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Orientações motivacionais de alunos do ensino médio para física: considerações psicométricas

Motivational orientations of high school students to Physics: psychometric considerations

Resumo

O presente estudo investigou as orientações motivacionais de estudantes do Ensino Médio em relação à disciplina de Física e buscou contribuir com o aprofundamento da discussão acerca da proposição e validação de instrumentos de medidas de variáveis psicológicas. Foi utilizada a Escala de Motivação: Atividades Didáticas de Física (EMADF) para avaliar 1155 estudantes. Foi realizada análise fatorial exploratória seguida de análise estatística descritiva. Foram encontrados cinco fatores que explicam 55,46% da variância total dos dados. Os resultados mostram uma regulação autodeterminada, com alunos majoritariamente motivados intrinsecamente e extrinsecamente por regulação identificada revelando, portanto, uma motivação autônoma ou autodeterminada. Esses resultados revelam um padrão altamente favorável, pois associa-se fortemente a comportamentos de esforço, atenção, persistência, proatividade e emoções mais positivas.

Palavras-chave:
Orientações motivacionais; Ensino de física; Validação de escala psicométrica

Abstract

This study investigated motivational orientations of high school students related to Physics and sought to contribute to the deepening of the discussion about the proposition and validation of instruments of measures of psychological variables. The Motivation Scale: Didactic Activities of Physics (EMADF) was used to evaluate 1155 students. An exploratory factorial analysis was carried out followed by descriptive statistical analysis. Five factors explaining 55.46% of the total data variance were found. Results show a self-determined regulation, with students mostly intrinsically and extrinsically motivated by identified regulation, thus revealing an autonomous or self-determined motivation. These results reveal a highly favorable pattern, as it is strongly associated with effort, attention, persistence, proactivity and more positive emotions.

Keywords:
Motivational orientations; Physics teaching; Validation of psychometric scale

1. Introdução

A motivação para aprendizagem se caracteriza como um dos principais desafios enfrentados pelos professores em sala de aula. Estudos conduzidos nas últimas décadas reconhecem o processo motivacional como elemento essencial da aprendizagem e como fator decisivo do desempenho escolar dos estudantes [1J.A. Bzuneck, in: A Motivação do Aluno: Contribuições da Psicologia Contemporânea, editado por E. Boruchovitch e J.A. Bzuneck (Editora Vozes, Petrópolis, 2009). E. Boruchovitch, J.A. Bzuneck e S.E.R. Guimarães, Motivação para Aprender (Editora Vozes, Petrópolis, 2010), p. 254. M.L.M.F. Paiva e E. Boruchovitch, Psicol. Estud. 15, 381 (2010). M.G.M. Perassinoto, E. Boruchovitch e J.A. Bzuneck, Avaliação Psicológica 12, 351 (2013). R.L. Crestani, Motivação, Inteligência e Inteligência Emocional e Suas Relações com o Desempenho Acadêmico. Dissertação de Mestrado, Universidade do Vale do Sapucaí, 2015.-6M.A. Kaulfuss e E. Boruchovitch, Psicologia Escolar e Educacional 20, 321 (2016).]. A compreensão do processo motivacional se torna ainda mais importante com o avanço da idade e chegada à adolescência, uma vez que a motivação escolar tende a diminuir com o desenvolvimento, gerando menor engajamento dos alunos em suas atividades acadêmicas e, por conseguinte, um declínio no desempenho acadêmico dos mesmos.

Avanços significativos na compreensão da motivação dos alunos, nos últimos anos, advêm de estudos baseados na Teoria da Autodeterminação (SDT, do inglês Self-Determination Theory) desenvolvida por Edward L. Deci e Richard M. Ryan [7E.L. Deci and R.M. Ryan, Intrinsic Motivation and Self-Determination in Human Behavior (Plenum, New York, 1985). E.L. Deci, and R.M. Ryan, Journal of Research in Personality 19, 109 (1985). J. Reeve, E.L. Deci and R.M. Ryan, in: Big Theories Revisited, edited by D.M. McInerney and S. Van Etten (Information Age Press, Greenwich, 2004). R.M. Ryan and E.L. Deci, Contemp Educ Psychol 25, 54 (2000).-11R.M. Ryan, and E.L. Deci, American Psychologist 55, 68 (2000).]. A SDT defende uma visão organísmica do ser humano, isto é, de que todos os indivíduos apresentam uma orientação geral para o crescimento. Reconhece, também, que todos possuem capacidades que poderão ser desenvolvidas na medida em que encontrarem condições favoráveis que atendam às suas necessidades psicológicas básicas, ou seja, autonomia, competência e pertencimento, resultando em um desenvolvimento psicológico saudável.

A SDT prevê a existência de diferentes orientações motivacionais e busca compreender como as mesmas se relacionam com o desempenho acadêmico dos alunos e com as demais variáveis cognitivas, afetivas e sociais em contexto educacional [7E.L. Deci and R.M. Ryan, Intrinsic Motivation and Self-Determination in Human Behavior (Plenum, New York, 1985)., 9J. Reeve, E.L. Deci and R.M. Ryan, in: Big Theories Revisited, edited by D.M. McInerney and S. Van Etten (Information Age Press, Greenwich, 2004). R.M. Ryan and E.L. Deci, Contemp Educ Psychol 25, 54 (2000).-11R.M. Ryan, and E.L. Deci, American Psychologist 55, 68 (2000).]. Neste sentido, ao invés de considerar apenas a quantidade de motivação de um indivíduo, a Teoria da Autodeterminação concentra-se também em sua qualidade e postula a existência de duas categorias principais de motivação: intrínseca e extrínseca.

