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Descobertas sobre a teoria do som: a história dos padrões de Chladni e sua contribuição para o campo da acústica

Discoveries about the theory of sound: The history of Chladni patterns and their contribution to the field of acoustics

Resumos

As descrições dos fenômenos ondulatórios exigem do estudante observar atenta e sistematicamente fenômenos que permitam construir significados sobre conceitos como ressonância, superposição de ondas, interferência, difração, reflexão e harmônicos. Neste trabalho, objetiva-se tecer uma breve biografia do Físico Ernst Florens Friedrich Chladni, e sua contribuição para o campo da acústica para o fenômeno da formação de figuras em placas ressoantes, assunto pouco explorado na literatura brasileira de ensino de Física. As informações levantadas sobre a história e a descoberta de Chladni, foram apresentadas neste artigo a partir de uma pesquisa bibliográfica em livros publicados e reeditados em alemão e inglês por outros pesquisadores. Para cada artigo publicado e livros analisados, fez-se uma tradução livre no afã de fornecer ao leitor a compreensão histórica da descoberta de Chladni. Deste modo, os Padrões de Chladni, e a história de sua descoberta contribuem para uma aprendizagem de conceitos clássicos da física, relevantes para formação intelectual e científica do estudante e ou pesquisador.

Palavras-chave:
Padrões de Chladni; Ensino de Oscilações e Ondas; Acústica


The descriptions of the wave phenomena require the student to observe carefully and systematically phenomena that allow constructing meanings about concepts such as resonance, wave superposition, interference, diffraction, reflection and harmonics. The objective of this work is to present a brief biography of the Physicist Ernst Florens Friedrich Chladni and his contribution to the field of acoustics for the phenomenon of the formation of resonant plates, a subject rarely explored in the Brazilian literature of Physics teaching. The information collected on the history and the discovery of Chladni, were presented in this article from a bibliographical research in books published and reedited in German and English by other researchers. For each published article and books analyzed, a free translation was made in the effort to provide the reader with the historical understanding of Chladni's discovery. In this way, the Chladni Standards, and the history of their discovery, contribute to a learning of classical concepts of physics, relevant to the student's intellectual and scientific formation and / or researcher.

Keywords:
Chladni Pattens; Teaching of Oscillations and Waves; Acoustics


1. Introdução

Os instrumentos musicais são uma fonte rica para se desenvolver conceitos de ressonância e acústica mesmo que para tocá-los não necessariamente uma pessoa precise ler o instrumento com esta descrição física. Na história dos instrumentos musicais um fenômeno em específico foi percebido como um indicador de qualidade de fabricação - os Padrões de Chladni, e nossa atenção se foca sobre eles.

As representações do comportamento ondulatório da matéria requerem dos estudantes a observação atenta e sistemática dos fenômenos que permitam construir significados sobre conceitos como ressonância, superposição de ondas, interferência, difração, reflexão, harmônicos.

O presente trabalho tem por fulcro explorar a biografia do Físico Ernst Florens Friedrich Chladni, e sua contribuição para o campo da acústica para o fenômeno da formação de figuras em placas ressoantes, tema pouco estudado na literatura brasileira de ensino de Física. Como encaminhamento metodológico utilizou-se de pesquisa bibliográfica a partir de livros e artigos publicados e reeditados em alemão e inglês por outros pesquisadores. Para cada artigo publicado e livros analisados, fez-se uma tradução livre com o intuito de fornecer ao leitor a compreensão histórica da descoberta de Chladni.

