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Conservação do momento angular por videoanálise utilizando o brinquedo flat balls

Angular momentum conservation by video analysis using the flat balls toy

Resumo

O momento angular de um sistema de partículas e a sua divisão em um termo orbital e um termo de spin é um assunto normalmente relegado a segundo plano, ou mesmo ausente, nas disciplinas introdutórias de mecânica dos cursos de graduação. Além disso, a conservação do momento angular de um sistema, na ausência de torques externos, pode ser muitas vezes contraintuitiva. O presente trabalho se utiliza de um brinquedo chamado flat ball, que têm um formato semelhante a discos, no contexto de uma colisão bidimensional. Duas flat balls idênticas são lançadas girando em sentidos opostos e colidem, sobre uma superfície de atrito desprezível. O experimento tem grande potencial pedagógico porque proporciona uma análise qualitativa e quantitativa das grandezas momentos linear e angular do sistema, bem com a sua conservação, empregando a técnica de videoanálise. O resultado surpreendente do experimento tem o potencial de despertar a curiosidade dos estudantes, bem como abre o caminho para abordar a transição dos módulos do momento angular orbital e de spin do sistema, antes e depois da colisão.

Palavras-chave:
videoanálise; colisões; conservação do momento angular

Abstract

The angular momentum of a particle system and its division into an orbital term and a spin term is a subject usually relegated to the background, or even absent, in introductory mechanics courses in undergraduate courses. In addition, the angular momentum conservation of a system, in the absence of external torques, can often be counterintuitive. The present work uses a toy called flat ball, which has a format similar to discs, in the context of a two-dimensional collision. Two identical flat balls are launched spinning in opposite directions and collide on a negligible friction surface. The experiment has great pedagogical potential because it provides a qualitative and quantitative analysis of the magnitude of the linear and angular momenta of the system, as well as its conservation, using the technique of video analysis. The surprising result of the experiment has the potential to arouse students' curiosity, as well as opening the way to address the transition of the system's absolute values of the orbital angular momentum and spin angular momentum, before and after the collision.

Keywords:
video analysis; collisions; angular momentum conservation

1. Introdução

Imagine duas pessoas sentadas em cadeiras giratórias de escritório, posicionadas exatamente uma de frente a outra. Então, ambas as pessoas recolhem as suas pernas do chão, deixando-as dobradas, junto aos assentos e se mantém nessa configuração, em repouso. Uma das pessoas usa a sua mão direita para empurrar tangencialmente para o seu lado esquerdo, o assento da cadeira do colega. O que vai acontecer? Segundo os autores da renomada coleção de Física do GREF (Grupo de Reelaboração do Ensino de Física) [1][1] GREF - Grupo de Reelaboração do Ensino de Física, Física 1: Mecânica (EDUSP, São Paulo, 1996), 4ª ed., em seu volume 1 intitulado Mecânica, as duas cadeiras com as respectivas pessoas iriam girar em sentidos opostos, de forma que o momento angular do sistema permaneça nulo, como era quando todos estavam em repouso.

Entretanto, caso o leitor disponha de duas cadeiras giratórias pode fazer esse simples experimento e constatar que as cadeiras giram no mesmo sentido, no caso do nosso exemplo no sentido horário (mesmo quem não possua cadeiras giratórias pode facilmente imaginar a situação e chegar à mesma conclusão). Assim, o momento angular do sistema é diferente de zero e existe uma aparente violação da conservação do momento angular do sistema. Essa contradição pode ser explicada porque o sistema não é realmente isolado, devido à força de atrito externa entre as bases das cadeiras giratórias e o chão. Uma evidência de que o atrito externo existe e interfere no sistema é que se não fosse o atrito externo, haveria também violação da segunda lei de Newton. De fato, quando uma pessoa empurra a outra, mesmo tangencialmente, cada pessoa recebe uma força (ação e reação) e, portanto, cada pessoa deveria ter uma variação do seu momento linear, no entanto o centro de massa por cada pessoa continua parado e elas apenas giram no mesmo sentido. Logo, a força de atrito externa interfere no momento linear dos corpos, assim como no momento angular do sistema, que não se conserva.

