1. Introdução
O emprego de recursos tecnológicos visando criar maior dinamismo e exatidão em experimentos de física tem atraído especial atenção nos últimos anos nas publicações voltadas ao ensino. A massificação da utilização de recursos eletrônicos [1,2], sensores [3], vídeos [4] e produtos ligados a informática [5–7] no ensino é uma decorrência, entre outros motivos, da maior acessibilidade a dispositivos e softwares para automatização dos experimentos. Os equipamentos eletrônicos inseridos nas práticas tradicionais atrai a atenção dos alunos pelo fascínio que desperta em relação à praticidade e à velocidade na obtenção e ao processamento de resultados, além de estimular o espírito inventivo na concepção de outros experimentos.
Medir impedâncias elétricas é uma prática bastante comum em laboratórios de física de ensino e de pesquisa. Nas práticas de ensino, medir impedâncias elétricas é conteúdo obrigatório na exploração de propriedades de circuitos elétricos em correntes alternadas, usualmente ensinada na disciplina Física IV [8–10]. Em pesquisa, a medição de impedâncias elétricas tem maior abrangência pois, em grande parte dos casos, consiste na caracterização de dispositivos de diferentes naturezas, como componentes elétricos e eletrônicos e sensores. De um modo geral, os procedimentos dos experimentos abarcam a determinação da magnitude e da fase (ou das componentes real e imaginária) da impedância elétrica de um dispositivo qualquer numa faixa de frequências.
Há, basicamente, dois caminhos para se medir as impedâncias elétricas. Pode-se empregar um analisador de impedâncias comercial para obtenção dos espectros de frequência e fase. Os analisadores de impedância comerciais são equipamentos de larga complexidade tecnológica, com uma gama de aplicações muito ampla, grandes dimensões físicas e de custo muito elevado. Portanto podem não ser viáveis para um laboratório de ensino ou mesmo para serem empregado em finalidades específicas ou atividades de campo.
Outra forma de medir impedâncias elétricas é por meio do circuito esquematizado na Figura 1. Esta metodologia convencional [11] consiste em usar um divisor de tensão elétrica em que o elemento que se deseja conhecer a impedância (

