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Audiotermômetro: um termômetro para a inclusão de estudantes com deficiência visual

Audiothermometer: a thermometer for the inclusion of visually impaired students.

Resumos

Neste trabalho apresentamos os detalhes técnicos de construção de um termômetro em que as medidas de temperatura são audíveis. Inicialmente planejado para atender estudantes com deficiência visual em atividades práticas de termometria, o projeto se mostra perfeitamente adaptável para medir uma variedade de outras grandezas físicas. O projeto é baseado na placa Arduino Uno e no escudo (shield) para Arduino dedicado a reprodução de arquivos de som (Arduino MP3 shield player). A medida da temperatura é realizada com auxílio do sensor digital DS18B20 que opera na faixa de −55 a +125 oC. Todo o projeto é de fácil construção e os componentes usados são acessíveis e facilmente encontrados no mercado nacional.

Palavras-chave:
Ensino para deficientes visuais; Termometria; placa Arduino


In this work, we present the technical details of the construction of a thermometer in which the temperature measurements are audible. Initially planned to serve visually impaired students in practical thermometry activities, the design is perfectly adaptable to measure a variety of other physical magnitudes. The project is based on the Arduino Uno board and the shield for Arduino dedicated to playing sound files (Arduino MP3 shield player). The temperature measurement is performed using the DS18B20 digital sensor that operates in the range of −55 to +125 oC. The whole project is easy to build and the components used are accessible and easily found in the local market

Keywords:
Education for visually impaired students; Thermometry; Arduino board


1. Introdução

Com o intuito de promover uma educação com vistas à inclusão, o MEC, a partir das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (2001), do Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade (2003), da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), da Lei N° 12.796/2013 (2013) e mais recentemente, da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (2015), assegura ser direito da pessoa com deficiência ser assistida dentro do sistema regular de ensino. Desde a edição destas diretrizes, no que se refere a pessoas com deficiência visual [1[1] Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm, acesso em 26/09/2017.
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], as escolas vêm procurando adaptar seus programas para atender as necessidades especiais deste público. Em que pese os vários avanços obtidos, há muito que se fazer, particularmente, na elaboração de materiais didáticos especializados, que sejam de fácil acesso e de fácil adaptação, para o apoio de professores e alunos em sala de aula. No que respeita ao ensino de Ciências observa-se ainda uma carência de propostas que viabilizem a inclusão destes alunos.

Em estudos sobre o ensino de Ciências para estudantes com deficiência visual, diversos autores destacam as dificuldades encontradas por esses estudantes dentre as quais citamos: a falta de preparo do professor para atender a essa clientela, salas de aula com grande número de alunos, estruturas físicas não adaptadas, falta de material didático e ausência de ledores.

Desta forma, tendo como objetivo contribuir para a diminuição das dificuldades apresentadas e promoção de um ensino de Ciências que atenda as especificidades destes estudantes, apresentamos no presente trabalho uma plataforma instrumental simples, com potencial de múltiplas aplicações, que tem por objetivo tornar audível a medida de grandezas físicas de uso corrente nos laboratórios didáticos. Neste texto descrevemos os detalhes de construção de um termômetro que torna audível a medida da temperatura e num próximo trabalho, já em desenvolvimento, vamos apresentar os resultados de sua aplicação com estudantes portadores de deficiência visual. O projeto é baseado na placa Arduino Uno e num escudo (shield) para Arduino dedicado a reprodução de arquivos de som em formato MP3 (formato de compressão de áudio digital MPEG Layer 3). No escudo ficam armazenados, num cartão de memória, os arquivos de áudio com as temperaturas discriminadas em intervalos de 0.5 oC, na faixa de −10oC à 110oC. O sensor de temperatura é o modelo DS18B20 da Maxim [2[2] Maxim Devices, DS18B20 Datasheet, http://www.maximintegrated.com/en/products/analog/sensors-and-sensor-interface/DS18B20.html, acesso em 26/06/2017.
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]. Esse sensor é digital, opera na faixa de −55 a +125 oC, com resolução programável de 9 até 12 bits, e é fornecido com calibração de fábrica. Para auxiliar o professor, e também facilitar a integração com alunos videntes, incluímos um mostrador LCD (Liquid Crystal Display) de duas linhas por dezesseis colunas (16×2) que apresenta, simultaneamente ao áudio, a medida da temperatura. Na Figura 1 mostramos o audiotermômetro (ADT), com um encapsulamento provisório para testes de campo.