2. Revisão bibliográfica na literatura brasileira de ensino de física

Na literatura de ensino no Brasil (revistas brasileiras de ensino de Física e Ciências) encontramos apenas um trabalho relacionando as figuras de Chladni com a construção de instrumentos musicais. Neste artigo, “A Física do Violino”, publicado na Revista brasileira de Ensino de Física, Donoso [1[1] J.P. Donoso, A. Tannús, F. Guimarães e T.C. Freitas, Rev. Bras. Ens. Fis. 30, 2305 (2008).] trata da construção e das propriedades físicas no violino. Embora não seja o único objetivo do artigo, em certo momento cita a caracterização dos materiais construtivos do violino avaliados pelo método da Placa de Chladni, por exemplo, certos padrões ressoantes caracterizam se a madeira deve ser utilizada para a construção do tampo ou do fundo do violino.

Donoso [1[1] J.P. Donoso, A. Tannús, F. Guimarães e T.C. Freitas, Rev. Bras. Ens. Fis. 30, 2305 (2008).] apresenta com um refinado detalhamento a construção do instrumento violino e a física que o define com ênfase nos trabalhos dos físicos Helmholtz, Savart e Raman1 1 Hermann Ludwing Ferdinad Von Helmholtz (Potsdam, 31 de Agosto de 1821 - Charlottenburg, 8 de Setembro de 1894) foi um médico e físico alemão. Félix Savart (Charleville - Mézières, 30 de junho de 1791 - Paris, 16 de março de 1841) foi um físico francês originador da lei de Biot-Savart (A lei de Biot-Savart é uma equação do eletromagnetismo que fornece o campo magnético B gerado por uma corrente I constante no tempo). Sir Chandrasekhara Venkata Raman (Tiruchirappalli, 7 de novembro de 1888 - Bangalore, 21 de novembro de 1970) foi um físico indiano. Recebeu em 1930 o Nobel de Física pelos trabalhos sobre o espalhamento da luz. para descrever a vibração produzida pelo arco nas cordas e compreender as propriedades acústicas do instrumento. No corpo do violino, faz uma análise sobre os modos normais de vibração do tampo do violino pelo método de Chladni. Em uma análise histórica sobre cada contribuição para efetivar toda a física envolvida por trás do violino, Chladni é reconhecido como uns dos percussores por realizar importantes descobertas no campo da acústica que se tornaram indispensável para determinar a qualidade do instrumento. O autor cita que: “em relação às pesquisas sobre a física do violino, o físico francês Félix Savart (1791-1841) é considerado um dos pioneiros (…) [que] entre outras coisas, estudou o limiar de audição em altas frequências, utilizando o método de Ernest F. Chladni (1774-1827)”. [1[1] J.P. Donoso, A. Tannús, F. Guimarães e T.C. Freitas, Rev. Bras. Ens. Fis. 30, 2305 (2008).]

Além de explanar sobre os conceitos de acústica envolvidos no instrumento musical, Donoso dedica um capítulo para tratar sobre os “modos de vibrações em tampos”, falando sobre o trabalho pioneiro de Chladni neste campo do estudo das qualidades dos instrumentos musicais a partir da ressonância. Assim, relaciona o estudo de ondas estacionárias nos cursos de graduação, nos quais:

“(…) descreve-se o movimento da corda em termos de onda estacionárias, que correspondem aos modos normais de vibração. Da mesma forma se podem descrever as ondas estacionárias bidimensionais estabelecidas numa placa vibrante. Cada uma destas ondas estacionárias corresponde a um modo normal de vibração (ou ressonância), sendo que a menor frequência é chamada de fundamental e as demais são sobretons ou harmônicos. Estes modos normais de vibração podem ser colocados em evidência pelo método de Chladni.” [1[1] J.P. Donoso, A. Tannús, F. Guimarães e T.C. Freitas, Rev. Bras. Ens. Fis. 30, 2305 (2008).]

