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Física aplicada ao trânsito: processo de validação de um questionário para coleta de dados

Physics applied to traffic: validation process of a quiz for data acquisition

Resumo

A Física estuda fenômenos da natureza e que comumente podem ser observados no cotidiano. O trânsito é uma dessas situações, e acredita-se que uma aproximação entre os conceitos físicos e situações aplicadas no cotidiano do trânsito pode possibilitar ao estudante melhores compreensões da Física do Ensino Médio e acima de tudo, que esses conhecimentos possam ser utilizados durante a vida do indivíduo. Porém, verificar se os egressos da escola estabelecem relações entre conteúdos de Física com fenômenos observados no trânsito ainda é um grande campo de estudo. O presente artigo apresenta o trabalho de validação de um questionário elaborado para uma pesquisa de mestrado. Para tal, a validade de conteúdo foi realizada através de juízes especialistas da área; calculamos a consistência interna através do coeficiente Alfa de Cronbach, obtendo valor de 0,74, assim como utilizou-se o Teste U de Mann-Whitney para observar se havia diferenças entre as médias de acertos dos dois grupos estudados. Os resultados atestam que o instrumento possui validade para os objetivos da pesquisa, consistindo de um teste para verificar a retenção conceitual de assuntos de Física em egressos do Ensino Médio.

Palavras-chave:
Física aplicada ao Trânsito; Validação de instrumento; Teste Alfa de Cronbach

Abstract

Physics studies the nature and phenomena which commonly can be observed in everyday life. Traffic is one of those situations, and it is believed that a rapprochement between the physical concepts and situations applied in everyday traffic can enable the student best understandings of Physics in middle school and above all, that this knowledge can be used during the life of the individual. However, verify that the graduates of the school establish relationships between Physical content with phenomena observed in traffic is still a major field of study. This article presents the work of validation of a questionnaire prepared for a master's research. To this end, the validity of content was accomplished by judges' specialists; We calculate the internal consistency through the Cronbach's alpha coefficient, obtaining 0.74 value, as well as using the Mann-Whitney U Test to see if there were differences between the averages of the two groups. The results attest that the instrument has validity for the purposes of research, consisting of a test to check the conceptual physics Affairs retention in high school graduates.

Keywords:
physics applied to traffic; instrument validation; Cronbach's alpha test

1. Introdução

Observar a prática escolar permite ao professor notar que há maior perspectiva de o estudante compreender os conceitos físicos na escola quando são apresentados de forma aplicada ao cotidiano, sobretudo se tais assuntos apresentarem conexão ao seu contexto de vida.

Ao refletir sobre o uso cotidiano do automóvel nota-se também que o tema trânsito está presente no dia-a-dia de todos, direta ou indiretamente. Nesse contexto, pode-se observar a presença de grande quantidade de conhecimentos físicos intrínsecos, mesmo que nem sempre sejam percebidos pelos motoristas. Sendo assim, abordar nas aulas de Física aspectos relacionados com esta temática está em acordo com o proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais -- PCN [1][1] BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Parte III -- Ciência da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, disponível em http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/ciencian.pdf.
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pd...
ao propor um estudo contextualizado, de maneira a dar significância ao aprendizado do aluno.

Atualmente, a Base Nacional Curricular Comum -- BNCC [2][2] BRASIL, Base Nacional Comum Curricular, disponível em http://basenacionalcomum.mec.gov.br/documentos/bncc2versao.revista.pdf.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/docu...
também afirma que o conhecimento físico, com seus conceitos, leis, grandezas e relações matemáticas, ganha mais significado se utilizado em problemáticas reais (p. 144). Acreditamos que dentro do cotidiano do trânsito, este ganho de significado pode criar um ambiente de conscientização para que quando este indivíduo estiver na condição de pedestre ou um futuro condutor, suas ações reflitam o conhecimento socializado na escola [3][3] C. Chagas, A Física no Ensino Médio através do estudo de fenômenos físicos em um automóvel. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza (2014). [4][4] L. Abeid e A.C. Tort, Revista Física na Escola 12, 8 (2011). [5][5] F.L. Silveira, Cad. Bras. Ens. Fís. 28, 468 (2011)..

A importância de uma Educação para o Trânsito é evidente, principalmente quando se observa os índices de acidentes e mortes fatais. Como ilustração, partimos de uma comparação entre dados dos últimos anos referentes aos acidentes de trânsito e número de mortes associado a eles no estado do Rio Grande do Sul. No Gráfico 1, apresenta-se a evolução temporal dessas estatísticas.

Gráfico 1
Número de Acidentes de trânsito. Fonte: DETRAN [3][3] C. Chagas, A Física no Ensino Médio através do estudo de fenômenos físicos em um automóvel. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza (2014). [6][6] DETRAN/RS. Diagnóstico da acidentalidade fatal no trânsito: 2016, disponível em http://www.detran.rs.gov.br/conteudo/33739/diagnostico-de-2015
http://www.detran.rs.gov.br/conteudo/337...
.

