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Ensinando atomística com o jogo digital “Em busca do Prêmio Nobel”

Teaching atomistics with the digital game “In search of the Nobel Prize”

Resumo

Apresenta-se um produto educacional que consiste no uso do jogo Em Busca do Prêmio Nobel para abordar tópicos de atomística em uma escola pública de Fortaleza, com INSE médio-baixo. O jogo contém dois ambientes administrados por um código PHP. O ambiente de estudo é aberto ao público a partir do endereço http://www.jpnobel.com.br/, e consiste em páginas html e mapas conceituais sobre atomística. O ambiente de jogo consiste em questões similares àquelas exigidas em várias edições do ENEM. Telas de transição são associadas a cada questão. Tais telas funcionam como o Mestre de Jogo ou Narrador nos jogos de RPG, e simulam a atuação de um orientador acadêmico. Essa estrutura de comunicação agradou a todos os que participaram do projeto. Atividades de socialização, com oficinas coordenadas pelos alunos à medida que progrediam no jogo foram planejadas mas não executadas em função da coincidência do cronograma do jogo com a realização do ENEM. Para minimamente avaliar esse tipo de atividade, quando todos concluíram o jogo, foi realizado um evento no qual cada um apresentou sua experiência durante o jogo. O evento foi apreciado por todos.

Palavras-chave:
jogo educacional; ensino de física; ensino de ciências; atomística

Abstract

An educational product consisting of the use of the game In Search of the Nobel Prize is presented to address topics of atomistics in a public school at Fortaleza, with low-middle INSE. The game contains two environments managed by a PHP code. The study environment is open to the public from http://www.jpnobel.com.br/, and consists of html pages and conceptual maps on atomistics. The game environment consists of questions similar to those required in various editions of ENEM. Transition screens are associated with each question. Such screens function as the Game Master or Storyteller in RPG games, and simulate the acting of an academic advisor. This communication structure pleased everyone who participated in the project. Socialization activities, with workshops coordinated by the students as they progressed in the game were planned but not executed due to the coincidence of the game schedule with the realization of ENEM. To minimally evaluate this type of activity, when everyone finished the game, an event was held in which each one presented his experience during the game. The event was appreciated by all.

Keywords:
educacional game; physics teaching; science teaching; atomistics

1. Introdução

O termo atomística é bastante usado nos materiais didáticos para o ensino médio brasileiro, mas não consta nas Orientações Curriculares do MEC [1][1] BRASIL, Ciências da natureza, matemática e suas tecnologias (Ministério da Educação, Brasília, 2006) 135 p. A base de dados Google Acadêmico (https://scholar.google.com.br/?hl=pt-BR) mostra que o primeiro registro do termo na literatura didática no país é o livro Atomística, publicado em 1974 por Ricardo Feltre e Setsuo Yoshinaga [2][2] R. Feltre e S. Yoshinaga, Atomística. Teoria e Exercícios (Editora Moderna, São Paulo, 1974) v.2.. Em seu moderno e popular livro, Feltre não usa o termo explicitamente nos sumários [3][3] R. Feltre, Fundamentos da Química (Editora Moderna, São Paulo, 2005).. Os mais usados livros de física no ensino médio também não adotam o termo Atomística [4[4] A. Máximo e B. Alvarenga, Curso de Física (Editora Scipione, São Paulo, 2006). v. 3 [5] L.C. Menezes, O. Canato Jr., C.A. Kantor, L.A. Paoliello Jr., M.C. Bonetti e V.M. Alves, Coleção Quanta Física, 3o. Ano: Ensino Médio (Editora Pueri Domus, São Paulo, 2010). [6] A. Gaspar, Compreendendo a Física: Eletromagnetismo e Física Moderna (Editora Ática, São Paulo, 2010). [7] F. Ramalho Junior, N.G. Ferraro e P.A.T. Soares, Os Fundamentos Da Física: (Editora Moderna, São Paulo, 2003) v. 38[8] G.J. Biscuola, N. V. Bôas e R.H. Doca, Tópicos de Física. (Editora Saraiva, São Paulo, 2007) v. 3.]. Portanto, é curioso que o termo seja tão popular entre alunos e professores brasileiros Na literatura internacional praticamente não existe esse termo quando se trata de textos sobre ensino de física ou de química. No Brasil, geralmente o termo está associado ao ensino de química, mas boa parte do que conhecemos sobre o tema foi desenvolvida por físicos, no final do século 19. E pelo que sugerem as premiações de Prêmio Nobel (PN) na primeira década do século 20, a comunidade científica internacional entendia que esse era um assunto da área da física1 1 https://www.nobelprize.org/.