A motivação intrínseca ocorre quando um indivíduo se engaja em uma atividade por iniciativa própria, por achá-la interessante ou prazerosa. Pela sua natureza, caracteriza-se como a forma mais autônoma ou autodeterminada de motivação. Em contrapartida, a realização de tarefas tendo em vista o recebimento de recompensas externas de natureza diversa (sociais ou materiais), ou simplesmente para evidenciar habilidades caracterizam pessoas extrinsecamente motivadas [10R.M. Ryan and E.L. Deci, Contemp Educ Psychol 25, 54 (2000)., 11R.M. Ryan, and E.L. Deci, American Psychologist 55, 68 (2000).].

Inicialmente, essa perspectiva concebia uma relação dicotômica entre as duas formas de motivação, sendo que a autodeterminação estaria presente somente na motivação intrínseca. No entanto, o refinamento teórico, decorrente dos resultados de pesquisas empíricas, conduziu os autores a considerarem diferentes níveis de regulação da motivação extrínseca, em função do seu grau de autodeterminação, ou seja, o grau em que a regulação do comportamento está integrada ao self [8E.L. Deci, and R.M. Ryan, Journal of Research in Personality 19, 109 (1985)., 12E.L. Deci, R.J. Vallerand, L.G. Pelletier and R.M. Ryan, Educational Psychologist 26, 325, (1991)., 13R.J. Vallerand and M.R. Blais, Journal of Social Psychology 129, 365 (1989).], tornando-se um referencial teórico muito valioso para os estudos relacionados ao contexto acadêmico.

Neste continuum, são identificados quatro tipos de motivação extrínseca, que se diferenciam pelo seu nível de internalização e autonomia: externa, introjetada, identificada e integrada [7E.L. Deci and R.M. Ryan, Intrinsic Motivation and Self-Determination in Human Behavior (Plenum, New York, 1985). E.L. Deci, and R.M. Ryan, Journal of Research in Personality 19, 109 (1985).-9J. Reeve, E.L. Deci and R.M. Ryan, in: Big Theories Revisited, edited by D.M. McInerney and S. Van Etten (Information Age Press, Greenwich, 2004)., 12E.L. Deci, R.J. Vallerand, L.G. Pelletier and R.M. Ryan, Educational Psychologist 26, 325, (1991)., 14S.E.R. Guimarães e J.A. Bzuneck, Ciências & Cognição 13, 101 (2008)., 15E.L. Deci and R.M. Ryan, Psychological Inquiry 11, 227 (2000).]. A regulação externa é a forma mais básica e menos autônoma de motivação extrínseca, na qual a pessoa age para obter consequências externas positivas ou evitar punições. Na motivação extrínseca por regulação introjetada os comportamentos são regulados para evitar a culpa, ansiedade ou vergonha, de forma auto-protetora, ou ainda para transmitir uma imagem positiva aos outros, em busca da recompensa social. Na regulação identificada, os indivíduos se comportam em função do reconhecimento e da valorização atribuída a uma dada tarefa para o seu desenvolvimento pessoal, demonstrando maior senso de escolha e compromisso. Embora seja mais autônoma do que os dois estilos de regulação descritos anteriormente, o comportamento ainda está associado às suas consequências ou aos benefícios associados. Já a motivação extrínseca por regulação integrada ocorre quando a identificação e a valorização da tarefa estão presentes e assimiladas aos valores e necessidades do self [7E.L. Deci and R.M. Ryan, Intrinsic Motivation and Self-Determination in Human Behavior (Plenum, New York, 1985)., 12E.L. Deci, R.J. Vallerand, L.G. Pelletier and R.M. Ryan, Educational Psychologist 26, 325, (1991)., 14S.E.R. Guimarães e J.A. Bzuneck, Ciências & Cognição 13, 101 (2008)., 15E.L. Deci and R.M. Ryan, Psychological Inquiry 11, 227 (2000).].

Estudos revelam que os alunos intrinsecamente motivados apresentam melhores índices de desempenho acadêmico, são menos ansiosos, são avaliados pelos professores como sendo os alunos mais esforçados e que melhor aprendem, além de demonstrarem índices elevados de autoconceito acadêmico e autoconceito geral [16A.E. Gottfried, G.A. Marcoulides, A.W. Gottfried, P.H. Oliver and D.W. Guerin, International Journal of Behavioral Development 31, 317 (2007). A.W. Gottfried, A.E. Gottfried, C.R. Cook and P.E. Morris, Gifted Child Quarterly 49, 172 (2005).-18A.E. Gottfried, J.S. Fleming and A.W. Gottfried, Journal of Educational Psychology 93, 3 (2001).].

Ressalta-se, ainda, que a motivação por regulação identificada, integrada e a motivação intrínseca são combinadas para formar um grupo composto por formas autônomas de motivação, em contraposição ao grupo de motivação controlada, que inclui as regulações externa e introjetada. Os estudos nessa área indicam que quanto mais autônoma a motivação, melhores são os resultados acadêmicos, incluindo o uso de estratégias de processamento profundo de informações, além do relato de melhor bem-estar psicológico [11R.M. Ryan, and E.L. Deci, American Psychologist 55, 68 (2000)., 19W.S. Grolnick and R.M. Ryan, Journal of Educational Psychology 81, 143 (1989). M. Miserandino, Journal of Educational Psychology 88, 203 (1996).-21K.M. Sheldon and T. Kasser, Personality and Social Psychology Bulletin 24, 1319 (1998).].

