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A utilização do software Maxima no ensino por investigação da evolução estelar utilizando simulação gráfica da fusão nuclear

The use of Maxima software in teaching by investigation of stellar evolution using graphical simulation of nuclear fusion

Resumo

Tem sido tema comum, nas propostas curriculares, o estudo e experiências de observação do céu e dos principais fenômenos relacionados, a fim de possibilitar a compreensão de características da Terra, do Sol, da Lua e de outros corpos celestes. Recentemente, a proposta de BNCC (Base Nacional Curricular Comum) destaca a necessidade do ensino de astrofísica para estudantes do Ensino Médio. Dentro desta proposta se encaixa a discussão de nascimento, vida e morte das estrelas, assunto atualmente pouco contemplado nos encaminhamentos metodológicos das práticas educativas em curso. Pensando em contribuir com a modelização e aproximação do fenômeno a ser visualizado pelos estudantes apresentamos animações e simulações que podem se tornar importantes ferramentas para o ensino desse conteúdo. Produziu-se então uma animação GIF (Graphics Interchange Format), por meio do software livre Maxima, que retrata o fenômeno da fusão nuclear entre prótons, a força coulombiana repulsiva de aproximação e a interação de força forte, a partir de certa distância de aproximação. Por meio da interação dialógica entre o saber científico, a observação dos fenômenos cotidianos, e o uso de imagens animadas GIF, propõe-se situações que promovam a apropriação de novos conhecimentos.

Palavras-chave:
Animações GIF; Software Maxima; Astrofísica

Abstract

It has been common theme in the curricular proposals the study and experiences of observation of the sky and the main related phenomena, in order to make possible the understanding of characteristics of the Earth, Sun, Moon and other celestial bodies. Recently, the proposal of BNCC (Common National Curricular Base) highlights the need to teach astrophysics to high school students. Within this proposal fits the discussion of birth, life and death of the stars, subject currently little contemplated in the methodological directions of educational practices in progress. In order to contribute to the modeling and approximation of the phenomena to be visualized by the students we present animations and simulations that can become important tools for the teaching of this content. A GIF (Graphics Interchange Format) animation was produced using the Maxima free software, which depicts the phenomenon of nuclear fusion between protons, the repulsive coulombian approach force, and the strong force interaction, from a certain approximation distance. Through the dialogical interaction between scientific knowledge, observation of everyday phenomena, and the use of animated GIF images, situations are proposed that promote the appropriation of new knowledge.

Keywords:
GIF animations; Maxima software; Astrophysics

1. Introdução

Tem sido tema comum, nas propostas curriculares, o estudo e experiências de observações do céu e dos principais fenômenos relacionados. Seu intuito é possibilitar a compreensão de características da Terra, do Sol, da Lua e de outros corpos celestes. O conhecimento espacial é ampliado e aprofundado, pela articulação às experiências de observações aos modelos explicativos, desenvolvidos pela ciência.

O tema da astronomia, ou melhor, da astrofísica, foi destacado na proposta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) [1][1] BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Base Nacional Comum Curricular. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/bncc-ensino-medio, acessado em 01/10/2018.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/bncc...
, no tópico sobre a “Ciência da Natureza e suas Tecnologias no Ensino Médio: Competências e Habilidades”:

Competência Específica 2

Construir e utilizar interpretações sobre a dinâmica da Vida, da Terra e do Cosmos para elaborar argumentos, realizar previsões sobre o funcionamento e a evolução dos seres vivos e do Universo, e fundamentar decisões éticas e responsáveis.

Ao reconhecerem que os processos de transformação e evolução permeiam a natureza e ocorrem das moléculas às estrelas em diferentes escalas de tempo, os estudantes têm a oportunidade de elaborar reflexões que situem a humanidade e o planeta Terra na história do Universo, bem como inteirar-se da evolução histórica dos conceitos e das diferentes interpretações e controvérsias envolvidas nessa construção [1][1] BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Base Nacional Comum Curricular. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/bncc-ensino-medio, acessado em 01/10/2018.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/bncc...
.

