas humanas. Em contraponto, Benson argumenta que a predição de eclipses e dos trânsitos do planeta Vênus desempenhou um papel significativo no entendimento matemático e geométrico da mecânica celestial.

Destacam-se entre as ilustrações desse capítulo uma tábua de eclipses datada de 1478, a qual está presente no tratado científico Astronomia, de autoria de Christianus Prolianus. A tábua em questão mostra a data e os tipos de eclipse (solar ou lunar, total ou parcial) que viriam a ocorrer em anos posteriores à publicação. Também merece menção o quadro Astronomers studying an eclipse (circa 1570), o qual é atribuído ao pintor renascentista Antoine Caron. Na tela, é representado um eclipse solar em Paris, com o céu em tons de vermelho intenso e ao menos cinco personagens equipados com ferramentas típicas dos astrônomos de então, como compassos, réguas e esferas de armações metálicas.

Ainda nesse capítulo, consta uma gravura de 1700, feita pelo cartógrafo holandês Carel Allard, a qual representa em grande detalhe uma projeção polar da área da Europa que viria a ser coberta pela penumbra durante o eclipse solar de 1706. A gravura em questão é notável pelo ponto de vista adotado pelo ilustrador, que implicitamente posicionou o observador a dezenas de milhares de quilômetros acima do Polo Norte. Segundo Benson, a popularização progressiva desse ponto de vista exterior à Terra em ilustrações nos séculos seguintes contribuiu para criar a percepção de que viagens extraplanetárias um dia seriam possíveis. As ilustrações coloridas de Henry Russell para a obra Observations of the transit of Venus (1892) também merecem menção, por apresentarem cores intensas em contraste com motivos geométricos, elementos que viriam a ser explorados por vertentes artísticas no século XX como o abstracionismo e o fauvismo. Também são apresentados infográficos recentes, como um mapa elaborado por Xavier Jubier em 2010, no qual são mostradas as trajetórias das sombras de todos os eclipses que ocorreram na Ásia na primeira metade do século XX, tais como seriam vistas por um observador externo ao planeta, em um diálogo com a supracitada gravura de Allard.

O nono capítulo é dedicado aos cometas e meteoros. Segundo Benson, assim como os eclipses, diferentes culturas ao longo da história humana também atribuíram aos cometas o papel de arautos de pestilências, pragas e invasões. Por exemplo, o grande cometa de 1811, que foi visível no céu por dez meses, foi correlacionado às invasões napoleônicas na Rússia em 1812. O clima de apocalipse iminente associado à passagem desse cometa é ilustrado na pintura do inglês John Martin intitulada The Eve of the Deluge, na qual até mesmo um cachorro transparece consternação com a ocorrência do fenômeno. O resultado de uma hipotética colisão da Terra com um cometa também tem viés apocalíptico no desenho extraído do livro Astronomy for all (1911), do jornalista Bruno Bürgel [14[14] B. Bürgel, Astronomy for All (Cassell, London, 1911), disponível em https://archive.org/details/astronomyforall00bruoft, acesso em 16/6/2016.
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], no qual uma chuva de meteoros de grandes dimensões provoca pânico em uma população, com diversos corpos estendidos pelo chão. Em contraponto, é apresentada uma poética ilustração da passagem do grande cometa de 1881, em uma gravura de contornos etéreos produzida por Étienne Trouvelot nesse mesmo ano.

Quatro imagens representando passagens de cometas foram retiradas da obra Augsburger Wunderzeichenbuch [19[19] Ilustrações do Augsburger Wunderzeichenbuch estão disponíveis em https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Augsburger_Wunderzeichenbuch?uselang=de, acesso em 16/6/2016.
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] (“Livro dos milagres” de Augsburg, cidade no estado alemão da Baviera), a qual é datada do período entre 1547 e 1552. Chama a atenção nessas ilustrações o grande tamanho relativo dos cometas em relação aos outros elementos dos desenhos, tais como a silhueta da cidade no horizonte. Para cada cometa ilustrado, o livro em questão fornecia uma “consequência” aterrorizante, tal como um terremoto que teria ocorrido no mesmo ano de sua passagem. As grandes dimensões dos cometas, em particular o detalhamento de suas caudas, é marcante também em outras ilustrações do capítulo. Diversas ilustrações retiradas do Augsburger Wunderzeichenbuch permeiam outros capítulos.