Figura 1
Montagem do circuito do audiotermômetro para testes. Nesta montagem são usados fones de ouvido e uma fonte estabilizada de 12 VDC/1A para alimentação. O sensor de DS18B20 utilizado vem com encapsulamento à prova de água e com cabo de ˜1 m de comprimento, facilitando muito a sua utilização nos experimentos. O fone de ouvido pode ser substituído por caixas de som para o caso de trabalhos em grupo.

2. Montagem

A montagem do audiotermômetro (ADT) é muito simples, pois se baseia em circuitos modulares que se integram numa estrutura em camadas. Na Tabela 1 do Anexo I listamos todos os componentes utilizados e na Figura 2 podemos ver a montagem das placas. A primeira camada é a placa Arduino Uno que opera como a unidade central de controle; a segunda camada é o shield MP3 player responsável reprodução dos arquivos MP3 com as temperaturas; a terceira e última camada é um protoshield para Arduino onde efetivamente são soldados os componentes eletrônicos auxiliares do circuito. Uns poucos pontos de solda servem para a conexão do display LCD por meio de fios, dando mobilidade para fixação do LCD ao suporte escolhido para o ADT (caixa).

Figura 2
Associação das três placas que compõem o ADT: a primeira placa de baixo para cima é a Arduino Uno, seguida pelo escudo para reprodução de arquivos MP3 (MP3 shield player) e um escudo de montagem (protoshield).

Na Figura 3 podemos ver as conexões elétricas. Elas estão indicadas também na Tabela 2 do Anexo I. O escudo (shield) MP3 utiliza a maioria das conexões digitais da Arduino, deixando livre apenas as portas D10, D5, D1 e D0 para outros usos. As portas disponíveis podem ser diferentes segundo o modelo e o fabricante. Essa limitação de portas digitais impõe restrições para ligar o LCD à placa Arduino Uno. Nesta montagem, o LCD é conectado através das portas analógicas.

Figura 3
A figura mostra a vista de cima das conexões elétricas no ADT. Em foco vemos o protoshield com as conexões em solda. O MP3 shield player e a placa Arduino estão imediatamente abaixo. A relação detalhada das conexões utilizando a numeração das portas e pinos é dada na Tabela 2 do Anexo I. O esquema elétrico foi feito com auxílio do programa Fritzing [6[6] Fritizing V.0.9.0, http://fritzing.org/home/, acesso em 26/06/2017.
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].

O resistor de 220Ω é usado para limitar o brilho de fundo do LCD. Outros valores podem ser usados de acordo com necessidade de cada montagem, mas os valores devem sempre respeitar os limites de corrente indicado pelo fabricante. O potenciômetro de 10kΩ é usado para ajustar o contraste ótimo entre os caracteres e o fundo. Esse ajuste é feito manualmente girando o potenciômetro até atingir o contraste desejado.

O sensor digital de temperatura DS18B20 usa a tecnologia one-wire para o trafego de dados e deve ser ligado numa das portas digitais livres. Para a aplicação no ADT usamos um modelo encapsulado apropriado para contato com líquidos. Esse modelo é fornecido com um cabo de aproximadamente 1 m de comprimento dando bastante mobilidade para aplicações didáticas em sala de aula. A conexão deste modelo no ADT foi feita através de um par de plugues tipo P2, macho e fêmea. O plugue fêmea é fixado na caixa do ADT por meio de porca e arruela e conectado ao protoshield por fios. Esse método de conexão foi escolhido por facilitar o transporte e a substituição do sensor em caso de avaria, mas, naturalmente, nada impede que o sensor seja conectado diretamente ao protoshield por soldagem direta.

A alimentação no modelo atual do ADT é feita através de uma fonte de 12 VDC/1A ligada diretamente à placa Arduino. Pode-se também usar uma bateria alcalina de 9 V, o que dá maior mobilidade de uso do ADT. Deve-se estar atento ao ajuste de brilho e contraste no LCD ao trocar a fonte por uma bateria.

Para ouvir as temperaturas usamos fones de ouvido comuns, com controle de intensidade no próprio cabo de conexão. Essa opção é indicada para o uso individual, mas para trabalhos em grupo é perfeitamente possível a sua substituição por caixas de som do tipo usado em PC. Uma vez ligado o ADT as medidas vão sendo dadas continuamente numa frequência controlada via software.

A parte relativa ao encapsulamento do ADT não é aqui objeto de discussão, pois existem diversas possibilidades. Interessados em reproduzir o encapsulamento mostrado na Figura 1 podem encontrar indicações detalhadas de montagem na referência [3[3] http://www.if.ufrj.br/~pef/producao_academica/artigos/audiotermometro/.
http://www.if.ufrj.br/~pef/producao_acad...
]. Para concluir é importante ressaltar que todo o projeto é de fácil reprodução e de baixo custo. Todos os componentes podem ser facilmente adquiridos no mercado nacional.

