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Lentes de gelatina

Gelatin Lenses

Resumo

Neste trabalho apresentamos um aparato de baixo custo, lúdico e de fácil acesso para experimentação na área de óptica geométrica. A simplicidade da montagem e a facilidade do manuseio favorecem a aplicação deste projeto, que se propõe a construir lentes esféricas com gelatina comestível. Com o auxilio de gabaritos de papel, feitos no formato desejado, foi possível cortar a gelatina de modo que ela ficasse no formato de uma lente esférica. Utilizando esses materiais, medimos o índice de refração da gelatina a partir da Lei de Snell e medimos a distância focal de uma lente convergente. Também foi possível realizar uma simulação do funcionamento do cristalino presente no olho humano. Ao esticar e comprimir a lente de gelatina é possível observar a alteração da posição do seu foco, ilustrando o mecanismo de acomodação que ocorre em nossos olhos.

Palavras-chave:
óptica geométrica; experimentação; ensino; Física

Abstract

We describe a low-cost and playful apparatus for geometrical optics experiments that uses everyday materials. The experimental setup is simple and easy to manipulate, and it entails making spherical lenses with Jell-O. Using paper templates, created in the desired shape, we cut the Jell-O in the format of a spherical lens. Using these materials, we measured the refraction index of the lenses using Snell's Law and measured the focal distance of a convergent Jell-O lens. Using a Jell-O lens, we simulated how the crystalline lens in the human eye works. By stretching and compressing the Jell-O lens, it is possible to observe a change in the focal position, illustrating the mechanism of accommodation that occurs in the human eye.

Keywords:
Geometric Optics; experimentation; teaching; Physics

1. Introdução

Um elemento fundamental para a formação da cidadania de um individuo é o entendimento da natureza que o cerca. Essa é uma das funções do ensino das Ciências Básicas nas escolas. As disciplinas como Física, Química e Biologia se incubem da função de desenvolver o espírito crítico do estudante com o exercício do método científico [1][1] M. Krasilchik, São Paulo em Perspectiva 85, 14 (2000).. Muitos estudos que visam diagnosticar e melhorar a qualidade do ensino de Ciências apontam que iniciativas como experimentação e instrumentação ajudam o docente a aproximar o conteúdo ensinado da realidade do aluno, auxiliando na visualização dos fenômenos, elucidando suas aplicações e tornando as disciplinas mais atraentes [2[2] M.S.T. de Araujo e M.L. Abib, Rev. Bras. Ensino Fís 176, 25 (2003)., 3[3] M.F. Thomaz, Cad. Cat. Ens. Fís 360, 17 (2000).].

Nas aulas de Física, dentre os grandes temas estudados, a óptica é uma área que se destaca pela possibilidade da visualização dos fenômenos que são apresentados aos alunos. O estudo de efeitos como a reflexão, a refração, a difração, dentre tantos outros, possibilita a compreensão do funcionamento de elementos ópticos e da formação de imagens. Apesar desses fenômenos estarem presentes no cotidiano dos estudantes em instrumentos ópticos bastante conhecidos, tais como: óculos, lupas, câmeras fotográficas, telescópios, microscópios, lunetas, dentre tantos outros, existe uma grande dificuldade, por parte dos alunos, em compreender e visualizar esses fenômenos.

Assim, para auxiliar no entendimento dessa parte da Física seria muito importante realizar experimentos nos quais os alunos pudessem visualizar de maneira simples alguns fenômenos. No ensino fundamental e médio, quando há disponível laboratórios, isso é feito normalmente com o uso de lentes comerciais. Geralmente essas lentes possuem um elevado custo e por isso, muitas vezes, as escolas não possuem acesso a esse aparato experimental. Quando disponíveis, os alunos acabam sendo privados de manuseá-los pois podem ser facilmente danificados. Além disso, essas lentes são vendidas em geometrias pré-definidas, não permitindo que alunos experimentem novos formatos conforme as suas curiosidades.

