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Um estudo estatístico sobre o aproveitamento em Física de alunos de ensino médio e seus desempenhos em outras disciplinas

A statistical study about high school student's performances in Physics and their performances in other subjects

Resumos

Grande parte dos alunos de ensino médio enfrentam sérias dificuldades em Física, o que pode ser observado pelos elevados índices de repetência associados a essa disciplina. Frente a isso, esse trabalho tem como objetivo uma investigação estatística sobre o aproveitamento de discentes da rede pública em Física, se comparado ao desempenho em outros conteúdos curriculares. Para tanto, foram feitos cálculos de correlação entre as notas dos alunos em Física e nas demais disciplinas de interesse. Além disso, foi elaborado um Modelo Multinível com dois níveis hierárquicos: o aluno e a sala de aula. Nesse modelo foi avaliada a influência simultânea das disciplinas sobre o desempenho em Física. Os dados foram obtidos junto a duas escolas estaduais das cidades mineiras de Ouro Preto e Campo Belo. Com isso, tentou-se identificar se o rendimento em Matemática e em disciplinas do eixo das Ciências da Natureza, representando o raciocínio lógico e dedutivo, bem como o rendimento em Português e disciplinas do eixo das Ciências Humanas, representando a capacidade de leitura e interpretação, apresenta alguma relação com o desempenho em Física. Os resultados mostram que os maiores valores de correlação são encontrados entre as notas de Matemática e Física e entre a média das notas de Química e Biologia e as notas em Física. Além disso, ao se considerar simultaneamente as proficiências em Matemática e em Química/Biologia, novamente foi encontrado um impacto positivo em Física. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) apontam para uma integração de saberes a partir de eixos temáticos, entre eles as Ciências da Natureza que é composto por Física, Química e Biologia. Dessa forma, os resultados entre Física e as demais disciplinas deste eixo apontam para uma interdisciplinaridade, em consonância com os PCN.

Palavras-chave:
Ensino de Física; correlação; Modelo Multinível; desempenho escolar; ensino médio


Most of the high school students face serious difficulties in Physics, which can be observed by its high failure rates. In this way, this paper aims to a statistical investigation about students' performances in Physics and in other disciplines. For this purpose, it was evaluated the correlations between student grades in Physics and in other curricula. In addition, it was developed a multilevel model with two hierarchical levels: the student and the classroom. In this model it was evaluated simultaneously the influence of some disciplines on the performance in Physics. Data used were obtained in two public schools from the cities of Ouro Preto and Campo Belo. It was tried to identify whether the performance in Mathematics and Natural Science, representing the logical and deductive reasoning, as well as the performance in Portuguese and Human Sciences, representing the ability of read and interpret, has some connection to the performance in Physics. The results have shown that the highest correlation values are found between the grades in Mathematics and Physics and between the average grades in Chemistry and Biology and the grades in Physics. Beyond that, when considering simultaneously the grades, it was found again that the proficiencies in Mathematics and Chemistry/Biology have a positive impact in Physics. The National Curriculum Parameters (PCN) aim to an integration of knowledge in theme, in which the Natural Sciences theme includs Physics, Chemistry and Biology. Thus, the results between Physics and the other disciplines in this theme point to interdisciplinary work and aligned with the PCN.

Keywords:
Physics teaching; correlation; Multilevel Model; school performance; high school


1. Introdução

O desempenho dos estudantes brasileiros de ensino médio em Ciências é, segundo o PISA (Programme for International Student Assessement), inferior à média mundial [1[1] J.J. Waiselfisz, O ensino das ciências no Brasil e o PISA (Sangari do Brasil, São Paulo, 2009), p. 21.,2[2] S.S.D. Soares e P.A.M.M. Nascimento, Cadernos de Pesquisa 42, 145 (2012).]. Acrescente-se a esse baixo rendimento a opinião comum entre os docentes de que o desempenho dos alunos vem caindo anualmente. Aliado à queda de rendimento, os professores de Física ainda passaram por um momento de transição ao longo do qual o número de aulas destinadas à disciplina foi historicamente reduzido [3[3] M.A. Pires e E.A. Veit, Rev. Bras. Ens. Fis. 28, 2 (2006).].

Frente a tudo isso, o estudo dos problemas relacionados ao ensino de Ciências na educação básica se faz totalmente justificado. Uma melhor compreensão dos obstáculos e desafios pode levar à busca ou desenvolvimento de práticas, políticas e estratégias educacionais, além de servir como um norte para educadores que atuam na área.

