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O pêndulo invertido sob diferentes perspectivas

The inverted pendulum under different perspectives

Resumo

Três diferentes explanações sobre o fenômeno da oscilação invertida de um pêndulo com pivô verticalmente forçado são apresentadas. Duas destas abordagens estão descritas na literatura e uma compilação de resultados é apresentada, enquanto que a terceira visa estimular estudantes a associarem ferramentas matemáticas com a descrição do fenômeno físico observado, em uma busca de quantificá-lo, mesmo que de modo aproximado. A possibilidade de separação em distintas escalas de tempo de um único fenômeno factível em sala de aula torna-se muito nítida, sendo a utilidade e as limitações desse tipo de descrição temporalmente escalonada explicitadas. Ao término da apresentação das diferentes explanações alguns resultados numéricos são comparados com a terceira abordagem, trazendo a realidade atual de investigação científica: as simulações computacionais. Trata-se de uma oportunidade ímpar para estudantes terem contato com ferramentas matemáticas diversas tendo a intuição física guiando suas aplicações.

Palavras-chave:
equação de Mathieu; potencial médio; série aproximativa; escala temporal

Abstract

Three different explanations for the phenomenon of inverted oscillation of a pendulum with vertically forced pivot are presented. Two of these approaches are present in the literature and a compilation of results have been presented, while a third one aims to stimulate students to associate mathematical tools with the description of the observed physical phenomenon, searching for a quantification, even approximated. The possibility of separating into different time scales of a single phenomenon feasible in the classroom becomes very clear, and the utility and limitations of this type of description are exposed. At the end of the presentation of the different explanations some numerical results are compared with the third approach, bringing the current reality of scientific research: computational simulations. It is an unparalleled opportunity for students to come in contact with diverse mathematical tools with physical intuition guiding their applications.

Keywords:
Mathieu equation; average potential; aproximating series; temporal scales

1. Introdução

Uma barra vertical suspensa em uma de suas extremidades com a possibilidade de girar em torno do ponto de suspensão constitui um pêndulo físico, sendo o ponto de suspensão denominado pivô. Quando a barra assim suspensa é perturbada de sua posição de equilíbrio inicia-se um processo de oscilação amortecida até que ela, após um certo intevalo de tempo, retorne novamente à posição inicial de repouso.

Embora a oscilação acima descrita seja comum e o pêndulo físico se constuitua em um problema de estudo padrão no ensino de Física, pouco se fala sobre o fato de que um forçamento periódico do pivô na direção vertical pode fazer com que o pêndulo físico venha a se equilibrar na posição invertida. Dito de outra maneira, a oscilação periódica do pivô na direção vertical pode, sob certas condições, gerar mais um ponto de equilíbrio estável para o pêndulo físico, no qual o amortecimento da oscilação o fará parar de oscilar quando seu centro de massa ficar acima do pivô oscilante.

O problema da inversão de um pêndulo por meio da excitação de seu pivô já foi largamente estudado [1][1] F.M. Phelps III and J.H. Hunter Jr., American Journal of Physics 33, 285 (1965)

[2] E.I. Butikov, American Journal of Physics 69, 755 (2001)

[3] G. J. Mata, E. Pestana, European Journal of Physics 25, 717 (2004)

[4] H.P. Kalmus, American Journal of Physics 38, 874 (1970)

[5] L. Blitzer, American Journal of Physics 33, 1076 (1965)

[6] E.D. Yorke, American Journal of Physics 46, 285 (1978)

[7] D.J. Ness, American Journal of Physics 35, 964 (1967)
-[8][8] A.B. Pippard, European Journal of Physics 8, 203 (1987), porém pouco divulgado no âmbito de revistas de livre acesso no idioma português. Pretende-se que este trabalho seja de valia no sentido de divulgar e incentivar o estudo deste sistema simples e de fácil construção que permite abordar temas tão complexos quanto a aproximação de regimes dinâmicos por separação de escalas de tempo características [2[2] E.I. Butikov, American Journal of Physics 69, 755 (2001),3[3] G. J. Mata, E. Pestana, European Journal of Physics 25, 717 (2004)], tal qual acontece nas descrições de modos ro-vibracionais de moléculas [9][9] R. Eisberg, R. Resnick, Física Quântica: átomos, moléculas, sólidos, núcleos e partículas, (Elsevier Editora Ltda, Rio de Janeiro, 1979), cap. 12..

Desse modo a obtenção do intervalo de parâmetros de forçamento do pivô que levam o pêndulo a estabilizar-se na posição invertida fez-se objeto de estudo deste trabalho, na intenção de aproveitar um sistema simples para abordar diferentes técnicas físico-matemáticas. Uma oscilação senoidal foi imposta ao pivô, com amplitude e frequência conhecidas, e então algumas abordagens analíticas para o regime de pequenas oscilações do pêndulo no entorno da posição invertida foram construídas.

No que segue, primeiramente formaliza-se o problema com a obtenção da equação de movimento do pêndulo com pivô forçado verticalmente. Então a solução dessa equação é abordada seguindo as referências [1][1] F.M. Phelps III and J.H. Hunter Jr., American Journal of Physics 33, 285 (1965) e [2][2] E.I. Butikov, American Journal of Physics 69, 755 (2001). O uso destas referências como base de comparação de resultados a serem aqui apresentados justifica-se pela forma didática com que o problema é por elas tratado. Na referência [1][1] F.M. Phelps III and J.H. Hunter Jr., American Journal of Physics 33, 285 (1965) encontra-se o rigor matemático sob uma descrição clara e reprodutível (com algum esforço) que, embora forneça uma forma de trabalho deslocada da física do problema e que dificilmente poderia ser abordada em um curso regular de graduação, possui como benefício ser um exemplo de exposição de um assunto complexo de maneira muito objetiva. Já na referência [2][2] E.I. Butikov, American Journal of Physics 69, 755 (2001) a física do problema é invocada no decorrer de toda a resolução e as aproximações são usadas de maneira bastante intuitiva, explicitando-se as motivações que levam a adotá-las, tornando a matemática envolvida extremamente simples.