Muito embora seja consenso entre os pesquisadores que a motivação intrínseca é mais apropriada para a aprendizagem, se comparada à motivação extrínseca, alguns estudiosos apontam a necessidade dessas duas orientações motivacionais coexistirem e serem complementares [10R.M. Ryan and E.L. Deci, Contemp Educ Psychol 25, 54 (2000)., 22S.E.R. Guimarães e E. Boruchovitch, Psicologia: Reflexão e Crítica 17, 143 (2004).]. É necessário reconhecer que nem todas as situações educacionais garantem que os alunos possam se engajar em tarefas acadêmicas unicamente por fatores intrínsecos, por isso os fatores internos e externos devem se inter-relacionar para produzir um desempenho orientado para uma motivação mais autônoma do aluno [23]M.R. Lepper, J.H. Corpus and S.S. Iyengar, Journal of Educational Psychology 97, 184, (2005)..

Em nosso meio, o interesse de pesquisadores pelo estudo da motivação para aprender no contexto educacional vem crescendo gradativamente. Embora esteja crescendo, a pesquisa nessa área ainda é relativamente incipiente, em todos os níveis de escolarização, mas, sobretudo, no Ensino Médio Regular e Técnico [1J.A. Bzuneck, in: A Motivação do Aluno: Contribuições da Psicologia Contemporânea, editado por E. Boruchovitch e J.A. Bzuneck (Editora Vozes, Petrópolis, 2009)., 2E. Boruchovitch, J.A. Bzuneck e S.E.R. Guimarães, Motivação para Aprender (Editora Vozes, Petrópolis, 2010), p. 254., 24F.A.P. Scacchetti, K.L. Oliveira e S.E. Rufini, Avaliação Psicológica 13, 297 (2014).].

Com base nas considerações acima, o presente estudo pretende contribuir para as investigações sobre as orientações motivacionais de estudantes do Ensino Médio Regular e Técnico Profissional, especialmente em relação à disciplina de Física. Essa escolha se justifica em função desta disciplina envolver, na maioria dos casos, atividades pedagógicas voltadas para o excesso de exercícios, do uso de algoritmos matemáticos em detrimento da compreensão de aspectos relacionados a conceitos, teorias, modelos, fenômenos ou processos físicos nelas envolvidos. Cria-se, com isso, uma lacuna entre os conteúdos trabalhados em sala de aula e a realidade dos alunos, o que gera um ambiente pouco favorável à curiosidade e ao interesse dos mesmos para a Física, variáveis essenciais à motivação para aprender. Neste contexto, é alarmante a queixa de professores sobre a falta de interesse e motivação dos alunos aos estudos da Física [25]L. Clement, Autodeteterminação e Ensino por Investigação: Construindo Elementos Para Promoção da Autonomia em Aulas de Física. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Santa Catarina, 2013..

Normalmente, as pesquisas sobre motivação são realizadas utilizando instrumentos de auto-relato [18A.E. Gottfried, J.S. Fleming and A.W. Gottfried, Journal of Educational Psychology 93, 3 (2001)., 23M.R. Lepper, J.H. Corpus and S.S. Iyengar, Journal of Educational Psychology 97, 184, (2005)., 26R.J. Vallerand, L.G. Pelletier, M.R. Blais, N.M. Briere, C. Senecal and E.F. Vallieres, Educational and Psychological Measurement 52, 1003 (1992). K.J. Smith, J.A. Davy and D.L. Rosenberg, Psychological Reports 106, 323 (2010).-28E.L. Deci, A.J. Schwartz, L. Sheinman and R.M. Ryan, Journal of Educational Psychology 73, 642 (1981).]. Surge, com isso, uma preocupação quanto aos instrumentos de avaliação utilizados com essa população, pois, em sua maioria, são provenientes de estudos locais ou regionais [2E. Boruchovitch, J.A. Bzuneck e S.E.R. Guimarães, Motivação para Aprender (Editora Vozes, Petrópolis, 2010), p. 254., 22S.E.R. Guimarães e E. Boruchovitch, Psicologia: Reflexão e Crítica 17, 143 (2004)., 25L. Clement, Autodeteterminação e Ensino por Investigação: Construindo Elementos Para Promoção da Autonomia em Aulas de Física. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Santa Catarina, 2013., 29L. Clement, J.F. Custódio, S.E. Rufini e J.P. Alves Filho, Revista Quadrimestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional 18, 45, (2014)., 30S.E.R. Guimarães, J.A. Bzuneck e E. Boruchovitch, Psicologia: Teoria e Pesquisa 19, 17, (2003).], o que gera a necessidade de serem mais bem investigados, sobretudo no que se refere à validação para a realidade brasileira [31Borsa, J.C., B.F. Damásio e D.R. Bandeira, Paidéia 22, 423 (2012)., 32L. Pasquali, Psicologia: Teoria e Pesquisa 23, 99 (2007).]. Dessa maneira, o presente trabalho pretende, também, contribuir com o aprofundamento da discussão acerca da proposição e validação de instrumentos de medidas de variáveis psicológicas, em seus aspectos mais amplos e à luz dos conceitos estabelecidos pela literatura da área de psicometria [31Borsa, J.C., B.F. Damásio e D.R. Bandeira, Paidéia 22, 423 (2012). L. Pasquali, Psicologia: Teoria e Pesquisa 23, 99 (2007).-33J.M. Bland and D.G. Altman, British Medical Journal 324, 606 (2002).].