Neste trabalho foi investigado estatisticamente como o aproveitamento em Física de estudantes de ensino médio regular se relaciona com o aproveitamento em outras disciplinas. Para tanto, foram usados dados de 1341 alunos, relativos aos anos de 2009 a 2012 e obtidos junto aos setores responsáveis de duas escolas estaduais das cidades de Ouro Preto e Campo Belo, ambas de Minas Gerais.

As instituições serão tratadas indistintamente para os propósitos desse trabalho e em nenhum momento intenciona-se fazer qualquer estudo comparativo entre elas. O interesse é tentar descobrir se os elementos importantes para um bom desempenho em Física são comuns em alunos de ensino médio regular.

Cabe ressaltar que o desempenho escolar é diferente da aprendizagem [4[4] M.E. Ferrão y C. Fernandes, Revista Electrónica Iberoamericana sobre Calidad, Eficacia y Cambio em Educación 1, 1 (2003).

[5] M. Carnoy, A vantagem acadêmica de Cuba: por que seus alunos vão melhor na escola? (Ediouro, Rio de Janeiro, 2009), p. 46.
-6[6] R.R. Scopel, V.C. Souza e S.M.A. Lemos, Revista CEFAC 14, 4 (2012).]. Além disso, variávies contextuais como sexo, nível sócioeconômico, idade, etc também se mostram importantes para explicar a proficiência dos estudantes [7[7] T.F. Soares, Revista Brasileira da Educação 29, 73 (2005).]. No entanto, para os propósitos específicos desse trabalho o desempenho, representado pelas notas dos estudantes, será usado como um indício relevante de aprendizagem dos alunos na busca pelas relações entre as áreas do conhecimento.

Usando como base os referidos dados, estudos estatísticos foram desenvolvidos, de modo a tentar relacionar o desempenho em Física com elementos que são considerados importantes e necessários para o bom aprendizado da disciplina e que são apontados como dificuldades por parte de professores e estudantes: 1) a operacionalização e o raciocínio lógico e dedutivo, aqui representados pela Matemática e disciplinas das Ciências da Natureza - CN (Química e Biologia) [8[8] A.T. Scolari, G. Bernardi e A.Z. Cordenonsi, Revista RENOTE - Novas Tecnologias na Educação 5, 2 (2007).,9[9] R.R. Suart e M.E.R. Marcondes, Ciências & Cognição 14, 1 (2009).] e 2) a capacidade de leitura e interpretação, aqui representadas pela Língua Portuguesa e disciplinas das Ciências Humanas - CH (História e Geografia) [10[10] A.A.G. Batista, Educação em Revista 27, 1 (1998).,11[11] K.L. Oliveira, E. Boruchovitch e A.A.A. Santos, Paidéia 18, 41 (2008).].

Para tanto, verificou-se a correlação entre as notas obtidas pelos alunos em Física e as notas obtidas em outras disciplinas ou grupos de disciplinas. Além disso, um Modelo Multinível de dois níveis foi ajustado aos dados, de modo a investigar não só a dependência aos pares dentre as disciplinas ou blocos de disciplinas, mas sim suas interdependências simultaneamente. Os dois níveis considerados no modelo são o aluno e a sala de aula. Em modelos desse tipo é possível expressar em uma única equação o efeito de todas as disciplinas ou grupos de disciplinas no desempenho em Física, além de possibilitar a investigação do efeito de cada variável de interesse individualmente.

Os resultados de correlação apontam que o desempenho em Física apresenta uma associação forte com as disciplinas de Ciências da Natureza e Matemática e uma correlação moderada com Português e Ciências Humanas. Já o Modelo Multinível mostra resultados que fogem um pouco ao senso comum. Ele evidencia que, ao controlar pelas demais variáveis, a associação entre o desempenho em Física e Português torna-se negativa. Se dois alunos com o mesmo desempenho global forem comparados, caso um deles se destaque muito em Português, não terá um destaque tão grande em Física e vice-versa. O mesmo não ocorre quando é analisada a associação entre Física e as disciplinas de Ciências Naturais, que permanece positiva mesmo controlando pelas demais variáveis. Já a associação entre Física e as disciplinas de Ciências Humanas passa a ser não significativa neste contexto.