Em seguida a este resgate de resultados da literatura ao presente objeto de estudo, dá-se uma abordagem analítica diferenciada ao pêndulo invertido e que tem a pretensão de misturar algumas das qualidades observadas nas referências Phelps-Hunter [1][1] F.M. Phelps III and J.H. Hunter Jr., American Journal of Physics 33, 285 (1965) e Butikov [2][2] E.I. Butikov, American Journal of Physics 69, 755 (2001). Tal abordagem baseou-se na referência [10][10] N.W. McLachlan, Theory and application of Mathieu functions, (Dover Publications, Inc., New York, 1964)., onde o uso de ferramentas matemáticas básicas com uma metodologia aproximativa não desvinculada da física pretende gerar reflexões a respeito da forma como fatos experimentais podem guiar a obtenção da solução de problemas levemente sofisticados, mesmo que estas soluções sejam aproximadas e limitadas. Com esta terceira abordagem ao mesmo problema, espera-se construir a confiança de que abordagens limitadas não são sinônimos de incapacidade de construção de resultados quantitativamente corretos, sensação esta muito presente no início da graduação em física, onde “tudo é aproximado”.

Ao término do trabalho alguns resultados de simulações numéricas são comparados com as previsões da terceira das abordagens dadas ao pêndulo invertido no que diz respeito às combinações dos parâmetros amplitude e frequência capazes de estabilizar a posição invertida, tecendo-se em seguida as considerações finais.

2. Revisando resultados

2.1. A equação de movimento

Seja um pêndulo físico constituído por uma barra de comprimeto L e massa m, presa em uma de suas extremidades a um pivô que se desloca na direção vertical segundo a função

(1) y 0 ( t ) = a cos ( ω t ) ,

onde y0 designará, a partir de agora, a posição do pivô em um sistema coordenado com eixo x horizontal, eixo y vertical e origem no ponto médio de oscilação do pivô, conforme ilustrado na Figura 1. Serão investigadas as condições sobre os parâmetros de forçamento do pivô, a saber a amplitude a e a frequência ω, capazes de produzir a estabilidade invertida do pêndulo.

Figura 1
Sistema de coordenadas e grandezas importantes para estabelecimento do problema em estudo.

A equação de movimento será obtida a partir da Lagrangiana do sistema. Sendo assim, segue-se a obtenção das energias cinética e potencial como função do tempo e da posição do pêndulo.

A energia cinética é dada por:

(2) T = 1 2 m x ˙ 2 + y ˙ 2 + 1 2 I 0 θ ˙ 2

sendo (x,y) as coordenadas do centro de massa da barra, θ o ângulo de deflexão da barra, contado no sentido horário a partir do eixo y positivo, e I0 o momento de inércia em relação ao centro de massa. Está sendo usada a notação β˙ para indicar a derivada temporal da variável β. Seja notado também que a rigidez da barra e a fixação de um de seus extremos no pivô impõem que os ângulos de rotação em torno de seu centro de massa e de rotação em torno do pivô sejam idênticos, o que permite expressar a energia cinética de rotação conforme indicado na equação (2).

As coordenadas (x,y) do centro de massa da barra estão relacionadas ao ângulo de deflexão θ por meio das expressões:

x = l sen θ y = y 0 + l cos θ

em que l(=L/2) é a distância do centro de massa da barra até o pivô. Com isso a energia cinética total pode ser escrita como função do ângulo θ

T = 1 2 m y ˙ 0 2 + 1 2 I θ ˙ 2 m l θ ˙ y ˙ 0 sen θ

onde I=ml2+I0 é o momento de inércia do pêndulo em relação ao pivô.

Por sua vez, a energia potencial é dada por:

V = m g y = m g y 0 + m g l cos θ .

De posse das expressões para as energias cinética e potencial, escreve-se a Lagrangiana L=TV do sistema conforme segue

L = 1 2 m y ˙ 0 2 + 1 2 I θ ˙ 2 m l θ ˙ y ˙ 0 sen θ m g y 0 m g l cos θ

e a equação de movimento resultante da aplicação da relação de Euler-Lagrange ddtLθ˙Lθ=0, após rearranjo, fica dada por

I m l θ ¨ y ¨ 0 + g sen θ = 0 .

Uma vez que a posição do pivô é dada pela equação (1), pode-se reescrever a equação de movimento acima sob a seguinte forma

(3) θ ¨ + ω 0 2 + a l m ω 2 I cos ω t sen θ = 0

onde foi definida a grandeza

ω 0 2 m g l I

que corresponde à frequência natural do pêndulo em sua posição ordinária. (Notar que esta equação de movimento não se reduz ao caso do pêndulo simples quando a amplitude de oscilação do pivô é igualada a zero. Isso ocorre porque o ângulo de deflexão do pêndulo foi tomado a partir da direção vertical para cima.)

2.2. Resultados da abordagem dada por Phelps-Hunter [1][1] F.M. Phelps III and J.H. Hunter Jr., American Journal of Physics 33, 285 (1965)

Para pequenos desvios da posição vertical invertida tem-se θ1 e vale a aproximação senθθ. Nesse caso a equação de movimento (3) é reescrita como

(4) θ ¨ + ω 0 2 + a l m ω 2 I cos ω t θ = 0 .

Uma troca de variáveis nesta equação permite reconhecê-la como a equação de Mathieu, uma equação diferencial bastante estudada e aplicável em diferentes contextos [10][10] N.W. McLachlan, Theory and application of Mathieu functions, (Dover Publications, Inc., New York, 1964).. A troca a ser proposta consiste em tornar o tempo adimensional por meio da definição da nova variável τ

τ ω 2 t

e das constantes auxiliares, também adimensionais, θ0 e θ1

(5) θ 0 4 ω 0 2 ω 2
(6) θ 1 2 a l m I .

A substituição destas definições na equação (4) permite reexpressá-la conforme segue

(7) d 2 θ d τ 2 + θ 0 + 2 θ 1 cos 2 τ θ = 0

cuja solução pode ser construída a partir da seguinte representação em série

(8) θ ( τ ) = e i λ τ n = b n e 2 i n τ .

Quando esta série é substituída na equação (7), um rearranjo de termos e o uso da identidade 2cos2τ=e2iτ+e2iτ permite reescrevê-la conforme segue

(9) n = { θ 1 b n 1 + [ θ 0 ( λ + 2 n ) 2 ] b n + θ 1 b n + 1 } e i ( 2 n + λ ) τ = 0 .