Essa distinção disciplinar (biologia, física e química) não é produzida pela natureza. Ela é produzida pela incapacidade humana em tratar os diversos fenômenos naturais de modo holístico. A despeito de todos os questionamento filosóficos, não há como fugir dos métodos reducionistas para a abordagem dos fenômenos naturais. A interdisciplinaridade avança pontualmente na pesquisa científica quando os recursos metodológicos assim o permitem, mas impõe obstáculos quase insuperáveis para sua aplicação na área do ensino das ciências da natureza.

Apesar disso, o cinquentenário e clássico livro de Bruce H. Mahan, Química, um curso universitário[9][9] B.H. Mahan, Química: Um Curso Universitário (Editora Edgard Blücher, São Paulo, 1986)., tem um formato absolutamente interdisciplinar, sem que, tanto quanto sabemos, esse aspecto tenha sido explorado pelo autor e seus leitores. Trata-se de uma obra que, asseguradas as adequadas transposições didáticas, pode ser usada por professores de física e de química, no ensino médio e no ensino universitário, para abordar a grande área das ciências dos materiais, que inclui a atomística e a física moderna.

O fato é que essa secular incapacidade de abordagem interdisciplinar no ensino das ciências da natureza faz com que o tema atomística forme uma zona cinzenta no ensino médio. A proposta curricular do Estado de São Paulo para o ensino de química estabelece, entre outras coisas, que [10][10] M.I. Fini, Proposta Curricular do Estado de São Paulo: Química (Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, São Paulo, 2008).:

O estudo das transformações químicas proposto para a 1a série envolve os seguintes conteúdos: (…) modelo atômico de Dalton como uma primeira explicação para os fatos (conceito de átomo, massa atômica, símbolos químicos); (…) uma primeira leitura da tabela periódica, como forma de organização dos elementos químicos, a qual leva em conta suas massas atômicas.

Na 2a série, o professor reconhecerá conteúdos familiares a esse ano, (…) além de conteúdos de estrutura atômica relativos aos modelos de Rutherford e Bohr (…)

A abordagem de atomística na química, geralmente tem uma organização conceitual cuja estrutura é diferente daquelas geralmente adotadas nos livros de física, as quais correspondem à cronologia do desenvolvimento desse tema. Sistematicamente os livros de física para o ensino médio tratam de tópicos de atomística no contexto da física moderna, e o conteúdo é geralmente distribuído em dois ou três capítulos, os quais abordam a teoria da relatividade especial, o modelo de Bohr e a teoria quântica [6[6] A. Gaspar, Compreendendo a Física: Eletromagnetismo e Física Moderna (Editora Ática, São Paulo, 2010).,8[8] G.J. Biscuola, N. V. Bôas e R.H. Doca, Tópicos de Física. (Editora Saraiva, São Paulo, 2007) v. 3.]. Raramente abordam a física nuclear [5[5] L.C. Menezes, O. Canato Jr., C.A. Kantor, L.A. Paoliello Jr., M.C. Bonetti e V.M. Alves, Coleção Quanta Física, 3o. Ano: Ensino Médio (Editora Pueri Domus, São Paulo, 2010).,7[7] F. Ramalho Junior, N.G. Ferraro e P.A.T. Soares, Os Fundamentos Da Física: (Editora Moderna, São Paulo, 2003) v. 3]. Tanto quanto conhecemos, o único livro de física que foge a essa estrutura cronológica é o de Menezes e colaboradores [5][5] L.C. Menezes, O. Canato Jr., C.A. Kantor, L.A. Paoliello Jr., M.C. Bonetti e V.M. Alves, Coleção Quanta Física, 3o. Ano: Ensino Médio (Editora Pueri Domus, São Paulo, 2010)., que apresenta a física moderna com abrangência maior do que os outros.