2. Metodologia

Em diversos estudos é conveniente avaliar a relação ou associação linear entre duas variáveis usando-se o conceito de coeficiente de correlação r. Genericamente, seja x1,x2,...,xN o conjunto das medidas de uma das variáveis e sejam y1,y2,...,yN as medidas de uma segunda variável. Considere <x>, <y>, Sx e Sy as médias e desvios padrões amostrais dos dois conjuntos de dados, respectivamente, enquanto N é o número total de dados disponíveis. O coeficiente de correlação mede o grau de associação entre as duas variáveis e é definido da seguinte forma, utilizando as médias e desvios padrões das medidas [12[12] H.W. Alexander, Elements of Mathematical Statistics (John Wiley & Sons, New York, 1961), p. 79.14[14] W.L. Martinez and A.L. Martinez, Computational Statistics Handbook with Matlab (Charpman and Hall, London, 2002), p. 44.]:

(1) r = S x y S x S y ,

onde

(2) S x y = 1 N 1 i = 1 N ( x i < x > ) ( y i < y > ) .

O valor de r está sempre no intervalo -1r1, com r=0 indicando que não existe qualquer associação linear entre as grandezas. Valores positivos de r indicam uma associação positiva, enquanto valores negativos correspondem a uma associação negativa. No caso de uma correlação positiva, por exemplo, à medida que uma variável cresce a outra também cresce, em média.

Os cálculos de correlação foram feitos somente com os dados dos alunos aprovados em todas as disciplinas envolvidas no estudo. Os demais foram descartados, uma vez que é impossível saber se a nota final foi fruto de esforço ou de abandono da disciplina. Nos casos de abandono, o descomprometimento do estudante seguramente levaria a distorções consideráveis nos resultados, visto que buscou-se por correlações de desempenho e não comportamentais.

Entretanto, as correlações consideram apenas as variáveis aos pares, não permitindo avaliá-las de maneira simultânea. Desta forma, é interessante fazer o ajuste de modelos que possibilitem incorporar em uma única equação o efeito de todas as disciplinas ou grupos de disciplinas no desempenho em Física, permitindo assim isolar o efeito de cada uma das variáveis de interesse. A abordagem mais simples neste caso seria por meio de modelos de regressão múltipla, que seria o passo seguinte ao cálculo das correlações. Ocorre, porém, que uma das premissas básicas para a aplicação desses modelos é a indepedência entre as unidades amostrais (os alunos), suposição esta que não é razoável em problemas como o analisado aqui.

Em problemas de avaliação de desempenho de alunos não se deve desconsiderar o agrupamento em turmas. Esse tipo de estrutura acaba levando a uma interdepência entre os estudantes que é também conhecida como "efeito dos pares" [15[15] B. Sacerdote, in: Handbook of the Economics of Education, Vol. 3 (Elsevier, Amsterdam, 2011), p. 249-277.]. Os modelos mais adequados para esse tipo de situação são os Modelos Multinível, que levam em conta esse agrupamento dos indivíduos e, ao contrário dos modelos de regressão, não os considera independentes. Não serão apresentados aqui detalhes sobre os Modelos Multinível. O leitor mais interessado pode buscar estas informações em [16[16] A.A. O'Connell and D.B. McCoach, Multilevel Modeling of Educational Data (Serlin, Madison, 2008).,17[17] V.E. Lee, Estudos em Avaliação Educacional 24, 31 (2001).].

Foi aplicado neste trabalho um modelo com apenas dois níveis, o aluno e a sala de aula. Inicialmente, para verificar se realmente é necessário incluir o efeito da turma no modelo, o primeiro passo é calcular uma medida conhecida como coeficiente de correlação intraclasse. Esse parâmetro mede o quanto os indivíduos dentro de um mesmo grupo, nesse caso dentro de uma mesma turma, se assemelham entre si [18[18] R. Diez, Journal of epidemiology and community health 56, 8 (2002).]. Ele mede qual a proporção da variabilidade do rendimento do estudante pode ser explicada por características do grupo ao qual ele pertence. Valores razoáveis deste coeficiente já indicam a necessidade da utilização de uma modelagem hierárquica, o que é o caso desse estudo.

Assim como no caso do cálculo das correlações, o Modelo Multinível foi ajustado somente com os dados dos alunos aprovados em todas as disciplinas envolvidas no estudo, desconsiderando os estudantes reprovados em uma ou mais matérias.

3. Resultados e Discussão

Na Tabela 1 são apresentados os valores anuais e globais de correlações entre Física e as disciplinas ou grupos de disciplinas de interesse do currículo básico do ensino médio para as escolas estaduais. Majoritariamente, os resultados indicam correlações anuais moderadas (0,40r0,69; 75% dos casos), seguido de correlações anuais fortes em 20 % dos casos (0,70r0,89) e um caso apenas de correlação anual fraca (0,20r0,39).