Diante do texto legal, que orienta a exploração desse tema nos deparamos, na realidade escolar, com uma dinâmica de encaminhamento didático que distribui esse conteúdo num tempo muito reduzido, em relação à importância e ao encaminhamento diferenciado que o tema requer. Percebemos que outro agravante é a escassez de material didático, que subsidie o professor para o encaminhamento metodológico sobre conteúdos que se referem à astronomia.

Também, observamos alguns questionamentos, que são significativos já que sinalizam inquietações sobre esse assunto, a exemplo:

  • ‐ Considerando o elemento Hidrogênio, da tabela periódica, o que acontece quando consegue juntar dois núcleos de hidrogênio? Quais as condições para isso acontecer?

  • ‐ Qual a estrela mais antiga que se tem conhecimento?

  • ‐ Qual a idade do nosso Sol?

  • ‐ Nosso Sol durará tanto tempo quanto a estrela mais antiga que se conhece?

  • ‐ Quais as diferenças entre essa estrela super antiga e nosso Sol?

Essas observações respaldaram a consideração de encaminhamentos metodológicos que abordem o funcionamento das estrelas. Com esse intuito, organizamos uma simulação da reação de fusão nuclear e da análise do tempo de vida das estrelas, por meio de imagens animadas no formato GIF (Graphics Interchange Format)[2][2] M.A.C. Santos, M.M. Passos, S.M. Arruda, R.C. Viscovini, Revista Brasileira de Ensino de Física 38, 1502 (2016)..

Nosso propósito é contribuir com uma compreensão mais aprofundada da Terra, do Sol e dos demais Astros. Ainda, subsidiar o estudante no processo de reflexão sobre o espaço que a espécie humana ocupa no Universo. Por meio da interação dialógica entre o saber científico, a observação dos fenômenos cotidianos, e o uso de imagens animadas GIF, propõe-se situações que promovam a apropriação de novos conhecimentos [3[3] V. Heckler, M.F. O.Saraiva, K.S. Oliveira Filho, Revista Brasileira de Ensino de Física 29, 267 (2007).,4[4] A. R. Arantes, M. S. Miranda, N. Studart, Física na Escola 11, 27 (2010).,5[5] A. Medeiros, C.F. Medeiros, Revista Brasileira de Ensino de Física 24, 77 (2002).].

2. Fundamentos Teóricos da Pesquisa

Em se tratando do uso das tecnologias, comungamos da percepção de que elas podem contribuir com metodologias diferenciadas, que possibilitam a simulação de experiências. Nesse sentido, vale ressaltar que a construção de modelos representativos permeia quase a totalidade das descrições de fenômenos físicos.

Nas últimas décadas criou-se a possibilidade desses modelos serem virtuais, em máquinas e softwares, que permitem a manipulação dos dados matematicamente e/ou visualmente, aumentando a instrumentalização de modelizações animadas e de simulações.

Com o propósito de oferecer recursos que promovam a aprendizagem, subsidiada pelo uso da tecnologia, situamos o Maxima, um sistema de computação algébrica (CAS)1 1 Computer Algebra System . Esse software tipo CAS viabiliza o tratamento simbólico, o que possibilita abordagens numéricas e gráficas. Trata-se um software livre de licença GNU General Public Licence (GPL), disponível para diversos sistemas operacionais como Linux e Windows, de acesso à comunidade acadêmica [6][6] F.L. Oliveira e R.H.O.L. Franchi, in VI Congresso Internacional de Ensino da matemática (ULBRA, Canoas, 2013).. Atualmente existem diversos softwares CAS (Maple, Mathematica, MatLab, EasyJava), alguns livres, outros proprietários, cada qual com suas vantagens e adeptos. Devido às similaridades entre estes softwares, não costuma ser difícil portabilizar códigos entre eles, principalmente ser for apresentada uma programação abordando o passo a passo.

