Resumo
O presente texto trata-se de uma adaptação simples da caracterização via séries de Fourier de uma classe de potenciais periódicos para o reticulado cúbico simples, desenvolvida originalmente no reticulado colméia, tratando com rigor tanto as propriedades do tipo de potencial quanto as propriedades da natureza do espaço reticulado.
Palavras-chave:
Potencial periódico; reticulado colméia; reticulado cúbico simples
Abstract
This text is a simple adaptation of the characterization via Fourier series of a class of periodic potentials to the simple cubic lattice, originally developed in the honeycomb lattice, rigorously treating both the potential type properties and the nature properties of the lattice space.
Keywords:
Periodic potential; honeycomb lattice; simple cubic lattice
1. Introdução
A física da matéria condensada de um elétron é uma simplificação que tem tido um sucesso notável na descrição de certas propriedades dos cristais. As noções básicas de materiais isolantes, condutores e semi-condutores podem ser explicadas pelo espectro de energia de um único elétron que se move sob a influência de um arranjo periódico de átomos e do princípio de exclusão de Pauli [1][1] M. Massimi, Pauli's Exclus ion Principle: The Origin and Validation of a Scientific Principle (Cambridge University Press, Cambridge, 2005).. O último determina a ocupação dos estados por elétrons não interagentes. No modelo de um elétron, a interação entre os elétrons é negligenciada e as propriedades espectrais e de transporte do material são descritas pelo modelo de uma partícula do operador Hamiltoniano de Schrödinger.
De fato, em condutores e semi-condutores, elétrons livres têm que partilhar o espaço total disponível no interior do material - e por isso seus níveis de energia se empilham criando uma estrutura de bandas a partir de cada nível de energia atômico. Em bons condutores (metais) os elétrons estão tão fortemente degenerados que eles acabam por não contribuir de forma significativa para a capacidade térmica do metal. Muitas propriedades mecânicas, elétricas, magnéticas, ópticas e químicas dos sólidos são consequências diretas da repulsão de Pauli entre elétrons livres ou semi-livres. Para mais detalhes, veja [1][1] M. Massimi, Pauli's Exclus ion Principle: The Origin and Validation of a Scientific Principle (Cambridge University Press, Cambridge, 2005). e [2][2] J.J. Sakurai, Modern Quantum Mechanics (Cambridge University Press, Cambridge, 1994)..
Descrevendo a evolução temporal do elétron, a equação de Erwin Schrödinger dependente do tempo é dada por
onde t é a variável temporal, x é a variável espacial e é a constante de Planck dividida por . O operador Hamiltoniano H será, por simplicidade tomando um sistema de unidades adequado para o qual e , escrito como
Ainda, é possível reescrever a equação (1) usando o operador H como sendo para o qual o problema de existência e unicidade das soluções da equação (1) com o estado inicial dado podem ser reduzidos ao problema do estabelecimento da auto-adjunticidade para o operador linear H, ou seja, se o operador for auto-adjunto está garantida a existência e unicidade de soluções com estado inicial .
Em [3][3] C.L. Fefferman e M.I. Weinstein, R.J. Amer. Math. Soc. 25, 1169 (2012). Fefferman e Weinstein desenvolvem, a partir da teoria de Floquet-Bloch, uma caracterização para o espectro dos operadores de Schrödinger cujo potencial é definido no reticulado colméia. Entre outras coisas, Fefferman e Weinstein constroem uma classe de potenciais periódicos nesse reticulado utilizando algumas ferramentas de mecânica quântica e séries de Fourier. Temos por objetivo adaptar tal construção, enunciada na Proposição 3.2, para um potencial no reticulado cúbico simples (Proposição 4.2). Em outros termos, para , o potencial pode ser escrito como
onde é real, é uma ação de dada a partir de uma matriz de rotação em e é um conjunto de classes de equivalência. Tal resultado é relevante pois ele garante que qualquer potencial assumindo condições necessárias de simetria no reticulado pode ser reescrito de forma muito mais simples como somas de cossenos.