Após algumas explicações sobre o método das figuras de Chladni para determinar as características para o tampo ou o fundo do violino pelos padrões definidos que deveriam ser mostrados na madeira (placa) vibrante, o artigo segue com mais detalhes no método de ressonância de Helmholtz, que consiste no fenômeno que ocorre quando o ar passa por uma cavidade e, devido a ela, ressoa. O dispositivo que demostra tal fenômeno, o ressoador de Helmholtz, foi criado em 1860 para demostrar as altas variedade de tons. Embora o artigo se estendeu em explicar as regras que envolvem cada mecanismo que compõe o violino, ao final ele reconhece, na conclusão, que o texto contém informações (fundamento matemático e conceitual) que servem como exemplos para alunos iniciantes de um Curso de Física do Ensino Superior – aspecto didático sugerido pelo autor.

Além das revistas, levantamos outros textos, relatórios de aulas experimentais de estudantes de graduação da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), que foram produzidos em 2004 e 2011 como relatório final da disciplina de Tópicos de Física, feitos no laboratório de instrumentação. Estes relatórios são semelhantes, com poucas diferenças no conteúdo, objetivos e detalhes técnicos construtivos da placa vibrante.

No texto de Silva e Torriani [2[2] J.C. Silva e I. Torriani, http://www.ifi.unicamp.br/~lunazzi/F530_F590_F690_F809_F895/F809/F809_sem1_2004/009027JulioC_IrisTorriani_F809_RF.pdf, acesso em 22/06/2017.
http://www.ifi.unicamp.br/~lunazzi/F530_...
] foi apontado a importância experimental das figuras de Chladni para despertar e motivar os alunos no início do Curso de Graduação em Física.

(…) em um país onde a física é vista como uma terrível disciplina pelos estudantes de ensino médio, uma experiência como essa poderia incentivá-los a encarar essa ciência com bons olhos. (…) os estudantes do início de um curso de física teriam uma motivação a mais para continuar no curso ao ver demonstrações com as figuras de Chladni. [2[2] J.C. Silva e I. Torriani, http://www.ifi.unicamp.br/~lunazzi/F530_F590_F690_F809_F895/F809/F809_sem1_2004/009027JulioC_IrisTorriani_F809_RF.pdf, acesso em 22/06/2017.
http://www.ifi.unicamp.br/~lunazzi/F530_...
]

Silva e Torriani descrevem com poucos detalhes a formação das figuras em placas redondas e quadradas, apresentando apenas uma reprodução do experimento descrito no livro Entdeckungen über die Theorie des Klanges de Chladni (1787), dando explicações simplificadas sobre as regiões nodais na placa: - “Dessa maneira, ao se polvilhar grãos de areia sobre uma placa vibrando, a areia vai se posicionar sobre essas regiões nodais, que são regiões onde as placas não vibram. ” [2[2] J.C. Silva e I. Torriani, http://www.ifi.unicamp.br/~lunazzi/F530_F590_F690_F809_F895/F809/F809_sem1_2004/009027JulioC_IrisTorriani_F809_RF.pdf, acesso em 22/06/2017.
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] Por outro lado, dão ênfase às descobertas e aos trabalhos que Chladni revelava em suas palestras quando viajava - que na construção de instrumentos e padrão de qualidade usando este método para frequências naturais: “As “Figuras de Chladni” fornece o gabarito ideal para o fabricante durante o processo de dar a forma à placa para a estrutura final. Placas simétricas produzem padrões simétricos, ao contrário das que não são simétricas.” [2[2] J.C. Silva e I. Torriani, http://www.ifi.unicamp.br/~lunazzi/F530_F590_F690_F809_F895/F809/F809_sem1_2004/009027JulioC_IrisTorriani_F809_RF.pdf, acesso em 22/06/2017.
http://www.ifi.unicamp.br/~lunazzi/F530_...
]

Por fim, Silva e Torriani consideraram sobre quais figuras se formam nos testes, explicitando que existe limitações dependendo da placa, do manejo do arco e tipo de partícula que é utilizada para formar as figuras, concluindo que a importância do trabalho está na estimulação dos alunos em séries inicias e até mesmo de graduação no estudo da Física. No que se refere à descrição matemática das figuras, apresentada no apêndice do relatório, afirma que se trata de um assunto que exige domínio de cálculo diferencial de ordem superior, o qual não foi o foco para seu trabalho como proposta educacional.