Para o leitor interessado, existe uma enorme literatura sobre os primórdios da atomística moderna, quando ela transitava entre a física e a química, cuja discussão não cabe aqui [11[11] C. Jungnickel e R. McCormmach, Intellectual Mastery of Nature (The University of Chicago Press, Chicago, 1990). [12] H. Kragh, Quantum Generations: A History of Physics in the Twentieth (Princeton University Press, Princeton, 2002). [13] M. Biezunski, Histoire de La Physique Moderne (Éditions la Découverte, Paris, 1993). [14] M. White, Rivalidades Produtivas: Disputas e Brigas Que Impulsionaram a Ciência e a Tecnologia (Editora Record, Rio de Janeiro, 2003). [15] A.S.T. Pires, Evolução Das Ideias Da Física (Livraria da Física, São Paulo, 2008). [16] E.P. Camargo, D. Silva e J. Barros Filho, Investig. Em Ensino Ciências 11, 1 (2008).17[17] P. Cotardière, História Das Ciências. Da Antiguidade aos Nossos Dias. (Texto & Grafia, Lisboa, 2010). v I]. Como registro histórico, cabe destacar um texto de 1853, publicado por T. S. Hunt [18][18] T.S. Hunt, London, Edinburgh, Dublin Philos. Mag. J. Sci. 5, 526 (1853).

Acreditamos haver consenso quanto à ideia de que do ponto de vista rigorosamente fenomenológico, não há qualquer diferença entre a física e a química. A estrutura do livro de Bruce Mahan citado anteriormente [9][9] B.H. Mahan, Química: Um Curso Universitário (Editora Edgard Blücher, São Paulo, 1986). corrobora cristalinamente essa assertiva.

Portanto, trabalhar em física ou em química no final do século 19, não fazia qualquer diferença além das aptidões específicas. Ou seja, quem tinha mais aptidão para atividades industriais atuava naquilo que a comunidade considerava ser a química. Por outro lado, quem tinha mais interesse nas abordagens básicas da fenomenologia trabalhava naquilo que se considerava ser a física.

Em suma, dizer que atomística ou o estudo dos átomos no ensino médio deve ser realizado nas disciplinas de química é apenas uma determinação legal. Não há qualquer fundamento pedagógico ou científico que justifique esta segmentação. O que se denomina atomística no ensino médio pode ser o resultado de transposição didática da disciplina usualmente denominada estrutura da matéria ou física moderna nos cursos de licenciatura em física das principais universidades brasileiras.

Não é objetivo deste trabalho analisar detalhadamente o cenário que acabamos de apresentar, nem questionar a zona cinzenta no ensino médio, que existe por força da legislação brasileira. Interessa-nos destacar o lado positivo da sua existência, qual seja, ela permite que o assunto por muitos denominado atomística, seja também abordado na área em que os professores de física denominam física moderna. Acreditamos que isso pode ser proveitoso para os alunos.

Foi com isso em mente que nos propusemos a contribuir para o avanço didático nessa área, e decidimos adotar a designação mais popular atomística, em vez de física moderna

Na sequência apresentaremos uma breve revisão da literatura sobre o uso de jogos no ensino das ciências da natureza os fundamentos do jogo e como ele foi usado no ensino de atomística e física moderna em uma escola pública de Fortaleza.

2. Ensino baseado em jogos (EBJ)

As referências modernas sobre jogos educacionais predominantemente tratam do uso de RPG (Role-Playing Game), uma técnica que vem se favorecendo dos avanços computacionais. Todavia a ideia de se usar jogos educacionais é muito antiga, bem antes da existência desses recursos tecnológicos modernos. O primeiro documento registrado na base de dados do Google Acadêmico (https://scholar.google.com.br/) com a expressão de busca educational game é uma patente de 1858, desse jogo hoje tradicional de blocos com números e letras do alfabeto. Na sequência, essa mesma base de dados registra inúmeras patentes com jogos similares ou aperfeiçoamentos do jogo pioneiro. Ainda de acordo com o Google Acadêmico, os primeiros artigos e livros sobre o assunto foram publicados depois de 1900.