Percebe-se uma tendência contínua de acidentes e mortes, embora nos anos de 2015 e 2016 esses números tenham baixado ligeiramente, fruto de campanhas de educação e fiscalização da lei seca [6][6] DETRAN/RS. Diagnóstico da acidentalidade fatal no trânsito: 2016, disponível em http://www.detran.rs.gov.br/conteudo/33739/diagnostico-de-2015
http://www.detran.rs.gov.br/conteudo/337...
. O Mapa da Violência [7][7] BRASIL, Mapa da Violência 2011 -- Os Jovens do Brasil, disponível em http://portal.mj.gov.br/.
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, estudo do Ministério da Justiça, mostra que em nível nacional houve um aumento de 32,4% nas mortes de jovens em decorrência de acidentes de trânsito no período de 1998 a 2008, enquanto no total da população o índice foi de 26,5%.

Diante destas estatísticas, é inevitável não pensar que a educação não tenha um papel fundamental na formação e conscientização desses jovens, uma vez que a escola é parte essencial do processo de desenvolvimento do indivíduo na sociedade e direito de todo cidadão, assegurado pela Constituição Federal. Neste particular, o Ensino de Física possui uma oportunidade ímpar, pois discutir e explicar fenômenos da natureza presentes no cotidiano do trânsito faz parte do escopo da Física escolar. Além disso, este pode ser uma forma de acessar os conhecimentos prévios que os estudantes trazem para a sala de aula, podendo assim, ancorar uma nova informação em um conceito já presente na estrutura cognitiva do indivíduo, processo imprescindível para o processo de Aprendizagem Significativa [8][8] D.P. Ausubel, Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. (Plátano, Lisboa, 2003)..

Os órgãos reguladores de trânsito, como o Departamento Estadual de Trânsito - DETRAN e Departamento Nacional de Trânsito -- DENATRAN, também reconhecem essa importância e incentivam o trabalho da educação no trânsito. Há projetos que visam a formação desde a Pré-Escola até o Ensino Médio, assim como cursos de Legislação de Trânsito e Requalificação Didática para os instrutores de trânsito [9][9] DETRAN/RS, Frota em circulação no RS, disponível em http://www.detran.rs.gov.br/conteudo/27453/frota-do-rs.
http://www.detran.rs.gov.br/conteudo/274...
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Pode-se perceber, através dessas iniciativas, que existe uma preocupação da escola e dos departamentos de trânsito com a prevenção de acidentes. Porém também se percebeu que o número de acidentes e fatalidades no trânsito aumenta a cada ano, sendo maiores os índices de mortes entre motoristas jovens, indivíduos que possivelmente passaram recentemente pelo Ensino Médio e que provavelmente participaram de trabalhos de conscientização e prevenção no âmbito da Educação para o Trânsito.

A partir dessa reflexão, a dúvida que passa a existir é se todo o conhecimento, em especial o científico, ensinado a esse estudante é lembrado, mesmo que intuitivamente, de modo a possibilitar a que ele o aplique em situações cotidianas, quando efetivamente tornar-se um motorista. Ou, em outras palavras, se houve um aprendizado significativo destes princípios físicos no Ensino Básico.

Considerando esta temática de pesquisa, seu valor e significância passar a existir pelo fato de o estudo abranger um aspecto relevante para a vida da maioria das pessoas: o trânsito. Dirigir não consiste somente em aprender algumas técnicas de funcionamento do veículo e assim estar apto a andar pelas ruas. É preciso compreender melhor o mundo ao redor, os direitos e deveres dos condutores e pedestres e a aplicação de conhecimentos de cunho científico que, por mais simples que pareçam ser, podem fazer a diferença em diversas situações apresentadas no trânsito, principalmente na prevenção de complicações maiores, como acidentes, por exemplo.

Compreender significativamente fenômenos relacionados a conceitos físicos como Tópicos de Cinemática, Força Centrípeta, Ponto Cego, Força de atrito, entre outros, é fundamental para a formação de um bom condutor, desenvolvendo nele habilidades de resolver problemas reais ao deparar-se com certas situações no futuro, já como efetivo motorista.

Essas habilidades que o conhecimento da Física proporciona, podem auxiliar na prevenção de acidentes de trânsito, uma vez que, ao compreender a relação de causa e efeito de suas ações, poderá haver maior possibilidade de que o indivíduo tome decisões com maior consciência e responsabilidade, isso potencializa as probabilidades, embora não exista relação causal observada, de esse dirigir sob os princípios da direção defensiva.

Nesse sentido, é importante investigar se indivíduos egressos do Ensino Médio estabelecem relações entre conteúdos de Física estudados durante a escola e fenômenos observados no cotidiano do trânsito, sendo essa, a questão de pesquisa que norteou a elaboração do questionário validado nessa produção. Por esse motivo, o local escolhido para coletar os dados foi o curso de primeira habilitação de Centros de Formação de Condutores -- CFC, de uma cidade gaúcha.

O presente artigo expõe um estudo realizado para medir a confiabilidade e validade de um instrumento de coleta de dados que teve por objetivo buscar respostas para esses questionamentos. Uma das contribuições deste estudo é trazer para o Ensino de Física a necessidade de se discutir a validade dos instrumentos de coleta de dados elaborados para pesquisas de graduações, mestrados e doutorados da área, pois atestar estatisticamente que o questionário criado mede o que se propõe mensurar, ou seja, conduzir antes da coleta de dados uma análise rigorosa sobre os aspectos de validação e confiabilidade dos itens, contribui para a qualidade das pesquisas em Ensino.