Figura 1 Diagrama esquemático de um divisor de tensão como uma configuração simples para determinação de impedâncias elétricas.
Todavia, empregar esta metodologia para medições em que o módulo das impedâncias varia largamente, nem sempre é adequado. Por exemplo, quando o valor da resistência shunt for muito pequeno em relação a impedância elétrica do dispositivo a ser caracterizado (
Em sinais de baixa amplitude a utilização de amplificadores para o sinal de corrente pode ser feita para superar essas dificuldades de medição, porém estes podem ir a saturação quando o sinal se tornar mais elevado. Além disso, o uso de amplificadores de ganho elevado pode contribuir para a redução da banda de frequências a ser utilizada.
Variações do sinal de corrente da ordem de algumas décadas são típicas quando se mede a impedância de transdutores piezelétricos. Os transdutores piezelétricos são apresentados em diferentes modelos que dependem de sua aplicação [12]. Particularmente, transdutores piezelétricos usados em aplicações com potências elevadas (da ordem de dezenas de W) apresentam variações da magnitude da impedância da ordem de dezenas de k
Na literatura científica são encontrados alguns trabalhos que tratam do desenvolvimento de sistemas de medição de impedâncias elétricas. Fishman [13] apresentou um sistema eletrônico digital integrado a um computador juntamente com resultados experimentais de magnitude e fase da impedância, porém restrito a valores de frequência da ordem de centenas de Hz. Peiars et al. [14] e Batista et al. [15] apresentaram soluções para medir impedâncias em testes de monitoramento da integridade mecânica (Structural Health Monitoring - SHM) de materiais usando-se dispositivos piezelétricos. Eles empregaram a configuração convencional do divisor resistivo com o resistor shunt ligado a um amplificador operacional. Os resultados apresentados nesses artigos se mostraram precisos, porém restritos a variações de centenas de ohms, típicas dos transdutores aplicados em SHM. O ajuste das resistências de uma ponte foi utilizada em [16] por meio de controles em potenciômetros digitais em aplicações de SHM, mas os resultados foram apresentados como impedâncias relativas e com variações de valores muito inferiores às dos piezelétricos para alta potência.
Outra forma de medir correntes para determinar a impedância consiste no uso de sensores magnéticos. A utilização de sensores magnéticos [17] apresenta limitações causadas pela interferência da sua componente de reatância indutiva no circuito sob frequências elevadas e/ou quando o elemento em teste apresentar valores de reatâncias próximos ao assumidos pelo sensor. Outros sistemas para medição mais sofisticados são encontrados em [18,19]. Contudo, estes sistemas se utilizam de técnicas eletrônicas que fogem do escopo deste artigo, qual seja de encontrar uma solução de um problema comum nos laboratórios de física com didática e simplicidade e que possa ser construído com facilidade.
Neste trabalho é proposta uma adaptação a configuração apresentada na Figura 1 com intuito de superar algumas dificuldades de medição quando os valores de
O objetivo do trabalho é apresentar o desenvolvimento de um circuito de baixo custo e operação simplificada e de uma metodologia que possa ser utilizada e compreendida por alunos dos semestres iniciais de um curso de Física, Engenharia ou afins. Este circuito deve ser útil para que se meçam impedâncias elétricas em uma faixa larga de magnitudes, como as apresentadas por transdutores piezelétricos usados em aplicações de alta potência.
2. Teoria de circuitos
Nesta seção é apresentada a teoria de circuitos, baseada em álgebra fasorial [20,21], que explica o procedimento utilizado para a determinação da impedância elétrica
Com o embasamento fasorial utilizado para a análise de circuitos, definem-se
onde
A impedância a ser determinada é
A amplitude da tensão elétrica medida no resistor R é calculada usando-se a teoria de circuitos elétricos pela Equação (3)
A diferença de fase entre
O ângulo de fase

Figura 3 (a) Representação fasorial entre corrente I e Impedância Z para circuitos capacitivos (
Adotando-se a fase da tensão de entrada
Com isso, os fasores das tensões
Conforme já conhecido da teoria de circuitos, as fases entre das impedâncias são restritas a ângulos de 90
A tensão

Figura 4 (a) Representação fasorial das tensões para circuitos capacitivos (
Adotando-se um procedimento experimental em que são medidos
Aplicando-se novamente a lei dos cossenos nos fasores da Figura 4, obtem-se o ângulo
Com os resultados obtidos por meio das Equações 8 e 9 pode-se calcular a
3. Descrição do circuito
Como é sabido, em um divisor de tensão em que os valores dos componentes possuem resistência (ou impedância) díspares, a voltagem sobre o elemento de menor valor é muito pequena. Medições de tensões na ordem de dezenas de mV, em condições não preparadas especificamente para este fim, podem ser comprometidas pelo surgimento de interferências indesejáveis. Além disso, muitos equipamentos, como osciloscópios e placas digitalizadoras comuns, que medem voltagens não operam satisfatoriamente sob amplitudes dessa ordem. O circuito desenvolvido neste trabalho visa superar as dificuldades causadas por essa situação por meio da amplificação dessas tensões para níveis em que as medições possam ser menos afetadas pelas eventuais interferências e o medidor opere sem restrições em plenitude.
A operação do circuito é baseada numa transformação linear em que a tensão medida no dispositivo em teste é somada a um nível de tensão mínimo e amplificada. O resultado dessa operação deve garantir um valor mínimo de tensão de saída o qual possa ser medido sem maiores dificuldades técnicas.
O diagrama esquemático do circuito proposto no trabalho é mostrado na Figura 5. Na Figura 5 foram omitidos os terminais de alimentação dos amplificadores operacionais e os capacitores de bypass normalmente conectados entre os terminais