Neste trabalho vamos descrever a construção de lentes usando gelatina incolor comestível. Esse material é de baixo custo e pode ser facilmente encontrado nos mercados. Além disso, o aparato experimental proposto pertence ao cardápio da grande maioria dos alunos, fazendo com que os fenômenos apresentados por esse experimento sejam mais próximos de seu cotidiano, dando a ele um aspecto lúdico. É possível encontramos trabalhos sobre a construção de lentes com gelatina [4][4] M. Branca e I. Soletta, The Physics Teacher 249, 41 (2003). utilizando moldes de garrafa de politereftalato de etileno (PET) [5][5] P. Bunton, The Physics Teacher 421, 35 (1997).. O presente trabalho propõe um método simplificado e flexível de produção das lentes utilizando gabarito de papel e uma faca para cortar a gelatina, assim como instruções detalhadas para medir o índice de refração da gelatina e para uma caraterização sistemática das lentes.

2. Refração e Lentes

Um fenômeno bastante importante da óptica e presente em nosso cotidiano é o comportamento da luz quando ela passa de um meio para outro meio distinto. Este efeito é denominado refração e está ilustrado na Figura 1.

Figura 1
Ao atingir com um ângulo θ1 a interface que separa dois meios dielétricos, parte do feixe de luz é refletido e parte penetra no segundo meio sendo refratado, formando um ângulo θ2 com a normal.

Considere uma superfície que separa dois meios dielétricos e uma reta imaginária normal a essa superfície, passando pelo ponto onde um raio de luz incide, vindo do meio 1 e estendendo ao longo do meio 2. Note que estamos considerando a descrição do fenômeno usando óptica geométrica, que é uma visão simplificada baseada em noções de raio [6][6] D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentos de física, volume 4: óptica e física moderna (LTC, Brasil, 2016), v. 4, p. 448.. Ao atingir com um ângulo θ1, em relação à normal, a interface que separa dois meios, parte do feixe de luz é refletida e parte é refratada, emergindo no meio 2 com um ângulo θ2, em relação à normal.

A Lei de Snell descreve a relação quantitativa entre o ângulo de incidência do feixe luminoso monocromático (θ1), o ângulo do raio refratado (θ2) e os índices de refração n1 e n2 dos meios 1 e 2, respectivamente [6][6] D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentos de física, volume 4: óptica e física moderna (LTC, Brasil, 2016), v. 4, p. 448.:

(1) n 1 × seno θ 1 = n 2 × seno θ 2 .

O índice de refração (n) é dado pela razão entre a velocidade da luz no vácuo (c2,998×108 m/s) e a velocidade da luz no meio em que se propaga (v): n=c/v.

O fenômeno da refração é a base das lentes ópticas convencionais. Essas lentes podem ser definidas como sendo constituídas por um meio transparente limitado por duas superfícies curvas, ou por uma superfície curva e outra plana. Uma lente é denominada esférica quando as duas faces forem esféricas ou uma esférica e outra plana [7][7] D. Gonçalves, Física: Termologia, ótica, Ondas (Ed. Ao Livro Técnico, São Paulo, 1979), 3ª ed., p. 97. e pode ser classificada em convergente ou divergente.

Lentes biconvexas são convergentes quando o índice de refração do meio no qual a lente está inserida for menor que o índice de refração do material da lente. Nesse caso, quando raios de luz paralelos ao eixo óptico da lente atingirem a sua primeira interface, os raios refratados se aproximarão da linha imaginária normal à primeira superfície. Ao emergir da lente pela segunda interface, os raios irão novamente sofrer refração afastando-se da normal, convergindo para uma posição denominada de ponto focal ou foco da lente (F), como ilustrado na Figura 2 a). Já lentes bicôncavas são divergentes devido à sua geometria. Esse tipo de lente não apresenta um foco real. Para essas lentes podemos definir um foco virtual prolongando os raios que emergem da segunda interface, conforme ilustrado na Figura 2 b). Os raios de luz podem incidir de ambos os lados da lente, portanto, para lentes simétricas, a mesma terá dois focos simétricos em relação ao centro da lente.

Figura 2
a) Lente biconvexa e b) Lente bicôncava. Em vermelho os raios incidentes e em verde as retas normais às respectivas interfaces. O ponto "F" é o foco da lente e "f" a distância focal para o caso particular de uma lente delgada. A linha preta marca o eixo óptico das lentes.