Portanto, na próxima seção apresenta-se uma breve revisão da literatura nacional no tocante à temática Educação para o Trânsito, nos mantendo restritos ao campo dos fenômenos físicos. Na seção 3, será apresentado o processo de construção do instrumento de coleta de dados, bem como, de sua validação estatística. Em seguida, apresentamos os resultados obtidos no processo de validação, a partir da aplicação de testes pilotos. Finaliza-se com algumas conclusões alcançadas nesse estudo, em que se acredita ser um passo importante na construção de instrumentos de coleta para pesquisas de cunho quantitativo dentro da pesquisa em Ensino de Física.

2. Uma breve revisão da literatura nacional

A Física aplicada ao trânsito tem sido socializada em âmbito acadêmico através de propostas metodológicas e dissertações em Ensino. No entanto, a nível nacional a produção associada ao tópico é ainda pequena [10][10] P.A. Vizzotto, L.F. Mackedanz e A.C.D. Miranda, Revista Thema 14, 137 (2017)..

Em geral, busca-se trabalhar aulas de Física ou abordar o tema trânsito em diferentes contextos. Por exemplo, Chagas [3][3] C. Chagas, A Física no Ensino Médio através do estudo de fenômenos físicos em um automóvel. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza (2014).; Lucena [11][11] A. Lucena, A Física Forense em sala de aula: investigação de acidentes de trânsito. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande (2014).; Viana [12][12] R.M. Viana, Perícia Física de acidente de trânsito. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho (2009).; Gomes [13][13] A.L. Gomes, Física dos acidentes de trânsito. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho (2008). e Kleer [14][14] A. Kleer, M. Thielo e A. Santos, Caderno Catarinense de Ensino de Física 14, 160 (1997). buscaram abordar a Física a partir da temática das investigações de acidentes de trânsito, contextualizando as aulas, propondo essas discussões como tema transversal na escola e trazendo a realidade da perícia criminal para apresentar o tema aos alunos ou trabalhando com softwares que potencializam cálculos com dados reais de investigações.

Já os autores Abeid [15][15] L. Abeid, As forças de atrito e os freios ABS numa perspectiva de Ensino Médio. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (2010).; Abeid e Tort [4][4] L. Abeid e A.C. Tort, Revista Física na Escola 12, 8 (2011). [16][16] L. Abeid e A.C. Tort, Rev. Bras. Ens. Fis. 36, 2306 (2014).; Silveira [5][5] F.L. Silveira, Cad. Bras. Ens. Fís. 28, 468 (2011).; Di Rocco [17][17] H. Di Rocco, Cad. Bras. Ens. Fís. 26, 342 (2009).; Silva [18][18] L.L da Silva, Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências 9, 2 (2009).; Urruth [19][19] H.G. Urruth, Física e segurança no trânsito: um curso de Física e Educação para o Trânsito para jovens e adultos. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (2014).; Back [20][20] S. Back, Física e Segurança no Trânsito: Uma Proposta Didática por uma Professora Iniciante. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria (2013).; Brust [21][21] A. Brust, Física Aplicada Nas Situações Do Trânsito. Dissertação de Mestrado, Centro Universitário Franciscano, Santa Maria (2013). e Joca [22][22] B.P. Joca, Educação para o trânsito e a Física aplicada no Ensino Médio. Trabalho de Conclusão de Curso, Instituto Federal do Ceará, Limoeiro do Norte (2012)., procuraram desenvolver o tema a partir dos conceitos, relacionando-os com o trânsito de modo geral, tanto no Ensino Médio como na Graduação, seja em propostas didáticas ou cursos, abordando temas principalmente estudados dentro da Mecânica Clássica, como Velocidade e Aceleração; Leis de Newton e suas aplicações, como forças de atrito e utilização de freios ABS; além de discussões sobre a legislação para a Educação para o Trânsito.

Os trabalhos, em geral, apresentam algumas ideias em comum: a importância de haver um ensino contínuo da Educação para o Trânsito durante todos os anos da educação básica; propostas didáticas utilizando recursos tecnológicos como jogos e simulações; abordagens do tema de forma transversal, interdisciplinar ou multidisciplinar na escola de Ensino Básico [14][14] A. Kleer, M. Thielo e A. Santos, Caderno Catarinense de Ensino de Física 14, 160 (1997). [15][15] L. Abeid, As forças de atrito e os freios ABS numa perspectiva de Ensino Médio. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (2010). [18][18] L.L da Silva, Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências 9, 2 (2009). [17][17] H. Di Rocco, Cad. Bras. Ens. Fís. 26, 342 (2009). [10][10] P.A. Vizzotto, L.F. Mackedanz e A.C.D. Miranda, Revista Thema 14, 137 (2017). [11][11] A. Lucena, A Física Forense em sala de aula: investigação de acidentes de trânsito. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande (2014).; análise de propostas de Educação para o Trânsito a partir de teóricos como Vygotsky, Piaget e Ausubel; importância da contextualização no Ensino de Física [9][9] DETRAN/RS, Frota em circulação no RS, disponível em http://www.detran.rs.gov.br/conteudo/27453/frota-do-rs.
http://www.detran.rs.gov.br/conteudo/274...
[8][8] D.P. Ausubel, Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. (Plátano, Lisboa, 2003). [16][16] L. Abeid e A.C. Tort, Rev. Bras. Ens. Fis. 36, 2306 (2014). [12][12] R.M. Viana, Perícia Física de acidente de trânsito. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho (2009).; influência dos aspectos emocionais na aprendizagem e também discussões sobre os fundamentos dos documentos oficiais para a Educação para o Trânsito [22][22] B.P. Joca, Educação para o trânsito e a Física aplicada no Ensino Médio. Trabalho de Conclusão de Curso, Instituto Federal do Ceará, Limoeiro do Norte (2012)..