Considerando a disponibilização de uso dessa tecnologia, não cabe mais pensar o ensino de ciências dissociado dos diversos saberes. Atualmente, o discurso educacional concebe uma aproximação conceitual, que visa à construção do conhecimento pelo próprio aluno, por meio do diálogo e da reflexão dos saberes diferenciados. Para Anastasiou há a necessidade da promoção de mobilização e construção de síntese do conhecimento, que promove a aprendizagem. Mais especificamente, a “aprendizagem exige a compreensão e apreensão do conteúdo pelo aluno” [7][7] L.G.C. Anastasiou, in: Processos de ensinagem na universidade, editado por L.G.C. Anastasiou e L. P. Alves (Editora Univille, Joinville, 2003), p. 11., para tanto,

é essencial a construção de um conjunto relacional, de uma rede, de um sistema, em que o novo conhecimento apreendido pelo aluno amplie ou modifique o sistema inicial [...] O processo de apreensão, de conhecer, está relacionado ao enredar, estabelecendo os nós necessários entre os fios a serem tecidos [7][7] L.G.C. Anastasiou, in: Processos de ensinagem na universidade, editado por L.G.C. Anastasiou e L. P. Alves (Editora Univille, Joinville, 2003), p. 11..

Comungando da compreensão de que o aprendizado promove a ampliação do conhecimento, Trivelato & Silva atentam-se para a aprendizagem de Ciências, em relação ao processo de enculturação. Assim, ela “pode ser considerada uma espécie de enculturação, pela qual o estudante entra em contato com uma nova forma de ver os fenômenos...” [8][8] S.F. Trivelato e R.L.F. Silva, in Ensino de Ciências. (Cengage Learning, São Paulo, 2011)..

O ensino de Ciências, como possibilidade de fomentar um processo de enculturação, também é defendido por Tonidandel. A autora reconhece esse espaço como propício para que os estudantes percebam as características da linguagem científica, “utilizem-na em suas atividades e que possam compreender a importância da linguagem científica, em suas características estruturantes” [9][9] S.M.R. Tonidandel. Escrita argumentativa de alunos de ensino médio alicerçada em dados empíricos obtidos em experimentos de biologia. Dissertação de Mestrado em Ensino de Ciências, Universidade de São Paulo, São Paulo (2008)..

No que se refere ao alcance do ensino de Ciências, que promove a enculturação científica, Tonidandel acentua que o encaminhamento dos saberes deve levar “os estudantes a compreenderem e reconstruírem ativamente o seu conteúdo conceitual” [9][9] S.M.R. Tonidandel. Escrita argumentativa de alunos de ensino médio alicerçada em dados empíricos obtidos em experimentos de biologia. Dissertação de Mestrado em Ensino de Ciências, Universidade de São Paulo, São Paulo (2008).. Para tanto, esse ensino deve oportunizar, ao estudante, a participação do “processo de construção e tendo a oportunidade de aprender a argumentar e exercitar a razão”.

A observação da importância do encaminhamento metodológico, que propicia a compreensão conceitual, é enfatizada por Anastasiou [7][7] L.G.C. Anastasiou, in: Processos de ensinagem na universidade, editado por L.G.C. Anastasiou e L. P. Alves (Editora Univille, Joinville, 2003), p. 11.. A autora faz referência ao ato de ensinar como um desafio, que

consiste na construção mental ou na abstração que se efetiva quando, mentalmente, se é capaz de reconstruir o objeto apreendido pela concepção de noções e princípios, independentemente do modelo ou exemplo estudado, associando ideias, enredando e chegando a deduzir consequências pessoais e inéditas [7][7] L.G.C. Anastasiou, in: Processos de ensinagem na universidade, editado por L.G.C. Anastasiou e L. P. Alves (Editora Univille, Joinville, 2003), p. 11..