No caso de uma lente delgada esférica, cuja espessura é muito menor do que os raios de curvatura, a distância focal f da lente é dada pela Equação do Fabricante de Lentes [6][6] D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentos de física, volume 4: óptica e física moderna (LTC, Brasil, 2016), v. 4, p. 448.:

(2) 1 f = ( n 1 ) ( 1 R 1 1 R 2 ) ,

onde n é o índice de refração da lente, R1 e R2 são os raios de curvatura das surperfícies da lente, como mostra a Figura 3. Por convenção, considera-se o raio de curvatura positivo para a face convexa e negativo para a face côncava [6][6] D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentos de física, volume 4: óptica e física moderna (LTC, Brasil, 2016), v. 4, p. 448.. Para lentes espessas, cuja largura não possa ser desprezada a Equação do Fabricante de Lente deve ser modificada e a distância focal medida em relação aos planos principais da lente. Para uma discussão mais aprofundada desse assunto ver referência [7][7] D. Gonçalves, Física: Termologia, ótica, Ondas (Ed. Ao Livro Técnico, São Paulo, 1979), 3ª ed., p. 97..

Figura 3
Um esquema mostrando o plano que contém o centro de duas esferas de raios R1 e R2. A lente esférica biconvexa é obtida a partir da região de interseção (região pintada na Figura) das duas esferas de materiais transparentes.

3. Elementos ópticos de Gelatina

Para montarmos os elementos ópticos foi utilizada gelatina incolor sem sabor. Gelatinas coloridas e/ou com sabor não deram certo, pois não atingiram a consistência necessária e também derreteram com facilidade durante o manuseio. Vale destacar que o objetivo desse trabalho é que os alunos construam eles mesmos suas lentes e as manipulem durante os experimentos. Por isso é necessário que a gelatina resista tempo suficiente para que os estudantes experimentem os efeitos da luz nos elementos ópticos conforme a sua curiosidade. A gelatina foi preparada de acordo com as instruções do rótulo e colocada para curar por 8 horas em geladeira. Foi utilizado um recipiente com o fundo plano e liso para que não houvessem deformações nas lentes e estas pudessem ser facilmente desenformadas. Após curada, a gelatina foi retirada do recipiente sem qualquer dificuldade e então cortada no formato desejado. Em nosso caso, a gelatina suportou ficar até 8 horas fora da geladeira sem perder a sua consistência mesmo sendo cortada e manipulada para os experimentos.

Com o objetivo de tornar o projeto mais acessível, lúdico e possibilitar que o aluno seja totalmente envolvido no processo de construção do experimento, foram desenhados vários formatos de lentes e outros componentes ópticos em uma folha de cartolina com o auxilio de um compasso e uma régua. Esses gabaritos foram propostos levando em consideração os formatos de lentes e outros componentes usualmente tratados em livros didáticos. Após escolhidos os gabaritos com o formato do elemento que se quer experimentar, eles foram posicionados em cima da gelatina e essa foi cortada no formato desejado usando uma faca. As lentes prontas com seus respectivos gabaritos podem ser vistas na Figura 4. Além desses, os alunos podem testar formatos que tenham curiosidade.

Figura 4
Algumas lentes cortadas seguindo os gabaritos feitos em folha de cartolina.

4. Fonte de Feixes Luminosos

Para realizar os experimentos e obter um resultado visualmente comparável aos descritos nas explicações esquemáticas dos livros-texto, ou como descrito na Seção 2, é preciso de alguma forma ver os feixes de luz. Assim precisamos de uma fonte de luz com feixes bem definidos, paralelos e que possam ser vistos a olho nu ao entrar na lente, dentro da lente e ao emergir da lente.