Tabela 1
Resultados de correlações entre Física e disciplinas ou grupos de disciplinas do currículo do ensino médio.

Mais importantes que as correlações anuais, por possibilitarem uma visão mais ampla da interdependência entre as disciplinas, também foram calculadas as correlações globais, sem distinção de ano letivo. Os valores são apresentados na última linha da Tabela 1. Os resultados apontam para correlações moderadas entre Português e Física (0,47), entre a média das disciplinas de CH e Física (0,54) e entre Matemática e Física (0,67). Um valor de correlação alta foi encontrada entre a média das disciplinas de CN e Física (0,70).

O maiores valores de correlações entre as disciplinas de CN e Física e entre Matemática e Física indicam uma grande relação entre elas. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) apontam para uma integração de saberes a partir de eixos temáticos, entre eles as Ciências da Natureza que é composto por Física, Química e Biologia. Dessa forma, os resultados de correlação com as disciplinas deste eixo apontam para uma interdisciplinaridade entre estes saberes e em consonância com os PCN. Além disso, não coincidentemente, um dos grandes problemas enfrentados por discentes e relatado por docentes do ensino médio é a dificuldade enfrentada pelos estudantes para solucionar matematicamente os problemas físicos [19[19] M. Pietrocola, Caderno Catarinense de Ensino de Física 19, 1 (2002).], demonstrando na prática a grande importância do conhecimento matemático na estruturação do conhecimento físico.

Apesar dos resultados entre Física e Português e entre Física e as disciplinas de CH indicarem valores menores, também foram consideráveis as correlações. Isso aponta para uma relação positiva. Dessa forma, a capacidade de leitura e interpretação, ainda que em menor grau, se relaciona diretamente com o aproveitamento em Física.

Para avaliar a interdependência simultânea entre o desempenho em Física e nas demais disciplinas ou grupos de disciplinas, foi ajustado um Modelo Multinível tendo como variável resposta a nota do aluno em Física. Como variáveis explicativas foram utilizadas as notas nas disciplinas de Matemática, Portugês, a média entre as notas das disciplina de CN, a média entre as notas das disciplinas de CH e a média global do aluno (média das notas em todas as disciplinas). A fim de garantir a confiabilidade das informações utilizadas, foram excluídas aquelas turmas com menos de dez alunos, visto que elas não possuem dados suficientes para levar a conclusões significativas.

Inicialmente, foi calculado o Coeficiente de Correlação Intraclasse que apresentou o valor de 23,02%, o que indica que uma proporção razoável da variabilidade das notas em Física pode ser explicada pelo agrupamento em salas de aula. Os outros 76,98% são explicados por características individuais dos aluno, o que confirmou a necessidade de se ajustar um Modelo Multinível para esse conjunto de dados.

O primeiro modelo ajustado foi formado por todas as variáveis anteriormente mencionadas medidas no nível do aluno e da turma (média das notas para toda a turma). Porém, algumas variáveis mostraram-se não significativas. Diante disso, um método de seleção stepwise foi utilizado para encontrar o melhor modelo. Esse método consiste em acrescentar e retirar do modelo variáveis de maneira interativa até que se obtenha um conjunto final de variáveis que melhor explica a variável resposta [20[20] S. Derksen and H.J. Keselman, British Journal of Mathematical and Statistical Psychology 45, 2 (1992).]. O modelo final obtido aplicando-se essa técnica é composto pelas seguintes variáveis explicativas: nota em Matemática, nota em Português, média das notas de Química e Biologia e média das notas em todas as disciplinas, mensuradas no nível do aluno apenas. O efeito da turma é mensurado apenas pela variação no intercepto e pelo erro aleatório. O modelo ajustado é apresentado a seguir:

(3) Y i k = β k + 2 , 52 X 1 - 0 , 60 X 2 + 1 , 21 X 3 + 3 , 69 X 4 + ϵ i k

e

(4) β k = 59 , 49 + ν k ,
onde:
  • Yik é a nota em Física do i-ésimo aluno na k-ésima turma;

  • βk é o intercepto do modelo para a k-ésima turma;

  • X1 é a nota do aluno em Matemática;

  • X2 é a nota do aluno em Português;

  • X3 é a média das notas de Química e Biologia;

  • X4 é a média global do aluno;

  • ϵik é o erro aleatório associado ao i-ésimo aluno, na k-ésima turma e

  • νk é o efeito aleatório associado à k-ésima turma.