Essa temática, ainda, se sustenta na defesa de que os conteúdos sejam apropriados, pelo estudante, por meio de uma perspectiva que priorize a investigação. Tal possibilidade teórico-metodológica vem permeando encaminhamentos que propõem avanços educacionais. Mais especificamente, o compromisso é o de sintonizar a formação humana às necessidades

contemporâneas de conviver, relacionar-se com a natureza, construir e reconstruir as instituições sociais, produzir e distribuir bens, serviços, informações e conhecimentos e tecnologias, sintonizando-o com as formas contemporâneas de conviver e de ser [10][10] BRASIL, CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, Parecer CNE/CP 009/2001. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/009.pdf. Acessado em 01/10/2018.
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Percebemos que vai se consolidando um discurso que compreende o espaço educacional comprometido com o conhecimento que atenda as novas questões sociais. Esses propósitos também ganham relevância no texto que norteia as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais, para a Educação Básica. Especificamente no que se refere à organização dos conteúdos:

Art. 13. Parágrafo 2. Na organização da proposta curricular, deve-se assegurar o entendimento de currículo como experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, permeadas pelas relações sociais, articulando vivências e saberes dos estudantes com os conhecimentos historicamente acumulados e contribuindo para construir identidades dos educandos [11][11] BRASIL, CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃ. Parecer CNE/CEB 004/2010. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb004_10.pdf, acessado em 01/10/2018.
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Os fundamentos que apontam a oferta de formação, em consonância com as demandas sociais, permeia toda a educação básica. Para avançar no entendimento dessa questão, enfatizamos que o encaminhamento teórico-metodológico deveria priorizar planejamentos educacionais, que preveem atividades investigativas e promovam a organização de situações de aprendizagem partindo de questões que sejam desafiadoras. Em atenção ao propósito educativo, em destaque, é apresentada a proposta metodológica.

3. Metodologia e Contexto da Pesquisa

A proposta metodológica foi desenvolvida a partir de um estudo norteado pela investigação científica, proporcionado por uma disciplina do Mestrado Profissional em Ensino de Física (MNPEF), ofertado pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Participaram da proposta metodológica estudantes da disciplina referida, o professor orientador da disciplina e professores que discutem encaminhamentos metodológicos e pedagógicos.

O conteúdo apresentado neste artigo foi organizado para ser trabalhado durante o espaço de quatro aulas. O assunto em discussão está situado no terceiro ano do ensino médio. No decorrer do encaminhamento do conteúdo o professor deve incentivar novos interesses por questionamentos e informações, que poderão abordar termos como temperatura/velocidade das moléculas e fusão nuclear. Ao estabelecer tais parâmetros os GIFs devem ser mostrados aos alunos para análise que proporcionam a interação entre as partículas.

Para clarificar a relação entre velocidade e temperatura a distribuição de Maxwell-Boltzmann se faz necessária. Logo após a exposição das forças elementares e de seus papéis nas interações estelares principais a noção da fusão nuclear nas estrelas. Embasando-se nessas informações explica-se a diferença de tempo de vida para diferentes estrelas.

No que concerne ao aspecto metodológico das simulações experimentais, Trivelato & Silva, com referência em Carvalho et al [8][8] S.F. Trivelato e R.L.F. Silva, in Ensino de Ciências. (Cengage Learning, São Paulo, 2011)., sinalizam seu sentido: que as atividades “possam ser trabalhadas na forma de proposição de problemas abertos, que proporcionem o maior envolvimento dos alunos com a atividade investigativa [...]”. Para os autores, essa proposta pauta-se na resolução de problemas como o fundamento da ação do aluno, que “deverá refletir, discutir, propor explicações provisórias, testar essas explicações, explicar e relatar, aproximando seu trabalho de uma investigação científica”.

Do exposto, ainda pontuamos a relevância do tema para o ensino médio por se tratar de um conteúdo da Física que normalmente desperta grande interesse dos estudantes.

4. Estrelas

A história da evolução do Universo é intimamente ligada ao nascimento, vida e morte das estrelas. Por isso entender as estrelas é fundamental para estudar o Universo e seus constituintes.