Destaca-se a preocupação dos órgãos de trânsito e das escolas em educar para o trânsito, bem como os esforços dos professores e pesquisadores em aproximar a temática do cotidiano dos alunos, seja de forma transversal ou até mesmo disciplinar em aulas de Física, por exemplo. Pode-se perceber através da pequena quantidade de estudos encontrados, a escassez de pesquisas na área, sendo isso também apontado pela maioria dos pesquisadores analisados na literatura.

3. Metodologia

3.1. Elaboração do instrumento

Para realizar essa investigação, foi elaborado um questionário, inicialmente com 10 questões. O conteúdo das questões versou sobre situações do cotidiano do trânsito, em que os fenômenos físicos foram contextualizados. Como a literatura nacional da área do Ensino de Física não apresentou nenhum instrumento anteriormente elaborado para suprir os objetivos de propor situações do trânsito para observar a aplicação de conhecimentos de Física em estudantes do Ensino Médio, a criação de todas as questões foi necessária.

Cada item elaborado para o instrumento teve como base o estilo de questões do Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM, no qual a questão apresenta um contexto em que algum fenômeno físico está inserido e o conceito que fundamenta o seu funcionamento dentro das alternativas a serem assinaladas.

Para a elaboração das mesmas, foi realizada primeiramente uma revisão de conceitos físicos que poderiam ser relacionados com a temática trânsito. Para isso, buscou-se na apostila de ensino dos Centros de Formação de Condutores de uma cidade gaúcha [23][23] M. Olma. Consciência sobre rodas: Habilitação do condutor (Águia, Porto Alegre, 2016), p. 90., discussões e instruções baseadas em fenômenos físicos a partir das quais foi possível elaborar questões que contivessem uma breve contextualização de um fenômeno físico aplicado ao trânsito questionando qual princípio explicaria tal acontecimento como alternativa de resposta.

Foram propostas questões de múltipla escolha com 4 alternativas, sendo apenas uma correta. As questões priorizaram uma abordagem conceitual da Física, assim como buscou-se estimular a contextualização da Física com as situações observadas comumente por pedestres e motoristas.

Após a elaboração das questões, seis professores da área realizaram uma leitura atenta, a fim de verificar a adequação semântica das questões e a relevância de cada item. Essa reflexão visou identificar e evitar ambiguidades e interpretações errôneas das questões elaboradas, as quais precisam ser objetivas, com linguagem adequada com a cultura da amostra, a fim de não causar monotonia, cansaço ou aborrecimento do entrevistado [24][24] E. Nobre, Elaboração e validação de questionário para descrever o estilo de vida de mães de pré-escolares. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo (2012)..

A revisão qualitativa realizada pelos especialistas considerou o instrumento válido em seu conteúdo, mediante pequenas alterações de linguagem. Após esta etapa, constituiu-se o questionário apresentado no Apêndice 2.

3.2. Fundamentação teórica para análise dos dados

Com o objetivo de verificar a consistência do questionário elaborado, realizou-se uma análise estatística a partir da realização de dois testes piloto, separados por um período de seis meses, com alunos ingressantes de cursos de Engenharia de uma universidade pública do Rio Grande do Sul. Para compreender tais testes, inicialmente será apresentada uma breve revisão sobre duas teorias estatísticas utilizadas para a validação de instrumentos de pesquisa: a Teoria Clássica de Testes - TCT e a Teoria de Resposta ao Item - TRI.

A TCT tem como essência a medida a partir da soma de acertos das questões. Porém, a simples soma acarreta preocupação aos pesquisadores quanto a erros de medida que podem estar contidos nesse processo [25][25] L. Pasquali. Psicometria: teoria dos testes na psicologia e na educação. (Vozes, Petrópolis, 2017).. Essa soma deriva dos acertos que o entrevistado obtém ao responder uma prova, um questionário, etc., sendo o escore final, a pontuação que classifica e demonstra o desempenho do sujeito na avaliação ou entrevista. Dessa forma, essa soma é acompanhada também por dispersões e erros padrão de medida que devem ser considerados para uma avaliação de maior confiabilidade. Para Pasquali [25][25] L. Pasquali. Psicometria: teoria dos testes na psicologia e na educação. (Vozes, Petrópolis, 2017)., a partir de um teste piloto é possível obter a graduação da dificuldade das questões abordadas em um teste, observando a quantidade de acertos e sua percentagem, considerando que quanto maior o índice de acertos do item, mais esse item é considerado fácil.

Já a TRI busca basicamente avaliar a proficiência do respondente e não somente um escore bruto final. Essa teoria é contemporânea à TCT e busca medir traços latentes que consistem em características próprias dos participantes da pesquisa. A base das estimativas realizadas pela TRI está na probabilidade de o estudante acertar uma questão de acordo com o seu conhecimento ou proficiência [26][26] L.J. Arantes, Avaliando a Aprendizagem do Conceito de Energia no Ensino Médio Usando a TRI. Dissertação, Universidade Federal de Lavras, Lavras (2016).