Embora muito antiga, a utilização de jogos no ensino de ciências ainda encontra-se em sua infância quando alguns aspectos são considerados [19][19] M.-C. Li e Chin-Chung Tsai, J Sci Educ Technol 22, 877 (2013).. De acordo com Li e Tsai [19][19] M.-C. Li e Chin-Chung Tsai, J Sci Educ Technol 22, 877 (2013)., são poucos os estudos sobre o uso do EBJ nos quais são claramente relatados aspectos referentes a processos científicos, afeto, engajamento e contexto social da aprendizagem. Mesmo que esses aspectos não estejam claramente definidos em boa parte da literatura, há consenso em que o EBJ tem forte correlação com teorias de aprendizagem cognitivistas e construtivistas [19[19] M.-C. Li e Chin-Chung Tsai, J Sci Educ Technol 22, 877 (2013). [20] D. Craciun, J. Sci. Arts Year 10, 175 (2010).21[21] J.M. Yien, C.M. Hung, G.J. Hwand e Y.C. Lin, Turkish Online J. Educ. Technol. 10, 1 (2011).], bem como com a teoria sócio-cultural de Vygotsky.[22][22] M. Qian e K.R. Clark, Comput. Human Behav. 63, 50 (2016)..

No que se refere aos jogos eletrônicos, dois aspectos devem ser levados em conta. O primeiro, salientado por Li e Tsai [19][19] M.-C. Li e Chin-Chung Tsai, J Sci Educ Technol 22, 877 (2013). é que princípios pedagógicos em si não constituem elementos interessantes e atrativos capazes de motivarem as pessoas a utilizarem o jogo. Neste sentido, desempenham papéis importantes para o engajamento dos jogadores, características dos jogos digitais tais como objetivos, regras, interatividade, comentários e desafios.

O segundo aspecto, que se observa em alguns jogos, mas que a nosso conhecimento ainda não mereceu um estudo sistemático, refere-se ao fato do jogo explorar com muita maestria as características dos jogos digitais mencionadas acima, deixando em segundo plano os aspectos pedagógicos. O jogo em si é tão desafiador e interessante que ao final não se sabe exatamente que conceitos foram abordados e pedagogicamente explorados. No jogo que aqui apresentamos levamos em conta esse aspecto da relevância conceitual e da aprendizagem significativa. Mais do que um jogo, nossa proposta tem a ver com uma abordagem pedagógica centrada no processo dialógico.

3. O jogo Em Busca do Prêmio Nobel (EBPN)

A estrutura, as funcionalidades e as possibilidades de implementação do jogo EBPN foram apresentadas em artigo publicado recentemente [23][23] C.A. Santos e E.M. Aquino, Rev. Bras. Ensino Física 40, e3501 (2018).. Trata-se de um jogo multiplataforma que se desenvolve em dois ambientes administrados por um código PHP.

O ambiente de aprendizagem consiste em páginas de conteúdo em HTML e mapas conceituais confeccionados com a ferramenta CmapTools [24][24] J.D. Novak e A.J. Cañas, Inst. Hum. Mach. Cogn. (2006).. O ambiente de jogo consiste em um banco de dados MySQL, com questões e telas de transição que simula um Mestre-Orientador, de modo similar ao Mestre de Jogo ou Narrador nos jogos de RPG.

Essa estrutura modular e aberta permite que o jogo seja implementado em qualquer área de conhecimento que se deseje. Basta inserir no ambiente de aprendizagem, as páginas de conteúdo HTML pertinentes ao assunto, e incluir no ambiente de jogo o banco de questões correspondentes e as respectivas telas de transição. Veremos a seguir como isso foi feito nessa primeira utilização do jogo.

3.1. Ambiente de jogo

A tela de abertura do jogo contém o seguinte texto:

Você está entrando na aventura que é concorrer ao PNA, Prêmio Nobel de Atomística. Os desafios que você vai enfrentar aqui são similares àqueles que um grande cientista enfrenta quando passa por essa etapa da sua vida. Em primeiro lugar, você terá que conhecer a fundo o assunto que lhe dará o PNA. Einstein não ganharia o Prêmio Nobel de Física em 1921, se ele não soubesse a física que ele sabia, não é mesmo?