A equação (9) só será satisfeita para um τ arbitrário se cada um dos coeficientes for identicamente nulo. Desse modo é obtida a seguinte relação de recorrência entre os coeficientes bn's

(10) θ 1 b n 1 + C n b n + θ 1 b n + 1 = 0

tendo sido definida a constante auxiliar Cn

C n θ 0 2 n + λ 2

lembrando que n assume qualquer valor inteiro, positivo ou negativo.

Uma forma de determinar os coeficientes bn em aproximações sucessivamente mais precisas é obtida pela separação da equação de recorrência (10) em dois grupos, os que possuem n>0 e os que possuem n<0. A rápida convergência da série permite assumir que após um dado |n|N, sendo N um valor máximo de |n| que depende do grau de precisão desejado na determinação dos coeficientes bn, pode-se desprezar o termo bn+1 na recorrência (10) frente ao bn e bn1. Essa hipótese leva às seguintes representações dos coeficientes bn, |n|<N, na forma de frações continuadas

b n = θ 1 b n 1 C n θ 1 2 C n + 1 θ 1 2 C n + 2 ; n > 0 b n = θ 1 b n + 1 C n θ 1 2 C n 1 θ 1 2 C n 2 ; n < 0

Note-se que, sendo cada fração continuada de recorrência regressiva, ambas dependerão da deternação do coeficiente b0 que, por sua vez, ficará arbitrário para ajuste de condições iniciais. Esse fato pode ser verificado quando tenta-se substituir b1 e b1, conforme frações acima indicadas, na equação (10) com n=0. Como consequência do cancelamento do coeficiente b0 na equação (10) resta um polinômio a ser resolvido em λ, o que, por sua vez, fornecerá este último valor a ser determinado para completar a solução. Escolhe-se 0λ1, caso exista solução real.

Notando que em uma primeira aproximação o polinômio a ser resolvido em λ é de ordem 6, cabe explicitar que Phelps-Hunter [1][1] F.M. Phelps III and J.H. Hunter Jr., American Journal of Physics 33, 285 (1965) também trazem o seguinte resultado para obtenção de λ, após um certo trabalho algébrico sob as aproximações θ01 e θ11

(11) sen 2 π 2 λ = π 2 4 2 a 2 l 2 m 2 I 2 4 ω 0 2 ω 2

equação esta mais simples de ser resolvida que o polinômio oriundo das aproximações dos coeficientes bn, ainda, fornecendo a possibilidade de continuidade do trabalho analítico a respeito da análise de possibilidade de estabilidade invertida.

Ao término da determinação dos coeficientes bn e λ, cabe ressaltar que a solução física será somente a parte real da série (8).

A solução em série dada pela equação (8) resultará em um movimento oscilatório somente se o λ, dado pela equação (11), for real. Essa exigência impõe que

0 < sen 2 π 2 λ < 1

que, por sua vez, usando-se a equação (11) e fazendo-se um rearranjo na desigualdade, implica os limites inferior e superior da amplitude de oscilação (a) em função da frequência de forçamento (ω), para que haja estabilidade invertida do pêndulo

(12) 2 I m l 2 ω 0 ω < a l < 2 I m l 2 ω 2 + π 2 ω 0 2 π ω .

Seja notado que a série solução, equação (8), quando λ é real, corresponde a uma função que oscila lentamente (eiλτ) modulando uma outra parte que oscila mais rapidamente (n=bne2inτ). Fisicamente é exatamente isso que acontece: quando o pêndulo oscila na posição invertida há uma “tremulação rápida” da barra, gerada pela excitação do pivô, enquanto ela mesma oscila “lentamente” no entorno daquela posição invertida, sendo o tempo de uma oscilação completa da barra muito maior que o tempo da “tremulação”. Essa separação temporal permite quantificar os termos “rápido” e “lento” neste contexto.

A Figura 2 apresenta a evolução temporal (numérica) de θ(τ) obtida com o método de Runge-Kutta de quarta ordem aplicado à equação de Mathieu, equação (7), condições iniciais θ(0)=0.1 e θ(0)=0 e parâmetros θ0=2×103 e θ1=0.2. Estes parâmetros correspondem a um pêndulo constituído de uma barra pivotada de comprimento 10 cm, amplitude de oscilação de 6 mm e frequência de oscilação do pivô 86 Hz. Juntamente com o resultado da simulação (linha sólida) apresenta-se a posição do pivô com o tempo (linha pontilhada preta) e uma oscilação puramente senoidal (linha tracejada vermelha), tornando possível visualizar que o movimento completo do pêndulo invertido é, de fato, composto de dois movimentos com escalas temporais distintas.

Figura 2
Simulação numérica da oscilação invertida do pêndulo (linha sólida preta) - parâmetros indicados no texto. A oscilação “lenta” (linha tracejada vermelha) é moduladora de uma oscilação “rápida” (linha pontilhada preta), conforme sugerido pela representação em série da solução analítica da equação de Mathieu, equação (8).

2.3. Resultados da abordagem dada por Butikov [2][2] E.I. Butikov, American Journal of Physics 69, 755 (2001)

Enquanto Phels e Hunter [1][1] F.M. Phelps III and J.H. Hunter Jr., American Journal of Physics 33, 285 (1965) tratam de apresentar a equação de movimento e resolvê-la, Butikov [2][2] E.I. Butikov, American Journal of Physics 69, 755 (2001) aborda o problema primeiro de um ponto de vista qualitativo para, posteriormente, quantificá-lo, à maneira do que será apresentado a seguir.

Em um dado instante do movimento do pêndulo este formará um ângulo θ com a vertical e o pivô estará sendo acelerado no sentido do eixo y negativo. Com um pouco de esforço imaginativo, nota-se que tal aceleração irá provocar um decréscimo no módulo do ângulo θ. Caso a aceleração do pivô seja no sentido oposto haverá um acréscimo do módulo deste ângulo. Se a amplitude a de oscilação do pivô for muito menor que a distância l do centro de massa da barra até o pivô (al) faz-se intuitivo esperar que os desvios ocasionados no ângulo θ, devido a essas acelerações harmônicas do pivô, sejam bem pequenos. Desse modo, o ângulo θ do pêndulo pode ser decomposto em duas componentes

θ = ψ + δ

onde a componente ψ representará a oscilação lenta do pêndulo (lembrando o termo eiλτ do método anterior) e a componente δ gerará pequenos desvios no entorno deste ψ (lembrando o somatório).