Benson também nos apresenta alguns desenhos de Johannes Kepler, extraídos da obra De cometis libelli tres [20[20] J. Kepler, De cometis libelli tres (Andreae Apergeri, 1619), disponível em https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Augsburger_Wunderzeichenbuch?uselang=de, acesso em 16/6/2016.
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], a qual foi publicada em 1619 e explica a passagem de três cometas no ano anterior. Os desenhos, segundo o autor, impressionam pela precisão geométrica com que Kepler delineia a trajetória dos cometas, mesmo com uma premissa errônea (de que a trajetória desses astros seria retilínea e não parabólica), e ainda segundo Benson, “parecem predizer a tecnologia, arquitetura e design dos séculos XX e XXI” (p.285).

Na apresentação do último capítulo, dedicado às auroras e outros fenômenos atmosféricos, Benson ressalta que as características do próprio planeta Terra influenciam na observação de fenômenos celestes. Em particular, o autor destaca o papel do campo magnético que envolve o planeta na produção de auroras boreais e austrais, assim como o efeito da refração da luz solar em cristais hexagonais de gelo em suspensão na atmosfera, a qual é responsável pela formação de halos e parélios. Tais fenômenos são mais comuns em regiões localizadas nos extremos norte e sul do planeta, razão pela qual há maior abundância de representações oriundas de artistas e exploradores nórdicos nesse capítulo (tais como dinamarqueses, suecos e noruegueses).

Entre as imagens desse capítulo, encontra-se uma pintura que representa a cidade de Estocolmo (nomeada Vädersolstarvlan painting), a qual foi elaborada em 1535 e reproduzida em 1636, após destruição do quadro original. Na pintura, diversos arcos e halos são representados no céu e acredita-se ser a primeira representação visual de um parélio. Segundo Benson, o fenômeno atmosférico causou comoção entre os habitantes da cidade, que o interpretaram como um paradoxal “aviso divino”, o qual foi interpretado tanto contra a reforma protestante quanto contra os excessos da contrarreforma. Algumas pinturas do Augsburger Wunderzeichenbuch [19[19] Ilustrações do Augsburger Wunderzeichenbuch estão disponíveis em https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Augsburger_Wunderzeichenbuch?uselang=de, acesso em 16/6/2016.
https://commons.wikimedia.org/wiki/Categ...
] também se fazem presentes, como a aparição de “três sóis” na cidade de Münster em 1533 (Fig. 4), acompanhadas das explicações científicas mais plausíveis para os fenômenos (no caso, a aparição de “três sóis” provavelmente ocorreu devido a um parélio, fenômeno conhecido em inglês como sundog).

Figura 4
Aparição de “três sóis” em Augsburg em 1533.

Também é apresentado o quadro Aurora Borealis (1865), de autoria de Frederic Edwin Church, no qual se observa um visual sci-fi (sic), elaborado a partir da exploração das variações cromáticas presentes das auroras observadas por navegadores que exploravam o Ártico. Benson apresenta e discute também um dos quadros (dentre um total de vinte e quatro) que foram pintados pelo dinamarquês Harald Moltke entre 1898 e 1904, quando esse artista participou de quatro expedições científicas no Ártico. Algumas dessas expedições tinham como objetivo específico o estudo das auroras, e a produção dos quadros já estava prevista na pesquisa, em uma clara integração entre arte e ciência.

Entendemos que a obra de Benson pode ser interpretada como um exercício de superação do “imperialismo da língua”, conforme apontado por Coutinho [22[22] I. Coutinho, I. Métodos e Técnicas de Pesquisa em Comunicação (Atlas, São Paulo, 2005), p. 330-344.]. A “tradução” de uma imagem em signos linguísticos - ou seja, um texto - traz uma limitação inevitável na análise, na medida em que os signos visuais terminam por adquirir um lugar secundário em relação à linguagem. Coutinho, entretanto, defende que uma imagem não pode valer por mil palavras, pois nenhum texto haverá de descrevê-la por completo, dada a sua intrínseca polissemia. A leitura de Cosmigraphics fornece grande suporte a essa afirmação: embora legendas estejam disponíveis para as imagens, são os trabalhos gráficos que assumem local de destaque e, literalmente, “contam a história” da astronomia.