Esse exemplo ilustra como o conceito de momento angular é sutil e pode pregar peças mesmo em professores de física. Nesse caso, o fato de o sistema parecer isolado é que causou a confusão, mas até mesmo em sistemas isolados, a conservação do momento angular pode causar controvérsia. Em uma tirinha de física publicada no periódico The Physics Teacher editado pela AAPT (American Association of Physics Teachers), Paul Hewitt autor de um famoso livro sobre Física conceitual propõe duas questões interessantes [2][2] P.G. Hewitt, The Physics Teacher 47, 6 (2009).. A primeira delas mostra um homem em pé, girando com velocidade angular constante sobre uma plataforma girante, com os braços esticados e segurando um haltere em cada mão. Em dado momento, ele solta os halteres que caem até o chão e pergunta-se o que acontece com a velocidade angular do Mário sobre a plataforma (Figura 1).

Figura 1
Tirinha Figuring Physics, por Paul Hewitt. Imagem extraída da referência [2][2] P.G. Hewitt, The Physics Teacher 47, 6 (2009)..

É tentador pensar que a velocidade angular dele aumenta, pois o seu momento de inércia diminui sem os halteres, enquanto o momento angular do sistema se conserva. Contudo, essa conclusão apressada não leva em conta que mesmo após Mário largar os halteres, o momento angular do sistema ainda é a soma vetorial do momento angular do Mário, da plataforma e dos halteres e nenhum torque agiu para fazer a velocidade angular se alterar.

A segunda questão que Hewitt propõe é sobre dois patinadores um de frente ao outro, segurando as mãos e rodando juntos em torno de um ponto fixo entre eles, sobre uma pista de gelo. Naturalmente, o momento linear do sistema no referencial da Terra é zero, pois o Centro de Massa (CM) está em repouso, mas o momento angular do sistema é diferente de zero. Se eles soltarem as mãos, ambos irão sair em sentidos opostos de uma mesma direção tangente, com velocidades constantes e sem girar. Nessa última situação, o momento linear do sistema permanece nulo e como eles pararam de rodar em torno do CM, poderia se pensar que o momento angular do sistema também é nulo. Contudo, essa conclusão viola a conservação momento angular. Nessa situação, a confusão ocorre porque se considera equivocadamente que corpos fazendo um movimento retilíneo uniforme não possuem momento angular.

Por fim, existe outra confusão quando se analisa os movimentos de um sistema de partículas no referencial do Centro de Massa (CM). Mostra-se facilmente que o momento linear do sistema é sempre nulo no referencial do CM. Assim, se poderia concluir de forma equivocada que momento angular do sistema também seria nulo. Porém, em um sistema de partículas, o momento angular total não é necessariamente nulo no referencial do CM [3][3] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica (Editora Edgard Blucher, São Paulo, 2002), v.1, 4ª ed..

Uma demonstração intuitiva simples de que um sistema de partículas tem momento linear total nulo, mas o seu momento angular total é não nulo, pode ser obtida da seguinte situação problema: considere dois discos de massas iguais e que se aproximam com velocidades paralelas, de mesmos módulos e constantes, mas em sentidos opostos, deslizando sobre um plano sem atrito. Além disso, ambos não giram em torno de si e podem ser considerados como partículas. Eles não estão se aproximando na mesma linha, pois estão deslocados de um pequeno parâmetro de impacto. Ao analisar essa colisão bidimensional no referencial do CM, que está localizado no ponto médio da reta que liga os centros dos dois discos, um raciocínio apressado nos levaria a concluir que tanto o momento linear quanto o momento angular do sistema seriam nulos. Porém, ao desenhar os vetores r1 e v1 referentes a posição e velocidade do disco 1, em relação ao CM e fizer o seu produto vetorial, o resultado será um vetor não nulo, perpendicular ao plano do movimento. Realizando o mesmo procedimento para os vetores r2 e v2 referentes à posição e velocidade do disco 2 no referencial do CM, o resultado será também um vetor não nulo, no mesmo sentido do produto vetorial anterior. Logo, o momento linear desse sistema no referencial do CM é zero, mas o seu momento angular é diferente de zero.