Foram testadas duas formas para a produção de feixes de luz paralelos. A primeira foi utilizando três módulos de diodo laser (MDL). Os módulos consistem de um diodo laser e uma lente de colimação montados em um invólucro de metal. Podem ser facilmente encontrados, a baixo custo, em lojas ou sites de compra na internet. São módulos comumente utilizados em ponteiras laser. O diodo laser utilizado produz um feixe colimado com 5 mW de potência em 650 nm. A alimentação (5 volts) dos lasers pode ser feita utilizando um carregador de celular ou um cabo USB ligado a um computador. Para ligar o MDL ao cabo USB basta retirar a ponta macho do cabo, descascar o fio e soldá-lo ao MDL, como mostra a Figura 5.

Figura 5
a) Cabo USB com uma das pontas cortada e soldada ao MDL. O polo positivo do MDL (fio vermelho) deve ser ligado ao polo positivo do USB (também vermelho). O polo negativo do MDL (fio azul) deve ser ligado ao respectivo polo negativo do USB (fio preto). b) Três MDLs em paralelos ligados a um carregador de celular. Os MDLs foram ligados da mesma forma citada no item "a".

Foram montadas uma fonte de luz com um único MDL e outra com 3 MDLs. Nesse último, os módulos foram colados em uma base, um de cada vez, tomando o cuidado para que os seus feixes de luz ficassem paralelos entre si. O primeiro laser diodo foi montado de tal forma que o seu feixe de luz estivesse no plano da base e perpendicular a sua lateral. Em seguida, o segundo foi colado e posicionado de modo que o seu feixe de luz estivesse paralelo ao do primeiro. Para isso foi usado uma folha de papel em que era marcado onde os dois módulos incidiam luz quando próxima dos lasers. Em seguida o papel era afastado e era verificado se eles incidiam nas mesmas posições. O mesmo procedimento foi adotado para colar o terceiro módulo de tal forma que os três feixes de luz ficassem paralelos.

A segunda forma de obter os feixes de luz foi utilizando apontadores laser comuns. Esses apontadores são comerciais, de baixo custo e podem ser facilmente encontrados. Entretanto, é importante destacar que esses apontadores não podem permanecer muito tempo ligados para evitar o seu aquecimento e, por consequência, a queima do laser. Por isso, caso seja escolhido esse método é necessário atentar-se para o tempo que as ponteiras permanecem ligadas. Para que os lasers permanecessem acesos, o botão liga foi mantido pressionado com fita adesiva. Uma foto dos apontadores utilizados pode ser vista na Figura 6. É fundamental garantir que os três feixes luz estejam paralelos também nesse caso. Caso o experimento demande um tempo longo, recomendamos o uso dos MDLs.

Figura 6
Apontadores laser utilizados para realizar testes nas lentes.

5. Os Experimentos

Para estudar o fenômeno da refração utilizamos a gelatina cortada no formato de um semicírculo. Esse formato permite que o feixe refratado pela primeira interface (ar-gelatina) incida sempre normal à segunda interface (gelatina-ar) para qualquer ângulo de incidência. Assim o feixe de luz não sofrerá desvio na segunda interface e o ângulo de saída corresponderá ao ângulo de refração na interface ar-gelatina. Foi utilizado um único módulo de laser nessa parte dos experimentos, mas poderia ser utilizado um apontador laser comum. A gelatina foi posicionada concentricamente sobre um transferidor impresso em folha de papel. Além disso, foram medidos com esse transferidor os ângulos de incidência e reflexão do feixe de luz, que devem ser iguais entre si. Isso garante a concentricidade dos centros do semicírculo e do transferidor e que a superfície no ponto de incidência da luz está perpendicular ao ângulo 0° do transferidor. Na Figura 7 é possível ver uma foto do experimento em que se destaca o feixe de luz vermelha do laser sendo refletido ao incidir na face reta do semicírculo e refratado ao passar do ar para a gelatina. O espalhamento da luz na gelatina, causado por partículas em suspensão e bolhas de ar, permite observar o feixe de luz ao atravessar o semicírculo. Para facilitar a visualização dos feixes de laser no papel pode ser utilizado um cilindro transparente para abrir verticalmente o feixe.

Figura 7
Experimento realizado para calcular o índice de refração da gelatina. Na imagem aparecem os feixes: incidente, refratado e refletido.