Ainda em um exercício imaginativo sobre o pêndulo oscilando aos arredores da posição invertida, cabe notar que as deflexões δ em torno do angulo ψ são tanto maiores quanto mais afasta-se da posição de equilíbrio invertida. Não é errôneo expressar matematicamente esta observação sob a seguinte proporção: δsenψ.

Unindo estas informações a respeito do desvio δ como função de ψ (pequeno e proporcional a sen ψ) e, ainda, sabendo que ele é gerado exclusivamente pela oscilação do pivô, arbitra-se que sua dependência temporal possa ser escrita como

(13) δ = a l sen ψ cos ω t

cuja validação se dá a posteriori, por meio da comparação dos resultados teóricos decorrentes desta hipótese com resultados de simulações numéricas.

Em um referencial não-inercial fixo ao pivô (neste referencial o pivô permanece fixo), o centro de massa da barra oscilante sofre um torque, doravante denominado torque inercial (τi), com frequência e amplitude diretamente relacionadas à frequência e amplitude de oscilação do referencial (que são propriamente a frequência e amplitude de oscilação do pivô do ponto de vista do referencial inercial em que a análise estava ocorrendo anteriormente). Em um dado tempo t, em que o ângulo de deflexão do pêndulo seja θ, este torque inercial será expresso como

(14) τ i = ( m y ¨ 0 ) l sen θ = m a l ω 2 sen θ cos ω t .

Uma vez que θ=ψ+δ, tem-se a relação

sen θ = sen ψ + δ = sen ψ cos δ + sen δ cos ψ

e, como δal sendo al, então conclui-se que δ1 e valem as aproximações senδδ e cosδ1, gerando o resultado também aproximado para θ

(15) sen θ sen ψ + δ cos ψ .

Quando este valor para senθ é substituído na equação para o torque inercial, equação (14), e usa-se a proposta de dependência temporal do desvio δ dada pela equação (13), obtém-se

τ i = m a l ω 2 sen ψ cos ω t 1 a l cos ψ cos ω t .

Seja observado nesta expressão para o torque inercial o comportamento variável, ora como torque restaurador (quando cosωt<0), ora como um que não o é (quando cosωt>0). Apesar disto, em uma média sobre um período de oscilação do pivô é de se esperar que ele seja restaurador pois a posição invertida é observada estável.

Assumindo que ωω0, de modo que durante um período de oscilação do pivô o ângulo ψ possa ser considerado constante, obtém-se a seguinte expressão para o torque inercial médio neste período1 1 Nesta seção os valores médios serão tomados sobre o período de oscilação do pivô (T=2π/ω), sendo dados pela seguinte expressão: f=1T∫tt+Tf(t′)dt′ .

τ i = m a 2 ω 2 2 sen ψ cos ψ

ou

(16) τ i = m a 2 ω 2 4 sen 2 ψ

que é um torque restaurador, conforme esperado (aqui acontece a separação de escalas temporais).

Em contrapartida, o torque gravitacional (τg) em qualquer dos referenciais, inercial ou não, é dado por:

τ g = m g l sen θ τ g m g l sen ψ m g a 2 sen 2 ψ cos ω t

onde foram usadas as expressões (13) e (15). O valor médio deste torque em um período de oscilação do pivô é dado por:

(17) τ g = m g l sen ψ

Neste ponto fica evidente que o equilíbrio invertido do pêndulo só ocorrerá quando a inequação

(18) | τ i | > | τ g |

for satisfeita. Substituindo as expressões obtidas para os torques médios, equações (16) e (17), na inequação (18), é obtida a seguinte amplitude mínima de forçamento para uma dada frequência do pivô, como requisito para produzir a inversão

(19) a l > 2 I m l 2 ω 0 ω .

É interessante notar que, embora a análise provida por Butikov [2][2] E.I. Butikov, American Journal of Physics 69, 755 (2001) não seja tão rigorosa quanto aquela dada por Phelps-Hunter [1][1] F.M. Phelps III and J.H. Hunter Jr., American Journal of Physics 33, 285 (1965), o mesmo resultado para o limite inferior de a é obtido caso tenha-se um pêndulo simples com pivô excitado, ou seja, caso I=ml2 nas equações (12) e (19).

Observando que nesta abordagem não houve a restrição da dinâmica a pequenas deflexões θ, pode-se obter outro dado valioso desta abordagem: os ângulos de equilíbrio instável (ψM), ângulos em que os torques inercial e gravitacional se igualam e o pêndulo pode seguir, arbitrariamente, para sua posição invertida ou ordinária. Tal ângulo é obtido a partir da condição

| τ i | = | τ g |

que, quando substituídas as expressões respectivas para τi, equação (16), e τg, equação (17), fornecem o seguinte valor para ψM:

ψ M = arccos 2 I m l 2 l a ω 0 ω 2 .

Resultados numéricos apresentados por Butikov [2][2] E.I. Butikov, American Journal of Physics 69, 755 (2001) confirmam suas previsões de ângulos de máxima deflexão da posição invertida ψM e do limite de amplitude de forçamento do pivô capazes de gerar estabilidade invertida para uma dada frequência, validando essa abordagem.

A análise dos potenciais médios que geram os torques médios inercial e gravitacional é também altamente instrutiva. Ambos os potenciais são obtidos por integração direta (em relação a ψ) dos respectivos torques médios, uma vez que estes valores médios podem ser considerados advindos de forças conservativas.

O potencial gravitacional médio é

U g = m g l cos ψ .

Por sua vez, o potencial inercial médio é

U i = m a 2 ω 2 8 cos 2 ψ .

O potencial efetivo sob o qual ocorre o movimento pendular corresponde à soma destes dois potenciais. Nesta soma torna-se explícito que a presença do potencial inercial gera um mínimo de pontecial (equilíbrio estável) na posição invertida, em ψ=0, caso a inequação (18) seja obedecida. Também evidencia-se que a frequência de oscilação na posição ordinária do pêndulo torna-se mais elevada. E finalmente, os ângulos de máximo potencial efetivo (equilíbrio instável) fornecerão as deflexões de equilíbrio instável (ψM).