O presente trabalho propõe uma versão mais sofisticada desse último caso, no contexto de uma colisão bidimensional de dois objetos idênticos com formato similar a discos (flat balls), que giram em sentidos opostos, sobre uma superfície de atrito desprezível. O experimento tem grande potencial pedagógico porque envolve a análise qualitativa da conservação dos momentos linear e angular do sistema, simultaneamente.

2. O Experimento

Flat ball (ou bola flutuante, ver Figura 2) é um brinquedo disponível no mercado recomendado para crianças na faixa de 8 a 11 anos cujo objetivo é permitir que as crianças joguem futebol de uma maneira diferente, dentro de casa, sem quebrar nada e evitar sujar as paredes, por conta do material macio que preenche toda a lateral. O ventilador, que funciona com 4 pilhas AA, localizado no centro da bola, empurra o ar para baixo, permitindo que o flat ball flutue e deslize sobre piso frio e madeira. No experimento apresentado neste trabalho, duas flat balls foram utilizadas sobre uma bancada de madeira.

A filmagem foi feita a uma taxa de 120 fps utilizando a opção slow motion da câmera de um smartphone Samsung Galaxy S4 modelo GTI9515, e a videoanálise foi realizada utilizando o software livre Tracker[4][4] http://physlets.org/tracker/, acessado em 02/03/2020.
http://physlets.org/tracker/...
. O smartphone foi posicionado aproximadamente 1 m acima do plano onde ocorreu a colisão, apoiado sobre uma plataforma fixada nas bases da bancada. Os dados foram obtidos marcando-se os pontos no vídeo manualmente, evitando-se a opção autotracker.

Durante a videoanálise não foram notadas deformações permanentes causada pela colisão, pois as velocidades das flat balls são extremamente baixas.

Figura 2
Flat ball é um brinquedo disponível no mercado recomendado para crianças na faixa de 8 a 11 anos cujo objetivo é permitir que as crianças joguem futebol em casa. Sua base de ar, que funciona com 4 pilhas AA, permite que a flat ball flutue e deslize sobre piso frio e madeira.

Como as flat balls são brinquedos e não equipamentos de laboratório, elas não possuem uma padronização e as suas massas são ligeiramente distintas. A flat ball de centro em cor vermelha (localizada à esquerda na Figura 2) tem massa: 215,97 g e a flat ball de centro em cor azul (localizada à direita na Figura 2) tem massa: 216,09 g. Por simplificação, supomos que as massas delas são idênticas e valem efetivamente 216,0(1) g cada uma, incluindo as pilhas. O diâmetro das flat balls é 18,3(1) cm, e este parâmetro é usado como referência de calibração de distâncias para a videoanálise.

O momento de inércia da flat ball não corresponde aquele de um disco ou cilindro homogêneo. As pilhas, por exemplo, estão concentradas aproximadamente no centro da flat ball. Se a flat ball tivesse uma distribuição homogênea de massa o momento de inércia seria I=(12)mr2=(12)×0,216×(0,1832)2=9,0(2)×104 kg• m2/s. Porém, como os componentes mais massivos estão mais próximos do centro, o momento de inércia tem um valor menor I=4,5(2)×104kg• m2/s. Essa medida foi determinada pendurando a flat ball e transformando-a em um pêndulo físico. A descrição detalhada do método utilizado para determinar o momento de inércia da flat ball está na referência [5][5] V.L.B. de Jesus e D.G.G. Sasaki, The Physics Teacher 56, 639 (2018)..