2. Operadores de Schrödinger Periódicos
Uma vez que íons em um cristal perfeito são ordenados em uma rede periódica regular, podemos considerar o problema de um elétron em um potencial V(x) com a periodicidade de um reticulado de Bravais fundamental, ou seja, para todo vetor v do reticulado de Bravais. Um reticulado de Bravais consiste nas configurações básicas que resultam da combinação dos sistemas de cristalização com a disposição das partículas em cada uma das células unitárias de uma estrutura cristalina, sendo estas células entendidas como os paralelepípedos (no caso tridimensional) que constituem a menor subdivisão de uma rede cristalina que conserva as características gerais de todo o reticulado, permitindo que por simples replicação da mesma se possa reconstruir o sólido cristalino completo. Cabe salientar que a periodicidade perfeita é uma idealização e as imperfeições são realmente não desprezíveis, uma vez que, por exemplo, a condutibilidade elétrica dos metais não é infinita. Todavia, modelos são essenciais para a compreensão da natureza e podem, via perturbações refinadas, se aproximar muito das condições físicas reais.
Estamos interessados em examinar propriedades gerais da Equação de Schrödinger, dada por
para um elétron cujo potencial V é periódico. Elétrons que satisfazem a Equação de Schrödinger com potencial periódico são conhecidos como elétrons de Bloch e, conforme [4][4] N.W. Ashcroft e N. D. Mermin, Solid States Physics (Cengage Learning, Inc, Califórnia, 1976)., estados estacionários de elétrons de Bloch tem a seguinte propriedade como uma consequência geral da periodicidade do potencial V:
Teorema 2.1 (de Bloch) [5][5] F. Bloch, Zeitschrift für Physik 52, 555 (1929). Os autoestados do Hamiltoniano (2) podem ser escolhidos de tal forma que, associado a cada , exista um vetor de onda k tal que
para todo v no reticulado de Bravais.
Demonstração. Para cada vetor v do reticulado de Bravais, definimos o operador de translação o qual, quando operando em qualquer função f(x) desloca o argumento por v, ou seja,
Uma vez que o Hamiltoniano é periódico, temos
Como (6) vale identicamente para qualquer função , então . Além disso, o resultado de aplicarmos duas translações sucessivas não depende da ordem em que elas foram aplicadas, pois para qualquer temos
de onde vem
As equações (6) e (8) nos mostram que os operadores , para qualquer v na rede de Bravais, e o Hamiltoniano H são comutativos, isto é, para todo v na rede de Bravais. Dada tal que , temos
logo é uma autofunção de H com autovalor . Uma vez que H não tem autovalores degenerados, conforme [6][6] D. Park, Introduction to the Quantum Theory (MacGraw-Hill, New York, 1974), 2ª ed., exite uma única autofunção associada ao autovalor , logo é um múltiplo escalar de , ou seja, existe tal que
e é simultaneamente uma autofunção de H e . Os autovalores dos operadores de translação estão relacionados pela condição (8) que, por um lado nos dá
e por outro lado,
De onde vem que os autovalores devem satisfazer
Sejam os d vetores primitivos do reticulado de Bravais, onde d é a dimensão do reticulado. Podemos escrever na forma fazendo uma escolha adequada dos 's. Note que o operador não é necessariamente auto-adjunto, logo seus autovalores não precisam ser reais. Segue por sucessivas aplicações de (13) que se v é um vetor qualquer do reticulado de Bravais dado por
então
o que é precisamente
onde e os 's são os vetores do reticulado recíproco satisfazendo . Portanto, conforme [4][4] N.W. Ashcroft e N. D. Mermin, Solid States Physics (Cengage Learning, Inc, Califórnia, 1976)., mostramos que podemos escolher os autoestados de H tais que para todo vetor v do reticulado de Bravais, vale
precisamente o que queriamos demonstrar.