A existência das estrelas depende da sua capacidade de realizar reações termonucleares (nucleossíntese). Embora muitas estrelas possam realizar fusão de elementos mais pesados em determinados períodos da sua vida, a reação mais comum é a representada pela simples fusão de hidrogênio (1H) em hélio-4 (4He):

4 1 H 1 4 He + Energia

Essa reação é muito energética, um grama de hidrogênio transformado em hélio produz aproximadamente 180.000kWh, o suficiente para alimentar uma casa (150kWh/mês) por um século. O Sol “queima” 600 milhões de toneladas de hidrogênio a cada segundo.

A reação de fusão de hidrogênio (H) em hélio (He) pode ocorrer por diversos mecanismos, mas a principal começa com a fusão de dois prótons (núcleos de hidrogênios) em um núcleo de deutério. Posteriormente a fusão de um núcleo de deutério com outro próton produz o hélio-3. Finalmente dois núcleos de hélio-3 geram o hélio-4 com e emissão de dois prótons. Esse mecanismo de fusão é ilustrado na figura 1, onde se percebe que no primeiro estágio ocorre a transformação de prótons em nêutrons. Esta reação é acompanhada pela emissão de um neutrino e um antielétron positivo, chamado de pósitron.

Figura 1
Principal mecanismo de fusão hidrogênio (H) em hélio (He) nas estrelas.

Desses processos, o mais lento e difícil, em termos energéticos, é a fusão dos prótons em deutério, fazendo que os átomos de hidrogênio provavelmente tenham que esperar muitos milhões ou bilhões de anos antes que consigam realizar a sua fusão. A fusão do deutério e do hélio-3 são relativamente mais fáceis e rápidas, por isso estes elementos são raros na composição das estrelas.

Mas os detalhes do mecanismo dessas reações são importantes para entender o nascimento, a evolução, o tempo de vida e o destino dos diferentes tipos de estrelas. Estrelas anãs ou gigantes, “quentes” ou “frias”, podendo viver centenas de bilhões de anos ou poucos milhões, morrendo calmamente ou explodindo.

Para simular os eventos que ocorrem no interior das estrelas seria necessário considerar os inúmeros processos envolvendo seus diversos constituintes. Nesse trabalho, numa transposição didática, focar-se-á nos elementos principais do processo de fusão: os núcleos de hidrogênio (prótons), desconsiderando os seus elétrons e demais elementos das estrelas. Portanto o núcleo de uma estrela será modelado como um gás ideal extremamente quente (plasma) de prótons.

5. Simulação de Fusão Nuclear nas Estrelas

Numa estrela a principal interação entre núcleos é devido a força eletrostática (Lei de Coulomb). Essa força é repulsiva devido aos núcleos terem cargas elétricas positivas. No entanto, para pequenas distâncias ( 1015m) outra força torna-se predominante, a força nuclear forte, que é atrativa. Por isso, a condição básica para fusão de núcleos é aproximarem-se desta distância mínima, vencendo a repulsão eletrostática. Na simulação proposta os núcleos se moverão sobre a influência da força eletrostática e, caso aproximem-se suficientemente, irão fundir-se.

Pode-se calcular a trajetória percorrida por estes núcleos utilizando, por exemplo, uma adaptação do espalhamento de Rutherford, com dois núcleos idênticos e um centro de massa fixo. Embora esse cálculo seja preciso, não é simples chegar ao seu resultado, por isso utilizaremos a técnica de aproximação com passo de força constante. Tal técnica além de simplificar a abordagem, pode ser adaptada a qualquer tipo de força, facilitando a simulação de outros fenômenos físicos.

5.1. Técnica de aproximação com passo de força constante

Essa técnica é baseada na aproximação entre dois prótons que durante um pequeno intervalo de tempo (Δt) a força é praticamente constante (f), assim como a aceleração (a=f/m). Por isso pode-se aproximar a trajetória durante este intervalo de tempo (Δt) por um movimento retilíneo uniformemente variado (MRUV).