2. Métodos

2.1. Aspectos Éticos

O presente estudo retrospectivo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de São Carlos (CAAE 51299015.3.0000.5504). Os cuidados éticos adotados seguiram o preconizado na Resolução 196/96 e complementares estabelecido pelo Conselho Nacional de Saúde. Os dados referentes aos participantes, bem como às instituições de origem dos mesmos foram mantidos anônimos.

2.2. Participantes

Participaram do presente estudo 1155 alunos regularmente matriculados em instituições de ensino dos estados de São Paulo e Minas Gerais, provenientes de 35 cidades distintas. Todas as coletas foram realizadas no Instituto de Física de São Carlos, da Universidade de São Paulo, quando da visita desses alunos à instituição para participação em um programa de Extensão da Universidade. Do total de alunos, 67% (N = 776) eram de escolas de Ensino Médio regular, enquanto os demais (33%, N = 379) eram alunos de escolas de Ensino Médio Técnico Profissional. As escolas foram agrupadas em pública (52%, N = 601), privada (15%, N = 175) e técnica (33%, N = 379). No que se refere à distribuição ao longo dos anos de curso, 17% (N = 201) estavam matriculados no 1° ano, 31% (N = 353) no 2° ano, 46% (N = 533) no 3° ano, e 6% (N = 68) no 4° ano. Dentre os participantes, 46% (N = 526) eram do sexo masculino, enquanto 54% (N = 629) eram do sexo feminino.

2.3. Instrumentos

Foi utilizada a Escala de Motivação: Atividades Didáticas de Física (EMADF), elaborada por Clement e colaboradores [25L. Clement, Autodeteterminação e Ensino por Investigação: Construindo Elementos Para Promoção da Autonomia em Aulas de Física. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Santa Catarina, 2013., 29L. Clement, J.F. Custódio, S.E. Rufini e J.P. Alves Filho, Revista Quadrimestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional 18, 45, (2014).]. Essa escala contém o questionamento inicial “Por que eu faço as atividades nas aulas de Física?”, seguido de um conjunto de 50 afirmativas representando o continuum proposto pela teoria da autodeterminação [7E.L. Deci and R.M. Ryan, Intrinsic Motivation and Self-Determination in Human Behavior (Plenum, New York, 1985)., 10R.M. Ryan and E.L. Deci, Contemp Educ Psychol 25, 54 (2000)., 11R.M. Ryan, and E.L. Deci, American Psychologist 55, 68 (2000).]. Cada afirmativa apresentada é seguida de uma escala, do tipo Likert, de cinco pontos (1 a 5), para que o participante indique seu grau de concordância.

A principal diferença entre a motivação intrínseca e a motivação integrada, diz respeito ao fato de que na primeira o indivíduo se engaja em uma tarefa pelo prazer e curiosidade que a mesma traz (ainda que não haja valor instrumental, em si, na tarefa), enquanto a segunda, corresponde ainda a um comportamento extrinsecamente motivado, porém autodeterminado e integrado à identidade do indivíduo. Muito embora existam diferenças claras, nesta escala não constam itens para avaliar a motivação extrínseca por regulação integrada, uma vez que, segundo os autores, as diferenças entre esta orientação motivacional e a motivação intrínseca são tênues, dificultando muito a elaboração precisa das afirmativas capazes de promover a distinção entre ambas as motivações [14S.E.R. Guimarães e J.A. Bzuneck, Ciências & Cognição 13, 101 (2008)., 29L. Clement, J.F. Custódio, S.E. Rufini e J.P. Alves Filho, Revista Quadrimestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional 18, 45, (2014).].

O levantamento das propriedades psicométricas da EMADF [29]L. Clement, J.F. Custódio, S.E. Rufini e J.P. Alves Filho, Revista Quadrimestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional 18, 45, (2014). revelou seis fatores: desmotivação (DESM), motivação extrínseca por regulação externa por recompensas sociais (RERS) e por regras e punições (RERP), introjetada (INTRO), identificada (IDENT) e motivação intrínseca (INTRI). No trabalho original [29]L. Clement, J.F. Custódio, S.E. Rufini e J.P. Alves Filho, Revista Quadrimestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional 18, 45, (2014)., os autores sugerem uma versão reduzida da EMADF composta por 28 afirmativas. Toda a análise estatística realizada no presente trabalho foi aplicada também a essa versão para verificar a consistência e viabilidade da redução do número de itens da escala.

2.4. Análise estatística

Os dados foram analisados utilizando o pacote SPSS Statistics 17.0 (IBM Corp., Armonk, NY, USA). Inicialmente, os dados foram testados para avaliar a adequação dos mesmos para utilização de análise fatorial exploratória (AFE). Para isso, o teste Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) foi utilizado e as amostras foram consideradas adequadas para valores maiores que 0,80. Os dados foram, então, submetidos à AFE com rotação ortogonal Varimax. Rotações ortogonais Quartimax e Equimax foram utilizadas para confirmar o agrupamento das questões. Um determinado item foi considerado para carga de um fator utilizando o valor de corte de 0,45, o que representa 20% de variância comum [34]B.G. Tabachnick and L.S. Fidell, Using Multivariate Statistics (Pearson, Boston, 2013).. Foram ainda realizadas análises de consistência interna dos dados utilizando medidas do alfa de Cronbach, seguidas, finalmente, de uma análise estatística descritiva.