Também foi encontrado outro texto, desenvolvido na Unicamp, na disciplina de Tópicos de Ensino de Física I. Neste texto, Oliveira e Raggio, [3[3] E.F.O. Oliveira e P. Raggio, http://www.ifi.unicamp.br/~lnazzi/F530_F590_F690_F809_F895/F809/F609_2011_sem2/Ebenezer_F_Pedro_Raggio_F609_RF1.pdf, acesso em 22/06/2017.
http://www.ifi.unicamp.br/~lnazzi/F530_F...
] propõem a releitura do texto de Silva e Torriani. A produção consiste em poucas alterações, como acréscimo de passos nas deduções das equações que descrevem os padrões nas placas. Seu trabalho, contudo, objetiva apenas a visualização das figuras e registros dos resultados e um experimento didático. Os autores descrevem brevemente sobre a história de Chladni e sobre as ondas estacionárias. Há registros feitos com fotografia e informações pertinentes aos aspectos construtivos e operacionais do experimento que são apresentadas ao leitor. Da mesma forma como ocorreu com Silva e Torriani, a descrição matemática do experimento se encontra no apêndice para consulta e uma melhor compreensão de como o fenômeno pode ser descrito com equações diferenciais parciais.

3. Chladni: um passeio por sua vida e descobertas

Ernst Florens Friedrich Chladni, físico e músico alemão que nasceu em Wittenberg em 1756 Seu estudo acumulou um compêndio de registros das figuras, como as da Figura 1[4[4] E.F.F. Chladni, Entdeckungen über die Theorie des Klanges (Weidmanns Erben und Reich, Leipzig, 1787), v. 1, p. 107.] formadas com areia sobre uma placa de bronze. Sobre estes registros Chladni publicou o livro Entdeckungen über die Theorie des Klanges (Descobertas sobre a Teoria do Som), em1787 Estas figuras se tornam agora, nosso objeto de estudo neste trabalho.

Figura 1
Padrões obtidos por Chladni com areia sobre a placa vibrante. [4[4] E.F.F. Chladni, Entdeckungen über die Theorie des Klanges (Weidmanns Erben und Reich, Leipzig, 1787), v. 1, p. 107.]

Sob influência de seu pai, Chladni estudou direito e filosofia, vindo a graduar-se em Filosofia (bem como Geografia Matemática e Física, Física, Biologia e Geometria) em 1781 na Universidade de Leipzig e em direito em 1782, na mesma universidade Foi por esta época que mudou seu sobrenome de Chladenius para Chladni. Após o seu regresso a Wittenberg, seu pai arranjou uma posição de advogado para ele. [5[5] D. Barok, http://monoskop.org/Ernst_Chladni#Ancestors, acesso em 21/06/2017.
http://monoskop.org/Ernst_Chladni#Ancest...
]

Após a morte de seu pai em 1782, a vida de Chladni mudou fundamentalmente não se sentia mais na obrigação de se dedicar ao direito como era desejo de seu pai e passou a estudar acústica, assunto que havia sido pouco explorado pela Física na época e que havia chamado atenção durante a academia pelas amizades com músicos que o incentivavam para este campo. [6[6] I. Rumanovský and I. Sadtrucker, EFF Chladný: Otec akustiky a meteoritiky. (Osveta, Bratislava, 1961), v. 1, p. 27.]

Em 1782, ele começou com extensos experimentos, em seu apartamento, avaliando diferentes fontes de som, buscando descrever a relação entre a vibração das fontes com os sons emitidos. Numa de suas obras escreveu que:

”por muito tempo foi a minha principal atividade de analisar tais fontes de som, que ainda não tinham sido estudados até agora, apenas as vibrações de cordas e vibrações do ar em instrumentos de sopro foram os temas de estudos, e agora eu realizara experiências com vibrações transversais de barras, que tinha sido objeto de estudos teóricos de Leonhard Euler e Daniel Bernouilli, e depois as vibrações de placas, que eram um campo desconhecido.”[7[7] D. Ullmann, Eur. Phys. J. Spec. 145, 25 (2007).]