3. Análise dos Resultados

Ao comparar os movimentos das flat balls antes e depois da colisão, percebe-se claramente que esses objetos deixam de girar em torno de si próprio após a colisão e apenas se afastam em linhas retas, com velocidades constantes. A aparente violação da conservação do momento angular do sistema pela ausência de rotação das flat balls em torno de si mesmas depois da colisão, se deve ao fato de considerar apenas os seus momentos angulares de spin. Denominamos de momento angular de spin aquele relacionado à rotação da flat ball em torno de seu respectivo CM. Contudo, no cálculo do momento angular do sistema, é preciso levar em conta também o momento angular do movimento dos centros de massas das flat balls, em relação a uma origem arbitrária. Em geral, essa origem costuma ser um ponto fixo no referencial do laboratório, mas os cálculos se tornam mais simples se todas as grandezas forem relativas ao centro de massa do sistema. Sendo assim, neste trabalho optamos por utilizar o referencial do CM do sistema em todas as análises quantitativas.

O momento angular do sistema J composto pelas duas flat balls é:

(1) J = i = 1 m i r i × v i + j = 1 m j r j × v j

O primeiro somatório se refere a flat ball 1 e o segundo somatório à flat ball 2. O vetor ri é a posição de um elemento de massa da flat ball 1 e o vetor rj é a posição de um elemento de massa da flat ball 2, ambos em relação ao CM do sistema (Figura 3). O vetor vi é a velocidade do elemento de massa da flat ball 1 e o vetor vj é a velocidade do elemento de massa da flat ball 2, também em relação ao CM do sistema

A partir da Figura 3, podemos observar que:

(2) r i = r i + R C M 1
(3) r j = r j + R C M 2

Onde o vetor ri é a posição de um elemento de massa da flat ball 1 em relação ao CM da flat ball 1 e o vetor rj é a posição de um elemento de massa da flat ball 2, em relação ao CM da flat ball 2. O vetor RCM1 é a posição do CM da flat ball 1 e o vetor RCM2 é a posição do CM da flat ball 2, ambos em relação ao CM do sistema.

Figura 3
Vetores posição de cada flat ball, em relação ao CM do sistema. O vetor ri é a posição de um elemento de massa da flat ball 1 em relação ao CM da flat ball 1 e o vetor rj é a posição de um elemento de massa da flat ball 2, em relação ao CM da flat ball 2. O vetor RCM1 é a posição do CM da flat ball 1 e o vetor RCM2 é a posição do CM da flat ball 2, ambos em relação ao CM do sistema.

Substituindo as Equações (2) e (3) na Equação (1), obtemos:

J = i = 1 m i ( r i + R C M 1 ) × ( v i + V C M 1 ) + i = 1 m j ( r j + R C M 2 ) × ( v j + V C M 2 )

Abrindo os produtos vetoriais, utilizando a Equação (4) e Equação (5) e reorganizando os oito termos, obtemos:

(4) J = i = 1 ( r i × m i v i ) + j = 1 ( r j × m j v j ) + R C M 1 × M 1 V C M 1 + R C M 2 × M 2 V C M 2 + i = 1 ( m i r i ) × V C M 1 + j = 1 ( m j r j ) × V C M 2 + R C M 1 × i = 1 ( m i v i ) + R C M 2 × j = 1 ( m j v j )

A grande vantagem de se trabalhar no referencial do CM do sistema é que o somatório dos momentos lineares e o somatório dos produtos das massas das partículas pelas suas distâncias relativas ao CM são nulos, isto é:

i = 1 ( m i r i ) = i = 1 ( m j r j ) = 0 i = 1 ( m i v i ) = i = 1 ( m j v j ) = 0

Utilizando essas relações na Equação (4), os últimos 4 termos se anulam e momento angular do sistema no referencial do CM torna-se:

(5) J = i = 1 ( r i × m i v i ) + j = 1 ( r j × m j v j ) + R C M 1 × M 1 V C M 1 + R C M 2 × M 2 V C M 2

Os dois primeiros termos da Equação (5) correspondem aos momentos angulares dos elementos de massa de cada flat ball, em relação aos respectivos CM. Esses termos são denominados momento angular de spin (S). Por sua vez, os dois últimos termos dessa equação são os momentos angulares do CM de cada flat ball, em relação ao CM do sistema. Esses termos são chamados de momento angular orbital (L).