3. Uma abordagem diferenciada

A metodologia a ser seguida a partir de agora para encontrar a solução da equação de movimento difere dos dois métodos abordados anteriormente no sentido de que, conforme se verá, constrói-se uma dada função que satisfaça a equação de movimento e, então, interpretam-se os seus resultados. É uma mistura das duas formas de resolver anteriores: são utilizados argumentos baseados na dinâmica observada do pêndulo invertido para propor soluções aproximadas, aos moldes do efetuado por Butikov [2][2] E.I. Butikov, American Journal of Physics 69, 755 (2001) e, também, força-se alguns parâmetros de funções a terem determinados valores para que a proposta aproximada satisfaça a equação de movimento, aos moldes de Phelps-Hunter [1][1] F.M. Phelps III and J.H. Hunter Jr., American Journal of Physics 33, 285 (1965). Com este procedimento (inspirado nas primeiras seções da referência [10][10] N.W. McLachlan, Theory and application of Mathieu functions, (Dover Publications, Inc., New York, 1964)., que trata da equação de Mathieu) chega-se a algumas previsões a respeito dos limites dos parâmetros que produzem a estabilidade invertida do pêndulo, limites parcialmente concordantes com os resultados já apresentados.

Conforme já exposto, a equação de movimento (3), após linearização e adimensionalização, pode ser escrita sob a forma apresentada na equação (7), sendo os parâmetros θ0 e θ1 independentes um do outro. No entanto, embora haja essa independência entre θ0 e θ1, deve-se relembrar a pergunta sob investigação neste trabalho: qual(is) o(s) intevalo(s) de parâmetros amplitude e frequência de forçamento do pivô capaz(es) de produzir a estabilidade invertida de um pêndulo? A resposta a esta pergunta, conforme abordagens anteriores, vinculava um intervalo de amplitudes de forçamento a uma dada frequência de forçamento. Notando que a frequência de forçamento está associada à constante θ0 e a amplitude de forçamento à constante θ1 respectivamente equações (5) e (6), pode-se compreender que uma forma de construir uma solução estável é vincular estas constantes, escrevendo uma como função da outra. Sendo assim, arbitra-se que tal dependência seja admitida e expressa sob a seguinte série (a ser justificada posteriormente pela capacidade de previsão de resultados)

(20) θ 0 = ν 2 + n = 1 α n θ 1 n

de modo que, caso θ1 seja nulo (amplitude de forçamento nula), tem-se θ0=ν2, o que permite identificar ν como a frequência natural de oscilação do pêndulo associado à equação (7) quando θ1=0. Os coeficientes αn são constantes a serem determinadas.

A observação experimental de estabilidade do pêndulo invertido serve de motivação para construir uma solução para θ(τ) que seja limitada quando τ. Desse modo o aparecimento desse tipo de solução será forçado, propondo-a sob a forma de outras séries no parâmetro θ1

(21) θ c ( τ ) = cos ν τ + n = 1 c n ( τ ) θ 1 n
(22) θ s ( τ ) = sen ν τ + n = 1 s n ( τ ) θ 1 n

onde cn(τ) e sn(τ) são funções a serem determinadas de modo a satisfazer a equação (7). Sendo assim, a solução geral da equação de movimento seria uma combinação linear das duas séries acima

(23) θ ( τ ) = A θ c ( τ ) + B θ s ( τ )

que também apresenta a propriedade de reduzir-se à solução de um oscilador harmônico simples caso θ10, uma combinação linear de seno e cosseno, ambos com a frequência natural do pêndulo (ν). A partir de agora, com a finalidade de simplificar a exposição do processo construtivo das soluções propostas, apenas a série (21) será desenvolvida.

Substituindo (21) e (20) em (7) e agrupando potências iguais de θ1 obtém-se:

(24) ( c 1 + ν 2 c 1 + α 1 cos ν τ + 2 cos 2 τ cos ν τ ) θ 1 + n = 2 ( c n + ν 2 c n + α n cos ν τ + 2 c n 1 cos 2 τ + m = 1 n 1 α m c n m θ 1 n = 0

onde a notação β está, aqui, indicando a derivada da grandeza β em relação ao tempo adimensional τ, ou seja, β=dβdτ.

Uma vez que o parâmetro θ1 é arbitrário, a equação (24) será válida somente se cada coeficiente da série de potências for nulo. Essa condição, acrescida da exigência de que o coeficiente frente ao cosseno na série solução, equação (21), seja unitário2 2 Essa exigência é arbitrária e não gera perda de generalidade na solução construída, uma vez que as equações diferenciais que estão sendo resolvidas são equações lineares. , permite determinar univocamente os αn's e αn's que, por sua vez, são necessários para construir a solução final.

Isto posto, o coeficiente multiplicativo de θ11 fornece a seguinte equação diferencial

(25) c 1 + ν 2 c 1 + α 1 cos ν τ + cos ( ν + 2 ) τ + cos ( ν 2 ) τ = 0

onde o produto cos2τcosντ foi reescrito como uma soma de cossenos usando-se a identitdade trigonométrica

(26) cos ( m + n ) x + cos ( m n ) x = 2 cos m x cos n x .

A solução da parte homogênea de (25) é:

c 1 , H ( τ ) = C cos ν τ + D sen ν τ .

Devido à convenção de tornarmos unitário o coeficiente que multiplica o cosντ na solução geral para θ, somos obrigados a anular o coeficiente C. A solução em senντ é levada em consideração pela série θs(τ), de modo que anula-se também o coeficienteD. Este procedimento tornará c1(τ) igual à solução particular da equação (25) e se repetirá na obtenção de c2 (e de todo cn), de modo que posteriormente será omitida a apresentação da solução da parte homogênea da função c2(τ).

É proposta a seguinte solução particular [11][11] L. Leithold, O cálculo com geometria analítica, (Editora Harbra Ltda, São Paulo, 1994), 3ª ed, v.2, cap. 20.:

c 1 , P ( τ ) = A 1 τ sen ν τ + B 1 cos ( ν + 2 ) τ + C 1 cos ( ν 2 ) τ

onde a substituição direta desta proposta na equação (25) determina os valores das constantes como A1=α12ν, B1=14(ν+1) e C1=14(ν1) Seja notado o surgimento das seguintes restrições sobre o valor da frequência natural de oscilação: ν0,±1.