As primeiras investigações de Chladni deram-se em vibrações transversais de barras com diferentes condições de contorno (comprimento, espessura, materiais construtivos) O arco de violino foi o instrumento utilizado para provocar as vibrações A ideia essencial para o estudo dos padrões de som veio do estudo das obras de Georg Christoph Lichtenberg (Cientista Alemão, descobridor do processo de xerografia utilizado nas copiadoras modernas), que em 1777 havia conseguido realizar descargas elétricas em dielétricos (materiais isolantes) através de um grande eletróforo (dispositivo construído e utilizado para gerar alta tensão de eletricidade estática por indução). A descarga gravou padrões radiais por aspersão de vários materiais em pó sobre a superfície (este efeito é utilizado nas impressoras e copiadoras modernas). [8[8] R.T. Beyer, Treatise on Acoustics: The First Comprehensive English Translation of E.F.F Chladni's Traité d’Acoustique (Springer, Providence, 2015), v. 1, p. 28.]

Chladni resolveu, então, aplicar areia fina sobre suas placas e bastões, e o que observou foi a formação de padrões (como os da Figura 1) na superfície das placas para determinadas frequências produzidas. Chladni tinha um ouvido sensível e pôde discriminar frequências diferentes em menos de um semitom Com seus experimentos com placas vibrantes Chladni abriu um campo que ainda não tinha sido estudada teórica ou experimentalmente.

Chladni estudou sistematicamente os padrões produzidos pelo som em placas circulares, quadradas e retangulares constituídas de diversas maneiras. Fixando-as com os dedos em pontos diferentes obteve novos padrões - ocorrência de linhas nodais. Seus resultados foram publicados em 1787 no Entdeckungen über die Theorie des Klanges (Descobertas sobre a Teoria do Som) com 11 pratos e um total de 166 figuras

Durante sua estada em Paris, em dezembro de 1808, Chladni apresentou seu trabalho na Academia Francesa de Ciências, que organizou a comissão de avaliação composta pelos físicos Étienne de Lacepède, Prony, Hauy e Mehul, Gretry e Gossec. Seu estudo foi recebido com um feedback muito positivo e Pierre-Simon Laplace, juntamente com Gay-Lussac, Alexander von Humboldt e Arago, propôs-lhe para traduzi-lo para o francês. Napoleão também estava interessado em uma demonstração dos experimentos de Chladni e convidou-o para o Palácio Tuilerie através da mediação de Laplace. Enquanto artistas de teatro eram bastante frequentemente convidados para o tribunal, o convite de um cientista era uma singularidade. Em fevereiro de 1809, Chladni apresentou Napoleão (também presentes Laplace, La Cépède, Berthollet) suas figuras sonoras, Funções matemáticas da acústica e executou uma composição por Haydn em seu Clavicylinder, e no dia seguinte recebeu uma concessão de 6.000 francos para traduzir seu trabalho ao francês. [7[7] D. Ullmann, Eur. Phys. J. Spec. 145, 25 (2007).]