3. Resultados

3.1. Análise fatorial (EMADF com 50 itens)

Os dados se mostraram adequados para a realização da AFE, uma vez que todas as variáveis apresentaram valores na diagonal da matriz de correlações de anti-imagem (> 0,78) bem maiores que o limite estabelecido de 0,50. Além disso, o KMO obtido para nossa amostra foi de 0,97. Finalmente, o teste de esfericidade de Bartlett foi altamente significativo χ2(1225) = 33436, p < 0,001), revelando a existência de relações de padrões entre os itens. A consistência interna dos itens do instrumento foi aferida pelo coeficiente alfa de Cronbach, sendo considerada adequada por apresentar, para a escala total, o valor de 0,84.

Utilizando o critério de Kaiser [35]H.F. Kaiser, Educational and Psychological Measurement 20, 141 (1960)., foram encontrados sete fatores com autovalor maior do que 1, que explicam 59,79% da variância dos dados. Analisando a distribuição dos itens nos fatores, verifica-se que, nesse caso, dois fatores não atendem aos critérios necessários (três itens por fator), sendo que um é composto por apenas dois itens e o outro por um único. De acordo com a literatura, isso só deve ser considerado em casos muito particulares [34]B.G. Tabachnick and L.S. Fidell, Using Multivariate Statistics (Pearson, Boston, 2013).. Além disso, os itens definidos para avaliação das motivações intrínseca e extrínseca por regulação identificada se agruparam em um único fator (dados não mostrados).

Para auxiliar na decisão de quantos fatores seriam definitivamente retidos, foi utilizado o scree test. A Figura 1 mostra o scree plot dos dados, revelando o ponto de inflexão logo após a componente cinco, mostrando que, nesse caso, apenas cinco fatores deveriam ser preservados. Considerando essa situação, os cinco fatores explicam 55,46% da variância total dos dados.

Figura 1
Scree plot obtido através da aplicação da AFE utilizando a versão completa do EMADF (com 50 itens). A seta mostra o ponto de inflexão do gráfico utilizado para definir o número de fatores a serem mantidos de acordo com o scree test.

A Tabela 1 mostra as cargas fatoriais após rotação Varimax usando um critério de significância para carga em um fator de 0,45. É importante mencionar que para o número de respondentes avaliados no presente estudo, o valor mínimo aceitável para esse critério de significância seria de 0,32 [36]J.F. Hair Jr, W.C. Black, B.J. Babin and R.E. Anderson, Multivariate Data Analysis (Prentice Hall, New Jersey, 2009).. A escolha por esse critério de corte mais alto se justifica pela facilidade na interpretação não ambígua das variáveis analisadas [37]A.G. Yong and S. Pearce, Tutorials in Quantitative Methods for Psychology 9, 79 (2013).. Se adotarmos um nível de significância mais baixo, algumas questões apresentam carga fatorial suficiente para se agrupar em mais de um fator, o que torna a interpretação complexa [34]B.G. Tabachnick and L.S. Fidell, Using Multivariate Statistics (Pearson, Boston, 2013).. Analisando as cargas fatoriais obtidas, pode-se notar que 70% dos valores podem ser considerados muito bom (> 0,63), enquanto quase 90% das cargas fatoriais podem ser consideradas boas (> 0,55) [34]B.G. Tabachnick and L.S. Fidell, Using Multivariate Statistics (Pearson, Boston, 2013).. Com esse nível de significância, três questões (Q06, Q29 e Q39) não apresentaram carga fatorial suficiente para serem consideradas. Muito embora suas maiores cargas fatoriais (0,36, 0,42 e 0,41, respectivamente) tenham sido superiores ao mínimo aceitável (> 0,32) para inclusão do item em um dos fatores obtidos pela análise fatorial, a utilização de um nível de significância mais baixo, que incluísse esses valores, implicaria em diferentes itens carregando mais de um fator. Exemplo disso é a própria questão Q39, que apresenta a mesma carga fatorial (0,41) para os fatores RERS e RERP. Esse resultado foi confirmado utilizando todas as rotações ortogonais.

Tabela 1
Cargas fatoriais após rotação e respectivo agrupamento dos itens avaliados em cada um dos fatores encontrados usando um critério de significância para carga em um fator de 0,45. Os índices de consistência interna (alfa de Cronbach) são mostrados para cada um dos fatores formados pelos itens avaliados.

Analisando o agrupamento das questões nos fatores e seguindo o proposto pelos elaboradores do instrumento, nomeamos cada um dos fatores, conforme mostrado na Tabela 1. Pode-se notar que os participantes do presente estudo não distinguiram claramente dois tipos de motivação, a intrínseca e a identificada. As demais questões se agruparam adequadamente nos tipos de motivação para as quais foram originalmente propostas. A única exceção foi a questão Q15, proposta originalmente para mensurar regulação externa por regras e punições, e que se agrupou, considerando nossos respondentes, no fator desmotivação.

A consistência interna nos cinco fatores da escala foi boa, com valores que variam de 0,73 para motivação extrínseca por regulação introjetada a 0,96 para o fator que combina motivação extrínseca por regulação identificada com motivação intrínseca. Os demais valores obtidos para cada um dos fatores estão mostrados na Tabela 1.