Na vida real, ganhar o Prêmio Nobel é coisa para poucos. A pessoa precisa ter bom aproveitamento no curso de graduação, precisa fazer bons cursos de mestrado e doutorado, precisa fazer pesquisa relevante e orientar estudantes de graduação e de pós-graduação e precisa publicar os resultados da sua pesquisa. Antes de ganhar o Nobel, quase sempre o cientista ou a cientista ganha outros prêmios, concedidos por diferentes sociedades científicas e órgãos de fomento à pesquisa. Por exemplo, aqui no Brasil o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) concede diferentes prêmios a estudantes e pesquisadores.

Nesse jogo você vai passar por situações similares àquelas que os cientistas passam na vida real. Vai enfrentar desafios para resolver questões teóricas e experimentais, vai “publicar” seus resultados, vai ser premiado pelo sucessos de suas “publicações”, eventualmente terá decepções porque foi ultrapassado por um concorrente.

Mas, para iniciar a aventura, você precisa certificar-se que tem um bom conhecimento do assunto. Certifique-se realizando o teste de admissão. Se você passar no teste, poderá iniciar o jogo. Se não passar, você tem duas alternativas:

  1. Pedir orientação ao seu professor de física ou de química;

  2. Ir para a biblioteca estudar.

Quando o jogador clica na opção jogar pela primeira vez, o sistema sorteia uma questão do teste de admissibilidade. Para ser admitido no jogo, o jogador precisa acerta consecutivamente três questões desse teste. Se, por exemplo, ele acertar duas e errar a terceira, o programa reinicia o sorteio. Essas questões de admissibilidade fazem parte do banco de dados de questões fáceis, detalhadas a seguir.

Uma vez aprovado no teste de admissibilidade, o jogador ingressa no jogo na categoria Graduação. Ele tem que passar por mais duas categorias antes de se credenciar ao Prêmio Nobel (PN): Mestrado e Doutorado. Ele passa da Graduação para o Mestrado quando acertar no mínimo três questões fáceis de cada um dos quatro tópicos. Para passar para a categoria Doutorado o jogador deve acertar no mínimo três questões intermediárias de cada tópico e, finalmente, para ganhar o Prêmio Nobel ele deve acertar no mínimo três questões difíceis de cada tópico. Ou seja, para ganhar o PN o jogador tem que acertar no mínimo 36 questões.

É interessante justificar a razão de ter um mínimo de questões para passar de fase e para ganhar o PN. Existem duas razões para isso [23][23] C.A. Santos e E.M. Aquino, Rev. Bras. Ensino Física 40, e3501 (2018).:

Para colocar no jogo a sorte e o azar, e para simular o que ocorre na vida de qualquer cientista. É muito frequente o cientista perder parte do seu trabalho, quando tenta publica-lo. Por exemplo, se ele tenta publicar um resultado que foi anteriormente obtido e publicado por outro, sem seu conhecimento, é grande a chance de o trabalho não ser aceito. Mesmo que o trabalho seja aceito, ele pode ficar em desvantagem na corrida pelo PN, porque a paternidade da sua descoberta é atribuída a outro cientista. Para simular essa situação colocamos um elemento de imprevisibilidade no algoritmo. Quando o jogador responde corretamente a última questão de cada nível (Graduação, Mestrado e Doutorado), o programa sorteia SORTE ou AZAR. Se der SORTE, ele passa para o nível seguinte ou ganha o PN. Se der AZAR, ele terá que responder nova questão, e só passará para o nível seguinte ou ganhará o PN, se acertar a última questão e tiver SORTE.

Qualquer que seja o caso, sorte ou azar, o programa apresenta uma tela de congratulação ou uma explicação do infortúnio, conforme ilustram as Figs. 1(a) e 1(b).

Figura 1
(a) tela de sorte; (b) tela de azar.

As questões do ambiente de jogo são divididas, para cada tópico, em três níveis de dificuldade: fácil, intermediário e difícil. Na presente aplicação do jogo, o conteúdo foi dividido em quatro tópicos, conforme será detalhado na sequência do artigo. Cada questão é acompanhada por uma tela de entrada (Fig. 2) e uma de saída (Fig. 3). O enunciado da questão correspondente às Figs. 2 e 3 é apresentado na Fig. 4.