Outras boas referências são [7][7] S. Fujita e K. Ito, Quantum Theory of Conducting Matter (Springer, New York, 2007). e [8][8] C. Kittel, Introduction to Solid State Physics (John Wiley and Sons, Nova Iorque, 1996) 7ª ed..
3. Reticulado Colméia
Nos cristais, os átomos ou os núcleos são distribuídos em uma rede periódica (digamos a rede por simplicidade) de uma maneira completamente regular. Conforme [3][3] C.L. Fefferman e M.I. Weinstein, R.J. Amer. Math. Soc. 25, 1169 (2012)., vamos assumir que uma partícula (elétron) no ponto é estimulada por um potencial da forma devido a um átomo (ou íon, ou núcleo) localizado no ponto . Aqui, a constante q (carga ou constante de acoplamento, em termos físicos) poderia ser absorvida na função f. No entanto, uma vez que vamos variar essa quantidade de átomo para átomo mais tarde, é útil escrever o potencial da forma acima. Então, em um cristal regular, nossa partícula está exposta a um potencial total
A função f é chamada de potencial de um único sítio para distinguir do potencial total V. O potencial V em (18) é periódico com respeito ao reticulado , ou seja, para todo e . A teoria matemática dos operadores de Schrödinger com potenciais periódicos está bem desenvolvida e baseia-se em uma análise minuciosa das propriedades de simetria dos operadores periódicos. Por exemplo, sabe-se que tais operadores apresentam, em geral, um espectro com estrutura de banda, isto é, para ,
Este espectro também é conhecido como sendo espectro absolutamente contínuo, todavia, a maioria dos sólidos não constitui cristais ideais [3][3] C.L. Fefferman e M.I. Weinstein, R.J. Amer. Math. Soc. 25, 1169 (2012)..
Considere o reticulado colméia, ilustrado na Figura 1(a), onde os vértices são representados como pontos pretos e brancos e as arestas como segmentos entre dois vértices.
[9][9] K. Ando, Annales Henry Poincaré 14, 347 (2013). O reticulado colméia visto como um grafo.
O reticulado hexagonal pode ser visto como um modelo discreto do grafeno, que é uma chapa de carbono de camada única, bidimensional e com estrutura de colméia. Assim, operadores de Schrödinger discretos no reticulado hexagonal podem ser considerados como Hamiltonianos discretos sobre o grafeno. Em física, o grafeno é um dos mais interessantes objetos devido ao comportamento peculiar dos elétrons, e operadores de Schrödinger discretos são largamente utilizados para investigar o grafeno. Outra abordagem é no estudo de grafos quânticos. Ando, em [9][9] K. Ando, Annales Henry Poincaré 14, 347 (2013)., considera o reticulado colméia como um grafo, cuja redistribuição dos sítios torna o reticulado uma “parede de tijolos” como na Figura 1b, o que facilita bastante a construção da matriz truncada do operador e, por consequência, o cálculo dos autovalores de tal matriz. A abordagem que utilizaremos para construção do potencial, de Fefferman e Weinstein [3][3] C.L. Fefferman e M.I. Weinstein, R.J. Amer. Math. Soc. 25, 1169 (2012)., não abre mão da geometria do reticulado original. Note que a complexidade do reticulado estará embutida no potencial, então construir a matriz levando em conta um grafo mais simples do reticulado não eliminará a influência do reticulado original.
3.1. Teoria de Floquet-Bloch
Considerando-se uma base em e o reticulado
a célula do período fundamental é denotada por
O espaço das funções que são periódicas com respeito ao reticulado é denotado por . Considerando-se um período , então se, e somente se, para e ,
Como no produto escalar usual, temos onde x está no reticulado direto e y está no reticulado recíproco, ou dual. Ainda, dada uma matriz M, que age sobre x no reticulado direto, satisfaz onde é a matriz transposta de M. Por conta disso, precisamos também da noção do reticulado dual, , definido como
onde e são os vetores do reticulado dual, satisfazendo as relações . Se então f pode ser expandida em séries de Fourier
com coeficientes dados por
onde representa a área da célula de período fundamental .