3.2. Análise fatorial (EMADF com 28 itens)

Os autores da EMADF sugerem, em seu trabalho original, que uma versão reduzida da mesma poderia ser utilizada como alternativa à versão analisada anteriormente com 50 itens, fornecendo resultados similares. A presente análise das propriedades psicométricas do instrumento, realizada através da AFE, quando considerados todos os itens propostos originalmente, se revela distinta do reportado pelos propositores do instrumento. Assim, optou-se por realizar uma análise similar, considerando a versão reduzida da EMADF para, com isso, se avaliar a consistência dos resultados do presente estudo frente às variações no instrumento.

Considerando apenas os 28 itens, verificou-se a adequação dos dados para realização da AFE. Assim, como no caso anterior, todas as variáveis apresentaram valores na diagonal da matriz de correlações de anti-imagem (> 0,75) bem maiores que o limite de 0,50. O KMO obtido para esse conjunto de dados foi 0,93, com teste de esfericidade de Bartlett altamente significativo (χ2(378) = 15165, p < 0,001).

Diferentemente do que foi encontrado quando se considerou todas as questões, na análise com um número reduzido de questões foram encontrados apenas cinco fatores com autovalor maior do que 1, que, nesse caso, explicam 59,46% da variância dos dados. Esse número de fatores a ser preservado foi confirmado pelo scree test. A Tabela 2 mostra as cargas fatoriais após rotação, usando o mesmo critério de significância de 0,45 para carga em um fator utilizado anteriormente. Analisando as cargas fatoriais obtidas, pode-se notar que existe uma sutil melhora quando se analisa a composição com menor número de itens. Além disso, nesse caso, todas as questões analisadas apresentaram carga fatorial suficiente para serem consideradas, incluindo a Q29 que, no caso anterior, não tinha atingido o nível de significância estabelecido. Quanto ao agrupamento das questões nos fatores, os resultados são muito similares ao obtido com a análise do instrumento completo, com uma junção dos itens relativos a avaliação das motivações intrínseca e identificada em um único fator e a migração da Q15 para o fator desmotivação.

Tabela 2
Cargas fatoriais após rotação e respectivo agrupamento dos itens avaliados em cada um dos fatores encontrados usando um critério de significância para carga em um fator de 0,45. Os índices de consistência interna (alfa de Cronbach) são mostrados para cada um dos fatores formados pelos itens avaliados.

O valor obtido para o coeficiente alfa de Cronbach, considerando a versão reduzida do instrumento, diminui ligeiramente para 0,73. Apesar disso, os dados ainda mostram boa consistência nos cinco fatores da escala, com valores que variam de 0,72 para motivação extrínseca regulada por recompensas sociais a 0,92 para o fator que combina motivação extrínseca por regulação identificada com motivação intrínseca. Os demais valores obtidos para cada um dos fatores estão descritos na Tabela 2.

3.3. Orientações motivacionais para atividades de física

Considerando os agrupamentos obtidos como resultado da AFE, foram investigadas as orientações motivacionais para atividades de física dos alunos participantes. Como o número de itens nos fatores é distinto, utilizou-se a média aritmética e seu respectivo desvio padrão para descrever o perfil motivacional. Os valores obtidos estão ilustrados na Figura 2.

Figura 2
Pontuação atribuída a cada um dos fatores identificados na AFE considerando a versão completa do EMADF (com 50 itens).

Pode-se observar que os participantes apresentaram um perfil de motivação majoritariamente autodeterminada, sendo a maior média obtida na avaliação das motivações intrínseca e extrínseca por regulação identificada (3,5 ± 0,9). Na sequência, aparecem a regulação externa por regras e punição (2,8 ± 1,1) e a motivação extrínseca por regulação introjetada (2,7 ± 1,1). As médias mais baixas foram para a motivação extrínseca por recompensas sociais (2,0 ± 0,9) e desmotivação (1,7 ± 0,8). Por consistência com os resultados obtidos no presente estudo, a média está sendo reportada com base nos agrupamentos em fatores e, portanto, as duas motivações que se agruparam não foram separadas. Se, entretanto, fosse levado em conta a distribuição dos itens para a descrição dos seis níveis do continuum de desenvolvimento da autodeterminação, os valores obtidos para motivação intrínseca e para motivação extrínseca por regulação identificada seriam, respectivamente, 3,2 ± 1,0 e 3,8 ± 0,9. Os valores médios obtidos para a análise com o número reduzido de questões são muito similares àqueles obtidos utilizando a escala completa e, portanto, serão suprimidos.

4. Discussão

As investigações sobre motivação são feitas, de modo geral, utilizando-se de instrumentos de auto-relato, propostos a partir de um determinado referencial teórico, sendo suas propriedades psicométricas avaliadas em estudos iniciais conduzidos pelos próprios propositores. Uma etapa importante na validação desses instrumentos diz respeito à aplicação do referido instrumento junto a populações distintas e em diferentes regiões do país, de modo a avaliar se suas características psicométrica se mantém, apesar desta diversidade, ou se eventuais alterações se mostram necessárias para o seu refinamento [1J.A. Bzuneck, in: A Motivação do Aluno: Contribuições da Psicologia Contemporânea, editado por E. Boruchovitch e J.A. Bzuneck (Editora Vozes, Petrópolis, 2009)., 32L. Pasquali, Psicologia: Teoria e Pesquisa 23, 99 (2007)., 33J.M. Bland and D.G. Altman, British Medical Journal 324, 606 (2002)., 38L.J. Cronbach, Fundamentos da Testagem Psicológica (Artes Médicas, Porto Alegre, 1996)., 39T. Oakland, Psicol. Esc. Educ. 1, 11 (1996).]. No presente trabalho, alunos do Ensino Médio responderam à EMADF, uma escala para avaliação do perfil motivacional para atividades de física, desenvolvida, originalmente, seguindo o modelo proposto pela SDT.