Para que a função c(τ) seja limitada e oscilante, a constante A1 presente em c1,P deverá ser nula. Esse requisito é respeitado se fizermos α1=0, o que acaba por determinar o valor desta constante na série para θ0, equação (20).

Com isso, a ordem 1 em θ1 nas séries dadas pelas equações (20) e (21) é explicitada pelos seguintes resultados:

α 1 = 0 c 1 ( τ ) = 1 4 { 1 ν + 1 cos ( ν + 2 ) τ 1 ν 1 cos ( ν 2 ) τ } .

Por sua vez, o coeficiente quadrático em θ1 na série (24) gera a seguinte equação diferencial

c 2 + ν 2 c 2 + α 2 cos ν τ + α 1 c 1 + 2 c 1 cos 2 τ = 0 .

Substituindo na equação acima os valores já conhecidos de c1 e α1 e, então, reescrevendo-a com os produtos de cossenos sendo trocados por somas, por meio do uso da identidade (26), obtém-se

c 2 + ν 2 c 2 = [ α 2 + 1 4 ( ν + 1 ) 1 4 ( ν 1 ) ] cos ν τ 1 4 ( ν + 1 ) cos ( ν + 4 ) τ + 1 4 ( ν 1 ) cos ( ν 4 ) τ

Seguindo a mesma linha de raciocínio que permitiu determinar o coeficiente α1 e a função c1(τ), chega-se nos seguintes resultados para α2 e c2(τ)

α 2 = 1 2 ( ν 1 ) ( ν + 1 ) c 2 ( τ ) = 1 32 [ 1 ( ν + 1 ) ( ν + 2 ) cos ( ν + 4 ) τ + 1 ( ν 1 ) ( ν 2 ) cos ( ν 4 ) τ ]

com o acréscimo das seguintes restrições sobre o valor da frequência natural do oscilador harmônico ν±2.

Com esse procedimento sendo seguido ordem a ordem nas potências de θ1 da série (24) determinam-se mais e mais constantes αn e funções cn(τ), tornando a descrição do movimento do pêndulo no entorno da posição invertida, dada pela função θ(τ), cada vez mais próxima daquela obtida numericamente.

Tomando o coeficiente θ11, que implica em termos a amplitude de oscilação do pivô muito menor que a distância deste até o centro de massa (al), é possível truncar as séries (20) e (21) já no termo quadrático em θ1 e obter a seguinte solução aproximada, em cossenos, para a equação (7)

θ c ( τ ) cos ν τ + 1 4 θ 1 [ 1 ν + 1 cos ( ν + 2 ) τ 1 ν 1 cos ( ν 2 ) τ ] + 1 32 θ 1 2 [ 1 ( ν + 1 ) ( ν + 2 ) cos ( ν + 4 ) τ + 1 ( ν 1 ) ( ν 2 ) cos ( ν 4 ) τ ] .

sendo θ0(ν,θ1) dado por

(27) θ 0 ν 2 + 1 2 ( ν 1 ) ( ν + 1 ) θ 1 2

A solução correspondente em senos, θs(τ) dada pela série (22), é construída de maneira análoga a apresentada para determinar a solução em cossenos e é dada por, até ordem 2 em θ1:

θ s ( τ ) sen ν τ + 1 4 θ 1 [ 1 ν + 1 sen ( ν + 2 ) τ 1 ν 1 sen ( ν 2 ) τ ] + 1 32 θ 1 2 [ 1 ( ν + 1 ) ( ν + 2 ) sen ( ν + 4 ) τ + 1 ( ν 1 ) ( ν 2 ) sen ( ν 4 ) τ ]

De acordo com a referência [10][10] N.W. McLachlan, Theory and application of Mathieu functions, (Dover Publications, Inc., New York, 1964). as funções θs(τ) e θc(τ) são denominadas seno elíptico e cosseno elíptico de ordem ν, respectivamente, e são abreviadas por ν(τ,θ1) e ν(τ,θ1). Na seção 2.16 daquela referência é citado que estas funções serão periódicas se ν for racional e não periódicas (mas ainda limitadas) caso ν seja irracional.

O processo construtivo adotado para determinar as funções θc(τ) e θs(τ) impõe que ν não poderá ser inteiro, caso contrário haverá singularidade na solução. Desse modo sabe-se que os casos em que ν seja inteiro deverão ser tratados à parte com este método3 3 O uso da identidade de Euler eiϕ=cosϕ+isenϕ em conjunto com algumas identidades trigonométricas apropriadas permite relacionar as soluções (8) e (23), justificando o uso da série (8) como ansatz em [1]. .

É importante notar que não se mencionou nada a respeito do sinal dos parâmetros θ0 e θ1 durante a dedução, de modo que a definição de θ0 com sinal negativo não é empecilho nem limitação sobre os resultados apresentados.

Comentários e demonstrações a respeito da ortogonalidade de seν e ceν, a maneira mais conveniente de normalizar e representar em série estas funções de modo a permitir demonstrações de convergência, quando a solução aqui desenvolvida é válida (qual região de parâmetros), estabilidade dessas soluções, entre tantos outros assuntos específicos sobre estas funções, todos são encontrados e bem tratados na referência [10][10] N.W. McLachlan, Theory and application of Mathieu functions, (Dover Publications, Inc., New York, 1964).. Todo esse rigor matemático é aqui deixado de lado por fugir completamente ao escopo da exposição proposta neste texto.

Até aqui as soluções apresentadas estão sob a restrição de que, dado um θ1 e uma Șfrequência natural’ ν, o parâmetro θ0 seja exatamente aquele dado pela equação (27), este consistindo no modo de determinarmos os parâmetros a e ω que fornecem a inversão do pêndulo, caso se deseje construir um. Daqui adiante, ao invés de serem tratados os parâmetros θ0 e θ1 serão novamente tratados diretamente os parâmetros originais, amplitude de forçamento a e frequência de forçamento ω, o que facilitará a interpretação dos resultados desta abordagem.