Seja V(x) o potencial real periódico com relação a , ou seja, para e ,
Para cada , o problema do autovalor de Floquet-Bloch é dado por
onde , e , cujas soluções, em , são chamados de estados de Floquet-Bloch[3][3] C.L. Fefferman e M.I. Weinstein, R.J. Amer. Math. Soc. 25, 1169 (2012)..
Como a solução do problema do autovalor ((27) e (28)) é invariante por mudança de variáveis , onde , o reticulado periódico dual, os autovalores e autofunções de (27) e (28) podem ser considerados como funções -periódica de k, o que é suficiente para restringir a atenção para k variando sobre um célula primitiva, o que é feito para utilizar-se a primeira zona de Brillouin, , definida como o fecho do conjunto dos pontos , que está mais próximo da origem do que de qualquer outro ponto do reticulado dual. Para , defina
satisfazendo, para e ,
onde
O problema do autovalor (30) e (31) tem um espectro discreto dado por
com autopares , para . O conjunto pode ser tomado como um conjunto ortonormal completo em (conforme Teorema Espectral, veja [10][10] M.M. Skriganov, Geometric and Arithmetic Methods in the Spectral Theory of Multidimensional Periodic Operators (American Mathematical Society, Providence, 1987).). A funções são chamadas funções de dispersão de bandas. Como k varia sobre , varre um intervalo fechado da reta real. O espectro de em é a união desses intervalos fechados
Para mais detalhes, veja [3][3] C.L. Fefferman e M.I. Weinstein, R.J. Amer. Math. Soc. 25, 1169 (2012)..
3.2. O reticulado periódico e seu dual
Seja o reticulado gerado pelos vetores da base
e o reticulado dual é gerado pelos vetores da base dual
onde , e , de onde vem e .
Por [3][3] C.L. Fefferman e M.I. Weinstein, R.J. Amer. Math. Soc. 25, 1169 (2012)., a primeira zona de Brillouin, , é um hexágono em representado na Figura 2.
[3][3] C.L. Fefferman e M.I. Weinstein, R.J. Amer. Math. Soc. 25, 1169 (2012). Zona de Brillouin, , e a base dual . Os outros vértices de são obtidos via aplicação de R.
Denotando por K e os vértices de , estes são dados por e . Todos os seis vértices podem ser gerados pela aplicação de uma matriz de rotação, R, que roda um vetor em em um ângulo de no sentido horário, levando um vértice preto K em outro vértice preto (R(K)), que por sua vez é levado por R no último vértice preto do hexágono, , pois se rodarmos mais uma vez no sentido horário (o que significa aplicar R mais uma vez), fechamos o ciclo e voltamos ao vértice preto K, já que . O mesmo acontece com os vértices azuis .
A matrix R é dada por
Os vértices de caem em dois grupos, gerados pela ação de R sobre K e : os ponto de tipo K, satisfazendo
ou seja,
e da mesma forma,
então,
e os pontos de tipo , da mesma forma satisfazem
Além disso, a matriz
aplica o reticulado periódico nele mesmo. Em particular, , e . Para mais detalhes, veja [3][3] C.L. Fefferman e M.I. Weinstein, R.J. Amer. Math. Soc. 25, 1169 (2012)..
3.3. Potencial Colméia
Para qualquer função f definida em , por [3][3] C.L. Fefferman e M.I. Weinstein, R.J. Amer. Math. Soc. 25, 1169 (2012)., defina
onde R é a matriz de rotação dada em (37). Um potencial real V é um potencial colméia se existe tal que
tem as seguintes propriedades:
-
1.
Para todo e , ;
-
2.
;
-
3.