A análise original das propriedades psicométricas realizada por seus propositores sugere que a escala esteja apta a ser utilizada em outras investigações, para avaliação de seis das regulações motivacionais previstas no continuum da motivação, conforme proposto na SDT [29]L. Clement, J.F. Custódio, S.E. Rufini e J.P. Alves Filho, Revista Quadrimestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional 18, 45, (2014).. No presente estudo, os dados foram avaliados e se mostraram compatíveis com a realização da AFE [37A.G. Yong and S. Pearce, Tutorials in Quantitative Methods for Psychology 9, 79 (2013)., 40B.F. Damásio, Avaliação Psicológica 11, 213 (2012)., 41A.B. Costello and J.W. Osborne, Practical Assessment Research & Evaluation 10, 1 (2005), disponível em http://pareonline.net/getvn.asp?v=10&n=7.
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]. Apesar de um número relativamente grande de questões, o número de respondentes atende aos critérios mínimos mais rigorosos presentes na literatura no que se refere à razão respondente/questões [40]B.F. Damásio, Avaliação Psicológica 11, 213 (2012).. Utilizando-se o scree test, foram encontrados cinco fatores que explicam 55,46% da variância total dos dados, que representa um ganho de aproximadamente 7% quando comparado com o trabalho original. Além disso, a consistência interna das respostas, avaliada pelo alfa de Cronbach, revelou o mesmo comportamento dos valores reportados originalmente, com a RERP e INTRO apresentando os menores valores (0,75 e 0,73, respectivamente), enquanto INTRI/IDENT e DESM apresentaram valores considerados excelentes (> 0,90). É importante ressaltar que todos os valores obtidos são superiores ao encontrado na aplicação original.

A principal diferença encontrada, no presente trabalho, se refere ao fato de que apenas cinco fatores foram percebidos na amostra. A análise dos agrupamentos das questões nos fatores se mostrou, de certa maneira, consistente com o preconizado pela teoria que sustentou a proposição do referido questionário. A única exceção se deu em relação aos itens propostos para avaliar as motivações intrínseca e identificada, que se agruparam em um único fator. Para avaliar a distribuição dos itens nos fatores, de maneira a não permitir que ambiguidades pudessem dar origem a interpretações equivocadas, utilizou-se um critério de significância de 0,45 para carga em um determinado fator [37]A.G. Yong and S. Pearce, Tutorials in Quantitative Methods for Psychology 9, 79 (2013).. Isso foi feito porque com os níveis de significância mínimos aceitáveis descrito na literatura (> 0,32), algumas questões apresentaram carga fatorial em mais de um fator. Essa condição é denominada carregamento cruzado e deve ser avaliada cuidadosamente [41]A.B. Costello and J.W. Osborne, Practical Assessment Research & Evaluation 10, 1 (2005), disponível em http://pareonline.net/getvn.asp?v=10&n=7.
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. Dependendo do desenho do estudo, essa variável complexa, que apresenta carregamento cruzado em mais de um fator, pode até ser mantida, com a hipótese de que essa é uma característica latente da própria variável. Entretanto, esse não é o caso quando da proposição/validação de um instrumento psicométrico em que se supõe que cada item avalie exclusivamente um determinado fator. Nesse contexto, a interpretação de casos de carregamento cruzado se torna complexa, particularmente considerando um instrumento de auto-relato e, portanto, deve ser evitada [34]B.G. Tabachnick and L.S. Fidell, Using Multivariate Statistics (Pearson, Boston, 2013)..

Esse, inclusive, é um ponto de extrema relevância no que se refere à proposição de novos instrumentos de avaliação e se mostra, frequentemente, negligenciado. É cada vez mais comum encontrar trabalhos que utilizam os limites mínimos descritos na literatura na análise das propriedades psicométricas dos instrumentos propostos. Considerando, explicitamente, o caso da análise fatorial exploratória como exemplo, boa parte dos instrumentos propostos e ditos validados, disponíveis na literatura nacional, adota o valor de 0,32 como referência para carga de um item em um determinado fator. Muito embora seja consenso entre os autores das áreas de psicometria e estatística de que esse seja o limiar de corte para carga em um fator, esse valor é comumente reportado como pobre [34B.G. Tabachnick and L.S. Fidell, Using Multivariate Statistics (Pearson, Boston, 2013)., 37A.G. Yong and S. Pearce, Tutorials in Quantitative Methods for Psychology 9, 79 (2013)., 42K.Y. Hogarty, C.V. Hines, J.D. Kromrey, J.M. Ferron and K.R. Mumford, Educational and Psychological Measurement 65, 202 (2005)., 43R.C. MacCallum, K.F. Widaman, S.B. Zhang and S.H. Hong, Psychological Methods 4, 84 (1999).]. Uma análise simples do conceito de carga fatorial deixa claro a razão para essa definição. A carga fatorial representa a correlação entre as variáveis originais e os fatores. Tomando o quadrado dessas cargas fatoriais, obtém-se o percentual da variância na variável original que pode ser explicado pelo fator. Assim, uma carga fatorial de 0,32 revela que apenas 10% da variância das variáveis pode ser explicada pelo fator no qual ela carrega. Considerando, de maneira mais ampla, todos os preceitos relacionados a validação de testes na área de psicologia, propor um instrumento que desde sua criação possui propriedades psicométricas pobres contribui para a questão ampla e seriamente discutida de que um teste é válido em uma situação e não em outra [32]L. Pasquali, Psicologia: Teoria e Pesquisa 23, 99 (2007)..