Esse intervalo de tempo (Δt) pode ser considerado um passo no tempo:

t n + 1 = t n + Δ t

Considerando uma aproximação de MRUV, pode-se calcular passo na velocidade e na posição:

V n + 1 V n + a Δ t S n + 1 S n + V n + 1 Δ t + a 2 Δ t 2

A técnica consiste numa sequência de passos:

  1. Os valores da posição e da velocidade atuais são os valores iniciais (Sn=S0 e Vn=V0);

  2. Calcula a força e a aceleração para posição atual (a=f(Sn));

  3. Calcula a próxima posição e velocidade (Sn+1 e Vn+1) utilizando a aproximação de MRUV;

  4. Os valores da posição e da velocidade atuais são os próximos valores calculados (Sn=Sn+1 e Vn=Vn+1);

  5. Repetem-se os passos (b), (c) e (d) até o fim da análise do movimento.

Como as imagens animadas são compostas por cenas encadeadas no tempo, cada passo pode ser utilizado para gerar uma cena.

5.2. Força entre dois núcleos de hidrogênio (prótons)

A força elétrica entre duas partículas (q1 e q2) carregadas pode ser expressa como:

f ( r ) = 1 4 π ε 0 q 1 q 2 r 2 r ^ = 1 4 π ε 0 q 1 q 2 r 3 r

onde: r=(x1-x2)i^+(y1-y2)j^+(z1-z2)k^

Supondo que as duas partículas tenham a mesma carga (q = q1 = q2), que estejam no plano XY (z1 = z2 = 0) e sejam opostas em relação à origem (x = x1 = −x2 e y = y1 = −y2) e com uma separação horizontal inicial (b), conforme mostrado na Figura 2.

r = 2 x i ^ + 2 y j ^ = 2 ( x i ^ + y j ^ )
r = 4 x 2 + 4 y 2 = 2 x 2 + y 2
f ( x , y ) = q 2 16 π ε 0 ( x 2 + y 2 ) −3 ( x i ^ + y j ^ )
Figura 2
Interação entre dois prótons no plano XY, com uma separação horizontal inicial (b),

Separando em componentes

f ( x , y ) = f x ( x , y ) i ^ + f y ( x , y ) j ^
{ f x ( x , y ) = q 2 16 π ε 0 ( x 2 + y 2 ) −3 x f y ( x , y ) = q 2 16 π ε 0 ( x 2 + y 2 ) −3 y }

A aceleração de uma partícula de massa m

{ a x ( x , y ) = k ( x 2 + y 2 ) −3 x a y ( x , y ) = k ( x 2 + y 2 ) −3 y }

onde:

k = 1 m q 2 16 π ε 0

5.3. Criando imagens animadas com o maxima

O software livre Maxima tem um conjunto de inúmeras funções gráficas, sendo que na proposta que trazemos neste artigo são utilizadas:

draw: Função para geração/apresentação de imagens. Ela é usada para geração do arquivo GIF, para isso deve ser especificado o formato:


grd2: Função para criação imagem em duas dimensões. No caso é usado para criação dois círculos centrados em +Sn e −Sn, numa página com −Xm<x<+Xm e −Ym< y< +Ym, com diâmetro r. O título e a cor do fundo também poder ser especificados:


append: Permite juntar diversos elementos, no caso diferentes cenas.

5.4. Programação da simulação

A programação pode ser dividida em três partes: definição das funções (aceleração, próximas velocidades e posições); criação de cenas e geração de arquivo GIF.

Na definição da aceleração:

{ a x ( x , y ) = k ( x 2 + y 2 ) 3 2 x a y ( x , y ) = k ( x 2 + y 2 ) 3 2 y

onde:

k = 1 m q 2 16 π ε 0

sendo:

ε0 = permissividade elétrica no vácuo = 8,85 x 10−12 C2 / N.m2

Para prótons (q = 1,6x10−19C e m = 1,67x10−27kg):

Logo:

k = 0,034m3/s2

Para os próximos passos temporais (dt) de velocidade e posição:

V n 1 = V n + a d t
S n 1 = S n + V n 1 d t + a 2 ( d t ) 2

O código de programação da primeira parte:


Na segunda parte de programação é preciso criar três funções: NovaCena para criar uma cena, Impacto para verificar se foi atingida a distância de fusão e Cenas que cria uma lista de cenas. Os parâmetros necessários para são: Vo: velocidade inicial das partículas, b: separação horizontal inicial, r: distância de fusão, dt: passo de tempo, Xm e Ym: dimensões da imagem, Tit: título do gráfico e Esc é a escala da imagem (10−15).