A Tabela 1 mostra os ângulos medidos com seus respectivos valores de seno e incertezas. A Figura 8 mostra o gráfico de seno de θ1 em função do seno de θ2. Utilizando a Equação (1) e sabendo que o índice de refração do ar (meio 1) é muito próximo de 1, temos que n2 é o coeficiente angular, ou a tangente, da curva formada pelos pontos do gráfico da Figura 8:

(3) seno θ 1 = n 2 × seno θ 2 .
Tabela 1
Valores obtidos no experimento de medição do índice de refração da gelatina.
Figura 8
Gráfico das medidas realizadas para calcular o índice de refração da gelatina através do ajuste linear da reta.

O valor do índice de refração da gelatina pode ser obtido facilmente imprimindo o gráfico e usando uma régua para traçar uma reta que melhor se ajusta aos pontos experimentais. A seguir, determina-se a tangente da reta traçada. Nesse caso é preciso tomar cuidado para que os eixos do gráfico possuam as mesmas escalas. Isso também pode ser feito pedindo para que os alunos construam um gráfico usando papel milimetrado.

Outra maneira de se obter n2 é utilizar o método de regressão linear [8][8] J.H. Vuolo, Fundamentos da teoria de erros (Ed. Edgard Blücher, São Paulo, 1992), 2ª ed., p. 171. para calcular o coeficiente angular da reta. A reta mostrada no gráfico da Figura 8 foi obtida com esse método e o índice de refração da gelatina obtido foi 1,33±0,01.

Para os experimentos com as lentes de gelatina, utilizamos os dois tipos de fonte de luz apresentados: módulos de diodo lasers montados em uma placa de acrílico e três apontadores laser. Realizamos experimentos com diversos formatos de lentes, como as mostradas na Figura 4. Apresentaremos somente os resultados obtidos com a lente biconvexa e os MDLs.

A lente biconvexa utilizada é simétrica e possui o raio de curvatura igual a (15,0±0,2) cm e espessura de (2,0±0,1) cm. A Figura 9 mostra a lente em cima de uma folha de papel milimetrado e a fonte de luz com três lasers incidindo sobre ela. Na imagem é possível notar que a lente possui um ponto de convergência para os feixes (foco), como foi visto na Seção 2, aproximando-se muito bem do esquema da Figura 2. Utilizando o papel milimetrado foi possível determinar a distância focal f = (20,5±0,5) cm medida a partir do centro da lente. Substituindo na Equação do Fabricante de Lentes, Equação (2): n=1,33±0,01, R1=(15,0±0,2) cm e R2=(15,0±0,2) cm, obtemos que a distância focal da lente deveria ser (22,7±0,9) cm. Deve-se considerar que diversos fatores influenciam o valor da distância focal e que não estão contemplados na Equação do Fabricante de Lentes, como por exemplo a espessura da lente [7][7] D. Gonçalves, Física: Termologia, ótica, Ondas (Ed. Ao Livro Técnico, São Paulo, 1979), 3ª ed., p. 97. e a aberração esférica [10[10] G.B. Friedmann e H.S. Sandhu American Journal of Physics 35, (1967)., 11[11] Se-yuenMak American Journal of Physics 55, (1987).]. Além disso, do ponto de vista prático, a distância focal da lente de gelatina pode ser fortemente afetada por inomogeniedades do índice de refração, bolhas de ar na gelatina, irregularidades das superfícies e paralelismo dos lasers.

Figura 9
Experimento realizado com uma lente de gelatina biconvexa sobre um papel milimetrado. Com o auxilio de uma régua e um lápis é possível traçar o caminho do feixe de luz e então a partir do encontro da três retas medir a distância focal da lente.