Esse resultado indica que dentre alunos sob as mesmas condições (mesmas habilidades), ou seja, com a mesma média global e com a mesma média em Química e Biologia, aqueles que apresentam um melhor desempenho em Português tendem a apresentar um pior desempenho em Física. Isso vai contra o que foi observado nas correlações, visto que as mesmas só consideram as variáveis par a par e desconsideram as demais. Neste caso o controle foi feito pelas demais variáveis e foi isolado somente o efeito da proficiência em Português. Já o efeito da proficiência em Química e Biologia é positivo, mesmo controlando pelas demais variáveis. Isso significa que para alunos com a mesma média global e com a mesma nota em Português, um aumento de sua habilidade em Química e Biologia está associado a uma melhora no desempenho em Física. Em relação à média global, como já era de se esperar, quanto maior o rendimento do aluno melhor seu desempenho em Física.

É importante destacar que dentre todas as disciplinas analisadas a que possui maior impacto sobre o desempenho em Física é a Matemática, resultado semelhante ao observado por outros grupos de pesquisadores [19[19] M. Pietrocola, Caderno Catarinense de Ensino de Física 19, 1 (2002).]. No contexto do ensino superior, outros autores identificaram também o forte impacto que disciplinas da área de Matemática (no caso Cálculo Vetorial e Geometria Analítica) apresentam sobre o desempenho dos alunos na disciplina de Física I [21[21] F. Gerab e A.D.A. Valério, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 2 (2014).], evidenciando que a interdependência entre a Física e a Matemática é comum em diferentes níveis de ensino.

4. Conclusões

Nesse trabalho foi investigada a influência exercida pelos saberes em diferentes disciplinas e áreas do conhecimento sobre o desempenho de estudantes em Física. Para tanto, foi usada uma base de dados composta por notas de 1341 alunos de ensino médio regular de duas escolas estaduais mineiras, entre os anos de 2009 e 2012.

Os resultados de correlações, calculadas aos pares, indicam que os conhecimentos em disciplinas do eixo das Ciências da Natureza e os conhecimentos em Matemática são os que melhor se relacionam com o desempenho em Física. Entre Física e Matemática os valores de correlações globais são de 0,63, enquanto entre Física e o eixo CN as correlações valem 0,70. Entretanto, embora menores, as correlações também são positivas entre Física e Português (0,47, o menor valor encontrado) e entre Física e as disciplinas de CH (0,54).

Para uma abordagem mais abrangente, foi ajustado também um Modelo Multinível para o estudo simultâneo de todas as disciplinas sobre o desempenho em Física. Os resultados apontam para efeitos positivos da proficiência em Matemática e da proficiência em Química e Biologia sobre o desempenho em Física. Além disso, quanto maior a média global, melhor o desempenho em Física. Por outro lado, ao avaliar simultaneamente todas as disciplinas foi encontrado um efeito negativo do desempenho em Português sobre o desempenho em Física. Isso significa que, quando controlada pelas demais variáveis, a nota em Português está negativamente associada com a nota em Física.

Os consideráveis valores de correlações encontradas entre Física e as disciplinas do eixo das Ciências Naturais, bem como os efeitos positivos dos conhecimentos nessas disciplinas sobre o conhecimento físico reforçam o que sugerem os PCNs, ou seja, apontam para um trabalho interdisciplinar e integrado entre disciplinas de um mesmo eixo do conhecimento.

Esses resultados foram encontrados para estudantes de diferentes perfis. Além disso, todas as análises foram feitas para turmas distintas, submetidas a formas específicas de avaliação. Dessa forma, apesar de indicarem uma tendência de relação geral entre as diferentes proficiências estudadas, os resultados obtidos não podem ser extrapolados além do contexto das duas escolas envolvidas. Para tanto, seria necessário utilizar dados de testes padronizados, como ENEM, ENADE, Prova Brasil, etc. Esses tipos de testes permitem comparar as notas de alunos que fizeram provas em edições diferentes, com questões completamente distintas.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos Professores Erlem William Silva e Marcelo Ávila Melo, pelas valiosas contribuições para a realização desse trabalho.

Referências

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    F. Gerab e A.D.A. Valério, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 2 (2014).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    01 Jul 2016
  • Revisado
    10 Ago 2016
  • Aceito
    14 Set 2016
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