é -invariante, ou seja,
onde é a matriz de rotação que gira um vetor no sentido anti-horário, isto é,
Dados os pontos e , os quais pertencem a uma célula unitária periódica de . Definindo os reticulados triangulares de tipo A e de tipo B, e , respectivamente, a estrutura de colméia, , é definida como a união desses dois reticulados triangulares
e representada na Figura 3.
[3][3] C.L. Fefferman e M.I. Weinstein, R.J. Amer. Math. Soc. 25, 1169 (2012). Parte da estrutura de colméia .
Seja uma função radial, suave e com decrescimento rápido, a qual é vista como um “potencial atômico”. Então
é um potencial associado com “átomos” em cada sítio da estrutura de colméia . Pondo na equação (45), V(x) satisfaz as condições do potencial reticulado de colméia.
Outro potencial interessante é o potencial ótico no reticulado de colméia [3][3] C.L. Fefferman e M.I. Weinstein, R.J. Amer. Math. Soc. 25, 1169 (2012).. O invólucro do campo elétrico de um feixe de luz quase monocromático propagando-se através de um meio dielétrico com perfil de índice de refração bidimensional satisfaz a equação de Schrödinger linear
onde z denota a direção de propagação do feixe e a direção transversa. As variações do índice de refração são dados por um potencial de forma aproximada a
Proposição 3.1[3][3] C.L. Fefferman e M.I. Weinstein, R.J. Amer. Math. Soc. 25, 1169 (2012). Seja V um potencial do reticulado colméia e assuma que é um ponto do tipo K ou . Se é uma solução do problema do autovalor de Floquet-Bloch ((27) e (28)) com , então é também uma solução de (27) e (28) com .
Demonstração. Definindo
e assumindo, sem perda de generalidade, que , se então . Assim
de onde aplica
nele próprio. Além disso, para , logo
pela invariância do Laplaciano por rotações. Denotando e , temos
de onde em . Em particular, , logo , então é também uma solução de (27) e (28).
Considere o potencial V(x) cuja série de Fourier é dada por
Como [3][3] C.L. Fefferman e M.I. Weinstein, R.J. Amer. Math. Soc. 25, 1169 (2012)., temos
pois e , logo
Assim, . Da mesma forma, implica . Introduzindo a aplicação agindo nos índices dos coeficientes de Fourier de V,
temos
Ainda, e . Além disso, qualquer pertence a uma órbita de de comprimento três. De fato, se , então , ou seja . Se , então , logo .
Suponha que m e n são não nulos. Dizemos que se m e n pertencem ao mesmo 3-ciclo. A relação é uma relação de equivalência, que particiona em classes de equivalência, . Denote por o conjunto consistindo de exatamente um representante de cada classe de equivalência. Temos, portanto, a seguinte caracterização em séries de Fourier para potenciais do tipo reticulado colméia:
Proposição 3.2 [3][3] C.L. Fefferman e M.I. Weinstein, R.J. Amer. Math. Soc. 25, 1169 (2012). Seja V(x) um potencial reticulado colméia, com . Então,
onde é real e é definida na equação (60).
Demonstração. De fato, como , então
Como , temos
Como para , segue
4. Reticulado cúbico simples
Entre os reticulados espaciais mais simples encontramos o reticulado cúbico, o qual tem sua célula do período fundamental formada por um cubo regular, ou seja, oito vértices igualmente espaçados e seis faces idênticas. A este, o qual será tratado aqui, denomina-se reticulado cúbico simples. Se adicionarmos um ponto no centro do cubo de período fundamental, o modelo muda substancialmente, tornando-se um reticulado cúbico centrado no corpo, em tradução livre (em inglês, BCC). Se, ao invés disso, adicionarmos um ponto em cada face, teremos um reticulado cúbico centrado na face (FCC). Estes dois modelos são duais entre si, ou seja, o reticulado dual (ou recíproco) do reticulado BCC é um FCC, e vice-versa. Para mais detalhes, consulte [4][4] N.W. Ashcroft e N. D. Mermin, Solid States Physics (Cengage Learning, Inc, Califórnia, 1976).. No caso do reticulado cúbico simples, seu dual é ele próprio e sua primeira zona de Brillouin é muito mais simples que nos reticulados BCC e FCC, retratadas graficamente na Figura 4. Faremos uma abordagem parecida com a abordagem de [3][3] C.L. Fefferman e M.I. Weinstein, R.J. Amer. Math. Soc. 25, 1169 (2012). no reticulado colméia no plano, dividindo os vértices do cubo em dois conjuntos de quatro vértices e, em cada conjunto, obtendo a partir de um vértice do conjunto os outros três através de uma matriz de rotação tridimensional. Esta matriz será a mesma para os dois conjuntos. Por fim, descreveremos um potencial periódico cujo argumento dependa da órbita de tal matriz.