Em fevereiro 1827 Chladni passou de Berlim para Breslau, onde ele deu palestras. Ele faleceu em 3 de abril deste mesmo ano. Chladni nunca se casou e não tinha filhos. Em seu testamento, ele deixou sua coleção de 41 meteoros para o Museu de Mineralogia de Berlim, 5000 Thaler2 2 Thaler foi uma moeda cunhada em prata utilizada na Europa por cerca de 400 anos. Ainda mais tarde e tratando de boa e grande moeda de prata, cerca de uma onça, o thaler de territórios germânicos veio a ter a concorrência dos reales de a ocho do Império espanhol, dos meticais do grande rei de Marrocos Mohammed III, dos dólares norte-americanos e ingleses, e até dos dólares do Império Otomano. [9[9] M.T. Antunes, A Moeda Islâmica no Al-Andaluz. Origens, Desenvolvimentos, Importância Económica (Academia das Ciências de Lisboa, Lisboa, 2017), v. 1, p. 3.] ao seu rendeiro, 600 Thaler para os pobres, e 600 Thaler para a cidade de Kemberg e uma nova torre do relógio. [10[10] F. Melde, Ueber Chladni's Leben und Wirken, nebst einem chronologischen Verzeichnis seiner Literärischen Arbeiten (CL Seta, Marbugi, 1866), v. 1, p. 37.]

4. Acústica moderna

Em 1787, Chladni demostrou, utilizando seus padrões de som, como vários sons coexistem na vibração do mesmo corpo. Uma vez que na corda de um este comportamento não era tão claro. Mas esta presença simultânea de sons possíveis, não pode ser reduzida, de maneira pitagórica, aos conhecimentos de um fundamental: também existem ”relações inarmônicas e irracionais”, devido às irregularidades do corpo vibrante. [11[11] D. Ullman, Chladni und die Entwi Entwicklung der Akustik von 1750-1860 (Birkhauser Publishing Ltd, Basileia, 1996), v. 1, p. 117.] Nesta afirmação Chladni descarta o Monocordio3 3 Seu uso já era registrado ao tempo de Pitágoras (c. 582 – 500 a.C.) para estudo e cálculo das relações entre vibrações sonoras. Na Idade Média era também usado para a afinação da voz e de outros instrumentos. de Pitágoras, o instrumento que foi a base da teoria acústica e do cálculo desde a antiguidade grega; Como Chladni escreve na introdução ao seu Akustik: ”uma corda é apenas uma espécie de corpo sonoro”, entre muitos outros. Essa destituição do monocórdio e cálculos pitagóricos é a revolução de Chladni, sua modernidade. Ele abre a possibilidade de experimentar com todos os corpos vibrantes, enquanto seus padrões de som nos permitem ver sua complexa estrutura vibratória.

No estudo entre a produção e detecção de som é Chladni o primeiro a trabalhar em placas vibratórias, uma vez que o estudo envolveu não só a produção de som em placas vibratórias, mas também a técnica experimental de identificar as vibrações. Chladni estava bem ciente da vibração das cordas e da localização de pontos nodais em uma onda, e o trabalho teórico de Lagrange e outros deram uma base sólida para o assunto. Não houve, no entanto, nenhuma teoria sobre vibrações em placas. [8[8] R.T. Beyer, Treatise on Acoustics: The First Comprehensive English Translation of E.F.F Chladni's Traité d’Acoustique (Springer, Providence, 2015), v. 1, p. 28.]

No Século XIX, um grupo de Físicos empenharam-se por meio de investigações experimentais de como o fluxo do som se dava, e empenharam suas pesquisas para implementar a descoberta de Chladni com explicações em diferentes meios materiais, este grupo chamado de “Acusticos” [12[12] T. Archibald, C. Fraser and I.G. Guinness, Mathematrisches Forchungsinstitut Oberwolfach Report 51, 2729 (2004).] incluíam Chladni, Thomas Young, Félix Savart, Jean-Daniel Colladon, Michael Faraday, Charles wheatstone, Jules Antonie Lissajous, R. Mayer, entre outros. Este primeiro grupo se concentrou mais em apresentar a descoberta de Chladni utilizando outros materiais e ou usando as mesmas técnicas do experimento original. Embora Chladni também apresentou as soluções matemáticas para sua pesquisa, houve um grupo de físicos que contribuíram muito com soluções matemáticas para o entendimento de como o fenômeno ocorria em placas. Este grupo incluiu Daniel Bernoulli, Jean LeRond d’Alembert, Leonhard Euler, Joseph Louis Lagrange, Poisson, Sophie Germain, G. Ohm, Kirchhoff, Riemann, Donkin, S. Earnshaw, entre outros. Para eles, a análise foi o método central para lidar com os problemas associados com o som. Suas investigações não estavam intimamente relacionadas aos achados empíricos e experimentais coletados pelos ”acústicos”. [10[10] F. Melde, Ueber Chladni's Leben und Wirken, nebst einem chronologischen Verzeichnis seiner Literärischen Arbeiten (CL Seta, Marbugi, 1866), v. 1, p. 37.]