Segundo o autor, na TRI o conceito a ser avaliado ocupa um lugar central. Em muitas aplicações ele é concebido como uma variável que não é diretamente observável, por isso se usa o termo variável latente. As variáveis observáveis e as respostas dadas aos itens são consideradas como os indicadores da variável latente. Para Primi [27][27] R. Primi, Avaliação psicológica 2, 67 (2003)., a TRI teria uma relação de causa e efeito, constituindo o traço latente ou proficiência, a causa, e a resposta do entrevistado, o efeito, sendo que os estímulos para que esta relação ocorra seriam propriamente os itens do teste. Para a análise do instrumento elaborado para este estudo fizemos uso da TCT devido ao Software estatístico autenticado disponível pela universidade na qual os dados foram analisados.

3.3. Procedimentos

O público-alvo foi caracterizado por indivíduos com perfil semelhante ao dos estudantes dos Centros de Formação de Condutores, local onde o questionário será aplicado após a sua validação. Os pré-requisitos foram o Ensino Médio completo e idades entre 18 e 30 anos. Para tal, foi selecionada uma amostra por conveniência com base nesses requisitos de estudantes de cursos de Engenharia, matriculados em disciplinas de Física básica.

Uma quantidade de 100 estudantes foi selecionada para participar dos testes piloto. De acordo Pasquali [25][25] L. Pasquali. Psicometria: teoria dos testes na psicologia e na educação. (Vozes, Petrópolis, 2017)., é adequado pelo menos 10 respondentes para cada item elaborado, sendo este o critério que justifica a quantidade determinada para o número de participantes. Os testes aconteceram em dois momentos, o primeiro no início do semestre (50 alunos) e o segundo ao final de um semestre letivo (50 alunos). O Grupo 1 foi composto de 20 estudantes do sexo masculino e 30 do sexo feminino, sendo que o Grupo 2, por sua vez, continha 31 estudantes do sexo masculino e 19 do sexo feminino.

No Grupo 1, dos 50 participantes, 30 concluíram o Ensino Médio em escola pública e 20 em escola particular, ao mesmo tempo que 33 deles nunca haviam dirigido nenhum veículo até o momento da aplicação do teste, contra 17 que já haviam conduzido um veículo. No Grupo 2, por sua vez, 33 concluíram o Ensino Médio em escola pública e 17 em escola particular, assim como 32 deles nunca haviam conduzido um veículo, contra 18 que já haviam dirigido independente de possuir a carteira de habilitação ou não.

Além disso, nos dois grupos percebeu-se maior incidência de estudantes com idades entre 18 e 20 anos, que concluíram o Ensino Médio entre os anos de 2013 e 2015. Logo, pôde-se concluir que as amostras traziam, na maioria, estudantes que concluíram o Ensino Básico há pouco tempo e já ingressaram na graduação, podendo esse fato influenciar na compreensão dos fenômenos abordados pelo instrumento e nos resultados do teste piloto.

As aplicações utilizaram o mesmo instrumento e foram realizadas duas vezes, uma para cada grupo. Primeiramente, a aplicação no Grupo 1 aconteceu no final do semestre letivo da Universidade. Portanto, os estudantes tiveram oportunidade de discutir e estudar grande parte dos fenômenos abordados no questionário em suas aulas de Física básica, possibilitando com que houvesse uma probabilidade maior de que esses alunos obtivessem índices de acertos maiores do que os alunos do Grupo 2, nos quais os questionários foram respondidos no início do semestre letivo.

Este segundo grupo pode ser considerado mais parecido com a amostra que será observada nos Centros de Formação de Condutores, quando comparados com o grupo que respondeu o instrumento no final do semestre letivo. A amostra do grupo 2 consistiu de indivíduos que independentemente de estarem fora ou dentro do sistema escolar, carecem de discussões sobre conceitos e fenômenos físicos, dispondo somente de reflexões que foram ou não realizadas durante a Educação Básica ou fora do ambiente escolar.

Para o processo de análise estatística, os dados coletados foram tabulados em planilha eletrônica e analisados através do Statistical Package for the Social Sciences -- SPSS® versão 23 para Windows. A fim de assegurar a transparência entre os resultados gerados e os resultados apresentados no manuscrito, optou-se por manter os gráficos e quadros de resultado do próprio software, o que justifica a formatação própria e a linguagem em inglês.

4. Resultados

A análise estatística é o tratamento utilizado para descrever, traçar inferências e testar hipóteses sobre os resultados obtidos com as coletas de dados. Para o presente artigo, primeiramente apresentamos a parte descritiva, contendo as medidas de tendência central e medidas de variabilidade para as coletas de dados realizadas com os dois grupos estudados.

Iniciamos esta seção apresentando a análise referente ao desempenho dos estudantes dos Grupos 1 e 2 para as respostas do questionário contendo 10 questões.

Em relação ao Grupo 1 (Quadro 1), o teste piloto realizado resultou nas medidas de tendência central (média, moda e mediana) caracterizadas pelo número de 6 acertos, com um desvio padrão de 1,48.

Quadro 1
Medidas de Tendência Central e Frequência de acertos do Grupo 1.

No Quadro 1, pode-se constatar que 40% dos estudantes obtiveram de 6 a 8 acertos e nenhum deles zerou o teste, considerando as 10 questões do instrumento. O Gráfico 2 apresenta a frequência de acertos de cada questão pelo Grupo 1. Através dele, pode-se observar que as questões 5 e 8 podem ser consideradas como as mais difíceis do questionário por apresentarem um número baixo de acertos, ao passo que as questões 3 e 7, foram consideradas como as mais fáceis, pelo seu número elevado de acertos.