É importante ressaltar que a EMADF é a única escala proposta para avaliar o perfil motivacional de alunos do ensino médio para atividades de física da qual temos conhecimento e, por essa razão, dispensa comentários acerca de sua relevância. Entretanto, no que se refere às propriedades psicométricas descritas no trabalho original, nota-se que 24% das questões propostas possuem cargas fatoriais abaixo da faixa considerada razoável (> 0,45). Destas, oito estão no fator que representa a motivação identificada que, no presente estudo, se agrupou com as questões para avaliação de motivação intrínseca. Esse número representa 73% das questões propostas para esse fator. As cargas fatoriais dos itens agrupados nesse estudo, motivação intrínseca e identificada, são todas consideradas boas (> 0,55), o que reforça o agrupamento encontrado.

No trabalho original, os autores sugerem uma versão reduzida da escala, que teria a vantagem de ser menos cansativa para os respondentes, além de manter um maior equilíbrio entre a quantidade de questões utilizadas para avaliação de cada uma das regulações motivacionais. A análise acerca da adequação para utilização da AFE e os resultados de aplicação da mesma mostraram resultados muito semelhantes, sugerindo que, de fato, uma versão reduzida pode ser considerada. Entretanto, assim como encontrado na versão estendida, o agrupamento das respostas em fatores não permitiu distinção entre as motivações intrínseca e identificada. Mais uma vez, a análise estatística sugere consistência nesse agrupamento.

Os itens agrupados se referem a regulações muito próximas no continuum da motivação e, portanto, não representam nenhuma grande violação ao referencial teórico. A discrepância encontrada com relação ao estudo original pode estar relacionada ao fato de que pequenas flutuações na população de respondentes podem interferir nas propriedades psicométricas do instrumento, uma vez que, em sua proposição, foram mantidos itens que não apresentaram representação estatística suficientemente robusta. Torna-se, portanto, necessário que estudos futuros, com diferentes populações, retomem a análise dessas propriedades psicométricas com o intuito de contribuir para a validação ou melhoria da referida escala. Fica, entretanto, como sugestão, que critérios estatísticos mais rigorosos sejam considerados em todos os estudos que se seguirem, cujo objetivo principal seja propor ou validar um instrumento para medidas psicológicas, contribuindo, assim, para a confiabilidade e consistência do mesmo.

No que se refere à análise do perfil motivacional para atividades de física, os resultados mostram uma regulação autodeterminada, com alunos majoritariamente motivados intrinsecamente e extrinsecamente por regulação identificada revelando, portanto, uma motivação autônoma ou autodeterminada. Na literatura, dados similares são encontrados para alunos do Ensino Médio [24F.A.P. Scacchetti, K.L. Oliveira e S.E. Rufini, Avaliação Psicológica 13, 297 (2014)., 44L. Clement, J.F. Custódio y J.P. Alves Filho, Revista Electrónica de Investigación en Educación en Ciencias 9, 84 (2013).], apesar de alguns estudos mostrarem que a qualidade da motivação parece reduzir com o passar dos anos de escolaridade, pelo menos quando se considera os anos do Ensino Fundamental [23M.R. Lepper, J.H. Corpus and S.S. Iyengar, Journal of Educational Psychology 97, 184, (2005)., 45S.E. Rufini, J.A. Bzuneck e K.L. Oliveira, Paidéia 22, 53 (2012).]. Esses resultados revelam um padrão altamente favorável, pois associa-se fortemente a comportamentos de esforço, atenção, persistência, proatividade e emoções mais positivas [46]J.A. Bzuneck, e S.E.R. Guimarães, in Motivação Para Aprender: Aplicações no Contexto Educativo, editado por E. Boruchovitch, J.A. Bzuneck e S.E.R. Guimarães (Vozes, Petrópolis, 2010).. Mais especificamente no que se refere a alunos de Ensino Médio, a motivação autônoma parece se associar, ainda, à maior disposição dos adolescentes em permanecerem na escola [47R.J. Vallerand, M.S. Fortier and F. Guay, Journal of Personality and Social Psychology 72, 1161 (1997)., 48P.L. Hardre and J. Reeve, Journal of Educational Psychology 95, 347 (2003).].

Alinhado aos esforços dos pesquisadores no Brasil que, na última década, vêm sistematicamente trabalhando para o crescimento conceitual e metodológico sobre a motivação para aprender [2]E. Boruchovitch, J.A. Bzuneck e S.E.R. Guimarães, Motivação para Aprender (Editora Vozes, Petrópolis, 2010), p. 254., espera-se que esse estudo possa contribuir não somente para a ampliação dos dados de pesquisa relativos à descrição do perfil motivacional dos alunos, mas também para o desenvolvimento metodológico da área, sobretudo no que se refere às decisões relativas às análises estatísticas envolvidas. Entende-se que o desenvolvimento e refinamento conceitual de uma determinada área de conhecimento requer não somente o investimento de esforços na sua elaboração conceitual e teórica, mas também na construção de metodologias e instrumentos que favoreçam reciprocamente o avanço e aprimoramento do seu conhecimento científico [49]P.R. Pintrich, in: Handbook of Self-Regulation, edited by M. Boekaerts, P.R. Pintrich and M. Zeidner (Academic Press, San Diego, 2000)..

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2017
  • Aceito
    20 Jan 2018
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