Figura 2
Tela de entrada referente à questão exibida na Fig. 3.
Figura 3
Tela de saída associada à questão exibida na Fig. 4.
Figura 4
Enunciado da questão correspondente à tela de entrada exibida na Fig. 2. Se o jogador marca uma alternativa errada como essa indicada acima, o programa exibe a tela apresentada na Fig. 3.

Na tela de entrada, o aluno toma conhecimento do assunto da questão. Se ele achar que ainda não domina o assunto, pode ir para a biblioteca estudar, clicando no botão no canto inferior à direita da figura. Se ele achar que está apto para responder a questão clica em ENTER, e o programa exibe a questão.

Se o jogador errar a questão, o programa exibe a tela de saída como esta apresentada na Fig. 3, indicando o que causou o erro do jogador. Ao teclar ENTER, o programa encaminha o jogador para a parte da biblioteca onde encontram-se os textos pertinentes ao tópico da questão. Essencialmente essa é a dinâmica do jogo. Vejamos agora como é a estrutura do ambiente de aprendizagem.

3.2. Ambiente de aprendizagem

O ambiente de aprendizagem do jogo é público. Qualquer pessoa com o endereço do servidor2 2 www.jpnobel.com.br/ pode navegar nesse ambiente. Basta clicar em ESTUDAR na tela de abertura. O tema de atomística abordado no jogo foi dividido em quatro tópicos: modelo atômico; propriedades atômicas da matéria; tabela periódica; radioatividade. O ambiente de aprendizagem consiste em páginas HTML (hipertextos de conteúdo e hipertextos com biografias dos principais cientistas da área) e em mapas conceituais elaborados com a ferramenta CMapTools [24][24] J.D. Novak e A.J. Cañas, Inst. Hum. Mach. Cogn. (2006).. A tela de entrada do ambiente de aprendizagem contém quatro links: (a) Entrada para a biblioteca; (b) Entrada para o setor de biografias; (c) Entrada para o setor de mapas conceituais; (d) Entrada para o ambiente de jogo

Excetuando os dois textos iniciais disponíveis na biblioteca (Fig. 5), todos os outros são similares àqueles apresentados nos principais livros didáticos adotados no Brasil. Consideramos importante apresentar um pequeno texto inicial para definirmos o termo atomística. Da mesma forma, consideramos relevante a apresentação dos eventos históricos que originaram a física moderna e a química moderna, em cujos espaços conceituais encontram-se os tópicos que consideramos pertinentes à atomística.

Figura 5
Tela de abertura da biblioteca.

Para quem deseja fazer uma revisão rápida do conteúdo, o jogo disponibiliza mapas conceituais, cujo espaço tem a tela de abertura exibida na Fig. 6. Todos os mapas são apresentados no Material Suplementar Para ilustrar o estilo didático e redacional do conteúdo, vários trechos dos hipertextos também são apresentados no Material Suplementar.

Figura 6
Tela de abertura dos mapas conceituais.

4. Aplicação do jogo

4.1. A constituição do grupo-teste

A presente implementação realizada com o tema atomística, foi aplicada em um projeto especial por um dos autores (FVSD) na escola Prof. Jader Moreira de Carvalho em Fortaleza. De acordo com a classificação do INEP3 3 http://portal.inep.gov.br/indicadores-educacionais. , a escola tem INSE médio-baixo.

Considerando que o conteúdo dessa implementação é uma mistura do que habitualmente é oferecido em física e em química, resolvemos fazer esse ensaio fora do horário escolar, com uma turma espontaneamente formada. O núcleo gestor da escola divulgou o projeto entre alunos do matutino e do vespertino, informando que se tratava de um jogo digital sobre atomística e física moderna. No primeiro momento, 23 alunos mostraram interesse em participar do projeto. Nesse primeiro encontro, o professor fez uma exposição sobre questões pedagógicas do jogo, bem como seu modo de funcionamento. Foi também informado que se tratava de um trabalho no âmbito de uma dissertação de Mestrado Profissional em Ensino de Física.