A última parte do programa soma as cenas e gera o arquivo com as imagens animadas:


Os parâmetros para a geração do arquivo imagens são: nome do arquivo (NomeArq); velocidade das partículas (Vel), escala da imagem (Esc onde 10−15m = femtometro) tamanho da imagem (Xm e Ym) e os valores da separação horizontal inicial (bIni) final (bFim) e o incremento (bPasso).

5.5. Resultados das simulações

Uma mudança no programa permite sobrepor todas as cenas numa única imagem, o que facilita a observação impressa dos resultados, conforme as próximas figuras.

Na Figura 3 são apresentados as interações de prótons com velocidades iniciais de 5.000km/s e separação horizontal inicial de 3,0fm e 1,0fm.

Na Figura 4 são apresentados as interações de prótons com velocidades iniciais de 7.500km/s e separação horizontal inicial de 3,0fm e 1,0fm.

Na Figura 5 são apresentados as interações de prótons com velocidades iniciais de 10.000km/s e separação horizontal inicial de 3,0fm e 1,0fm. Pode-se notar a ocorrência da fusão no caso da separação menor (1,0fm).

Figura 3
Interação entre dois prótons com velocidade inicial de 5.000km/s
Figura 4
Interação entre dois prótons com velocidades iniciais de 7.500km/s
Figura 5
Interação entre dois prótons com velocidades iniciais de 10.000km/s

Analisando as simulações é possível perceber que para fusão de prótons, são necessárias velocidades iniciais da ordem de 10.000km/s e distâncias de separação da ordem de 1,0fm.

Em um segundo momento, após apresentadas as simulações e, diante da constatação de que ocorre a fusão nuclear, o professor poderá explorar as relações entre a probabilidade de fusão nuclear entre prótons e a vida das estrelas.

6. Análise da Reação de Fusão Hidrogênio nas Estrelas e seus Tempos de Vida

Para esse momento diferenciado da atividade será oportunizado a avaliação da probabilidade da ocorrência de fusão. Ao desenvolver essa problemática é preciso calcular a velocidade dos átomos de hidrogênio nas estrelas. Essa velocidade depende da temperatura que costuma ser máxima no núcleo das estrelas.

Os prótons, assim como os demais bárions, são férmions, portanto são regidos pela estatística de Fermi-Dirac, obedecendo ao princípio de exclusão de Pauli. Mas para altíssimas temperaturas (T106K) e número de partículas (n1050), pode-se aproximar para um gás clássico e utilizar a distribuição de Maxwell-Boltzmann.

A energia clássica média de átomos monoatômicos, como o plasma de prótons (hidrogênio) de uma estrela, é:

E = 3 2 k T

onde k = 1.38×10−23J/K e T é a temperatura absoluta

Considerando que a energia desses átomos apresenta-se principalmente como cinética:

K = 1 2 m v ¯ 2

onde massa do próton m = 1,67x10−27kg e v¯ é a velocidade média.

Tem-se que a velocidade quadrática média é:

v ¯ = 3 k T m

Apesar do valor da velocidade média, os átomos de um gás, ou plasma, tem uma distribuição de valores de velocidade. Utilizando a distribuição de Maxwell-Boltzmann para a temperatura é possível avaliar a fração dos átomos que possuem uma determinada velocidade (v):

p ( v ) = 4 π ( m 2 π k T ) 3 2 v 2 e ( m v 2 2 k T )

6.1. Estrelas de Vida Longa, como o Sol

O Sol é uma estrela amarela com temperatura de 5800K na superfície e da ordem de 15.000.000K no núcleo. A velocidade média do seu hidrogênio é de 610km/s. Utilizando a função plot2d do Maxima, é possível desenhar o gráfico da distribuição de velocidade esperada p(v) para o hidrogênio no núcleo do sol, mostrado na figura 6.