Como as flat balls são corpos rígidos cujos pontos giram com a mesma velocidade angular, em torno de um eixo fixo ortogonal ao plano do movimento e que passa pelo seu centro de massa, então o momento angular de spin torna-se

S = i = 1 [ ( r i × m i ( ω × r i ) ] = ω i = 1 ( m i r i 2 ) = I ω ,

sendo I o momento de inércia da flat ball.

Então, o momento angular do sistema adquire a seguinte expressão simples e elegante:

(6) J = S 1 + S 2 + L 1 + L 2

Por fim, se as massas das flat balls forem assumidas idênticas, então

R C M 1 = R C M 2
V C M 1 = V C M 2

Onde o vetores VCM são as velocidades dos CM das flat balls, em relação ao CM do sistema. Portanto, podemos concluir que os momentos angulares orbitais L1 e L2 são iguais.

3.1. Conservação do momento linear do sistema

O software Tracker tem uma ferramenta muito útil que permite descrever o movimento no referencial no CM. Para isso, basta colocar o valor da massa em cada “ponto de massa” criado no software, e depois disso entrar em “sistema de coordenadas” e depois em “sistema de referência” e escolher a opção “CM”, selecionando os “ponto de massa” que serão escolhidos para compor o CM.

Observando na Figura 4 os gráficos das posições x(t) e y(t) referenciadas no CM, vemos que antes e depois da colisão são funções lineares. Se ajustarmos linearmente os intervalos antes e depois da colisão, teremos velocidades médias imediatamente antes e depois da colisão para cada flat ball, com as respectivas incertezas [6][6] V.L.B. de Jesus, Experimentos e Videoanálise: Dinâmica (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2014).. Esse ajuste pode ser feito com apenas uns 10 pontos antes/depois, seria equivalente a fazer uma média em 1/12 segundos.

Figura 4
Coordenadas (x,y) versus tempo para as flat balls no referencial do CM.

A partir dos ajustes lineares dos gráficos apresentados na Figura 4, obtemos para flat ball 1 os seguintes valores:

v x a n t e s = ( 0 , 3499 ± 0 , 0008 ) m/s v x d e p o i s = ( 0 , 2688 ± 0 , 0008 ) m/s v y a n t e s = ( 0 , 0375 ± 0 , 0009 ) m/s v y d e p o i s = ( 0 , 0005 ± 0 , 0009 ) m/s

E para a flat ball 2 foram obtidos os valores:

v x a n t e s = ( 0 , 3499 ± 0 , 0008 ) m/s v x d e p o i s = ( 0 , 2688 ± 0 , 0008 ) m/s v y a n t e s = ( 0 , 0375 ± 0 , 0009 ) m/s v y d e p o i s = ( 0 , 0005 ± 0 , 0009 ) m/s

Note que as velocidades vx e vy são simétricas para cada flat ball. Sendo as massas de cada flat ball idênticas, os momenta px e py de cada flat ball são completamente simétricos, o que leva à conclusão de que o momento linear do sistema é nulo e se conservou, conforme os dados abaixo para a componente x:

P x a n t e s = P 1 x a n t e s + P 2 x a n t e s = 0 , 0756 0 , 0756 = 0 , 000 P x d e p o i s = P 1 x d e p o i s + P 2 x d e p o i s = 0 , 0581 + 0 , 0581 = 0 , 000

E para a componente y:

P y a n t e s = P 1 y a n t e s + P 2 y a n t e s = 0 , 0081 0 , 0081 = 0 , 000 P y d e p o i s = P 1 y d e p o i s + P 2 y d e p o i s = 0 , 001 + 0 , 001 = 0 , 000

Logo:

P a n t e s = P d e p o i s = 0

3.2. Conservação do momento angular do sistema

A mesma técnica utilizada para medir as componentes das velocidades das flat balls pode ser utilizada para a determinação dos momentos de spin antes e depois da colisão. A posição angular de um ponto qualquer da flat ball, por exemplo, o ponto localizado pelo vetor ri no caso da flat ball 1, é obtido por videoanálise quando passamos a adotar o referencial do CM da flat ball 1. A Figura 5 apresenta o gráfico Θ(t) que é uma função linear, obtido por esse método. O ajuste de Θ(t) forneceria uma velocidade angular média no intervalo de 1/12 de segundo antes ou depois da colisão. É importante lembrar que o resultado da velocidade angular deve ser obtido em rad/s, logo a variável Θ deve ser obtida em radianos.

Figura 5
Coordenada Θ versus tempo para as flat balls. Os valores de Θ estão apresentados em radianos.

Dos ajustes lineares de Θ(t) apresentados da Figura 5 com 10 pontos mais próximos da colisão obtemos para a flat ball 1:

ω 1 a n t e s = 3 , 59 ( 4 ) rad/s ; ω 1 d e p o i s = + 0 , 28 ( 4 ) rad/s

Utilizando o valor do momento de inércia da flat ball, obtido experimentalmente por videoanálise, I=4,5(2)×104 kgm2/s, apresentamos os seguintes valores para os momentos angulares de spin da flat ball 1:

S 1 a n t e s = I ω 1 a n t e s = 4 , 5 ( 2 ) × 10 4 × ( 3 , 59 ( 4 ) ) = 0 , 00162 ( 7 ) kg m 2 / s S 1 d e p o i s = I ω 1 d e p o i s = 4 , 5 ( 2 ) × 10 4 × 0 , 28 ( 4 ) = 0 , 00013 ( 2 ) kg m 2 / s

Realizando o mesmo procedimento, obtemos para a flat ball 2:

ω 2 a n t e s = 3 , 29 ( 4 ) rad/s ; ω 2 d e p o i s = 0 , 09 ( 4 ) rad/s

E similarmente, os momentos angulares de spin para a flat ball 2 são:

S 2 a n t e s = I ω 2 a n t e s = 4 , 5 ( 2 ) × 10 4 × ( 3 , 29 ( 4 ) ) = 0 , 00149 ( 7 ) kg m 2 / s S 2 d e p o i s = I ω 2 d e p o i s = 4 , 5 ( 2 ) × 10 4 × ( 0 , 09 ( 4 ) ) = 0 , 00004 ( 2 ) kg m 2 / s
Figura 6
Momentos angulares orbital, de spin e total do sistema composto pelas duas flat balls antes e depois da colisão.

Utilizando os valores calculados anteriormente para os momentos lineares do CM de cada flat ball, e uma planilha eletrônica, obtemos os valores do momento angular orbital para aproximadamente 30 frames antes e depois da colisão para cada flat ball (ver Figura 6):

L ( t ) = R C M ( t ) × P C M
L z ( t ) = x C M ( t ) × P y C M y C M ( t ) × P x C M

Realizando uma média temporal no intervalo de tempo medido antes e depois da colisão

L z = < L z ( t ) >

Obtemos:

L 1 a n t e s = + 0 , 00058 ( 2 ) kg m 2 / s L 2 a n t e s = + 0 , 00058 ( 2 ) kg m 2 / s L 1 d e p o i s = 0 , 00100 ( 2 ) kg m 2 / s L 2 d e p o i s = 0 , 00100 ( 2 ) kg m 2 / s

Observe que os momentos angulares orbitais L1 e L2 de cada flat ball antes (depois) da colisão são iguais, como prevê o modelo teórico.