Figura 5 Diagrama esquemático do circuito eletrônico que amplifica os sinais e modifica a sensibilidade da medição da corrente para cálculo da impedância elétrica.
O divisor de tensão de entrada é composto por
A solução para este problema consiste em aplicar uma transformação linear na tensão de saída do divisor de tensão. Dessa forma, a amplitude da tensão na saída do amplificador operacional AO2 deve ser dada pela Equação (11)
onde
A operação definida pela Equação 11 é feita por um circuito composto pelos amplificadores operacionais: AO1 que promove a multiplicação Av
A determinação de
Os resistores
4. Desenvolvimento do projeto e metodologia
No projeto que foi desenvolvido neste trabalho foram estabelecidos os seguintes parâmetros:
A obtenção de
O resistor
A Tabela I apresenta os valores calculados a partir das premissas do projeto. O circuito foi simulado, construído e calibrado antes da realização dos testes.
Tabela 1 Valores das resistências dos resistores calculados (valores comerciais aproximados). Todos os resistores possuem potencias nominais de 1/4 W e tolerância de ±5%.
R1 | R2 | R3 | R4 | R5 | R6 | R7 | R8 | R9 |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
15k
|
10k
|
100
|
10k
|
150
|
1k
|
1k
|
1k
|
10k
|
Os testes foram realizados em transdutores piezelétricos de potência produzidos pela Beijing Cheng-cheng Weiye Ultrasonic Science and Technology Co. Ltda. Os transdutores possuem frequências de ressonância nos seus modos fundamentais em torno de 27 kHz, 28 kHz e 38 kHz e serão denominados P1, P2 e P3, respectivamente. As impedâncias desses transdutores foram determinadas na faixa de 10 kHz a 70 kHz usando-se um analisador de impedâncias HP4294A, produzido pela Agilent. O analisador fornece as curvas do módulo e da fase da impedância em função da frequência que servirão de referência para validação do sistema desenvolvido.
As medições da tensão de entrada e saída foram feitas por um módulo digital NI USB51-32 da National Instruments que realiza funções de medição de tensão similares a de um osciloscópio. As configurações do módulo digitalizador e do gerador de funções, assim como o controle da varredura dos processos, foram feitas por um programa desenvolvido na plataforma LabView (National Instruments). Este mesmo programa possui rotina para determinar magnitude e fase da impedância. A Figura 6 mostra um diagrama de blocos do sistema completo.
A interface com o usuário desenvolvida no LabView é mostrada na Figura 7.
Os resultados são apresentados em gráficos comparativos contendo as curvas de magnitude e fase da impedância do sistema desenvolvido e do HP4294A. Cada curva contem 1000 pontos.
5. Resultados e discussões
Os resultados obtidos com os transdutores P1, P2 e P3 são mostrados nas Figuras 8, 9 e 10, respectivamente.

Figura 8 (a) Módulo da Impedância em função da frequência do transdutor P1. (b) Fase em função da frequência do transdutor P1. Em ambos os gráficos os traços azul e vermelho correspondem aos dados colhidos com o HP4292A e com sistema desenvolvido.

Figura 9 (a) Módulo da Impedância em função da frequência do transdutor P2. (b) Fase em função da frequência do transdutor P2. Em ambos os gráficos os traços azul e vermelho correspondem aos dados colhidos com o HP4292A e com sistema desenvolvido.