Esses trabalhos sem precedentes, fazem alusão às palavras de Goethe:

“Quem irá criticar o nosso Chladni, o orgulhoso da nação? O mundo lhe deve gratidão, pois ele fez o som visível. E o que é mais distante deste assunto do que o estudo dos meteoritos? Não é só, mas que um homem engenheiro sente o ímpeto para estudar dois fenômenos naturais que estão longe um do outro e investiga os dois continuamente. Agradecemos o benefício que ganhamos com isso! ” [13[13] J.W. Goethe. Aus Meinem Leben. Dichturng und Wahrheit (Holzinger, Berlin, 2014), v. 3, p. 12.]

Chladni na publicação do livro Traité d’Acoustique (1809), contribuiu principalmente para entender como funcionava o ouvido e a percepção sonora e tantos outros conceitos da Acústica como: Harmônicos, interferências, ondas estacionárias, nodos e antinodos frequência e escalas musicais.

A simplicidade maior ou menor das razões numéricas das vibrações é a única base de harmonia. Um intervalo é consonante quando a razão é muito simples; quando a proporção é menos simples, o intervalo é dissonante. Os intervalos consonantes podem ser expressos pelos números 1, 2, 3, 4, 5, 6 ou 1, 3, 5 e a duplicação de qualquer de estes números; dissonância e resultados de diferentes combinações dos mesmos números. [8[8] R.T. Beyer, Treatise on Acoustics: The First Comprehensive English Translation of E.F.F Chladni's Traité d’Acoustique (Springer, Providence, 2015), v. 1, p. 28.]

Sem sombra de dúvida Traité d’Acoustique (1809), foi a publicação mais completa, para pesquisadores de Acústica no âmbito das produções musicais e estudos do som.

5. Considerações

Enquanto os outros ramos da física foram avançando, a acústica sempre ficou para trás. As vibrações sonoras da maioria dos corpos elásticos foram inteiramente desconhecidas, e, normalmente, apenas as vibrações transversais de tubos e sinos foram consideradas como objeto principal de estudo. Estas vibrações em tubos e sinos foram, portanto, considerados como a base de toda a harmonia e temos tentado estender suas leis para todos os outros órgãos de som. [8[8] R.T. Beyer, Treatise on Acoustics: The First Comprehensive English Translation of E.F.F Chladni's Traité d’Acoustique (Springer, Providence, 2015), v. 1, p. 28.] Consideravelmente a descoberta e o trabalho pioneiro de Chladni para o Campo da Acústica movimentou tudo o que já havia sido pesquisado no campo da acústica, fato este que trouxe a atenção de muitos pesquisadores do seu tempo e até hoje este fenômeno tem auxiliado no campo da acústica, servindo também como exemplo experimental para o campo da matemática avançada e na música. Ainda hoje fabricantes de instrumentos musicais utilizam os padrões de Chladni como método para determinar a qualidade de instrumentos musicais feitos de madeira, como o violino e o violão. Este trabalho traz para o leitor a luz do trabalho de Chladni, mostrando porque 300 anos depois ao se pesquisar sobre os fenômenos de figura em placas que ressoam com determinadas frequências, Chladni é reconhecido como o ‘Pai da Acústica’. [7[7] D. Ullmann, Eur. Phys. J. Spec. 145, 25 (2007).] No campo da música e da física, Chladni atraiu físicos e pensadores para uma melhor compreensão do que ocorriam com partículas sobre uma placa vibrante, hoje com efeito além da beleza visual que este experimento produz, instiga o pesquisador, para quem produziu e o que significa aquelas figuras. E assim este artigo cumpre o seu papel de mostrar uma breve biografia da história e descobertas no campo da acústica em um século onde máquinas a vapor e a eletricidade tomavam quase todas as atenções. As contribuições que Chladni trouxe para o campo da Acústica, que são descritos em seus livros, com pesquisas para produções sonoras, estudo das vibrações e música, foram descritas neste artigo de forma resumida, porém consistente, para que o leitor tenha acesso a história da Acústica cujo ápice se deu no final do século XVIII e início do século XIX. Espera-se que este artigo sirva de base para outros pesquisadores e para professores, como referencial para o estudo da história dos Fenômenos Sonoros.