3. Programação de controle

O programa de controle é simples e é apresentado no Anexo 2 com linhas comentadas. O programa faz uso de um conjunto de bibliotecas para a comunicação com o sensor DB18S20 via padrão one-wire, com o display LCD e com o MP3 player que basicamente executam toda a computação pesada. Todas as bibliotecas indicadas nas instruções #include são de uso público e podem ser facilmente localizadas através de um site de busca na internet.

Na versão atual, o programa está dimensionado para a faixa de −10 oC a 110 oC com leituras de 0,5 em 0,5 oC (resolução de 9 bits). Essa condição estabelece a necessidade de 240 arquivos para a gravação do áudio. Esses arquivos são numerados e armazenados num cartão de memória mini SD, inserido no shield MP3 player. Cada arquivo é designado como “trackerXXX.mp3”, onde XXX é um inteiro de 8 bits, isto é, variando de 0 a 255. O valor de X identifica o arquivo de áudio a ser reproduzido e este é calculado a partir da leitura de temperatura como [2 x (oC) + 20]. O arquivo “tracker000.mp3” corresponde à temperatura −10 oC e o arquivo “tracker240.mp3” à temperatura de 110 oC. Se a temperatura estiver fora da faixa de operação do ADT o arquivo “tracker241.mp3”, contendo um alerta, é executado.

Para a preparação dos arquivos de áudio foi utilizado o programa Audacity [4[4] Audacity V.2.1.2, http://www.audacityteam.org/, acesso em 17/08/2017.
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], que possui ferramentas simples e apropriadas que permitem agilizar a tarefa. No modo de gravação as temperaturas são recitadas de forma pausada e sequencial e o resultado é acompanhado observando a faixa de áudio. Após gravar uma sequência de valores, cada valor pode ser selecionado na faixa de áudio e salvo como arquivo mp3 independente com auxílio da função “Exportar áudio selecionado” na aba “Arquivo” do programa. O processo é um pouco trabalhoso e exige atenção, mas é realizada uma única vez, e uma vez realizado é permanente e pode ser feito com a participação dos próprios estudantes.

Cada sensor DS18B20 fabricado é identificado por um código de 64 bits. O código indicado no programa (ver Anexo 2) tem que ser atualizado para cada aplicação. Para obter o código de um sensor, pode-se usar um dos programas para a Arduino que são fornecidos juntos com a biblioteca DallasTemperature. Basta conectar apenas o sensor na Arduino, como indicado na Figura 3, e executar o aplicativo. Para maiores informações sobre sensores com tecnologia one-wire e o DS18B20 em particular, o leitor pode consultar o livro de McRoberts [5[5] M. McRoberts, Arduino Básico (Novatec Editora Ltda., São Paulo, 2011), p. 317.].

As instruções do tipo Serial.print estão mantidas no programa para permitir que os valores de temperatura possam ser observados, independentemente, na tela do monitor do PC com auxílio da ferramenta “Monitor Serial” da IDE Arduino. O ADT pode ser conectado ao PC, a qualquer momento, para verificar seu funcionamento. Essa interatividade é útil também quando na etapa de testes e implantação do programa.

4. Conclusão

O protótipo atual do audiotermômetro se mostrou muito eficiente e robusto para possibilitar já aplicações em sala de aula, visando mais especificamente turmas mistas que incluam alunos com deficiência visual. No próximo trabalho, já em curso, pretendemos analisar o resultado de aplicações didáticas do ADT nas áreas de Termometria e Calorimetria com essas turmas. É importante notar que essa plataforma pode ser facilmente adaptada para outros sensores. Há uma grande variedade de sensores para Arduino que nos permite antever a construção de um áudio-voltímetro, áudio-amperímetro etc. Na página do Programa de Mestrado Profissional em Ensino de Física [3[3] http://www.if.ufrj.br/~pef/producao_academica/artigos/audiotermometro/.
http://www.if.ufrj.br/~pef/producao_acad...
] podem ser encontrados todos os materiais desenvolvidos neste projeto. O mais importante talvez seja a biblioteca de áudio onde estão gravadas todas as temperaturas de – 10 oC a 110 oC, discriminadas de 0,5 em 0,5 oC.

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio do Mestrado Nacional em Ensino de Física (MNEF) da Sociedade Brasileira de Física (SBF), à CAPES e a imensa comunidade de desenvolvedores de aplicativos para a plataforma Arduino, acessíveis através dos mais diversos blogs, sempre dispostos a ajudar e partilhar suas experiências, de forma gratuita e generosa, sem os quais este trabalho não poderia ser feito.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    28 Set 2017
  • Aceito
    10 Out 2017
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