Figura 10 (a) Módulo da Impedância em função da frequência do transdutor P3. (b) Fase em função da frequência do transdutor P3. Em ambos os gráficos os traços azul e vermelho correspondem aos dados colhidos com o HP4292A e com sistema desenvolvido.
De acordo com o esperado, a tensão no elemento
A medição direta no divisor de tensão com o módulo digital NI USB51-32 não é viável quando as tensões medidas são inferiores a 150 mVpp, aproximadamente. Dessa forma, é necessário que seja realizada uma elevação da tensão a ser medida. Essa elevação foi desempenhada satisfatoriamente pelo circuito desenvolvido. Portanto, a operação de transformação linear proposta contribui para o alargamento da faixa de valores do módulo da impedância a ser determinada.
Os resultados indicam que nos três transdutores piezelétricos testados o sistema desenvolvido pode medir magnitudes de impedâncias na faixa de dezenas de
Os erros médios relativos da magnitude (ERZ) e da fase (ER
Tabela 2 Erros médios relativos da magnitude (ERZ) e da fase (ER
P1 | P2 | P3 | |
---|---|---|---|
ERZ(%) | 7,41 | 5,63 | 9,64 |
ER
|
6,98 | 5,76 | 8,70 |
Intrinsecamente, a determinação da impedância elétrica de transdutores piezelétricos de alta potência é bastante crítica e pode contribuir para o aumento dos erros. Esses transdutores apresentam elevados valores de fator de qualidade,
Foi verificado que o algoritmo para determinação do ângulo de fase entre dois sinais executado pelo LabView, que emprega ferramentas próprias desse software, apresenta deficiências quando sinais com pequena amplitude e apresentando distorções são submetidos. Isto explica o aumento dos erros na medição da fase nas proximidades das ressonâncias dos transdutores (valores mínimos de impedância).
A medição de impedâncias em transdutores piezelétricos de potência é um procedimento bastante crítico. Devido ao elevado fator
Uma das vantagens da configuração proposta é a possibilidade de adequar a faixa de valores de impedância medidos alterando-se os valores de alguns resistores. Para tal, basta que se definam outros limites de tensão de saída e se refaçam os cálculos do sistema de equações (Equação 12). Também é possível usar este sistema em aplicações de campo, pois o gerador de funções, na forma de equipamento, utilizado neste trabalho pode ser substituído por um circuito integrado que realize a operação. A fonte de alimentação do sistema também pode ser substituída por baterias, uma vez que a corrente consumida é da ordem de dezenas de mA.
6. Conclusões
Foi apresentado um sistema para determinação de magnitude e fase da impedância elétrica de transdutores piezelétricos. O artifício utilizado para superar dificuldades de medição de valores extremos mostrou-se satisfatório em termos comparativos com os resultados obtidos com um analisador de impedâncias comercial. A forma com que o projeto foi desenvolvido pode ser replicada para outras faixas de valores de magnitude da impedância e outras frequências. Para tal, basta estabelecer os parâmetros e utilizar componentes semicondutores adequados para operações nas faixas de frequência e impedâncias elétricas consideradas.
Em relação aos custos, o módulo digital, a licença do software (LabView) e os componentes utilizados no circuito totalizam, aproximadamente, 3000 dólares. No entanto, este valor pode ser amortizado pois o módulo digital e o software podem ser partilhados na automatização de outros experimentos de um laboratório de física. Sendo assim, comparado ao valor de um analisador de impedâncias comercial (um HP4294A) que é de aproximadamente 45000 dólares, pode-se dizer que o custo do dispositivo é muito baixo.
Há possibilidades de aperfeiçoamento do sistema com o uso de resistores de precisão e amplificadores operacionais que respondam em frequências mais elevadas. Com a inserção desses componentes espera-se produzir sensível melhoria na precisão, principalmente nas frequências superiores a 70 kHz, em que a taxa de erro na curva de fase foi maior.
Embora os testes tenham sido realizados em transdutores piezelétricos, o sistema apresentado pode ser empregado para a prática de aulas experimentais de Fisica IV em que se aborda a análise de circuitos em correntes alternadas com componentes resistivos e reativos e circuitos ressonantes. Por ser automatizada, a configuração proposta permite que experimentos, como o proposto em [23], possam ser reproduzidos com maior celeridade e dinamismo na obtenção de dados.