Referências

  • [1]
    J.P. Donoso, A. Tannús, F. Guimarães e T.C. Freitas, Rev. Bras. Ens. Fis. 30, 2305 (2008).
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    J.C. Silva e I. Torriani, http://www.ifi.unicamp.br/~lunazzi/F530_F590_F690_F809_F895/F809/F809_sem1_2004/009027JulioC_IrisTorriani_F809_RF.pdf, acesso em 22/06/2017.
    » http://www.ifi.unicamp.br/~lunazzi/F530_F590_F690_F809_F895/F809/F809_sem1_2004/009027JulioC_IrisTorriani_F809_RF.pdf
  • [3]
    E.F.O. Oliveira e P. Raggio, http://www.ifi.unicamp.br/~lnazzi/F530_F590_F690_F809_F895/F809/F609_2011_sem2/Ebenezer_F_Pedro_Raggio_F609_RF1.pdf, acesso em 22/06/2017.
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    T. Archibald, C. Fraser and I.G. Guinness, Mathematrisches Forchungsinstitut Oberwolfach Report 51, 2729 (2004).
  • [13]
    J.W. Goethe. Aus Meinem Leben. Dichturng und Wahrheit (Holzinger, Berlin, 2014), v. 3, p. 12.
  • 1
    Hermann Ludwing Ferdinad Von Helmholtz (Potsdam, 31 de Agosto de 1821 - Charlottenburg, 8 de Setembro de 1894) foi um médico e físico alemão.
    Félix Savart (Charleville - Mézières, 30 de junho de 1791 - Paris, 16 de março de 1841) foi um físico francês originador da lei de Biot-Savart (A lei de Biot-Savart é uma equação do eletromagnetismo que fornece o campo magnético B gerado por uma corrente I constante no tempo).
    Sir Chandrasekhara Venkata Raman (Tiruchirappalli, 7 de novembro de 1888 - Bangalore, 21 de novembro de 1970) foi um físico indiano. Recebeu em 1930 o Nobel de Física pelos trabalhos sobre o espalhamento da luz.
  • 2
    Thaler foi uma moeda cunhada em prata utilizada na Europa por cerca de 400 anos. Ainda mais tarde e tratando de boa e grande moeda de prata, cerca de uma onça, o thaler de territórios germânicos veio a ter a concorrência dos reales de a ocho do Império espanhol, dos meticais do grande rei de Marrocos Mohammed III, dos dólares norte-americanos e ingleses, e até dos dólares do Império Otomano.
  • 3
    Seu uso já era registrado ao tempo de Pitágoras (c. 582 – 500 a.C.) para estudo e cálculo das relações entre vibrações sonoras. Na Idade Média era também usado para a afinação da voz e de outros instrumentos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    08 Ago 2017
  • Revisado
    13 Set 2017
  • Aceito
    11 Out 2017
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