Gráfico 2
Frequências de acertos por questão -- Grupos 1 e 2.

Em relação ao Grupo 2, as medidas de tendência central demonstraram maior dispersão considerando a média, moda e mediana, o que reflete a heterogeneidade da distribuição de acertos dos participantes, conforme é possível notar por meio do Quadro 2

Quadro 2
Medidas de Tendência Central e Frequência de acertos do Grupo 2.

Observa-se que o Grupo 2 possuiu uma distribuição maior dos acertos, exceto os 14 indivíduos (28%), que acertaram 8 questões cada. Desse modo, é possível notar que no segundo grupo os escores de acertos por questionário foram mais baixos do que em relação ao Grupo 1, demonstrando que na segunda coleta de dados, os estudantes erraram mais. Isso pode ser atribuído ao fato de essa coleta de dados ter sido realizada no início do semestre letivo da universidade, no qual as aulas de Física básica ainda não haviam discutido tais tópicos.

Para finalizar a apresentação dos dados do Grupo 2, através do quadro anterior, se pode notar que para estes estudantes, as questões 8 e 9 foram consideradas mais difíceis por obterem um índice baixo de acertos, da mesma forma com que as questões 1 e 2 foram consideradas as mais fáceis pelo maior número de respostas corretas.

4.1. Confiabilidade

Segundo Hair Junior et al. [28][28] F. Hair Junior, R.E. Anderson, R.L. Tatham e W.C. Black, Análise multivariada de dados (Bookman, Porto Alegre, 2005)., confiabilidade é o grau em que um conjunto de indicadores de uma variável latente é consistente em suas mensurações. Uma variável latente pode ser um construto, que segundo Matthiensen [29][29] A. MATTHIENSEN. Uso do Coeficiente Alfa de Cronbach em Avaliações por Questionários. Documento 48 -- Embrapa. 1ª edição. ISSN 1981-6103, 2011. Disponível em: >https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/bitstream/doc/936813/1/DOC482011ID112.pdf<
https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/b...
, é um conceito que o pesquisador pode definir em termos teóricos, mas que não pode ser medido diretamente, apenas representado ou mensurado por um ou mais indicadores. Segundo este autor, é importante avaliar se o instrumento utilizado em uma pesquisa consegue inferir aquilo a que realmente se propõe, conferindo relevância para o método escolhido.

Dessa forma, o Coeficiente Alfa de Cronbach é uma medida de confiabilidade que busca avaliar a consistência interna dos questionários, uma vez que seu valor representa a média de correlações entre todos os itens do questionário. Os valores deste coeficiente variam de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo de 1, maior é a confiabilidade entre os indicadores. Valores a partir de 0,7 são valores aceitáveis para indicar uma consistência interna satisfatória. Segundo Nobre [24][24] E. Nobre, Elaboração e validação de questionário para descrever o estilo de vida de mães de pré-escolares. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo (2012)., o alfa de Cronbach é utilizado quando apenas uma aplicação do questionário é feita e quando o questionário tem mais que duas opções de resposta.

Utilizando o software estatístico, realizou-se os testes de confiabilidade, separadamente para cada grupo. É importante salientar que será considerado para fins de validação os resultados obtidos pelo teste com o Grupo 2, pelo fato de que este grupo e suas respostas caracterizam a amostra de forma mais fiel do que em comparação com os estudantes do Grupo 1, pois, conforme referido, são estudantes que ainda não passaram por discussões e instruções sobre Física em suas graduações, o que leva a crer que possuam maior semelhança com egressos do Ensino Médio do que os participantes do Grupo 1.

O Quadro 3 apresenta a saída do SPSS para as respostas do Grupo 1 e Grupo 2. Nota-se a grande discrepância entre os valores de Alfa de Cronbach dos dois grupos. Isso se explica ao resgatar o conceito do teste que define que tal valor representa a média de correlações entre todos os itens do questionário, ou seja, um questionário no qual a maioria dos participantes acertam a maioria das questões, ou ao contrário, em que a maioria erra os itens, não pode ser considerado um bom instrumento de medida.

Quadro 3
Saída do SPSS para o coeficiente do Alfa de Cronbach.

Analisando a diferença entre os dois grupos, o baixo valor de Alfa do Grupo 1 significa que o instrumento não potencializou um índice de confiabilidade, possivelmente pelo fato de que o mesmo foi aplicado no final do semestre letivo, ou seja, para estudantes que já haviam passado pelo processo de ensino desses conceitos na graduação.

No Grupo 2, a situação foi propositalmente posta ao contrário, sendo que os 50 participantes desse grupo, embora também estudantes de disciplinas de Física básica, foram convidados a responder o questionário no início do semestre letivo, sem nenhuma oportunidade de discutir ou estudar esses conceitos Físicos além das suas concepções advindas de seus estudos no Ensino Médio.

Os valores do Alfa de Cronbach podem ser melhorados conforme se consiga identificar e remover um item que possa estar influenciando para uma menor correlação entre as médias dos respondentes. Sendo assim, se buscou realizar inferências sobre os itens para observar se os valores de Alfa mudariam com a exclusão de algum deles. Para isso, o cálculo desse coeficiente foi repetido dezenas de vezes, retirando em cada vez um dos 10 itens, a fim de verificar se a consistência interna diminuía ou aumentava.