No segundo encontro, 13 alunos compareceram e se submeteram a um pré-teste com conceitos elementares de atomística. Desses, apenas seis acessaram o jogo, e somente cinco o concluíram O grupo reunia-se à noite, nas quartas-feiras, e tinha à sua disposição salas de estudo e laboratório de informática. Os alunos permaneciam em média uma hora e meia na escola durante essas sessões. Alguns alunos tentaram jogar fora da escola, com seus celulares, mas por alguma razão que ainda não sabemos o sistema é muito instável nessa plataforma Apenas um aluno conseguiu jogar no seu celular. É provável que a instabilidade deva-se a problemas com a provedora do sinal de internet dos celulares.

Durante as sessões das quartas-feiras, o grupo debatia assuntos abordados no jogo. Sempre que necessário, o professor fazia uma explanação acerca do tema do dia. Alguns alunos eram do 2°. Ano e outros do 3°. Ano, de modo que todos já tinham estudado o assunto na disciplina de química do 1°. Ano.

O jogo, como aqui proposto tem uma estrutura aberta que permite sua utilização em qualquer área do conhecimento e de acordo com qualquer teoria de ensino-aprendizagem. Tudo vai depender do conteúdo inserido e da forma como o jogo será utilizado em sala de aula, de modo que a vinculação a eventuais teorias pedagógicas ficará por conta do professor que utilizar o material. Por exemplo, um professor que deseje basear sua prática pedagógica de acordo com a teoria de Ausubel [25[25] M.A. Moreira and E.F.S. Masini, Aprendizagem Significativa: A Teoria de David Ausubel (Moraes, São Paulo, 1982).,26[26] D.P. AUSUBEL, Educational Psychology: A Cognitive View (Holt, Rinehart and Winston, New York, 1968).], poderá antes da utilização do jogo, trabalhar com os subsunçores ou ideias-âncoras pertinentes à atomística. Da mesma forma, um professor que queira seguir a orientação de Vygotsky [27[27] L.S. Vygotski, A formação social da mente (Livraria Martins Fontes, São Paulo, 1991),28[28] A. Gaspar e I.C.C. Monteiro, Investig. Em Ensino Ciências 10, 227 (2005).] deverá programar atividades com grande interação social entre os alunos.

Por exemplo, para estimular a socialização do conhecimento e ao mesmo tempo premiar os mais bem sucedidos no jogo, foram programadas oficinas para serem ministradas pelos primeiros alunos que passarem de nível. Ou seja, o primeiro aluno que passasse da Graduação para o Mestrado daria uma oficina sobre como superou as dificuldades do jogo naquela primeira fase, ao mesmo tempo que tiraria dúvidas dos colegas que encontraram alguma dificuldade. Oficina similar ocorreria durante a passagem do Mestrado para o Doutorado, e um grande evento em sala de aula seria organizado para quando o primeiro aluno ganhasse o Prêmio Nobel de Atomística. Infelizmente, os momentos programados para esses eventos coincidiram com as preparações finais e realização do ENEM, razão pelas quais os alunos não se dispuseram a participar dos eventos. A situação foi parcialmente remediada com apresentações de todos, após a conclusão do jogo, ou seja, quando todos ganharam o PNA. Nos depoimentos que deram durante as entrevistas, todos gostaram do evento, mas temos consciência que do ponto de vista pedagógico teria sido melhor como planejamos no início do projeto.

4.2. Avaliação do jogo, por parte dos alunos

Um dos autores (CAS) entrevistou, via Whatsapp, os cinco alunos que participaram do projeto até o final. Todos gostaram do jogo e acharam que ele contribuiu para melhorar e para estender o conhecimento do assunto. As transcrições das entrevistas são apresentadas no Material Suplementar.

Quando questionados sobre o que os desagradou no jogo, um referiu-se à instabilidade do sistema quando ele tentou rodar no celular, dois comentaram sobre a inclusão de mais ilustrações, nas questões, para não ficarem muito parecidas com o ENEM e nos hipertextos “para não cansar a vista”. Uma reclamação teve a unanimidade que já era esperada. Trata-se da repetição de questões no processo de sorteio. Cada vez que o jogador erra uma questão, o programa sorteia outra naquele mesmo nível. Como tivemos que limitar o número de questões, dado que a elaboração de boas questões exige muito tempo de trabalho, e tínhamos um cronograma a cumprir, em função do período escolar dos alunos e do tempo para apresentação da dissertação de um dos autores (FVSD), ficou exagerada a repetição de questões durante o sorteio Ainda não sabemos qual é o número mínimo de questões de modo a minimizar a repetição até um nível aceitável. Esse número, que depende da quantidade de respostas erradas, deverá ser objeto de pesquisa na próxima aplicação do jogo.