Substituindo as definições de θ0 e θ1, equações (5) e (6) respectivamente, na equação (27), pode-se escrever ν diretamente em função de ω

ν 2 = [ 1 2 2 ( ω 0 ω ) 2 ] ± [ 1 2 + 2 ( ω 0 ω ) 2 ] 2 2 ( m l 2 I ) 2 ( a l ) 2

A soma e a subtração aqui presentes referem-se a uma frequência natural de oscilação superior à outra, sendo a maior frequência (sinal positivo) associada a oscilação do pêndulo no entorno da posição ordinária e a menor frequência (sinal negativo) associada a oscilação do pêndulo no entorno da posição invertida.

Para que a solução θ(τ) seja oscilatória, conforme ocorre experimentalmente, a frequência ν deverá ser real, o que implica em termos ν2>0. Esta imposição implica na seguinte desigualdade (limite inferior) a ser obedecida para o parâmetro al, para um dado ω0ω

a l > 2 I m l 2 ω 0 ω .

Ainda é necessário impor que o termo dentro da raiz na equação que fornece o ν2 seja positivo. Esta imposição nos fornece um limite superior para o parâmetro al, novamente para um dado ω0ω

a l < 2 I m l 2 [ 1 4 + ( ω 0 ω ) 2 ] .

Desse modo a imposição sobre a frequência ν ser real fornece os limites superior e inferior do parâmetro al para um dado ω0ω. Isso, por sua vez, é a própria região de parâmetros que fornece estabilidade invertida do pêndulo, como era procurado. Agrupando resultados desta abordagem, escreve-se:

(28) 2 I m l 2 ω 0 ω < a l < 2 I m l 2 [ 1 4 + ( ω 0 ω ) 2 ] .

Embora haja maior simplicidade no tratamento dado por Butikov [2][2] E.I. Butikov, American Journal of Physics 69, 755 (2001) em relação ao aqui exposto, ganha-se um limite superior para a razão al, que lá não é encontrado. Por outro lado o truncamento da série que fornece θ0 tem o preço de prever um limite superior diferente daquele encontrado por Phelps-Hunter [1][1] F.M. Phelps III and J.H. Hunter Jr., American Journal of Physics 33, 285 (1965), cujo tratamento matemático é mais rigoroso que o exposto aqui [comparar inequações (12) e (28)]. Por fim, o trabalho do Butikov [2][2] E.I. Butikov, American Journal of Physics 69, 755 (2001) tem previsões não restritas a pequenas oscilações no entorno da posição invertida enquanto Phelps-Hunter [1][1] F.M. Phelps III and J.H. Hunter Jr., American Journal of Physics 33, 285 (1965) e o apresentado aqui possuem esta restrição.

4. Resultados numéricos

Uma sequência de simulações numéricas do pêndulo com pivô verticalmente forçado foi efetuada com o objetivo de testar os resultados analíticos apresentados na Seção 3. O procedimento adotado foi o seguinte: para testar se a condição dada na equação (28) é verdadeira, foi tomada a equação de movimento adimensional exata para o pêndulo (com ângulo contado da posição invertida no sentido horário

d 2 θ d τ 2 + ( 4 ω 0 2 ω 2 + 4 m l 2 I a l cos 2 τ ) sen θ = 0

e várias ‘situações diferentes’ foram simuladas usando-se o método de Runge-Kutta de quarta ordem (RK4) [12][12] P.L. DeVries, A first course in computational physics, (John Wiley and Sons, Massachusetts, 1994), cap. 5.. Essas ‘situações diferentes’ referem-se a uma varredura do espaço de parâmetros al,ω0ω juntamente com uma varredura no espaço de condições iniciais (θ(0),θ˙(0)) a fim de explicitar o quão robusta é uma combinação de parâmetros de forçamento na produção de estabilidade invertida. Lembrando que a teoria desenvolvida na seção anterior é válida para pequenas oscilações em torno da vertical, a varredura nas condições iniciais foi feita respeitando essa limitação. Ao todo foram testadas 100 condições iniciais distintas (grade 10x10 no espaço de condições iniciais) pertencentes ao intervalo [0,0.1] em ambas as constantes iniciais (θ(0),θ˙(0)). Para cada uma dessas condições iniciais o espaço de parâmetros de forçamento (al,ω0ω) foi varrido sistematicamente tomando-se valores de ambos no intervalo [0,1] (grade 10x10 no espaço de parâmetros) e registrando-se em um arquivo somente aqueles pares de parâmetros, dada uma condição inicial, que geravam estabilidade invertida. O critério de estabilidade adotado foi a obtenção de um θ médio menor que 0.1 em aproximadamente 300 períodos de oscilação do pivô, que corresponderia a 10 ou mais oscilações do pêndulo no caso de ser gerada establidade invertida.

No arquivo final gerado pelo procedimento anteriormente descrito havia, para cada condição inicial testada, um certo número de pares de parâmetros de forçamento que produzia estabilidade. Tal número de pares de parâmetros de forçamento que produziam a estabilidade variou entre 5 e 14, notando-se que quanto mais robusta a condição inicial (maior velocidade angular e ângulo iniciais), menor era o número de parâmetros que dava estabilidade.

Foram tomados então os dois extremos de condições iniciais, os que forneciam ϕ(0)=0,1 e ϕ˙(0)=0,1 e 14 ϕ(0)=0,06 e ϕ˙(0)=0,01 pares de parâmetros (al,ω0ω) produzindo estabilidade invertida e, novamente, o espaço de parâmetros foi varrido no mesmo intervalo anterior. Desta vez foram tomadas 10 000 combinações diferentes destes pares de parâmetros (grade 100x100) e registrados aqueles que forneciam estabilidade (sob o mesmo critério anterior de estabilidade). As Figuras 3 e 4 apresentam os resultados numéricos assim obtidos para os pares de parâmetros que produzem estabilidade invertida ao pêndulo (círculos vazios). Uma comparação direta com a previsão analítica da região de establidade (linhas sólidas) dada pela equação (28) pode ser visualizada nestas figuras. Deve-se notar que a previsão da região de parâmetros produtores de estabilidade está subestimada em comparação com os resultados numéricos, consequência direta do truncamento no termo de ordem θ12 na série solução proposta.