Desse modo, se percebeu que os itens 1 e 4 estavam contribuindo para um valor aceitável, porém não satisfatório para a medida de confiabilidade. Assim, optou-se por realizar o teste sem a presença desses dois itens, podendo assim apurar o valor obtido anteriormente para um valor maior, apresentado a seguir no Quadro 4

Quadro 4
Saída do SPSS para o coeficiente do Alfa de Cronbach do grupo 2.

Com a exclusão das questões 1 e 4 do instrumento, se pode obter um valor de 0,74 para a medida de confiabilidade, valor esse que será considerado para a validação geral do instrumento, juntamente com a nova estrutura do instrumento, baseada em oito itens. As medidas de tendência central e dispersão para os resultados com somente 8 itens estão apresentados no anexo deste manuscrito.

4.2. Validade

Essa mensuração foi realizada através da observação da validade de conteúdo das questões, de modo a observar a consistência do questionário e quanto os questionamentos contidos neles são capazes de traçar inferências sobre o fenômeno estudado.

A validade de conteúdo consiste na observação do grau de adequação das questões em relação à dimensão do conhecimento avaliado no questionário, ou seja, procura refletir em que medida o conteúdo do questionário cobre os aspectos mais relevantes do conhecimento de Física aplicada ao trânsito. A validação de conteúdo consistiu no exame do instrumento para certificar a sua representatividade, a fim de assegurar que os múltiplos aspectos do fenômeno fossem abrangidos pelos itens do questionário [30][30] K.M.P.P. Mendonça e R.O Guerra. Braz. J. Phys. Ther. 11, 369 (2007).. Ou seja, essa técnica verifica se o instrumento está medindo o que se propõe a medir através da análise feita por especialistas no conteúdo do instrumento.

O índice de dificuldade indica a extensão em que um item é respondido do mesmo modo. Esse índice, segundo Souza [31][31] J. Souza. Conhecimentos nutricionais: reprodução e validação do questionário. Tese de Doutorado. Universidade do Porto, Porto (2009)., estabelece um senso absoluto de quanto atributo é necessário para responder corretamente um determinado item através da percentagem de respostas corretas dadas a ele. Dessa forma, se pode observar que se uma questão for respondida corretamente por 100% dos participantes, ela não é capaz de diferenciar os participantes em níveis de conhecimentos que está sendo medido.

Segundo a autora, um bom item é aquele que 50% dos participantes respondem corretamente. Porém, de acordo com Souza [31][31] J. Souza. Conhecimentos nutricionais: reprodução e validação do questionário. Tese de Doutorado. Universidade do Porto, Porto (2009). aceita-se um intervalo de 20 a 80%. Quando os acertos forem maiores que 80% é considerado um item muito fácil e quando for menor que 20% é considerado muito difícil.

A validade de conteúdo foi constatada através de juízes que realizaram a leitura do instrumento antes da aplicação piloto, com o objetivo de verificar a concordância teórica e semântica dos itens e apontar as necessárias sugestões para o aprimoramento do instrumento. Seis juízes aceitaram voluntariamente participar da avaliação, sendo três deles, da área de Educação para o trânsito e os outros três da área do Ensino de Física.

Segundo os pareceres, nenhum item precisou passar por uma reformulação teórica, somente foram sugeridas algumas melhorias linguísticas, que ao final resultou no instrumento que foi aplicado aos alunos participantes dos dois grupos deste teste piloto. A validade de itens pode ser observada pela percentagem de acertos e erros de cada item.

Para tal, foi utilizado os resultados do teste com o Grupo 2. Através do Quadro 5 é possível observar que a maioria dos itens estão dentro do aceitável para considerar um item válido (entre 20 a 80% de acertos).

Quadro 5
relação de itens e porcentagens de acertos.

Teste de Hipótese

Para finalizar, apresentamos o teste de hipótese para verificar se há diferenças entre as médias de acertos dos dados coletados no Grupo 1 e Grupo 2, ou seja, se o instrumento possui validade quando aplicado a estudantes que não passaram por momentos de discussão e reflexão sobre aspectos Físicos contextualizados ao trânsito.

Para corroborar com o valor satisfatório do Alfa de Cronbach obtido pelo Grupo 2, foi verificado se há diferença entre as médias de acertos da primeira e segunda coleta de dados, ou seja, perceber se é significativa a diferença entre a aplicação dos testes no final do semestre e no início do semestre letivo, realizando um Teste de Hipótese.

Para amostras que obedeçam a uma tendência à normalidade (distribuição gaussiana) se utiliza um Teste t para comparação de médias, porém, caso as amostras não obedeçam a uma curva normal, deve-se utilizar um teste não-paramétrico para verificar a hipótese de diferenças entre as médias.

Primeiramente, é necessário verificar se as médias dos dois grupos seguem a curva normal. Para isso foi utilizado um teste chamado Kolmogorov-Smirnov. Para interpretar a saída do software estatístico para esse teste, basta observar o p-valor de significância. Esta análise testa a hipótese nula de que os dados seguem uma distribuição normal, tendo como hipótese alternativa a não tendência à normalidade dos dados. Ele observa a máxima diferença absoluta entre a função de distribuição acumulada assumida para os dados, no caso a Normal, e a função de distribuição empírica dos dados [25][25] L. Pasquali. Psicometria: teoria dos testes na psicologia e na educação. (Vozes, Petrópolis, 2017).. Como critério, compara-se esta diferença com um valor crítico para um dado nível de significância. Esse valor, para uma significância de 95% deve possuir um número maior que 0,05 para ser considerada uma distribuição normal, ou seja, toda vez que o teste de Kolmogorov-Smirnov apresentar p\textless 0,05, significa fuga de normalidade.