Figura 6
Distribuição de velocidades esperada para o hidrogênio no interior do Sol.

A parcela do hidrogênio com velocidade necessária para fusão (v ≈ 10.000km/s) é ínfima. Por isso o Sol é uma estrela de vida longa (≈ 100 bilhões de anos). Algumas estrelas menores que o Sol, como as Anãs Vermelhas, possuem núcleos com temperaturas menores, apresentando tempos de vidas ainda maiores (≈ 100 bilhões de anos).

6.2. Estrelas de vida curta

Estrelas maiores que o Sol, costumam terem temperaturas internas muito maiores que o Sol. Estrelas gigantes azuis podem ter temperaturas no núcleo que passam de 100.000.000K, com velocidades médias do hidrogênio acima de 1.500km/s. A distribuição de velocidade esperada p(v) para o hidrogênio no núcleo de uma estrela dessas é mostrada na figura 7.

Figura 7
Distribuição de velocidades esperada para o hidrogênio no interior de uma estrela gigante azul (100.000.000K).

A parcela do hidrogênio com velocidade necessária para fusão (v ≈ 10.000km/s) é substancialmente maior. Essas estrelas têm vida relativamente curta (≈ 100 milhões de anos).

6.3. Estrelas de vida extremamente curta

Algumas estrelas durante sua vida, como as Novas e Supernovas, podem atingir temperaturas extremas da ordem de. 1.000.000.000K. A velocide média do hidrogênio pode passar de 5.000km/s. A distribuição de velocidade esperada p(v) para o hidrogênio no núcleo de uma estrela dessas é mostrada na figura 8.

Figura 8
Distribuição de velocidades esperada para o hidrogênio no interior de uma estrela nova.

Uma significativa parcela do hidrogênio tem velocidade necessária para fusão (v ≈ 10.000km/s), permitindo uma reação muito rápida. Quando essas estrelas atingem tal temperatura sua vida é extremamente curta, geralmente de poucos dias.

7. Considerações Finais

Apresentamos, neste trabalho, um encaminhamento metodológico que utiliza o software Maxima para o ensino por investigação da evolução estelar por meio da produção de energia via fusão nuclear. Esse programa Maxima tem recursos para a elaboração de animações, que promovem a abstração e o domínio da linguagem do programa. Também está disponibilizada a técnica de aproximação com passo de força constante. Esse programa pode ser usado com muita propriedade, para ajudar a solucionar problemas com descrições complexas.

Nossa consideração a respeito do processo de apropriação do conhecimento é de que ele representa um emaranhado de relações, que se respaldam em interações sociais e pessoais. A partir desse entendimento situamos a metodologia com simulações animadas, a fim de possibilitar a exploração de um tema científico, proposto na legislação educacional. Nesse sentido, pontuamos que as modelizações virtuais são de grande auxílio na promoção da aprendizagem.

Essas considerações vislumbram um ensino que promova o conhecimento, por meio da investigação científica. Esse espaço se apresenta propício para contribuir com a reflexão, a observação, a comunicação e o desenvolvimento da linguagem científica. Essas capacidades se subsidiam na participação individual e coletiva, resultando no processo de apropriação conceitual.

Enfatizando, esse discurso, que valoriza um encaminhamento metodológico comprometido com a apropriação do conhecimento, é subsidiado tanto a legislação da educação, quanto os demais textos educacionais.

  • 1
    Computer Algebra System

Referências

  • [1]
    BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Base Nacional Comum Curricular. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/bncc-ensino-medio, acessado em 01/10/2018.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2019

Histórico

  • Recebido
    24 Abr 2018
  • Revisado
    03 Out 2018
  • Aceito
    12 Nov 2018
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