Outro experimento interessante que pode ser feito com as lentes de gelatina é a simulação do cristalino presente no olho humano. O cristalino é uma estrutura que se assemelha a uma lente biconvexa, gelatinosa e com grande elasticidade, localizada entre a pupila e o humor vítreo. Os raios de curvatura do cristalino são variáveis e controlados pelos músculos ciliares. O cristalino tem como função ajustar a distância focal para objetos localizados a distâncias diferentes, implementando um ajuste fino à focalização realizada pela córnea [9][9] O. Helene e A.F. Helene, Rev. Bras. Ensino Fís. 33, 3312 (2011).. Dada a maleabilidade da gelatina é possível esticar e comprimir as estruturas feitas com ela. Assim, em analogia ao funcionamento do cristalino no olho humano, comprimimos e alongamos, com as mãos, uma lente biconvexa e observamos a acomodação do seu foco. O resultado pode ser visto na Figura 10. Nessa parte do estudo utilizamos uma lente biconvexa de maior espessura a fim de que fosse mais fácil alongar e comprimir a lente. Na Figura 10 a) e 10 b) está indicado com um ponto o foco da lente quando ela não está sendo deformada. Na Figura 10 a) a lente está sendo comprimida e o ponto focal se aproxima da lente. Por outro lado, na Figura 10 b) a lente está sendo esticada e o ponto focal se afasta da lente.

Figura 10
Simulação do funcionamento do cristalino de um olho humano com uma lente de gelatina. Em a), a lente está sendo comprimida, enquanto que em b) ela está sendo alongada. O ponto preto no papel milimetrado é a marcação do foco da lente sem sofrer nenhum tipo de deformação.

6. Considerações finais

Nesse trabalho elaboramos experimentos que envolvem materiais de baixo custo e demonstram conceitos importantes relacionados à óptica geométrica, em particular ao funcionamento de lentes ópticas.

Além da considerável diminuição no custo desse tipo de aparato experimental, utilizando as lentes de gelatina é possível deixar o conteúdo mais lúdico e exploratório a medida que o estudante pode fazer sua própria lente e testar formatos que lhe forem interessantes, tornando-o, por tanto, agente ativo no processo de ensino-aprendizagem.

Os resultados quantitativos obtidos, como o índice de refração da gelatina e a distância focal das lentes, foram bastante satisfatórios dada a simplicidade do experimento e ao método artesanal com que as lentes foram feitas. Assim, esse experimento se mostra uma abordagem bastante interessante de óptica geométrica, além de possibilitar um interdisciplinaridade com biologia no que diz respeito a fisiologia do olho humano.

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer ao Prof. Dr. José Joaquín Lunazzi que contribuiu com frutíferas discussões na etapa inicial desse trabalho; ao engenheiro Antonio Carlos da Costa pela disponibilidade de um aparato experimental para primeiros testes; ao Vladimir Gaal pela disponibilidade no auxilio com a montagem dos lasers; ao Rafael Hensel pelo auxilio com as fotos; ao Instituto de Física "Gleb Wataghin" da Unicamp pela infraestrutura disponibilizada para o desenvolvimento deste trabalho.

Referências

  • [1]
    M. Krasilchik, São Paulo em Perspectiva 85, 14 (2000).
  • [2]
    M.S.T. de Araujo e M.L. Abib, Rev. Bras. Ensino Fís 176, 25 (2003).
  • [3]
    M.F. Thomaz, Cad. Cat. Ens. Fís 360, 17 (2000).
  • [4]
    M. Branca e I. Soletta, The Physics Teacher 249, 41 (2003).
  • [5]
    P. Bunton, The Physics Teacher 421, 35 (1997).
  • [6]
    D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentos de física, volume 4: óptica e física moderna (LTC, Brasil, 2016), v. 4, p. 448.
  • [7]
    D. Gonçalves, Física: Termologia, ótica, Ondas (Ed. Ao Livro Técnico, São Paulo, 1979), 3ª ed., p. 97.
  • [8]
    J.H. Vuolo, Fundamentos da teoria de erros (Ed. Edgard Blücher, São Paulo, 1992), 2ª ed., p. 171.
  • [9]
    O. Helene e A.F. Helene, Rev. Bras. Ensino Fís. 33, 3312 (2011).
  • [10]
    G.B. Friedmann e H.S. Sandhu American Journal of Physics 35, (1967).
  • [11]
    Se-yuenMak American Journal of Physics 55, (1987).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    25 Abr 2019
  • Revisado
    19 Ago 2019
  • Aceito
    03 Set 2019
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