Conforme se pode observar na saída do SPSS, no Quadro 6, o grupo 1 possui um valor p = 0,03, ou seja, p<0,05, sendo considerado que a distribuição das médias desse grupo como não normal. O Grupo 2 apresentou um valor de significância de 0,08, ou seja, maior que 0,05, obedecendo à tendencial normal, porém como uma das amostras não apresenta o requisito básico necessário para a realização de um Teste t para amostras independentes, optou-se por realizar um teste não-paramétrico para ambas.

Quadro 6
Saída do SPSS para o Teste Kolmogorov-Smirnov (esquerda grupo 1; direita grupo 2.

Sendo assim, para realizar o Teste de Hipótese foi necessária uma análise não-paramétrica de dados realizada através do Teste Mann-Whitney. A saída do SPSS para o teste é apresentada no Quadro 7.

Quadro 7
Saída do SPSS para o Teste de hipótese Mann-Whitney.

Para analisar a hipótese, o teste de Mann-Whitney cria um ranking de todos os casos, independente do grupo a que a média pertença e depois compara estes rankings entre cada grupo. Assim como no teste de Kolmogorov-Smirnov, deve-se observar o p-valor, este que deve ser maior que 0,05 para a hipótese nula de que as médias podem ser consideradas como iguais não seja rejeitada.

No caso do teste entre o Grupo 1 e 2, o p-valor foi de 0,007, ou seja, um valor menor que 0,05, sugerindo a rejeição da hipótese nula. Esse índice confirma a diferença de médias entre os dois grupos analisados. Nesse sentido, conseguimos observar por meio desse testes que houve uma diferença de desempenho estatisticamente significativa entre os participantes dos dois grupos.

5. Conclusões e implicações

Após a realização dos testes piloto em busca da validação do instrumento de coleta de dados sobre Física aplicada ao trânsito, se pode constatar uma medida de confiabilidade através do coeficiente do Alfa de Cronbach de 0,74, indicando uma consistência interna dentro dos padrões aceitáveis para o instrumento medir o que se propõe a medir.

O instrumento foi aplicado em dois momentos, primeiramente a um grupo que já havia estudado na graduação os conceitos físicos abordados no questionário e outro grupo recém-chegado à universidade, em que sua bagagem intelectual além da vivência em seus cotidianos, pode ser atribuída somente ao que foi estudado no Ensino Médio, compondo um grupo com maior proximidade ao perfil que será observado na aplicação do instrumento validado nos Centros de Formação de Condutores.

O teste não-paramétrico de Mann-Whitney sinalizou uma diferença significativa entre as médias de respostas dos dois grupos, levando a rejeitar a hipótese nula de que o questionário possuía a mesma eficácia nas duas aplicações. Também foi possível observar que a maioria dos itens está de acordo com os níveis de facilidade/dificuldade esperados para um questionário, com base na percentagem dos acertos de cada questão observados pelos respondentes do Grupo 2.

Por fim, o instrumento se mostra válido para ser aplicado de forma integral, ressaltando a retirada dos itens 1 e 4, que colaboraram para o melhoramento do coeficiente do Alfa de Cronbach, demonstrando assim que a ausência deles é um fator que colaborará para uma maior consistência interna do instrumento.

Devemos notar que estas questões não apresentam maior ou menor número de acertos, o que seria natural ao pensarmos em uma análise mais rasa, em que o número de acertos seria o principal fator para verificar a validade de uma questão. Em geral, questões com estes resultados seriam vistas como pouco avaliativas e, portanto, deletadas. Mostramos, assim, que o uso de uma análise estatística no processo permite uma base científica para a escolha destas questões, o que reforça a validação do procedimento adotado.

Um estudo sobre a persistência dos princípios físicos apresentados ao longo do Ensino Básico aplicados situações cotidianas, na percepção de egressos, se faz necessário a fim de instigar as pesquisas da área a elaborar metodologias que busquem inferir se a contextualização sugerida nos documentos oficiais da educação tem sido alcançada na disciplina de Física. Essa defesa se apoia na concepção de que os conhecimentos de Física escolar possam contribuir para a Alfabetização Científica do egresso do Ensino Médio. O instrumento validado neste artigo apresenta-se como uma proposta de atingir tais objetivos de mensuração, pois os princípios e conceitos da Física podem auxiliar o indivíduo a interpretar o seu cotidiano de maneira alinhada ao conhecimento científico.

Incluindo a essa contribuição, a metodologia de validação de questionários permite com que se ressalte a relevância de tais procedimentos em pesquisas da área do Ensino, a fim de que os resultados apresentados em instrumentos criados pelos pesquisadores, assegurem o rigor metodológico dos dados relatados, assim como das conclusões exibidas.

6. Material Suplementar

Anexo 1

Anexo 2

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2019

Histórico

  • Recebido
    06 Set 2018
  • Revisado
    21 Jan 2019
  • Aceito
    28 Jan 2019
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