Referências

  • *
    Tradução livre do autor
  • 1
    A maioria das obras clássicas que Benson usou como fontes de ilustrações para o livro estão disponíveis na íntegra na internet, geralmente na forma de digitalizações dos livros originais, as quais estão livres de direitos autorais. Entre outras, são encontradas as obras de Robert Fludd [9[9] R. Fludd, Utriusque Cosmi maioris salicet et minoris metaphysica (1617), disponível em http://www.archive.org/details/utriusquecosmima02flud, acesso em 16/6/2016.
    http://www.archive.org/details/utriusque...
    ], Andreas Cellarius [10[10] A. Cellarius, Harmonia macrocosmica (Studio et Labore Andreae Cellarii Palatini, Amsterdam, 1661), disponível em http://www.rarebookroom.org/Control/gelmcs/index.html, acesso em 16/6/2016.
    http://www.rarebookroom.org/Control/gelm...
    ], Athanasius Kircher [11[11] A. Kircher, Ars magna lucis et umbrae (Sumptibus Hermanni Scheus, Roma, 1646), disponível em http://lhldigital.lindahall.org/cdm/ref/collection/color/id/23013, acesso em 16/6/2016.
    http://lhldigital.lindahall.org/cdm/ref/...
    ], Galileu Galilei [12[12] G. Galilei, Sidereus nuncius (Venetiis, Veneza, 1610), disponível em http://www.rarebookroom.org/Control/galsid/index.html, acesso em 16/6/2016.
    http://www.rarebookroom.org/Control/gals...
    ], James Nasmyth [13[13] J. Nasmyth, The Moon Considered as a Planet, a World, and a Satellite (J. Murray, London, 1885), disponível em https://archive.org/details/consideredasmoon00nasmrich, acesso em 16/6/2016.
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    ], Bruno Bürgel [14[14] B. Bürgel, Astronomy for All (Cassell, London, 1911), disponível em https://archive.org/details/astronomyforall00bruoft, acesso em 16/6/2016.
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    ], Camille Flammarion [15[15] C. Flammarion, L'Astronomie Populaire: Description Générale du Ciel (Marpon e Flammarion, Paris, 1880), disponível em http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k94887w/f6.item.zoom, acesso em 16/6/2016.
    http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k94...
    ], Johann Bayer [16[16] J. Bayer, Uranometria (Excudit Christophorus Mangus, Roma, 1603), disponível em http://lhldigital.lindahall.org/cdm/compoundobject/collection/astro_atlas/id/118, acesso em 16/6/2016.
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    ], Nicolaus Copernicus [17[17] N. Copernicus, De revolutionibus orbium coelestium (Nuremberg, 1543), disponível em http://www.rarebookroom.org/Control/coprev/index.html, acesso em 16/6/2016.
    http://www.rarebookroom.org/Control/copr...
    ], Lambert [18[18] Lambert, Liber floridus (1120), disponível em https://play.google.com/store/books/details?id=OQ1-igA9LI4C&rdid=book-OQ1-igA9LI4C&rdot=1, acesso em 16/6/2016.
    https://play.google.com/store/books/deta...
    ] e Johannes Kepler [19[19] Ilustrações do Augsburger Wunderzeichenbuch estão disponíveis em https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Augsburger_Wunderzeichenbuch?uselang=de, acesso em 16/6/2016.
    https://commons.wikimedia.org/wiki/Categ...
    ]. O livro Augsburger Wunderzeichenbuch não está digitalizado na íntegra, mas várias de suas ilustrações podem ser encontradas [20[20] J. Kepler, De cometis libelli tres (Andreae Apergeri, 1619), disponível em https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Augsburger_Wunderzeichenbuch?uselang=de, acesso em 16/6/2016.
    https://commons.wikimedia.org/wiki/Categ...
    ]. As ligações para as referências citadas podem ser consultadas nas referências dessa resenha. Ressalta-se que não se pesquisou a disponibilidade na internet de todas as obras citadas nessa resenha, razão pela qual as mesmas não estão referenciadas ao longo do texto.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2016

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2016
  • Revisado
    20 Jul 2016
  • Aceito
    31 Jul 2016
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