Figura 3
Cada círculo aberto corresponde a uma combinação de parâmetros ((a/l,ω0/ω)) que produz dinâmica invertida estável do pêndulo com pivô verticalmente forçado para condição inicial ϕ(0)=0,01 e ϕ˙(0)=0,06. As linhas sólidas indicam os limites de valores possíveis para os parâmetros ((a/l,ω0/ω)) que gerarão estabilidade invertida, conforme indicados pela equação (28).
Figura 4
Cada círculo aberto corresponde a uma combinação de parâmetros ((a/l,ω0/ω)) que produz dinâmica invertida estável do pêndulo com pivô verticalmente forçado para condição inicial ϕ(0)=0,1 e ϕ˙(0)=0,1. As linhas sólidas indicam os limites de valores possíveis para os parâmetros ((a/l,ω0/ω)) que gerarão estabilidade invertida, conforme indicados pela equação (28).

Os círculos vazios “espalhados” da região de estabilidade nas Figuras 3 e 4 correspondem a trajetórias instáveis que, devido a alternância entre oscilação e rotação, acabaram por obedecer o critério de estabilidade adotado.

Por fim, uma simulação numérica do pêndulo invertido é apresentada na Figura 5 para a condição inicial (ϕ(0)=0,06 e ϕ˙(0)=0,01) e para os parâmetros de oscilação do pivô dados por (al=15,ω0ω=120), com a finalidade de comparar a solução analítica θ(τ), equação (23), com o resultado numérico. É possível ver que, embora a série infinita proposta como solução tenha sido truncada já no termo de ordem 2, há razoável proximidade entre a curva simulada e a analítica.

Figura 5
Condições iniciais: ϕ(0)=0,06 e ϕ˙(0)=0,01. A linha sólida (preta) corresponde ao resultado numérico e a linha tracejada (vermelha) corresponde ao resultado analítico.

5. Considerações finais

A análise desenvolvida ao longo deste trabalho fixou-se unicamente na descrição das trajetórias invertidas estáveis do pêndulo com pivô verticalmente forçado, sob a restrição de pequenas amplitudes de forçamento (al) e grandes frequências de forçamento (ωω0). Entretanto, cabe observar que um pêndulo forçado sem as restrições aqui impostas pode fornecer muitas dinâmicas distintas: caóticas, de ressonância paramétrica, de rotação pura, de rotação alternada com oscilação, entre muitas outras. Trata-se de um sistema valioso para introduzir métodos matemáticos no nível superior.

Ao comparar as três abordagens dadas ao fenômeno da inversão do pêndulo pela excitação vertical de seu pivô e notar que o tratamento dado por Phelps-Hunter [1][1] F.M. Phelps III and J.H. Hunter Jr., American Journal of Physics 33, 285 (1965) tem grande elegância matemática porém pouca clareza a respeito da razão física que leva a inversão, que o tratamento dado por Butikov [2][2] E.I. Butikov, American Journal of Physics 69, 755 (2001) fornece clareza sobre a razão física que gera a inversão às custas de uma argumentação matemática eurística, e que o tratamento dado aqui tem simplicidade matemática com uma argumentação também eurística, percebe-se que abordagens diferentes dadas a um único sistema fornecem uma oportunidade de amadurecimento profissional, técnico e intuitivo, dificilmente encontrada nos tratamentos comuns obtidos durante a formação inicial em física.

Por fim, os resultados das Figuras 3, 4 e 5, juntamente com aqueles das referências de comparação, Phelps-Hunter [1][1] F.M. Phelps III and J.H. Hunter Jr., American Journal of Physics 33, 285 (1965) e Butikov [2][2] E.I. Butikov, American Journal of Physics 69, 755 (2001), servem para solidificar o fato de que o uso de aproximações não deve ser desvalorizado, mesmo que estas limitem os resultados.

Agradecimentos

TCL tem profunda gratidão à paciente orientação do Prof. Dr. Frederico Firmo de Souza Cruz durante os anos de iniciação científica, mestrado e doutorado. Esta orientação em conjunto com longas e agradáveis discussões renderam muitos aprendizados que os livros não podem fornecer.

  • 1
    Nesta seção os valores médios serão tomados sobre o período de oscilação do pivô (T=2π/ω), sendo dados pela seguinte expressão: f=1Ttt+Tf(t)dt
  • 2
    Essa exigência é arbitrária e não gera perda de generalidade na solução construída, uma vez que as equações diferenciais que estão sendo resolvidas são equações lineares.
  • 3
    O uso da identidade de Euler eiϕ=cosϕ+isenϕ em conjunto com algumas identidades trigonométricas apropriadas permite relacionar as soluções (8) e (23), justificando o uso da série (8) como ansatz em [1][1] F.M. Phelps III and J.H. Hunter Jr., American Journal of Physics 33, 285 (1965).

Referências

  • [1]
    F.M. Phelps III and J.H. Hunter Jr., American Journal of Physics 33, 285 (1965)
  • [2]
    E.I. Butikov, American Journal of Physics 69, 755 (2001)
  • [3]
    G. J. Mata, E. Pestana, European Journal of Physics 25, 717 (2004)
  • [4]
    H.P. Kalmus, American Journal of Physics 38, 874 (1970)
  • [5]
    L. Blitzer, American Journal of Physics 33, 1076 (1965)
  • [6]
    E.D. Yorke, American Journal of Physics 46, 285 (1978)
  • [7]
    D.J. Ness, American Journal of Physics 35, 964 (1967)
  • [8]
    A.B. Pippard, European Journal of Physics 8, 203 (1987)
  • [9]
    R. Eisberg, R. Resnick, Física Quântica: átomos, moléculas, sólidos, núcleos e partículas, (Elsevier Editora Ltda, Rio de Janeiro, 1979), cap. 12.
  • [10]
    N.W. McLachlan, Theory and application of Mathieu functions, (Dover Publications, Inc., New York, 1964).
  • [11]
    L. Leithold, O cálculo com geometria analítica, (Editora Harbra Ltda, São Paulo, 1994), 3ª ed, v.2, cap. 20.
  • [12]
    P.L. DeVries, A first course in computational physics, (John Wiley and Sons, Massachusetts, 1994), cap. 5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    21 Dez 2017
  • Revisado
    20 Mar 2018
  • Aceito
    03 Abr 2018
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