[4][4] N.W. Ashcroft e N. D. Mermin, Solid States Physics (Cengage Learning, Inc, Califórnia, 1976). Primeira zona de Brillouin para os reticulados a)BCC e b)FCC.
Sejam uma base ortonormal (vetores primitivos) em , o reticulado
a célula do período fundamental
o parâmetro relativo ao comprimento de cada aresta da célula de período fundamental e o espaço das funções periódicas com respeito ao reticulado , denotado por . Considerando-se um período , temos se, e somente se, para e ,
O reticulado dual, , também será um reticulado cúbico simples, cujo comprimento de cada aresta é , e é dado por
onde , e satisfazem as relações para . Se então f pode ser expandida em séries de Fourier
com coeficientes dados por
onde representa o volume da célula de período fundamental .
Um potencial é um potencial real periódico com relação a se, para e , vale
4.1. O reticulado e seu dual
Considere uma base ortonormal, logo cada vetor tem comprimento um, de , por exemplo,
e uma base dual de (vetores primitivos do espaço recíproco) de comprimento dados por
onde , . Por [4][4] N.W. Ashcroft e N. D. Mermin, Solid States Physics (Cengage Learning, Inc, Califórnia, 1976)., a primeira zona de Brillouin, , é também um reticulado cúbico simples, e é representada na Figura 5.
[4][4] N.W. Ashcroft e N. D. Mermin, Solid States Physics (Cengage Learning, Inc, Califórnia, 1976). Primeira zona de Brillouin com relação ponto C no reticulado dual. Os planos de Bragg são as faces do cubo de vértices A e intersectam ortogonalmente as faces do cubo de vértices B de modo que a distância entre cada plano de Bragg o ponto C seja idêntica a distância entre o plano de Bragg e o vértice B mais próximo.
Denotando por K e dois vértices adjacentes de , escolhidos como e . Todos os oito vértices podem ser gerados pela aplicação de uma matriz S dada por
tal que e . Os demais iterados de S em K e geram os outros seis vértices do cubo, retratados na Figura 6. Além disso, temos , e . Tais vértices caem em dois grupos, gerados pela ação de S sobre K e : os ponto de tipo K, satisfazendo
A matriz S transforma pontos brancos em pontos brancos. Da mesma forma, leva pontos pretos em pontos pretos.
logo
ou seja,
da mesma forma,
então,
ainda,
logo,
Já os pontos de tipo , da mesma forma satisfazem
Além disso, a matriz
aplica o reticulado periódico nele mesmo. Em particular,
4.2. Potencial cúbico simples
A partir da construção do potencial do tipo colméia, construiremos um potencial periódico tridimensional nos mesmos moldes. Para qualquer função f definida em defina
onde é a matriz (88). Um potencial real V será uma adaptação do potencial colméia se existe tal que
tem as seguintes propriedades:
-
1.
Para todo e , ;
-
2.
;
-
3.
é -invariante, ou seja,
onde é a matriz (88), e por ser ortogonal,
Proposição 4.1 Seja V um potencial do reticulado cúbico simples e assuma que é um ponto do tipo K ou . Se é uma solução do problema do autovalor de Floquet-Bloch (tridimensional, adaptando (27) e (28)) com , então é também uma solução com .