Agora, podemos estimar o momento angular total do sistema antes e depois da colisão:

J a n t e s = S 1 a n t e s + S 2 a n t e s + L 1 a n t e s + L 2 a n t e s = = 0 , 00162 ( 7 ) 0 , 00149 ( 7 ) + 0 , 00058 ( 2 ) + 0 , 00058 ( 2 ) = 0 , 00195 ( 10 ) kg m 2 / s J d e p o i s = S 1 d e p o i s + S 2 d e p o i s + L 1 d e p o i s + L 2 d e p o i s = = 0 , 00013 ( 2 ) 0 , 00004 ( 2 ) 0 , 00100 ( 2 ) 0 , 00100 ( 2 ) = 0 , 00191 ( 4 ) kg m 2 / s

Mostrando que o momento angular total do sistema se conserva, dentro das incertezas estimadas.

Podemos interpretar o experimento como um todo do seguinte modo: as duas flat balls se aproximam com momentos angulares orbitais iguais em relação ao CM, ambos positivos (sentido para fora do plano). Por outro lado, os momentos angulares de spin não são idênticos pois suas velocidades angulares são distintas, mas são ambos negativos (sentido para dentro do plano). Após a colisão, os momentos angulares de spin são praticamente nulos e os momentos angulares orbitais mudam de sentido e tornam-se negativos. Logo, podemos concluir que os momentos angulares de spin negativos antes da colisão superam os momentos angulares orbitais positivos, resultando em um momento angular do sistema negativo. Ao colidir, ocorre uma transferência dos momentos angulares de spin negativos para os momentos angulares orbitais acarretando que esses últimos mudem de módulos e de sentido. A causa dessa transferência é a força de atrito interna entre as flat balls que atua somente durante o breve tempo de colisão. Essa força de atrito diminui a energia cinética total, altera os módulos e sentido dos momentos lineares e angulares de cada flat ball, mas por ser uma força interna ao sistema, conserva os momentos angulares e lineares totais.

4. Conclusões

O uso de um brinquedo divertido como equipamento de laboratório para ilustrar conceitos vetoriais mais complexos como momento angular de um sistema é inusitado e tem o potencial de despertar a curiosidade dos estudantes. Além disso, o caráter contraintuitivo do experimento de colisão bidimensional de duas flat balls, lançadas girando em torno de si mesmas, pode contribuir para suscitar um frutífero debate conceitual em sala de aula sobre a conservação do momento angular de um sistema de partículas.

A utilização do referencial do CM revela-se valiosa para a compreensão dos conceitos de momento angular orbital e momento angular de spin e a sua relação com o momento angular do sistema, assim possibilitando a abordagem de uma temática em geral relegada ao segundo plano, ou mesmo ausente, nas disciplinas introdutórias de mecânica dos cursos de graduação.

Por fim, a análise quantitativa dessas grandezas pode ser realizada utilizando-se a técnica de videoanálise, mediada pelo software gratuito Tracker, dirimindo qualquer dúvida em relação à conservação do momento angular do sistema, bem como explicando a dinâmica de transição dos módulos do momento angular orbital e de spin do sistema, antes e depois da colisão.

Referências

  • [1] GREF - Grupo de Reelaboração do Ensino de Física, Física 1: Mecânica (EDUSP, São Paulo, 1996), 4ª ed.
  • [2] P.G. Hewitt, The Physics Teacher 47, 6 (2009).
  • [3] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica (Editora Edgard Blucher, São Paulo, 2002), v.1, 4ª ed.
  • [4] http://physlets.org/tracker/, acessado em 02/03/2020.
    » http://physlets.org/tracker/
  • [5] V.L.B. de Jesus e D.G.G. Sasaki, The Physics Teacher 56, 639 (2018).
  • [6] V.L.B. de Jesus, Experimentos e Videoanálise: Dinâmica (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2014).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2020
  • Aceito
    13 Jul 2020
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