Quando questionados sobre o que mais agradou no jogo, todos mencionaram a dinâmica do jogo que levava à biblioteca quando o jogador errava a questão. Os hipertextos disponíveis na biblioteca agradou a todos.

5. Considerações finais

Apresentamos um produto educacional que consiste no uso do jogo Em Busca do Prêmio Nobel (EBPN) [23][23] C.A. Santos e E.M. Aquino, Rev. Bras. Ensino Física 40, e3501 (2018). para abordar tópicos de atomística no ensino médio. O material foi testado com um grupo de alunos que espontaneamente se dispôs a participar do projeto

A dinâmica do jogo foi elogiada por todos os participantes. Os textos das telas de transição funcionam como o Mestre de Jogo ou Narrador nos jogos de RPG, e simulam a atuação de um orientador acadêmico. Os “diálogos” propiciados por essas telas foram bem apreciados pelos alunos Uma questão que ficou em aberto para novas aplicações do produto, é a determinação do número mínimo de questões de modo que as repetições no processo de sorteio limitem-se a um valor aceitável.

Outro aspecto que deveremos dar atenção nas próximas aplicações é a inclusão de mais ilustrações, tanto nos enunciados das questões, quanto nas telas de transição.

Material suplementar

O seguinte material suplementar está disponível online:

Jogo Digital “Em busca do Prêmio Nobel

Referências

  • [1]
    BRASIL, Ciências da natureza, matemática e suas tecnologias (Ministério da Educação, Brasília, 2006) 135 p
  • [2]
    R. Feltre e S. Yoshinaga, Atomística. Teoria e Exercícios (Editora Moderna, São Paulo, 1974) v.2.
  • [3]
    R. Feltre, Fundamentos da Química (Editora Moderna, São Paulo, 2005).
  • [4]
    A. Máximo e B. Alvarenga, Curso de Física (Editora Scipione, São Paulo, 2006). v. 3
  • [5]
    L.C. Menezes, O. Canato Jr., C.A. Kantor, L.A. Paoliello Jr., M.C. Bonetti e V.M. Alves, Coleção Quanta Física, 3o. Ano: Ensino Médio (Editora Pueri Domus, São Paulo, 2010).
  • [6]
    A. Gaspar, Compreendendo a Física: Eletromagnetismo e Física Moderna (Editora Ática, São Paulo, 2010).
  • [7]
    F. Ramalho Junior, N.G. Ferraro e P.A.T. Soares, Os Fundamentos Da Física: (Editora Moderna, São Paulo, 2003) v. 3
  • [8]
    G.J. Biscuola, N. V. Bôas e R.H. Doca, Tópicos de Física. (Editora Saraiva, São Paulo, 2007) v. 3.
  • [9]
    B.H. Mahan, Química: Um Curso Universitário (Editora Edgard Blücher, São Paulo, 1986).
  • [10]
    M.I. Fini, Proposta Curricular do Estado de São Paulo: Química (Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, São Paulo, 2008).
  • [11]
    C. Jungnickel e R. McCormmach, Intellectual Mastery of Nature (The University of Chicago Press, Chicago, 1990).
  • [12]
    H. Kragh, Quantum Generations: A History of Physics in the Twentieth (Princeton University Press, Princeton, 2002).
  • [13]
    M. Biezunski, Histoire de La Physique Moderne (Éditions la Découverte, Paris, 1993).
  • [14]
    M. White, Rivalidades Produtivas: Disputas e Brigas Que Impulsionaram a Ciência e a Tecnologia (Editora Record, Rio de Janeiro, 2003).
  • [15]
    A.S.T. Pires, Evolução Das Ideias Da Física (Livraria da Física, São Paulo, 2008).
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2019

Histórico

  • Recebido
    20 Set 2018
  • Revisado
    12 Nov 2018
  • Aceito
    15 Nov 2018
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