Demonstração. Definindo
e assumindo, sem perda de generalidade, que , se então . Assim
uma vez que, para e , ,
e , de onde aplica
nele próprio. Além disso,
para , logo
pela invariância do Laplaciano por rotações. Denotando e , temos
de onde em . Em particular, , logo , então é também uma solução das equações adaptadas (27) e (28).
Considere o potencial cuja série de Fourier é dada, para , por
Como , adaptando [3][3] C.L. Fefferman e M.I. Weinstein, R.J. Amer. Math. Soc. 25, 1169 (2012). e aplicando ao nosso caso, temos
pois , e . Assim, . Da mesma forma, implica
logo . Ainda, implica
. É esperado que nos faça retornar aos índices iniciais. De fato,
Introduzindo a aplicação agindo nos índices dos coeficientes de Fourier de V,
temos
Ainda, e . Além disso, qualquer pertence a uma órbita de de comprimento quatro. De fato, se , então , ou seja . Se , então , logo , mas o vetor pertence a uma órbita de comprimento dois, e como dois é divisor de quatro, este também pertence a uma órbita de comprimento quatro. Se , então , logo .
Suponha que m e n são não nulos. Dizemos que se m e n pertencem ao mesmo 4-ciclo. A relação é uma relação de equivalência, que particiona em classes de equivalência, . Denote por o conjunto consistindo de exatamente um representante de cada classe de equivalência. Temos, portanto, a seguinte caracterização em séries de Fourier para potenciais cúbicos simples:
Proposição 4.2 Seja um potencial cúbico simples com . Então,
onde é real e é definida na equação (105).
Demonstração. De fato, como , então
Como , temos
Como para , segue
5. Considerações Finais
Baseados nos resultados de [3][3] C.L. Fefferman e M.I. Weinstein, R.J. Amer. Math. Soc. 25, 1169 (2012). obtidos sobre uma rede bidimensional do tipo colméia, adaptamos para um rede cúbica simples uma caracterização via séries de Fourier para potenciais periódicos dos operadores de Schrödinger. Tal resultado é relevante pois ele garante que qualquer potencial assumindo condições necessárias de simetria no reticulado pode ser reescrito de forma muito mais simples como somas de cossenos.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao professor Leonardo de Lima pela revisão minuciosa de parte deste trabalho, ao professor Tobias Heimfarth pelas conversas e ao referee anônimo pelas contribuições sem as quais este trabalho não seria viabilizado.
Referências
- [1] M. Massimi, Pauli's Exclus ion Principle: The Origin and Validation of a Scientific Principle (Cambridge University Press, Cambridge, 2005).
- [2] J.J. Sakurai, Modern Quantum Mechanics (Cambridge University Press, Cambridge, 1994).
- [3] C.L. Fefferman e M.I. Weinstein, R.J. Amer. Math. Soc. 25, 1169 (2012).
- [4] N.W. Ashcroft e N. D. Mermin, Solid States Physics (Cengage Learning, Inc, Califórnia, 1976).
- [5] F. Bloch, Zeitschrift für Physik 52, 555 (1929).
- [6] D. Park, Introduction to the Quantum Theory (MacGraw-Hill, New York, 1974), 2ª ed.
- [7] S. Fujita e K. Ito, Quantum Theory of Conducting Matter (Springer, New York, 2007).
- [8] C. Kittel, Introduction to Solid State Physics (John Wiley and Sons, Nova Iorque, 1996) 7ª ed.
- [9] K. Ando, Annales Henry Poincaré 14, 347 (2013).
- [10] M.M. Skriganov, Geometric and Arithmetic Methods in the Spectral Theory of Multidimensional Periodic Operators (American Mathematical Society, Providence, 1987).
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
14 Set 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
-
Recebido
25 Maio 2020 -
Revisado
30 Jun 2020 -
Aceito
09 Jul 2020